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CARTA DO LEITOR

Ao Editor,

Gostaríamos de nos reportar à crônica do professor Clementina Fraga Filho, relativa ao novo convênio padrão INAMPS/Hospitais de Ensino, publicada no Boletim da Associação Brasileira de Educação Médica, no 3, 1982.

Seu conteúdo otimista desperta algumas reflexões que formulamos à guisa de subsídio para debate.

Permitimo-nos fazê-lo por acreditarmos oportunos o intercâmbio de pontos de vista e a divulgação de resultados alcançados pelas diferentes instituições de ensino médico, a partir da utilização de um mesmo instrumento de ativação de seus Hospitais Universitários.

Só o testemunho da experiência pode validar a eficácia de uma declaração de intenções, ou reduzi-la ao vazio substantivo de um mero elenco de pretextos. Cada hospital de ensino tem muito o que dizer a respeito, e prestará, se o disser, uma contribuição preciosa para os avanços, ou recuos, que se devem esperar na evolução deste novo convênio.

Daí a decisão de comunicarmos um pouco do que temos a dizer, produto de uma visão conceitual, desenvolvida, durante dez anos, como professor e, durante dois, como Diretor da Fundação Faculdade Regional de Medicina de São José do Rio Preto.

As Faculdades de Medicina, como a nossa, que cobram anuidades escolares, ficaram estigmatizadas com o pejorativo indevido de “escolas particulares”. A denominação é de todo imprópria, se não injusta, ou equivocada.

Com efeito, estas faculdades não são empresas privadas de ensino. São, quando muito, arremedas de Fundação, porque carecem da sustentação garantida por um patrimônio inicial rentável. Não têm do nos. E não os têm justamente porque não representam um empreendimento lucrativo, sendo até mesmo inevitavelmente deficitárias, considerados os elevados custos dos investimentos mínimos necessários às exigências de um curso médico.

Todo mundo sabe disso. E ninguém ignora que a receita das anuidades escolares não perfaz, sequer, o montante das despesas com a folha de pagamento dos professores.

Trata-se, à evidência, de uma curiosa modalidade de ensino público, derivada do empenho comunitário, subordinada aos limites da legislação federal pertinente e ao controle estrito dos organismos federais de educação, embora subsista sem os mesmos recursos orçamentários que asseguram o funcionamento das instituições públicas. São públicas pela própria natureza, mas permanecem na categoria de “particulares”, porque não são incluídas no orçamento do Estado ou da União, sendo obrigadas a cobrar a anuidade escolar, como alternativa de sobrevivência.

Estranha forma de viver, a destas instituições. Daí tenderem, invariavelmente, ao impasse, debilitando-se no desajuste de crises intermináveis.

A proposição de uma minuta única de convênio para os hospitais de ensino das faculdades públicas e das “particulares” encerra o reconhecimento implícito de que, se existem diferenças de forma, falecem as distinções de substância entre estas instituições.

Esta constatação, aparentemente insignificante, descortina, a nosso ver, uma enorme perspectiva para o futuro das faculdades consideradas particulares.

O convênio torna viável, no momento, o repasse, ainda que de maneira indireta, de subsídios do orçamento da União para estas escolas, e evidencia a possibilidade de se lhes conferir um estatuto jurídico mais consentâneo com a sua real natureza pública.

Algumas faculdades deste grupo - a nossa entre elas - devem sua sobrevivência exclusivamente ao convênio que, além de propiciar ao seu hospital de ensino as condições de realizar os objetivos conceitualmente mencionados pelo Professor Clementino Fraga em seu artigo, transformou-o na principal fonte geradora de recursos para a própria existência da escola.

Nossa Fundação assinou o convênio em setembro de 1980, vencendo a oposição de poderosos interesses privados que conduziram-na a exaustão econômica e a violenta crise, debelada ao longo de onze meses de intervenção federal.

Sua receita, praticamente única era, até então, a anuidade escolar. O Hospital de Base, desativado, sem credibilidade, sem clientela. O endividamento se avolumara até tangenciar a fronteira da insolvência.

No segundo ano de vigência do convênio e de institucionalização das reformas estruturais procedidas no curso da intervenção, o quadro é de completa redenção econômico-financeira, com equilíbrio entre uma receita quintuplicada e a despesa, compromissos anteriores saldados e crédito recuperado.

O Hospital Universitário, completamente restaurado no seu patrimônio, modernizado nas instalações, atualizado em equipamento e revigorado no seu quadro de pessoal, emerge como centro de referência do sistema regionalizado de saúde, de que fala o Professor Clementino Fraga.

Já não se poderá mais valorizar qualquer planejamento de saúde da região que não envolva a participação efetiva de Faculdade de Medicina e seu hospital de ensino, seja pela extensão e qualidade da assistência médica preventiva e curativa que vem prestando à população, seja pela experiência adquirida na economia de custos de serviços ou, ainda, pela primazia do seu desempenho, como instituição formadora de recursos humanos para a saúde.

O resultado alcançado vale como demonstração da tese que defendemos.

A Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto somente ressurgiu da crise a partir do instante em que recebeu o tratamento de escola pública, beneficiando-se, então, do dispositivo criado pelo Governo para o fortalecimento e diferenciação das instituições do ensino médico.

Esta forma de tratamento igualitário, concretizada no convênio padrão, salvou a Fundação, deu viabilidade à Faculdade de Medicina e elevou o hospital de ensino à categoria de centro de referência regional.

Resta a esperança de que as omissões e as demasias do convênio continuem sendo corrigidas, em busca do aprimoramento das vias governamentais de repasse orçamentário, importante para a melhoria das faculdades declaradamente públicas e vitais para a sobrevivência das faculdades virtualmente públicas, mas declaradas “particulares”.

Dioclécio Campos Junior
Diretor da Fundação Faculdade Regional de Medicina de São José do Ria Preto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1982
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