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TECNOLOGIA EDUCACIONAL NA FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA A SAÚDE

Resumo:

Tendo definido tecnologia educacional como o emprego do conhecimento científico e da experiência acumulada na solução de problemas, o autor procura caracterizar os aspectos fundamentais da formação de recursos humanos básicos para a saúde. Discute a importância da mudança do marco conceituai da organização do setor saúde de assistência para cobertura, para que se atinja a meta “Saúde para todos no ano 2000”. Ressalta a necessidade de se realizar, concomitantemente, a mudança do marco conceitual da estruturação do setor educação de ensino para aprendizagem, como etapa fundamental para assegurar preparação, de recursos humanos aptos a enfrentar a realidade sanitária e garantir a continuidade do processo educacional. Enfatiza o papel hegemônico do Serviço de Saúde na definição do tipo de recurso humano a ser formado e salienta, em conseqüência, a importância dos programas de integração docente-assistencial. Indica, finalmente, o papal da tecnologia educacional na viabilidade de tal estratégia docente.

Summary:

Accepting Educational Technology as the aplication of scientific knowledge and experience to the solution of problems concerning the education and training of human resources, the author discusses the basic problems related to health manpower development. He emphasizes the importance of the shift from the concept of health assistance towards the concept of health coverage in the organization of the Health System as a basic condition to achieve the goal of Health for all in the year 2000. The author stresses also the need to reorganize the Educational System changing its structural axis from Teaching to Learning and indicates this step as a fundamental one to assure the formation of human resources able to cope with the sanitary problems of the population and to garantee the continuity of the educational process. Accepting the hegemonic role of the Health Service in the modelling of health manpower, he points-out consequently the importance of the Teaching-Service Integration Programs and emphasizes the value of the educational technology in the development of these programs.

Tecnologia educacional é o emprego do conhecimento científico e da experiência acumulada na solução de problemas. Assim, para que se possa discutir o seu papel na formação de recursos humanos para a saúde, há que se definir, antes de tudo, quais os problemas a serem abordados nesse campo da educação.

A tendência dos programas orientados para melhorar e proteger a saúde da população tem sido a de reconhecer a saúde como um direito de todo e qualquer homem e não um privilégio de alguns. Saúde para todos no Ano 2000 é o novo moto da Organização Mundial de Saúde e, subscrito pelos Ministérios da Saúde e Governos das nações do planeta, passou a ser meta universal e objetivo maior a ser atingido. Mas para que se alcance Saúde Para Todos no Ano 2000 devemos mudar o conceito em torno do qual se estruturaram e funcionavam os serviços de saúde, da assistência para a cobertura.

Assistência é um conceito que denota uma atitude passiva do provedor de serviços, que atende a quem o procura. Indica uma baixa responsabilidade social porque os serviços só se consideram responsáveis pelos seus pacientes. Em verdade, poucos (se algum) considerar-se-iam responsáveis se uma criança morresse de difteria na casa da esquina; a responsabilidade, com freqüência, é limitada pelo umbral da porta do Hospital, ou Centro de Saúde. Porque não é responsável socialmente, a assistência convive com qualquer tipo de organização de serviços já que os mesmos não necessitam ser estruturados com a racionalidade necessária a garantir saúde para todos.

Cobertura, ao contrário, é um conceito que denota, necessariamente, uma atitude ativa do provedor de serviços, já que caracteriza a aceitação de uma responsabilidade social. Cobrir uma população significa ser responsável pela sua saúde. Para isso, é necessário planejar a organização de serviços na decorrência da população a ser coberta, de suas características e problemas, e buscar a integração dos esforços de outros setores de atividade, como educação, saneamento, economia e obter a cooperação essencial da própria comunidade. Regionalização e Hierarquização de serviços de saúde são conceitos fundamentais na organização desses serviços, se se quiser garantir a cobertura desejada. Ou seja, há que se definir que serviços são responsáveis pela cobertura de uma população definida (adscrição de clientela) e organizá-los de forma racional, ou hierarquizada, na decorrência dos problemas e dimensão da população coberta.

Ampliação da cobertura é, por isso mesmo, um conceito equivocado, porque se refere apenas ao aumento da oferta de serviços e maior facilidade de acesso da população a esses serviços, denotando ainda o conceito passivo de assistência. Cobertura não se amplia! Ou há cobertura efetiva, ou não há. E sem regionalização de serviços não se poderá oferecer cobertura e ser responsável pela saúde da população.

Da mesma maneira, se se quiser formar recursos humanos responsáveis e aptos a trabalhar nos vários níveis de atenção que caracterizam os serviços regionalizados e hierarquizados, há que se mudar o conceito básico de organização das atividades educacionais de ensino para aprendizagem.

Aceitar o conceito de ensino significa centrar o processo educacional no professor, e caracterizar o aluno como objeto desse processo.

É em torno do ensino que estão estruturadas escolas e faculdades. Programam-se, em conseqüência, as aulas; controla-se a freqüência às mesmas; organizam-se currículos com cargas horárias definidas, porque centrados na atividade do professor. O professor, por sua vez, acha que sua responsabilidade é ensinar, dar a matéria, sem se preocupar, freqüentemente, com o aprendizado dos seus alunos.

Há que se mudar, pois, para o conceito de aprendizagem, aceitando o aluno como agente ativo, e não apenas objeto do processo educacional.

Para que o processo educacional esteja centrado no aluno, deve-se reconhecer que cada aluno aprende com características próprias, tais como:

  • aptidão, ou tempo que necessita para aprender a matéria;

  • motivação, ou interesse pelo aprendizado da matéria;

  • conhecimentos prévios, que facilitem o seu aprendizado;

  • perseverança, ou tempo que está disposto a gastar para aprender;

  • estilo de aprender, ou maneira com que prefere interagir com a matéria.

CARROL11. CARROL, J. B. Model of school learning. Teach. Coll. Rec., 64:723, 1963. foi o primeiro a definir a aptidão como sendo igual ao inverso do tempo necessário para aprender uma matéria. Sendo uma variável biológica, a aptidão de um grupo de alunos, em relação a uma matéria determinada, se distribui de acordo com uma; curva de distribuição normal de freqüência, ou curva de Gauss. Assim, há alunos de maior aptidão e que necessitam menor tempo para aprender e outros de menor aptidão que gastarão maior tempo para dominar o assunto. Se se fixa o tempo de interação dos alunos com a matéria é óbvio que teremos resultados de aprendizagem variáveis: T = K e A = V; ou seja, se o tempo for constante, a aprendizagem será variável. Por que não fazer T = V e obtermos A = K, ou seja, por que não fixarmos como constante o resultado da aprendizagem, e não o tempo? Porque o processo educacional está centrado no professor que define o momento e a hora de aprender! Pela mesma razão, explicam-se os baixíssimos rendimentos observados nos programas educativos disseminados por TV em broadcast onde o aluno também tem que aprender naquela vez e naquela hora.

Centrar o processo educativo no aluno signiica deixá-lo interagir com a matéria oferecida, se possível, em vários formatos (livros, audio-visuais, seminários, discussão em grupo, aulas expositivas etc), tantas vezes quanto necessitar para aprender. Se se grava urna aula expositiva, por exemplo, o aluno poderá ouvir de novo o professor, quando quiser e quantas vezes achar necessário.

Há que se transformar a Biblioteca, onde a matéria de regra está contida em um só formato (impresso ou visual-fixo), em Centro de Oportunidades de Aprendizagem, onde o aluno encontrará a matéria a ser aprendida em vários formatos. Por que não oferecer oportunidade, por exemplo, de aí o aluno rever lâminas de preparações histopatológicas em microscópios, ao invés de imitá-lo a aprender durante a aula de microscopia? Há que se oferecer, ao mesmo tempo, sistemas de auto-avaliação formativa que permitam monitorar o aprendizado do aluno e indicar ao mesmo prescrições de estudo, de modo a assegurar o seu domínio da matéria. Tal sistema garantirá, ainda, um conhecimento sobre o aprendizado individual e do conjunto de alunos, possibilitando ao professor, agora sentindo-se responsável pelo aprendizado dos seus alunos, oferecer seminários adicionais, discussões em grupo e outras oportunidades de aprender para melhorar o rendimento do processo educativo.

Tornar o aluno o sujeito do processo educacional significa fazê-lo aprender a aprender, fazê-lo buscar a informação que necessita de maneira ativa e comprometida. Só assim poderemos esperar que o processo educacional seja um processo permanente e garantir desta forma a atualização contínua d seu conhecimento.

Por outro lado, há que se reconhecer que o sistema de saúde e hegemônico. Isto significa reconhecer que é a organização do sistema de saúde que determina os tipos de recursos humanos que aí irão trabalhar. E o sistema de saúde que ajusta os técnicos e profissionais formados em diferentes escolas, de modo que, como indica SANAZARO44. SANAZARO, P. J. Quality and quantity of medical care and contributions to scientific Knowledge as eva1uation criteria. Workshop paper, Fourth World Conference on Medical Education, Copenhagen, 1972., torna-se muito difícil indicar-se na prática diária, 10 anos após sua formatura, a faculdade que graduou um médico.

As faculdades de Medicina da América Latina formam alunos ajustados à prática profissional dominante, ou seja, assistência médica, com ênfase na atenção especializada, de nível secundário e terciário. Mudando-se o marco conceitual do sistema de saúde para cobertura há que se propor então, e só então, a formação dos alunos, de forma integrada, em todo o sistema regionalizado e hierarquizado de serviços de saúde. Prevalecerá, nesse momento, o conceito de integração docente-assistencial tão falado e tão pouco compreendido. Integração docente-assistencial não é usar serviços de saúde não ligados ã faculdade como campo de prática dos alunos, como se fossem salas, ou locais adicionais de ensino. Nem é criar um programa extra-muros para que o aluno seja exposto à realidade social, ou incorporar o aluno ao trabalho de um Centro de Saúde para que aprenda a fazer curativos, dar injeções, vacinar e acompanhar gestantes, ou seguir uma família ao longo de certo tempo. Integração docente-assistencial é a imersão da escola no sistema de saúde, participando de toda a sua problemática e podendo, em conseqüência, estruturar programas educativos centrados no aluno e como parte do real.

A escola não pode continuar sendo uma abstração, um “parentesis na vida”33. VARGAS LLOSA, M História de Mayta. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1984. p. 52., um pocesso de elaboração teórica sobre o real. Tem que fazer parte do real e, o entendendo plenamente, propor câmbios que assegurem uma melhoria da qualidade de vida, parâmetro último de toda a atividade humana.

A escola descomprometida de FLEXNER22. FLEXNER, A. Universities, american, english, german. New York, Oxford University Press, 1930. não pode mais existir se quiser ser reconhecida e apoiada pela comunidade. O isolamento e a falta de integração da universidade na sociedade explicam a apatia e o descaso com que são encaradas as longas greves dessas instituições na América Latina. As atividades de escolas e hospitais universitários param 3, 4 meses e a população não se dá conta disso, mostrando de forma clara e contundente que as atividades dessas instituições são acessórias, pois elas estão à margem da vida.

A escola deve desenvolver três tipos de atividade: organizar oportunidades sistematizadas de aprendizagem. para os alunos, participar da vida comunitária no seu campo de atuação e pesquisar novos conhecimentos, registrando-os e difundindo-os. Mas, em qualquer dessas atividades ela deverá estar sempre embutida no real para ser necessária e relevante.

No campo da saúde, a escola deverá integrar-se de forma comprometida, ou seja, definindo claramente sua responsabilidade, nos serviços regionalizados e hierarquizados de saúde, garantindo a educação permanente de seus recursos humanos, em todos os níveis, desenvolvendo pesquisas, difundindo e propondo aplicação prática de novos conhecimentos, introduzindo uma instância crítica no trabalho diário, debatendo novos conceitos e experiências, de modo a assumir um papel de promotor contínuo da mudança e da melhoria dos serviços de saúde, visando a promover as condições de vida da população.

Para resolver esses problemas, há que utilizar a tecnologia educacional, seja ela incorporada a equipamentos e veiculada através de produtos tecnológicos, como programas audio-visuais e de uso da computação, seja ela não incorporada e transmitida como metodologias, processos, estratégias e táticas.

Expandir o limite da escola para a própria sociedade, criar Centros de Oportunidade de Aprender, estabelecer mecanismos de auto-avaliação formativa e, pois, de correção do processo educativo, tornar o aluno partícipe do processo, e não apenas expectador do mesmo, enfatizar, conseqüentemente, a auto-instrução, a aprendizagem em serviço e o trabalho em equipe orientado por objetivos comuns, são metas a serem alcançadas através da tecnologia educacional.

Finalmente, ter como parâmetro de todo o processo a melhoria da qualidade de vida do homem, sem o que a tecnologia acaba por ser um fim em si mesma.

Referências bibliográficas

  • 1
    CARROL, J. B. Model of school learning. Teach. Coll Rec, 64:723, 1963.
  • 2
    FLEXNER, A. Universities, american, english, german. New York, Oxford University Press, 1930.
  • 3
    VARGAS LLOSA, M História de Mayta Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1984. p. 52.
  • 4
    SANAZARO, P. J. Quality and quantity of medical care and contributions to scientific Knowledge as eva1uation criteria. Workshop paper, Fourth World Conference on Medical Education, Copenhagen, 1972.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 1985
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