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RESIDÊNCIA MÉDICA E MESTRADO NA ÁREA PROFISSIONAL DA MEDICINA

Desde o início da Residência Médica, introduzida, na Cirurgia, por Halstedt, em 1889, e, na Clínica Médica, por Osler, em 1900, na Universidade John Hopkins, a experiência de todos os países que a adotaram mostra que esta modalidade de pós-graduação está definitivamente consolidada como a ideal para a formação do especialista na área profissional da Medicina. Implantada no Brasil, nos meados da década de 40, no Hospital do IPASE, no Rio de Janeiro, e no Hospital das Clínicas da USP, vem-se constituindo em núcleos geradores de Residência de alto nível, de onde têm surgido excelentes especialistas, bem como docentes e pesquisadores de ponta.

Sempre expressamos nossa opinião de ter sido um equívoco a aplicação do Mestrado e Doutorado no campo profissional da Medicina. Estes Cursos são mais adequados a outras áreas do conhecimento, tais como as humanísticas e tecnológicas. O Conselho Federal de Educação (CFE) poderia ter simplesmente - encampado, reconhecido e regulamentado a Residência Médica das Instituições de Ensino Superior, de modo a preservar sua filosofia pedagógica e, conseqüentemente, o padrão elevado que a deve caracterizar. A carreira do magistério, estruturada em moldes que privilegiassem o acesso às etapas sucessivas, mediante concursos, certamente asseguraria a continuidade do aprimoramento docente. Entretanto, cabe admitir que parece ser irreversível a pós-graduação stricto sensu implantada no País através do Parecer 977/65 do CFE (Parecer Sucupira) mantido pela Resolução 5/83 do mesmo órgão, no que se refere à organização e ao regime didático-cientifíco. A despeito de muitos cursos carecerem de estrutura adequada para o ensino e de condições mínimas para a pesquisa, conforme dados apresentados no Simpósio Nacional sobre Pós-Graduação na Area Médica, promovido pela CAPES e pelo CNPq, em 1984, evidenciaram-se, no conclave, as vantagens indiscutíveis que têm resultado do conjunto do sistema. Citemos a contribuição para a melhoria da qualificação docente, maiores recursos para a pesquisa, equipamentos e instalações dos laboratórios e, como decorrência, aumento da produção científica, tanto quantitativa, como qualitativa.

O próprio Parecer Sucupira desaconselha a instituição do Mestrado em Medicina. A época da elaboração desse Parecer, a Residência Médica completava 20 anos no País, habilitando especialistas, com pleno êxito, com um mínimo de 2 anos de aprendizado, em dedicação exclusiva. Há, atualmente, programas de Residência com duração de três e quatro anos em determinadas áreas, em conformidade com normas da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).

Por outro lado, o II Plano Nacional de Pós­Graduação (1982-1985) afirma textualmente: "Certas áreas do conhecimento, no entanto, pouca afinidade têm com a pós-graduação stricto sensu, tal como hoje é concebida no Brasil. Ainda não foram consistentemente exploradas outras alternativas, seja identificando as áreas onde as exigências deste tipo de pós-graduação se mostram inadequadas, seja buscando modalidades de Mestrado e Doutorado com características diferentes. Por sua vez, pouca importância é dada a formas de qualificação como o aperfeiçoamento e a especialização, cujo valor formal para a carreira do magistério vem sendo minimizado". A nosso ver, o conceito se ajusta à pós­ graduação na área profissional da Medicina, em especial à Residência Médica.

Falamos aqui da Residência Médica de elevado padrão científico, como cumpre ministrar-se em Instituições de Ensino Superior, que propicie a aquisição de conhecimentos avançados, de habilidades e técnicas, objetivando a formação do especialista completo, quer se destine ele ao exercício profissional exclusivo, ou ao ingresso no magistério. Excluem-se as Residências que se constituem em mera complementação dos Cursos de Graduação deficientes, ou em solução para o problema do mercado de trabalho médico.

Ao curso de especialização, em que se deve estruturar a Residência Médica, por força da exigência do Decreto 80.281/77, que a institucionalizou, cabe oferecer um conteúdo programático que esgote todos os aspectos da área específica, com 5.600 a 11.200 horas, conforme a especialidade, de aprendizado dinâmico e artesanal, distribuídas em treinamento prático e em ensino teórico, sendo este limitado a 20% (Resolução 04/78 da CNRM e Lei 6.932/81). No campo profissional da Medicina, há que ser antes um especialista competente para tornar-se um docente qualificado. Não se justifica, portanto, repetir em um Curso de Mestrado todo o corpo de conhecimentos já oferecido na Residência. Saliente-se que no ciclo básico da Medicina os candidatos ao Mestrado, ou Doutorado, têm acesso direto, em seguida ao término do Curso de Graduação, ao passo que no ciclo profissional a Residência constitui um pré-requisit o para aqueles cursos, conforme Resolução 11/77 do CFE. Esta condiciona, ainda, o credenciamento de cursos de Mestrado e Doutorado à existência de programas de Residência Médica na área de concentração respectiva.

Desde o início da década de 70, vários educadores médicos têm defendido a proposição no sentido de regulamentar a concessão do título de Mestre aos médicos que concluírem a Residência Médica, credenciada pela CNRM, desde que sejam atendidas as seguintes exigências: obtenção de créditos adicionais em Pedagogia Médica, Didática Especial, Estudo de Problemas Brasileiros, Deontologia e Metodologia Científica; participação em trabalhos de pesquisa e elaboração de uma dissertação, ou tese.

Essa proposta foi apoiada, em maio de 1981, pelo Grupo de Trabaiho da CAPES e da CNRM, e por Consultores da CAPES, em novembro de 1981. No Simpósio Nacional de Pós-Graduação de 1984, acima referido, o Secretário Executivo da CNRM propôs que a medida fosse concretizada em determinadas Instituições com tradição de pesquisa.

Destarte, teríamos uma modalidade de Mestrado peculiar à área profissional da Medicina, na qual a Residência, a par de ser pré-requisito, faria jus a créditos correspondentes ao aprendizado da área específica de concentração. Acreditamos que haveria vantagens na adoção do novo modelo, cuja avaliação estará assegurada pela exigência do recredenciamento qüinqüenal dos cursos de pós-graduação.

Já o doutorado objetivará maior aprofundamento dos programas de estudo com elenco diversificado de disciplinas, bem como exigirá pesquisa original na elaboração da tese, que represente efetiva contribuição para a área do conhecimento.

Entendemos que a pós-graduação stricto sensu deverá concentrar-se, preferencialmente, nas grandes áreas da Medicina - Clínica Médica, Cirurgia, Pediatria, Tocoginecologia -, acrescidas da Medicina Preventiva e Social, valorizando, de modo coerente, a função docente nos setores prioritários da assistência médica. Dados de 1984 revelam que 60,7% dos cursos credenciados são oferecidos pelas especialidades clínicas e cirúrgicas, enquanto apenas 23,6% o são nas quatro grandes áreas e 5,4% em Saúde Coletiva, que inclui Medicina Preventiva e Saúde Pública. Há que reverter esses percentuais, embora se reconheça o papel imprescindível do docente especializado nos cursos de graduação e pôs-graduação e na educação médica continuada, tanto do médico geral, como do especialista.

Confiamos em que o exercício da autonomia universitária possa tornar viável os anseios de mudanças já amõdurecidos e reclamados pela pós-grad uação profissional da Medicina.

Tancredo Furtado
Diretor, Faculdade de Medicina UFMG

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1985
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