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CONVÊNIO MEC-MPAS: ANÁLISE DE 6 ANOS DE VIGÊNCIA NA UNIVERSIDADE PEDERAL DE UBERLÁNDIA

Têm sido inúmeras as discussões travadas ao longo da história da Universidade brasileira sobre a questão do financiamento dos hospitais de ensino101. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Ministério da Previdência Social. Minuta-padrão de convênio com hospitais universitários de ensino para prestação de serviços médico-assistenciais. 1982.. Dentre os diversos modelos existentes, destacou-se nos últimos anos o convênio firmado entre o MEC e o MPAS para os referidos hospitais, convênio este denominado “global”. A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) vem-se utilizando dessa forma de financiamento desde 1975, constituindo e numa das primeiras universidades brasileiras a fazer uso dela e tendo acumulado, desde então, expressiva experiência no assunto.

O presente trabalho procura levantar, ao longo da última década, alguns indicadores de desempenho do complexo hospitalar e ambulatorial da UFU, referentes a consultas, internamentos, contratação de pessoal; ampliação da área física, aquisição de equipamentos, recursos financeiros, etc., procurando correlacioná-los aos períodos pré e pós-convênio. São mostrados, também, resultados de um instrumento de mensuração de atitudes aplicado ao corpo docente e comparativo em relação aos 2 períodos citados. Comenta-se ainda, e de maneira: destacada, as conclusões do I Seminário de Ensino Médico realizado em 1981 na UFU, no qual se evidenciaram os posicionamentos dos corpos docente e discente em relação ao convênio. Em um e outro momento foram relevados aspectos referentes à integração entre ensino e assistência médica202. GOULART, Flávio A. & OLIVEIRA, Flávio J. Dantas de - Convênio MEC-MPAS; Análise de seis anos de vigência na Universidade Federal de Uberlândia. I.: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 19., Recife, 15-8 nov. 1981. Anais. Rio de Janeiro, ABEM, 1982. p. 134..

Os autores esperam contribuir para maior aprofundamento e discussão do tema junto à comunidade universitária, já que esta é uma questão proeminente e de alta pertinência em relação a área da saúde na universidade brasileira contemporânea.

O CONVÊNIO GLOBAL

Até 1974 a Previdência Social, através do então INPS, dispunha de uma única maneira de remuneração dos serviços prestados pelas instituições hospitalares no atendimento aos seus previdenciários. Este era o convênio por US (Unidade de Serviço), igual tanto para hospitais de ensino, como para casas de saúde privadas de fins lucrativos.

No convênio por US a Previdência remunera os serviços prestados de acordo com tabela própria, onde são fixados os valores dos diversos procedimentos por unidade de serviço (a título de exemplo, uma consulta médica está tabelada em 8 US, valendo cada US, em julho de 1982, Cr$ 60,00). Os hospitais de ensino levavam desvantagem, pois, entre outros fatores, tinham muitos exames complementares glosados, algumas internações longas (“casos de ensino”) não eram adequadamente consideradas e algumas vezes, surgiram reclamações de que o preço da tabela em US não cobria o custo real do procedimento médico, gerando prejuízos sucessivos.

Em 1974, o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, estudando a crise dás hospitais universitários, fazia recomendação no sentido de que o Ministério da Previdência estabelecesse como prioridade a utilização do Hospital Universitário para prestação de serviços. a seus beneficiários. Para tal, seria necessário um tratamento diferenciado, que levasse em conta não apenas os aspectos assistenciais, mas enfocasse também os aspectos de formação e pesquisa médica. Daí o convênio global, fruto da articulação entre os Ministérios da Educação e Previdência Social, que teve sua minuta-padrão assinada em 23 de outubro do mesmo ano.

A diferença básica entre o convênio global e o convênio por US está em que no primeiro é pago um valor fixo global para o atendimento ambulatorial/hospitalização do paciente, in­ dependentemente dos serviços complementares e terapêuticos que tenha absorvido (exceto alguns procedimentos especializados como endoscopia, radioterapia, quimioterapia e outros que estão sendo remunerados), e do número de dias em que o paciente ficou internado no hospital. Com isto, estimula-se uma menor taxa de permanência do doente e um uso discriminado de exames complementares a serem controlados pelo hospital convenente.

Na atual minuta-padrão, aprovada para 1982303. LANDMANN, Jayme - Política Nacional de Saúde. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1980., a cláusula primeira estipula que a convenente se obriga a prestar assistência médica integral, em ambulatório e leitos hospitalares, à clientela da Previdência Social constituída pelos beneficiários urbanos e rurais. A cláusula segunda define a assistência pactuada como compreendendo cuidados de prevenção, de tratamento e de recuperação, de natureza clínica e cirúrgica, em ambulatório e hospital, serviços complementares de diagnóstico e tratamento e assistência odontológica, farmacêutica, social, de nutrição e de enfermagem303. LANDMANN, Jayme - Política Nacional de Saúde. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1980..

O INAMPS, por seu turno, obriga-se a contribuir, mensalmente, com um subsídio resultante de:

  1. multiplicação do número de altas hospitalares pelos valores constantes na tabela de preços baixada pela Secretaria de Serviços Médicos do MPAS (observando-se número e tipos de altas hospitalares mensais e tempo de permanência adequado aos cuidados referidos em cada caso);

  2. multiplicação do número de consultas médicas pelo valor tabelado correspondente, sendo o limite de consultas definido pelo resultado do produto do número de consultórios em funcionamento por 1152.

A estas parcelas, somam-se os valores dos procedimentos especializados (ambulatoriais e hospitalares) e pequenas cirurgias em ambulatório.

É importante ressaltar que as tabelas de preços obedecem a uma classificação hospitalar que o INAMPS periodicamente realiza, em função dos recursos humanos e materiais, do desempenho hospitalar e da complexidade das ações que o hospital esteja apto a realizar (o Hospital das Clínicas da UFU está enquadrado, atualmente, na categoria “A”).

Por outro fado, a cláusula sexta define que “o INAMPS e a CONVENENTE ajustam participar do planejamento conjunto e integrado dos Programas de Saúde, com o estabelecimento de níveis hierarquizados - de assistência, dentro de um sistema regionalizado de prestação de serviços, em que o Hospital Universitário ou de Ensino participe como Centro da REFERÊNCIA, com definição das ações e das atribuições das instituições que o integram”303. LANDMANN, Jayme - Política Nacional de Saúde. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1980..

A Assistência Médica:

Os gráficos 1, 2 e 3 e a tabela 1 abrangem este tópico. Pode-se comprovar neles o expressivo crescimento da demanda de pacientes de consultas ambulatoriais, de emergência e internações de 1972 a 1980, principalmente a partir de 1975, quando da implantação do convênio MEC­MPAS na Instituição. O ambulatório apresenta, particularmente, crescimento quase exponencial das consultas.

TABELA 1
Indicadores hospitalares: HCX outros hospitais de Uberlândia. 1980.

Quanto à relação entre previdenciários e não-previdenciários; verifica-se que no Pronto-socorro estes últimos apresentam-se em maior proporção do que no caso do Hospital. Esta diferença talvez se explique pela maior ênfase no esclarecimento da situação previdenciária de pacientes que se internam, do que no caso daqueles que apenas procuram o Pronto-Socorro. Não se pode afastar também uma certa limitação dos internamentos de não-previdenciários (especialmente entre 1977 e 1979), já que estes internamentos, não sendo cobertos pelo convênio, oneram a Instituição.

A tabela 1 compara o número de internações e a média de permanência hospitalar entre o Hospital das Clínicas e a Rede Hospitalar da cidade de Uberlândia. Pode-se observar que o primeiro detém cerca de 61% das internações e possui, além do mais, média de permanência de pacientes duas vezes superior à da rede privada, fato que está de acordo com os propósitos didáticos e de pesquisa do Hospital Universitário.

O Crescimento Físico da Area de Saúde:

Os gráficos 4, 5 e 6 e a tabela 2 esclarecem quanto a este tópico. Pode-se observar pelos dados que apresentam que em relação a número de leitos, área construída, pessoal docente e “ativo fixo”, o crescimento constituiu regra geral, mormente após 1974. As construções tiveram seu apogeu nos anos de 1978 e 1979.

TABELA 2
Número de docentes do Curso Médico

A Percepção dos Professores e Alunos:

Este item foi parcialmente analisado através da aplicação do instrumento denominado “Diferencial Semântico” à totalidade dos docentes do Curso Médico em atividade desde o período pré-convênio, sendo possível recuperar 90% de respostas. Esta é uma técnica de mensuração de atitudes desenvolvida em 1953 por Osgood e cola borradores404. OSGOOD, C.; SUCI, G.J. & TANNENBAUM, P.H. - The measurement of Meaning. Illinois, Univ. Press, 1957.. A mensuração de atitudes é obtida através do posicionamento do respondente em várias escalas simples definidas por adjetivos bipolares, comportando diferenças de graus. Assim a primeira escala do questionário inquiria sobre a integração entre o ensino e assistência, sendo as polaridades representadas pelos adjetivos inadequada e adequada, e com quatro graus de opção:

  • 0 = Neutralidade

  • 1 = Ligeiramente

  • 2 = Bastante

  • 3 = Extremamente

Desta forma, resulta uma informação qualitativa ou diretiva da atitude geral (adequada, inadequada ou indefinida) bem como o grau de intensidade de escolha (ligeiramente, bastante, extremamente). No caso específico do presente trabalho, solicitava-se para cada item a percepção atual do docente a propósito de como era antes e como era depois da implantação do convênio global no Hospital das Clínicas da UFU.

A análise dos dados provenientes da aplicação do referido instrumento - ver tabelas 3, 4, 5 e 6 - mostra que, na percepção dos docentes do curso médico da UFU, não parece ter havido mudanças extremas do ponto de vista qualitativo, quanto ao ensino, à pesquisa, à assistência médica e à locação de recursos, nos períodos pré e pós-convênio, o que não se dá quando a análise é dirigida para o plano quantitativo (crescimento geral das atividades). Numa tentativa de sintetizar os dados obtidos, poder-se-ia sistematizá-los da maneira seguinte:

  1. Aspectos que permaneceram inalterados:
    • Integração do ensino com a assistência médica;

    • Adequação do modelo assistencial;

    • Qualidade do ensino;

    • Produção científica;

    • Qualidade do sistema de financiamento;

    • Satisfação pessoal.

  2. Mudanças favoráveis:
    • Suficiência da demanda de pacientes;

    • Conhecimento da nosologia regional;

    • Condições de trabalho;

    • Remuneração dos docentes;

    • Facilidades para exames complementares;

    • Encaminhamento de pacientes para procedimento externos;

    • Adequação e suficiência das instalações;

    • Disponibilidade de equipamentos.

  3. Mudanças desfavoráveis:
    • Dificuldade para internação e permanência de pacientes;

    • Inadequação da autonomia frente ao INAMPS;

    • Burocratização de procedimentos.

TABELA 3
Percepção dos Docentes da Universidade quanto ao Ensino e à Pesquisa

TABELA 4
Percepção dos Docentes quanto à Assistência Médica

TABELA 5
Percepção dos Docentes quanto aos Recursos Existentes

TABELA 6
Percepção dos Docentes quanto à Avaliação Global de Assistência e Ensino

Além disto, foi percebida uma mudança quanto à atividade prioritária da instituição, referida como “ligeiramente - bastante: Ensino” antes do convênio e “ligeiramente: Assistência” depois do mesmo, à qual se julgou mais adequa­ do não atribuir juízo valorativo (“favorável/desfavorável”).

Outro parâmetro utilizado para a avaliação de percepções foi a súmula dos resultados do I Seminário de Ensino Médico (I SEM) realizado em maio de 1981 na UFU. Neste evento, que contou com a participação e o envolvimento expressivo dos corpos docente e discente do Curso de Medicina, foram realizadas discussões em grupos sobre cada um dos temas tratados previamente em conferência e mesas-redondas. As conclusões dos grupos foram consolidadas em documento único aprovado pela Assembléia Geral de encerramento do Seminário e divulgado amplamente a seguir(5) . Os quadros 1 e 2 foram retirados desse documento e são praticamente auto-explicativos.

QUADRO 1

QUADRO 2

Embora originários de instrumentos muito diferentes entre si, os dados fornecidos pelo “diferencial semântico” citado acima e aqueles surgidos após ampla discussão no I SEM mostram marcantes concordâncias. A este respeito, os quadros 1 e 2 podem ser devidamente cotejados com os itens 2 e 3 da discussão acima (mudanças favoráveis e desfavoráveis).

CONCLUSÃO

Em linhas gerais, pode-se perceber que mudanças favoráveis ocorridas dizem respeito justamente ao inegável crescimento quantitativo havido nas instalações, equipamentos, remuneração de docentes, demanda de pacientes para ensino e novas perspectivas terapêuticas e diagnósticas que se tornaram acessíveis aos doentes. Por outro lado, os pontos negativos apontados se relacionam mais diretamente com aspectos-político-institucionais, com excessiva burocratização, inadequada autonomia da instituição perante o INAMPS, necessidade de reaplicação dos recursos na própria área médica, desinformação dos docentes quanto à aplicação destes recursos, transmissão de um modelo empresarial de assistência médica ao alunado. Já aqueles itens que não mostram alterações na percepção dos entrevistados, antes e após convênio, parecem refletir algo mais o que aspectos meramente quantitativos ou mesmo de natureza político­ institucional. Desta maneira, a percepção da integração do ensino com a assistência, a produção cientifica, a satisfação pessoal dos docentes, o padrão de ensino configuram-se como aspectos estreitamente vinculados à qualidade do curso médico, de cuja análise, nos dois períodos considerados, se infere um comportamento estacionário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 01
    BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Ministério da Previdência Social. Minuta-padrão de convênio com hospitais universitários de ensino para prestação de serviços médico-assistenciais 1982.
  • 02
    GOULART, Flávio A. & OLIVEIRA, Flávio J. Dantas de - Convênio MEC-MPAS; Análise de seis anos de vigência na Universidade Federal de Uberlândia. I.: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO MÉDICA, 19., Recife, 15-8 nov. 1981. Anais Rio de Janeiro, ABEM, 1982. p. 134.
  • 03
    LANDMANN, Jayme - Política Nacional de Saúde Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1980.
  • 04
    OSGOOD, C.; SUCI, G.J. & TANNENBAUM, P.H. - The measurement of Meaning. Illinois, Univ. Press, 1957.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1983
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