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Educação Médica: Compromisso de Quem? Uma Abordagem Discente da Questão

Medical Education: Who is responsible? A Student´s Approach to the Question

Resumo:

Faz-se uma rápida análise dos diversos envolvidos com a Educação Médica sob o ponto de vista dos compromissos assumidos. São avaliados os momentos da educação médica - graduação, pó-graduação e educação continuada - e como o governo, a escola, o estudante, os serviços de saúde, o professor e o médico estão ou não cumprindo seus compromissos e responsabilidades, valorizando a função social que a escola e o professional de saúde deveriam exercer atualmente.

Palavras-chave:
Educação Médica; Responsabilidade Social

Abstract:

The author provides brief analysis of the various actors involved in Medical Education from the point of view of the commitments they assume. The study evaluates both the various stages in medical education - undergraduate studies, graduate training, and continuing education and how the government, school of medicine, students, health services, faculty, and physicians either meet their commitments and responsibilities or fail to do so, while valorizing the social functions currently expected of medical schools and health professionals.

Key-words:
Education, Medical; Social Responsibility

APRESENTAÇÃO

Este ensaio foi construído tendo por base a opinião de alguns estudantes de Medicina do Brasil e as reflexões do autor acerca do tema proposto. Para isto, foram realizadas algumas entrevistas durante o XXX Encontro Científico dos Estudantes de Medicina, ocorrido de 16 a 23 de julho de 2000, em São Luís (MA). Ao entrevistado era perguntado apenas: “A Educação Médica é compromisso de quem? Justifique”. Essas entrevistas não pretenderam, em nenhum momento, formar um estudo quantitativo a fim de avaliar a frequência de determinada resposta, por exemplo. O interesse foi qualitativo, ou seja, eram esperadas as mais diversas respostas e justificativas, por se tratar de pessoas de diferentes origens e histórias pessoais, unidas apenas pelo fato de estarem se graduando em Medicina em algum lugar do País. Pelo mesmo motivo, não houve preocupação com a quantidade de entrevistados, mas sim com a variedade de seus perfis.

O consolidado das entrevistas e as citações bibliográficas uniram-se à discussão do autor acerca do tema para compor este ensaio.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios das civilizações humanas até hoje, muitas e variadas foram as relações da sociedade com a questão da saúde. Por vezes, a saúde esteve centrada nas mãos de “mágicos” e curandeiros, outras, nas mãos de sacerdotes e, finalmente nas mãos de profissionais médicos. Por outro lado, em algumas situações. Inclusive nas sociedades modernas, a responsabilidade pela atenção à saúde não se concentra numa categoria profissional e, sim, se difunde por órgãos de estado e segmentos da iniciativa privada, deixando ao paciente e aos profissionais de saúde o papel de meros coadjuvantes nesse cenário. De uma ou de outra maneira, a saúde sempre ocupou um lugar de destaque no conjunto das questões sociais11. Foucault M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro Forense Universitária, 1994..

Recentemente, a Constituição brasileira de 1988, hoje em vigor, deu mais um passo evolução das sociedades em relação à normatização da saúde, ao asseguror, como um direito inalienável, a saúde para todos os cidadãos brasileiros e fixar como um dever do estado cuidar para que as pessoas tenham esse direito garantido. Para isto, fica clara a necessidade de formular políticas que dêem conta dos mais diversos aspectos aí envolvidos, como a gestão dos serviços, a infra-estrutura e os recursos humanos, entre outros. Neste último ponto se concentra o nosso olhar neste ensaio, pois é a importância social da saúde que justifica uma discussão mais aprofundada acerca da formação de recursos humanos para a saúde, pensando seus envolvidos e responsáveis.

As instituições formadoras de recursos humanos para a saúde estão, hoje, ou sob a tutela de alguma esfera do estado ou sob a tutela da iniciativa privada. Assim, no momento em que o estado aceita dividir o compromisso de formar os médicos com instituições não públicas, é importante determinar as funções sociais do aparelho formador e o valor do médico na construção do sistema de saúde previsto na Constituição, tendo em vista assegurar o papel que essas instituições devem ter, de traduzir, em sua realidade, as necessidades, sociais identificadas junto à população.

MOMENTOS DA EDUCAÇÃO MÉDICA

A graduação, a pós-graduação e a educação continuada22. Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM). Preparando a transformação da educação médica brasileira, projeto CINAEM III fase: relatório 1999-2000. Pelotas: UFPEL, 2000. são os três momentos da formação de um médico. Apenas a primeira é pré­requisito para o exercício profissional, mas reconhecemos a importância das outras para a manutenção da qualidade da atenção à saúde.

A graduação cumpre o papel de fornecer a primeira formação, que deve ter um caráter geral e terminal, para os futuros profissionais. As escolas médicas são responsáveis diretas por esse momento, contando para isso com o envolvimento de professores, de alunos e dos ministérios da Saúde e Educação.

A pós-graduação - com as residências médicas, os cursos de especialização e os mestrados e doutorados - cumpre diversos papéis, como formar os professores e pesquisadores da área, mas sobretudo aperfeiçoar o profissional graduado, preparando-o melhor para as várias possibilidades de inserção no mercado. Universidades, escolas médicas, serviços de saúde e outras instituições se responsabilizam por esse momento.

Finalmente, a educação médica continuada garante a manutenção da qualidade técnica do profissional, mantendo-o atualizado e possibilitando a incorporação racional das novas tecnologias. Para tanto, as mais diversas instituições e entidades médicas promovem cursos, encontros, publicações e outros programas específicos. Por outro lado, é fundamental a conscientização do profissional médico sobre a importância ética de basear sua prática na análise cuidadosa de todas as tecnologias disponíveis, estando sempre estimulado e capacitado para a busca do saber.

COMPROMISSO X RESPONSABILIDADE

Antes de analisar a inserção de cada um dos atores na formação médica, é necessário diferenciar os conceitos de compromisso e responsabilidade.

Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa33. Ferreira, ABH. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 2128p., compromisso é “obrigação ou promessa mais ou menos solene” ou “obrigação de caráter social”. Por outro lado, o mesmo autor define responsável como aquele “que responde legal ou moralmente pela vida, pelo bem-estar, etc. de alguém”. Assim, por exemplo, existe um compromisso do estado com a saúde, previsto em lei, mas, na verdade, vê-se que o estado não assumiu adequadamente a responsabilidade de acompanhar e cuidar da saúde da população, ou seja, pouco adianta o compromisso formal se não houver a responsabilização efetiva. Percebe-se, então, que o compromisso indica alguém que responde formalmente por determinado processo e pode ser cobrado por aquilo, enquanto a responsabilidade surge como um componente real e subjetivo do compromisso.

OS ATORES

- O governo

Deve cumprir um papel formal na elaboração de políticas públicas que regulem a existência de instituições formadoras e que fiscalizem seu funcionamento.

- A sociedade

Pode apresentar-se e fazer-se representar pelas mais diferentes formas, como, por exemplo, por intermédio das entidades de usuários do sistema de saúde. Como devem ser os principais beneficiados com a produção de serviços em saúde, espera-se a presença de segmentos da sociedade cobrando do governo e dos órgãos formadores não apenas a excelência no ensino, mas a fidelidade de seus projetos pedagógicos para com as suas necessidades. Além disso, essa aproximação deve gerar propostas de transformação para a escola médica atual e deve ser fator estimulador da mobilização social em torno da busca de seus direitos.

- A instituição de ensino

Tem o compromisso formal de graduar os médicos. Para que isso aconteça adequadamente, a escola médica deve assumir também a responsabilidade pelo acompanhamento do processo de formação de seus alunos.

Ela deve cuidar para que seus professores façam isso diretamente e tem o desafio de elaborar e utilizar parâmetros para avaliar como está se dando essa relação entre o estudante, o professor e os pacientes. Além disso, deve oferecer a estrutura material e técnica para que seja possível à sua comunidade o estabelecimento de um bom processo de formação.

- O serviço de saúde

É fundamental não apenas como cenário de aprendizagem, mas também como coordenador de atividades pedagógicas, ou seja, os serviços de saúde, ao mesmo tempo em que devem servir como espaços de ensino, podem contribuir para o gerenciamento da agenda de atividades pedagógicas propostas para aquele grupo de estudantes. Além disso, o estudante tem que se envolver e vivenciar a unidade de saúde, para que possa, também, transformar a realidade desse lugar, avaliando criticamente seu funcionamento, seu papel para determinada comunidade ou a maneira como lida com a sua demanda.

- O estudante

É o maior responsável pelo seu processo de formação. O aluno deve ser capaz e deve ter o direito de construir seu próprio processo de formação, avaliando as atividades pedagógicas e construindo sua agenda a partir de suas necessidades, expectativas e impressões, negociando cada ponto com professores, instituições de ensino e serviços de saúde; estes, por sua vez, devem apresentar-lhe outras necessidades, que devem ser levadas em conta nesse momento. O aluno que ingressa na faculdade de Medicina deveria ter uma clareza maior do que é ser médico, do que a sociedade espera dessa classe profissional, do potencial transformador que ele tem no cenário da saúde e, sobretudo, do que o próprio estudante quer para a sua vida profissional, pois só assim, passando por uma intensa reflexão inicial que se prolongará por toda a sua caminhada, o aluno terá condições adequadas de assumir sua formação, evitando grandes frustrações e superando de forma amadurecida as dificuldades.

- O professor/o médico

O professor tem formalmente o compromisso pela educação médica, e espera-se a responsabilização desse profissional. O professor é o grande responsável pela ponte entre a macropolítica institucional e o microuniverso do estudante. Assim, é ele, em contato direto com o aluno, que deve estabelecer as negociações acerca da construção conjunta do processo de formação, incentivando a busca ativa do saber, estimulando comportamentos éticos e uma reflexão contínua sobre a sua prática como futuro médico. O educador deve saber avaliar o andamento do educando, propondo correções de trajetória e oferecendo condições para isso. É importante também que o professor tenha a consciência do papel social que cumpre, pensando as melhores maneiras de adequar sua prática às necessidades pedagógicas da escola e às necessidades de saúde da população.

O médico tem a obrigação ética de compartilhar seus conhecimentos com os pacientes e com os aprendizes. Assim, todo médico cumpre uma função de educador para a saúde, ensinando a prevenção das doenças ou a manutenção da saúde, além de preparar os novos profissionais44. Conselho Federal de Medicina (CFM). Código de ética médica. Resolução do CFM no 1246/88. Brasília: CFM, 1996..

CONCLUSÕES

Ficou clara a importância de discutir e definir melhor o compromisso e a responsabilidade de cada um que faz a Educação Médica, pois, hoje, parece-nos que os diversos envolvidos não estão cumprindo adequadamente esses papéis, o que dificulta grandemente as iniciativas de transformação da realidade.

É necessária uma mudança interna de cada uma das pessoas que participam da formação médica, para que elas possam delimitar e assumir a responsabilidade pela atividade de ensino-aprendizagem e basear nesses princípios a sua prática. Conscientes de que assim contribuem para a construção de um sistema de saúde coerente com a Constituição, essas pessoas estariam sempre dispostas a refletir sobre seu comportamento e suas atitudes, sentindo-se prontas e no direito de cobrar dos outros envolvidos o cumprimento de compromissos e responsabilidades55. Proença MA. O lugar da subjetividade na formação do médico. Caderno de Currículo e Ensino 2000 jun; 1(1): 59-70..

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Foucault M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro Forense Universitária, 1994.
  • 2
    Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM). Preparando a transformação da educação médica brasileira, projeto CINAEM III fase: relatório 1999-2000. Pelotas: UFPEL, 2000.
  • 3
    Ferreira, ABH. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 2128p.
  • 4
    Conselho Federal de Medicina (CFM). Código de ética médica. Resolução do CFM no 1246/88. Brasília: CFM, 1996.
  • 5
    Proença MA. O lugar da subjetividade na formação do médico. Caderno de Currículo e Ensino 2000 jun; 1(1): 59-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2002

Histórico

  • Recebido
    23 Fev 2000
  • Aceito
    19 Set 2000
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