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Conhecimento, atitude e prática dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco sobre anticoncepção

Knowledge, attitude and practice of resident physicians in gynecology and obstetrics in Pernambuco about contraception

Resumo

Introdução:

Anticoncepção corresponde ao uso de métodos e técnicas com a finalidade de impedir que o relacionamento sexual resulte em gravidez. O médico residente em ginecologia e obstetrícia deve estar intimamente familiarizado com as múltiplas opções contraceptivas existentes, o modo de uso, os efeitos colaterais e suas contraindicações.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivos identificar o nível de conhecimento, atitude e prática dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia do estado de Pernambuco sobre anticoncepção, determinar sua autopercepção em indicar e contraindicar os métodos contraceptivos, avaliar as melhores indicações clínicas, como prescrevê-los e orientar seu uso.

Método:

Foi realizado um estudo de inquérito, do tipo corte transversal, com componente analítico. Durante o período de maio a julho de 2022, aplicou-se um questionário à população-alvo, composta pelos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia do estado de Pernambuco, e obteve-se um tamanho amostral de 157 respostas, que foram analisadas no programa estatístico Stata, versão 12.0.

Resultado:

Os métodos contraceptivos mais utilizados por eles foram o ACO, o DIU Mirena, a camisinha peniana e o DIU de cobre. Mais de 90% da amostra afirmou conhecer os critérios de elegibilidade e o índice de Pearl, e pouco mais da metade respondeu corretamente aos casos clínicos sobre contracepção; 52,9% relataram que não faziam uso da dupla proteção, e 40,1% da amostra mencionou que nunca usava camisinha. A maioria dos entrevistados atestou possuir uma boa prática com LARC e com esterilização cirúrgica; uma boa parcela dos residentes entrevistados considerou-se apta a orientar todos os métodos anticoncepcionais.

Conclusão:

O conhecimento das indicações e contraindicações pode ser considerado satisfatório, apesar de chamar a atenção a presença de uma disparidade entre a autopercepção do saber e os acertos das questões a respeito de casos clínicos específicos. Em relação à atitude, as respostas foram controversas. No âmbito da prática, obtiveram-se os melhores resultados de autopercepção de habilidade, com destaque para a prática com os LARC e a esterilização cirúrgica. As autoavaliações demonstraram que mais da metade da amostra considerou seus conhecimentos, suas atitudes e suas práticas muito satisfatórios e/ou adequados.

Palavras-chave:
Anticoncepção; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Residência Médica; Inquéritos e Questionários; Ginecologia; Obstetrícia

Abstract

Introduction:

Contraception corresponds to the use of methods and techniques with the purpose of preventing sexual intercourse from resulting in pregnancy. The resident physician in gynecology and obstetrics must be intimately familiar with the multiple existing contraceptive options, how to use them, their side effects and contraindications.

Objectives:

To identify the level of knowledge, attitude and practice among Gynecology and Obstetrics residents in the state of Pernambuco regarding contraception, determine their self-perception in indicating and contraindicating contraceptive methods, evaluating the best clinical indications, how to prescribe them and offer guidance for their use.

Methods:

A cross-sectional survey study with an analytical component. During the period from May to July 2022, a test was applied to the target population, composed by resident physicians of Gynecology and Obstetrics in the state of Pernambuco. A sample size of 157 responses was obtained, which were analyzed in the program STATA statistics, version 12.0.

Results:

The contraceptive methods most used by the resident physicians were the ACO, Mirena IUD, penile condom and copper IUD. More than 90% of the sample claimed to know the Eligibility Criteria and the Pearl Index, and just over half correctly answered the clinical cases on contraception; 52.9% reported not using double protection and 40.1% of the sample stated that they never used condoms. Most interviewees attested to having a good practice with LARC and with surgical sterilization; a good portion of the interviewed residents considered themselves able to guide all contraceptive methods.

Conclusion:

The knowledge of indications and contraindications can be considered satisfactory, despite a disparity between self-perceived knowledge and correct answers to questions regarding specific clinical cases; regarding attitude, the answers were controversial; within the scope of practice, the best results of self-perceived ability were obtained, with emphasis on the practice with LARC and surgical sterilization. Self-assessments showed that more than half of the sample considered their knowledge, attitudes and practices very satisfactory and/or adequate.

Keywords:
Contraception; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Internship and Residency; Surveys and Questionnaires; Gynecology, Obstetrics

INTRODUÇÃO

A anticoncepção corresponde ao uso de métodos e técnicas com a finalidade de impedir que o relacionamento sexual resulte em gravidez. Existem diversos métodos utilizados para a anticoncepção que podem ser classificados de diferentes maneiras, e uma delas é por meio de sua eficácia. O índice de Pearl é o escore mais utilizado para essa aferição11. Finotti M. Manual de anticoncepção. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; 2015.. Para lidar com tantas opções contraceptivas disponíveis na atualidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou os “Critérios médicos de elegibilidade para o uso de contraceptivos”, que funcionam como um guia para a escolha correta e o uso de métodos anticoncepcionais em várias condições de saúde22. Organização Mundial da Saúde. Guia de implantação dos Critérios Médicos de Elegibilidade e das recomendações da OMS para o uso de contracepção. Genebra: OMS; 2018..

Uma contracepção efetiva e satisfatória só poderá ser alcançada se os futuros profissionais de ginecologia e obstetrícia obtiverem uma boa assimilação e um bom entendimento da multiplicidade que representa o tema da anticoncepção durante a sua formação, para que ofertem à população as opções mais adequadas33. United Nations Population Fund. Girlhood, not motherhood: preventing adolescent pregnancy. New York: Unfpa; 2015.. Para que possam desenvolver essa competência clínica, é essencial que o treinamento dos residentes ocorra em diferentes contextos da prática profissional. Para tanto, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) elaborou a matriz de competências da residência de ginecologia e obstetrícia com o objetivo de assegurar uma maior consistência e coerência na orientação dos programas de residência médica dessa especialidade, distribuindo as competências de maneira hierarquizada e crescente em complexidade para o primeiro, segundo e terceiro anos de residência44. Ministério da Educação, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Matriz de competências: residência médica em ginecologia e obstetrícia. Brasília: MEC, Febrasgo; 2019..

No seu eixo 12, a matriz de competências trata da atenção à saúde e aos cuidados na contracepção e no planejamento familiar, e sugere que o médico residente verifique quais são as preferências e condições de uso para cada paciente, realizando aconselhamento contracepcional básico, e demonstre conhecimento sobre os métodos contraceptivos, a forma de uso, os riscos, os benefícios, as complicações, as contraindicações e a elegibilidade44. Ministério da Educação, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Matriz de competências: residência médica em ginecologia e obstetrícia. Brasília: MEC, Febrasgo; 2019..

Apesar do preconizado pela matriz nacional de ensino médico sobre anticoncepção, poucos residentes consideraram sua aprendizagem sobre o tema adequada, e o principal motivo foi a falta de conhecimento e/ou prática concernentes ao assunto. A literatura reitera que a educação continuada e os diálogos sobre sexualidade devem ser estimulados para que os médicos residentes possam melhorar as habilidades de comunicação e compreender os requisitos das mulheres para o aconselhamento contraceptivo55. Romão GS, Rocha SR, Sá MFS. A aprendizagem experiencial na residência médica. Femina. 2021;49(4):219-22.)-(77. Madden T, Allsworth JE, Hladky KJ, Secura GM, Peipert JF. Intrauterine contraception in Saint Louis: a survey of obstetrician and gynecologists’ knowledge and attitudes. Contraception. 2010; 81:112-6..

Com base em todos esses fatores, buscou-se, por causa da relevância científica do tema, determinar o nível de conhecimento dos médicos residentes dos programas de ginecologia e obstetrícia do estado de Pernambuco a respeito dos métodos contraceptivos, de modo a contribuir para o planejamento e a adequação das políticas públicas e direcionar melhor o acesso a esses métodos e a sua utilização. Assim, este artigo busca entender o nível de conhecimento, atitude e prática dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia do estado de Pernambuco sobre anticoncepção, avaliando as suas aptidões para orientar, indicar, prescrever, inserir e executar métodos contraceptivos.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de inquérito, do tipo corte transversal, com componente analítico. Durante o período de maio a julho de 2022, foi aplicado um questionário à população-alvo composta pelos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia do estado de Pernambuco, devidamente matriculados nos seus respectivos programas de residência médica, que concordaram em responder ele.

O questionário continha 63 perguntas que poderiam ser respondidas num período em torno de 15 minutos. As questões versavam sobre conhecimento, atitude e prática concernentes à contracepção. Elas foram apresentadas de diversas formas, como múltipla escolha, escala Likert, questões binárias etc., incluindo 14 casos clínicos com diferentes temáticas dentro do universo da contracepção, como violência sexual, endometriose, câncer de mama, enxaqueca, obesidade, perimenopausa, entre outras. Após a elaboração, o questionário foi submetido à avaliação de seis experts da ginecologia e obstetrícia, por meio do método Delphi, para que pudesse ser extrapolada a aplicação dele à amostra almejada.

Foram enviados o questionário e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos residentes por e-mail e aplicativo de mensagem. Após a leitura e o devido entendimento, os residentes responderam ao questionário, assinaram o TCLE e os devolveram de forma automática pela plataforma Google Forms. Todos os residentes do estado de Pernambuco foram convidados a participar, não havendo critérios de exclusão. Exportaram-se os dados coletados para um banco de dados criado no programa Excel, e, em seguida, eles foram analisados no programa estatístico Stata, versão 12.0.

A presente pesquisa seguiu os termos preconizados pelo Conselho Nacional de Saúde e foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) e aprovada sob o Parecer nº 5.348.527 e CAAE nº 57213322.5.0000.5201.

RESULTADOS

Dos 198 residentes de ginecologia do estado de Pernambuco, no período do estudo, 162 responderam às mensagens e/ou e-mails enviados, e 36 não responderam à pesquisa. Entre as respostas, cinco se negaram a participar, assinando o TCLE como não concordando com o estudo. Houve, assim, um total amostral de 157 respostas a serem utilizadas como dados concretos.

O perfil sociodemográfico dos residentes de ginecologia e obstetrícia do estado de Pernambuco consistiu em indivíduos com idade média de 28 anos, sexo biológico e social feminino (82%), que se autodefiniram como heterossexuais (87,9%), autodeclararam-se solteiros (66,2%) e católicos (66,5%), e referiram ganhar até cinco salários mínimos, em sua maioria. Desses indivíduos, 48% eram procedentes de Recife, e 35,8% nasceram em outros estados do Brasil. Dos 157 entrevistados, 33,1% eram residentes do primeiro ano do programa, 32,5% pertenciam ao segundo ano, e 34,4% estavam no ano três de residência, como pode ser visto nos dados da Tabela 1.

Tabela 1
Variáveis sociodemográficas, reprodutivas e sexuais dos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco.

A respeito do uso de contraceptivos, entre todos os métodos questionados, o único que nenhum residente afirmou já ter feito uso foi o espermicida + diafragma. Os mais utilizados foram o anticoncepcional oral (ACO) e a camisinha peniana, ambos por 76,4% da amostra. Chama a atenção a utilização do método comportamental coito interrompido, referido por 41,4% da população estudada. Durante a pesquisa, 24,8% dos residentes referiram estar usando, como método anticoncepcional, ACO; 22,9%, DIU Mirena; 16,6%, camisinha peniana; e 13,4% DIU de cobre. Merece destaque o fato de que 13,4% dos residentes afirmaram nunca ter usado nenhum método anticoncepcional. Sobre a satisfação, mais de 80% dos residentes se diziam satisfeitos ou muito satisfeitos com seu método contraceptivo.

Dentro do parâmetro conhecimento, 91,1% da amostra analisada afirmou conhecer os critérios de elegibilidade da OMS; e 98,1%, o índice de Pearl. Ao serem questionados sobre os métodos com maior e menor índice, 2,5% e 67,5% dos residentes assinalaram a opção correta, respectivamente. Quanto às principais indicações e contraindicações dos diferentes métodos, 100% mencionaram conhecer DIU de cobre, ACO e camisinha peniana. Em relação aos métodos menos conhecidos no que concerne às indicações e contraindicações, os residentes mencionaram vasectomia, anel vaginal, adesivo transdérmico, espermicida + diafragma e método de Billings, mas ainda assim com percentuais de conhecimento referido próximos aos 80% (Tabela 2).

Tabela 2
Conhecimento das indicações e contraindicações dos métodos anticoncepcionais pelos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco, conforme ano de residência.

A análise sobre o grau de conhecimento dos residentes de ginecologia e obstetrícia também foi aplicada nesse inquérito por meio de casos clínicos que abordavam situações de contracepção nos mais diversos cenários, como adolescentes, puérperas, climatéricas, vítimas de violência sexual, fumantes, mulheres com endometriose, neoplasia de mama, enxaqueca, neoplasia de ovário, hepatopatia, obesidade, histórico familiar para doença tromboembólica e desejo de contracepção cirúrgica. Os percentuais de erros e acertos foram variáveis de caso a caso e entre os anos de residência (Tabela 3).

Tabela 3
Respostas corretas aos casos clínicos sobre anticoncepção, conforme ano de residência

Questionou-se sobre uso associado de camisinha a outros métodos contraceptivos, e a maioria dos entrevistados (52,9%) relatou não fazer uso da dupla proteção. A respeito do padrão de uso da camisinha, 25,5% afirmaram que usam em todas as relações sexuais, durante todo e qualquer contato pênis-vagina; 4,5% usam em todas as relações sexuais, mas com uso irregular, com foco no momento da ejaculação; 29,9% não usam em todas as relações sexuais e consideram seu uso como raro ou esporádico; 40,1% da amostra atestou nunca usar camisinha. Ao serem perguntados sobre a responsabilidade de uso e a escolha do método anticoncepcional, 90,4% atribuíram ao casal, 9,6% consideraram que seja exclusivamente da mulher, nenhum residente de ginecologia mencionou que essa responsabilidade seja exclusivamente do homem (Tabela 1).

Sobre a atitude dentro da anticoncepção, 86,6% da amostra afirmou orientar uso de dupla proteção. Quanto ao conhecimento dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco, 87,9% dos entrevistados afirmaram conhecer todos os métodos contraceptivos listados no questionário, e o método menos conhecido foi a técnica comportamental denominada Billings. Da amostra, 38% se consideraram aptos a orientar todos os métodos anticoncepcionais. Entre os que não admitiram essa segurança, 36,3% afirmaram não saber orientar uso do Billings; 26,8%, espermicida + diafragma; 26,1%, adesivo transdérmico; 20,4%, anel vaginal; e 12,7% não se consideraram seguros em orientar um casal a utilizar o coito interrompido como técnica contraceptiva (Tabela 4).

Tabela 4
Prática em anticoncepção dos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco, conforme ano de residência.

Ao serem convidados para uma autoavaliação sobre os conhecimentos referentes à contracepção na formação médica, 48,4% os consideraram pouco satisfatórios; já durante o período da residência, 63,1% os avaliaram como satisfatórios. A atitude pessoal e profissional foi considerada adequada por 67,5% da amostra avaliada. Já quanto à prática com anticoncepcionais, pouco mais de metade da amostra considerou satisfatória ou muito satisfatória, e 35% dos residentes a avaliaram como pouco satisfatória (Tabela 5).

Tabela 5
Autoavaliação dos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco quanto a conhecimentos, atitudes e práticas sobre anticoncepção, conforme ano de residência

DISCUSSÃO

Este estudo abordou nove serviços públicos de residência médica em ginecologia e obstetrícia distribuídos no estado de Pernambuco. Embora haja algumas variações entre os programas, de forma geral o currículo desta residência médica no Brasil conta com três anos e um modelo curricular cujo denominador comum é a formação orientada por competências, que podem ser definidas como a síntese de conhecimentos, habilidades e atitudes que se refletem nas atividades profissionais e devem ser específicas, treináveis, duráveis, mensuráveis e relacionadas a atividades práticas44. Ministério da Educação, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Matriz de competências: residência médica em ginecologia e obstetrícia. Brasília: MEC, Febrasgo; 2019.),(88. Barcelos ID, Romão GS. Estrutura das residências médicas no Brasil e no mundo. Femina . 2022;50(5):284-8..

Conhecimento

Entre os conhecimentos que merecem relevância dentro do âmbito dos anticoncepcionais, tem-se nas indicações e sobretudo nas contraindicações um pilar fundamental dessa prática descritiva. Para guiar essa orientação contraceptiva, existem dois conceitos considerados canônicos: critérios de elegibilidade e índice de Pearl11. Finotti M. Manual de anticoncepção. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; 2015.),(22. Organização Mundial da Saúde. Guia de implantação dos Critérios Médicos de Elegibilidade e das recomendações da OMS para o uso de contracepção. Genebra: OMS; 2018.. Nesse inquérito, 91,1% da amostra analisada afirmou conhecer os critérios de elegibilidade, embora uma parcela bastante significante dos residentes entrevistados também tenha referido conhecer a definição de índice de Pearl, ao serem questionados sobre os métodos com maior e menor índice, somente 2,5% e 67,5% dos residentes assinalaram a opção correta, respectivamente. O conhecimento sobre esses critérios de elegibilidade é essencial para a prescrição contraceptiva, de modo a evitar equívocos principalmente em se tratando de situações clínicas específicas, como as avaliadas no presente estudo99. Allen RH, Kaunitz A, Bartz D. Use of hormonal contraception in women with coexisting medical conditions. Acog Pract Bull. 2019; 133:128-50..

A matriz de competências da residência de ginecologia e obstetrícia, orientada pela Febrasgo, indica que deve existir uma avaliação do médico residente para cada um dos seus componentes: conhecimentos, habilidades e atitudes, além de orientar a preceptoria e supervisão local dos programas de residência médica em ginecologia e obstetrícia44. Ministério da Educação, Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Matriz de competências: residência médica em ginecologia e obstetrícia. Brasília: MEC, Febrasgo; 2019.. Os números aqui citados provavelmente se justificam pelo fato de haver uma maior familiarização desse assunto nos programas de residência médica. A contracepção, por vezes, é muito mais trabalhada conceitualmente em ambientes ambulatoriais. Trata-se de um tema frequente nos cronogramas das atividades teóricas de discussões e seminários, o que revela uma certa segurança no conhecimento técnico dos inúmeros métodos; no entanto, a abordagem prática de usuárias dos métodos menos prevalentes é pouco vivenciada tanto em cenário ambulatorial quanto em ambientes de enfermaria, tendo como consequência uma insegurança dos médicos residentes em abordar e orientar critérios para outros métodos que não fazem parte do cotidiano.

Quando perguntados sobre o conhecimento das principais indicações e contraindicações dos diferentes métodos, obtivemos resultados que podem ser interpretados como satisfatórios. Uma coorte norte-americana com mais de quatro mil mulheres traz dados semelhantes, ao concluir que 86% da sua amostra sabia sobre riscos, indicações e contraindicações acerca dos métodos contraceptivos avaliados1010. Eisenberg DL, Secura GM, Madden TE, Allsworth JE, Zhao Q, Peipert JF. Knowledge of contraceptive effectiveness. Am J Obstet Gynecol. 2012; 206:479. e1-479.e9..

A análise sobre o grau de conhecimento dos residentes também foi aplicada nesse inquérito por meio de casos clínicos, apresentando percentuais de erros e acertos variáveis de caso a caso, e entre os anos de residência. O total de 50,6% de acertos pode ser considerado um conhecimento intermediário, sendo importante frisar que não existiu significância estatística entre esses dados, e houve muita variabilidade entre os anos, chamando a atenção o fato de que, em muitos dos casos clínicos, os residentes do primeiro ano acertaram mais que os do último ano, o que talvez se explique por uma maior dedicação na hora de responder ao questionário, característica de quem está iniciando sua formação, enquanto, nos anos seguintes, uma falsa segurança ou pouca atenção dispensada possa justificar esses resultados.

Embora não traga valores de acertos expressivos, o inquérito adotado supera os dados encontrados na literatura, como um estudo brasileiro que também avaliou o conhecimento de residentes de ginecologia e obstetrícia por meio de um questionário com casos clínicos diversos. Nessa pesquisa, o percentual médio de acertos foi de 19,5%, e, segundo seus autores, isso demonstra uma deficiência de conhecimento em oferecer opções terapêuticas às pacientes nas situações específicas abordadas, o que pode levar à baixa adesão ao método e a drásticas consequências, como gravidez indesejada66. Giglio M, Melo GP, Ferreira VG, Albernaz MA, Ribeiro MO. Conhecimentos dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia sobre contracepção hormonal em situações especiais. Rev Bras Educ Med. 2017;41(1):69-78..

Entre os residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco, os casos clínicos com mais acertos foram sobre violência sexual, endometriose, câncer de mama, enxaqueca e laqueadura tubária. Tal fato pode ser explicado por se tratar de temas bastante presentes na vida acadêmica do residente e até mesmo do ginecologista. Por sua vez, os maiores erros se mostraram nos casos clínicos que tratavam de obesidade, perimenopausa, história familiar de trombose e neoplasia ovariana. Seguindo a mesma linha de raciocínio, essas são situações clínicas menos presentes no dia a dia da prescrição em contracepção, com exceção da obesidade, uma epidemia mundial.

Pode-se atribuir a alta taxa de erros no caso clínico sobre contracepção na mulher obesa ao fato de a sua resposta tratar a respeito do adesivo transdérmico, o que corrobora resultados já mencionados nesse mesmo estudo, em que 26,1% dos residentes não se consideraram aptos a prescrevê-los e 18% referiram desconhecer suas principais indicações e contraindicações. Se a correta prescrição de determinado contraceptivo para cada situação específica é importante, deixar de prescrever um método que poderia ser usado nesses casos torna-se ainda mais relevante. Deixar mulheres com situações de risco para gestação, como neoplasias, obesidade, trombose etc., sem utilizar um método que poderia ser empregado, significa expô-las mais ainda a uma gestação indesejada e não programada, potencializando seus malefícios e suas complicações à situação clínica de base66. Giglio M, Melo GP, Ferreira VG, Albernaz MA, Ribeiro MO. Conhecimentos dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia sobre contracepção hormonal em situações especiais. Rev Bras Educ Med. 2017;41(1):69-78..

Apesar de a avaliação de conhecimento advinda dos casos clínicos estar um tanto aquém do esperado, é interessante frisarmos a autoavaliação dos residentes quanto ao seu conhecimento sobre métodos anticoncepcionais. Quando perguntados como se autoavaliavam no final do curso de Medicina, somente 30,6% dos residentes se consideravam satisfeitos ou muito satisfeitos com o que haviam aprendido até ali. Já na autoavaliação como residentes de ginecologia e obstetrícia, esse percentual sobe para 63,7%, havendo uma clara progressão de valores conforme a evolução dos anos de residência.

Um estudo com residentes brasileiros traz dados semelhantes aos nossos achados ao afirmar que 63% da sua amostra sentia-se apta a prescrever contraceptivos hormonais, e os médicos residentes dos últimos anos também referiram mais segurança que o grupo de recém-chegado à residência66. Giglio M, Melo GP, Ferreira VG, Albernaz MA, Ribeiro MO. Conhecimentos dos médicos residentes de ginecologia e obstetrícia sobre contracepção hormonal em situações especiais. Rev Bras Educ Med. 2017;41(1):69-78..

Atitude

Dentro do escopo da atitude, houve perguntas e abordagens diversas, que podem ser consideradas cabíveis a essa alínea de um estudo de conhecimento, atitude e prática (CAP), já que se pode descrever atitude como comportamentos esperados por profissionais e definidos previamente em consensos1111. Lima ÂBDC, Fiorin BH, Romero WG, Lopes AB, Furieri LB, Lima EFA, et al. Construção e validação do questionário de conhecimento, atitude e prática na doação de órgãos. Enferm Foco. 2020; 10:90-5.. Cientes disso, pode-se identificar um certo grau de controvérsia nas atitudes avaliadas: enquanto 90,4% da amostra afirma que a responsabilidade de decisão sobre a anticoncepção é de ambos, 86,6% orientam as suas pacientes a utilizar dupla proteção. Esses pontos podem ser vistos como atitudes adequadas. Contudo, ao responderem sobre sua prática pessoal, cerca de 40% nunca utilizaram a camisinha e quase 30% definiram o uso como raro ou esporádico.

Embora os números deste estudo que representam a associação entre camisinha e um segundo contraceptivo mostrem-se baixos e preocupantes, é possível encontrar valores ainda menores na literatura, como é o caso de uma pesquisa brasileira de 2020, na qual pouco menos de 9% das mulheres entrevistadas afirmaram associar a camisinha peniana à pílula anticoncepcional1212. Lago TDG do, Kalckmann S, Alves MCGP, Escuder MML, Koyama M, Barbosa RM. Differences in contraceptive practice in the city of São Paulo, Brazil: results of the Ouvindo Mulheres population survey. Cad Saude Publica. 2020;36(10)..

A respeito do uso de contraceptivos, entre todos os métodos questionados, o único não mencionado por nenhum residente foi o espermicida + diafragma, e 26,8% da amostra estudada afirmou não se sentir apta a orientar o seu uso. A literatura vem mostrando baixa taxa de continuidade entre as usuárias desse método, em razão das dificuldades para sua colocação, de queixas dos parceiros e pelas altas taxas de falha1313. Barbosa RM, Kalckmann S, Lago TG do, Villela W, Goihman S. O diafragma como método contraceptivo: a experiência de usuárias de serviços públicos de saúde. Cad Saúde Pública. 1997Oct;13(4):647-57.. Esses fatores justificam os números encontrados em nosso estudo, tanto de adesão como na inaptidão em indicar e orientar essa via contraceptiva de barreira.

Sobre os métodos mais utilizados, a literatura é quase unânime em conceder o posto aos contraceptivos orais, seguidos de perto pela camisinha peniana, mas as outras vias, em especial os LARC vêm ganhando cada vez mais destaque1414. Hassoun D. Natural family planning methods and barrier: CNGOF contraception guidelines. Gynecol Obstet Fertil Senol. 2018; 46:873-82.)-(1616. Câmara SC, Abreu-dos-Santos F, Freitas C. Métodos contraceptivos reversíveis de curta e longa duração: estudo observacional. Acta Obstét Ginecol Port. 2018; 10:298-306.. Em um estudo português realizado em 2016, o método mais frequente foi a pílula oral (70,0%), seguido do DIU/SIU (8,7%) e do implante subcutâneo (6%)1717. Bombas T, Costa AR, Palma F, Vicente L, Sá JL, Nogueira AM, et al. Knowledge-attitude-practice survey among Portuguese gynaecologists regarding combined hormonal contraceptives methods. Eur J Contracept Reprod Heal Care. 2012; 17:128-34.. Numa pesquisa de 2021, 47,8% da amostra utilizava DIU, e 0,9%, implantes1818. Shaikh IB, Jafry SIA, Naqvi SMZH, Firdous SN. Knowledge, attitude and practices regarding implants among women of childbearing age. J Pak Med Assoc. 2021; 71:993-6.. No inquérito deste estudo, os principais métodos contraceptivos em uso pelos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco foram ACO, DIU Mirena, camisinha peniana e DIU de cobre.

Um artigo publicado em 1979 tentava associar a postura do médico prescritor com a adesão das pacientes aos métodos contraceptivos. Este estudo disserta sobre a importância da opinião médica para a confiabilidade das suas pacientes e enfatiza que os médicos são procurados para aconselhamento e opinião, assim como por suas habilidades diagnósticas ou terapêuticas. O trabalho ainda destaca que as atitudes dos médicos em relação ao uso de anticoncepcionais são influenciadas por suas crenças pessoais e afirma que a adesão ao uso de métodos contraceptivos é diretamente relacionada com a quantidade e intensidade do aconselhamento e com grau de motivação fornecido pelo médico1919. Barwin BN. Psychological factors: counseling and motivation of the contraceptive patient. Int J Gynecol Obstet. 1979; 16:568-70..

Quando se analisam os dados a respeito da atitude, dois pontos merecem destaque: a utilização do método comportamental coito interrompido, referido por 41,4% da população estudada, e o expressivo percentual de 13,7% dos residentes que afirmaram nunca ter usado nenhum método anticoncepcional. Números semelhantes são encontrados em um trabalho português realizado com médicas ginecologistas, das quais 37% também referiram ter no coito interrompido sua metodologia contraceptiva1717. Bombas T, Costa AR, Palma F, Vicente L, Sá JL, Nogueira AM, et al. Knowledge-attitude-practice survey among Portuguese gynaecologists regarding combined hormonal contraceptives methods. Eur J Contracept Reprod Heal Care. 2012; 17:128-34..

O não uso de nenhum método também pode ser identificado em duas pesquisas realizadas com estudantes de Medicina, em que, respectivamente, 25% e 16,7% da amostra negou utilizar quaisquer métodos anticoncepcionais1515. Borges ALV, Santos AO dos, Araújo KS, Gonçalves RFS, Rosa PLFS, Nascimento NC de. Satisfação com o uso de métodos contraceptivos entre usuárias de unidades básicas de saúde da cidade de São Paulo. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2017; 17:749-56.),(2020. Dinas K, Hatzipantelis E, Mavromatidis G, Zepiridis L, Tzafettas J. Knowledge and practice of contraception among Greek female medical students. Eur J Contracept Reprod Heal Care . 2008; 13:77-82.. Apesar de esses valores serem considerados altos para populações de universitários ou médicos residentes, pode-se tentar atribuir o não uso à ausência de atividade sexual no momento, às orientações sexuais que não propiciem risco de gravidez e até mesmo ao desejo de engravidar.

Prática

No âmbito da prática, que também pode ser entendida neste estudo como uma autopercepção de aquisição de habilidades técnicas, 38% da amostra se considerou apta a orientar todos os métodos anticoncepcionais. Tal dado é relevante porque essa vivência influencia a escolha das mulheres no que concerne ao método contraceptivo mais adequado ao seu estilo de vida e aos seus planos reprodutivos, resultando em melhor adesão1717. Bombas T, Costa AR, Palma F, Vicente L, Sá JL, Nogueira AM, et al. Knowledge-attitude-practice survey among Portuguese gynaecologists regarding combined hormonal contraceptives methods. Eur J Contracept Reprod Heal Care. 2012; 17:128-34.. Todos esses aspectos são influenciados pela experiência prática do profissional, a qual deve ser instituída desde o período de residência médica.

Os residentes mencionaram com frequência que não se sentiam aptos a orientar dois métodos: Billings e coito interrompido. Essas duas técnicas contraceptivas consideradas comportamentais exigem um autoconhecimento do próprio ciclo menstrual e um grande autocontrole para sua execução. Acredita-se que essa inconformidade se encontre relacionada à dificuldade em discutir sobre sexualidade no consultório, queixa já referida em alguns estudos pelos médicos participantes77. Madden T, Allsworth JE, Hladky KJ, Secura GM, Peipert JF. Intrauterine contraception in Saint Louis: a survey of obstetrician and gynecologists’ knowledge and attitudes. Contraception. 2010; 81:112-6.),(2020. Dinas K, Hatzipantelis E, Mavromatidis G, Zepiridis L, Tzafettas J. Knowledge and practice of contraception among Greek female medical students. Eur J Contracept Reprod Heal Care . 2008; 13:77-82.),(2121. Machado RB, Ushikusa TE, Monteiro IMU, Guazzelli CAF, DiBella ZJ, Politano CA, et al. Different perceptions among women and their physicians regarding contraceptive counseling: results from the TANCO survey in Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42:255-65..

Outra denominação comum a esses métodos é de “naturais”, por não envolverem o uso de hormônios exógenos, embora apresentem altos índices de falha11. Finotti M. Manual de anticoncepção. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; 2015., tais práticas têm sido buscadas por uma expressiva parcela populacional. Apesar de, nesta pesquisa, os residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco colocarem o coito interrompido num local de dificuldade para orientação às pacientes, chama a atenção a incongruência de que, simultaneamente, mais de 41% referiram o uso desse método contraceptivo. Números semelhantes podem ser constatados no survey brasileiro que incluiu 94 residentes de ginecologia e obstetrícia, em que 60,5% da amostra afirmou interesse em obter mais informações em anticoncepção natural, 35,5% demonstraram interesse em usar técnicas contraceptivas comportamentais, e 13,3% afirmaram que já adotam tais métodos2222. Pereira PC, Monteiro I, Bahamondes L. Natural contraception apps knowledge among Brazilian women and obstetrics and gynaecology residents. Eur J Contracept Reprod Health Care. 2022; 27:289-93..

A pouca prática referida com adesivo e o anel vaginal talvez se deva às suas apresentações pouco divulgadas entre as usuárias, ao seu custo e a algumas peculiaridades do seu modus operandi. Essa possibilidade pode ser corroborada por um estudo brasileiro de 2020 que buscou avaliar a percepção dos prescritores e das mulheres quanto aos diversos métodos contraceptivos. De acordo com esse estudo, os médicos acreditavam que metade de seus pacientes tinha pouco conhecimento sobre o anel vaginal2121. Machado RB, Ushikusa TE, Monteiro IMU, Guazzelli CAF, DiBella ZJ, Politano CA, et al. Different perceptions among women and their physicians regarding contraceptive counseling: results from the TANCO survey in Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2020; 42:255-65..

Ainda nesse contexto, um artigo português reforça que, entre os ginecologistas participantes do seu inquérito, 70% consideraram a sua longa experiência com pílulas anticoncepcionais como fator determinante para a escolha desse tipo de contraceptivo e atribuíram menos uso do adesivo e do anel vaginal a fatores como possibilidade de irritação ou descolamento da pele, risco de ficar visível, necessidade de manipulação vaginal, sensação de corpo estranho ou de saída do lugar1717. Bombas T, Costa AR, Palma F, Vicente L, Sá JL, Nogueira AM, et al. Knowledge-attitude-practice survey among Portuguese gynaecologists regarding combined hormonal contraceptives methods. Eur J Contracept Reprod Heal Care. 2012; 17:128-34.. Todos esses fatores explicitam alguma falha nas orientações contraceptivas fornecidas aos médicos residentes e fortalecem a importância de que cada vez mais experiências com todos os tipos de contraceptivos sejam ensinadas nos serviços de residências.

Os LARC são métodos de prevenção de gravidez indesejada que não exigem adesão diária e apresentam uma alta eficácia de aproximadamente 99,2%2323. Ouyang M, Peng K, Botfield JR, McGeechan K. Intrauterine contraceptive device training and outcomes for healthcare providers in developed countries: a systematic review. PLoS One. 2019; 14:1-14.. Eles fazem parte de uma parcela muito importante dos contraceptivos, e sua inserção deve ser orientada nos programas de residência. Na amostra avaliada neste estudo, os DIU tiveram uma boa frequência de treinamento, no entanto valores não tão altos de aprendizagem foram atribuídos ao implante subdérmico, fato que pode ser justificado pela maior dificuldade de acesso a esse método dentro dos serviços de residência, já que é um contraceptivo de maior custo e menor disponibilidade em hospitais públicos.

Esses dados dos residentes pernambucanos se apresentam como animadores quando comparados aos números do inquérito aplicado nos Estados Unidos, em que 36% dos médicos não foram treinados para inserir DIU durante a residência. Segundo esse estudo, esses números eram ainda piores entre os médicos que se formaram em uma instituição católica, os quais tiveram menos probabilidade de receber treinamento em inserção durante a residência do que aqueles médicos que treinaram em instituições seculares77. Madden T, Allsworth JE, Hladky KJ, Secura GM, Peipert JF. Intrauterine contraception in Saint Louis: a survey of obstetrician and gynecologists’ knowledge and attitudes. Contraception. 2010; 81:112-6..

De acordo com a literatura, uma abordagem que deve ser estimulada para potencializar o acesso ao DIU é a oferta de educação e treinamento para profissionais de saúde, aumentando os conhecimentos, as habilidades e a confiança deles ao fornecerem esse método de contracepção. Conforme esses estudos, as inserções de DIU são principalmente realizadas por um ginecologista, embora em alguns países, como Austrália, Estados Unidos e Reino Unido, enfermeiros com esse treinamento também podem realizar inserções2323. Ouyang M, Peng K, Botfield JR, McGeechan K. Intrauterine contraceptive device training and outcomes for healthcare providers in developed countries: a systematic review. PLoS One. 2019; 14:1-14..

A avaliação dessa prática entre a amostra do nosso estudo pode ser considerada como satisfatória, conforme relatam os residentes que participaram desta pesquisa, sendo relevante destacar a progressão da qualidade da prática com o decorrer dos anos de residência, cujos dados foram significativos estatisticamente.

A esterilização cirúrgica por laqueadura tubária bilateral (LTB) é considerada um método de contracepção permanente, que tem sua necessidade e indicações variáveis conforme diferentes circunstâncias de vida, assim como diferentes origens sociais e culturais; 82% da nossa amostra se considerava capaz de realizar uma LTB. Esses dados foram superiores aos da literatura, em que 65% dos residentes de subespecialidade de ginecologia e obstetrícia relataram sentir-se muito preparados para realizar procedimentos cirúrgicos essenciais como este, e somente 40,7% dos entrevistados mencionaram oportunidades de manejar complicações pós-operatórias2424. Erlenwein J, Kundu S, Schippert C, Soergel P, Hillemanns P, Staboulidou I. Attitude toward, acceptance of and knowledge about female sterilization as a method of contraception. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2015; 185:83-7.),(2525. Urban RR, Ramzan AA, Doo DW, Galan HL, Harper L, Omurtag K, et al. Fellow perceptions of residency training in obstetrics and gynecology. J Surg Educ. 2019; 76:93-8.. Essa superioridade deve estar relacionada ao grande volume cirúrgico característico das residências de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco.

Na autoavaliação da prática, 51% dos entrevistados consideraram satisfatória a prática com anticoncepcionais durante a residência. Conforme o ano do programa, pode ser identificada uma discreta melhora nesse percentual de satisfação, no entanto ainda longe de números que possam ser considerados como uma análise favorável. Números mais expressivos do que os apresentados nesse estudo devem ser almejados com o intuito de melhorar o ensino e a aprendizagem em programas de residência cirúrgica, como a ginecologia e obstetrícia, já que a literatura é taxativa ao reforçar que procedimentos de planejamento familiar incluem um conjunto específico de habilidades técnicas que podem ser ensinadas no ambiente da residência médica. Esses resultados são valiosos para os residentes e podem traduzir-se em melhores resultados clínicos2626. Goldthwaite LM, Tocce K. Simulation training for family planning procedures. Curr Opin Obstet Gynecol. 2017; 29:437-42..

Algumas limitações deste estudo precisam ser destacadas, como a recusa de alguns residentes em responder ao questionário, talvez associada ao tamanho e à quantidade de perguntas, o fato de algumas delas terem cunho reprodutivo-sexual, o que pode ter gerado algum tipo de desconforto, ou ainda à dificuldade, pelo nível dos casos clínicos. Apesar dessa limitação das recusas, deve ser frisada a validação interna deste estudo, que apresentou um tamanho amostral bastante representativo e significante, ao ser considerado o universo dos residentes de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco.

Outro importante fator dificultador para a execução desta pesquisa foi a pouca quantidade de estudos na literatura com metodologia semelhante, que objetivassem analisar médicos residentes quanto seu conhecimento de temas importantes no contexto de formação de um especialista, não limitando o desenho populacional a indivíduos do sexo feminino, como mostram as referências estudadas. Isso posto, reforça-se a necessidade de realização de novos estudos similares que possam estender a avaliação a outros estados e outras regiões brasileiras, almejando sempre melhoras na educação médica dos serviços de residência.

CONCLUSÕES

Embora o conhecimento das indicações e contraindicações, na autoavaliação dos residentes, possa ser considerado satisfatório, chama a atenção algumas disparidades quando se analisam as respostas deles aos casos clínicos e às questões que representam uma maior aproximação com a atividade cotidiana em si. Em relação à atitude, as respostas foram algo controversas, sobretudo ao considerarmos tópicos como uso pessoal da camisinha versus suas recomendações de uso no ambiente de ambulatório. Como se trata de um inquérito survey, a avaliação da prática com contraceptivos só pode ser aferida pela autopercepção de aquisição das habilidades técnicas, e, nessa alínea, obtiveram-se os melhores resultados, especialmente no que concerne à prática com os diferentes tipos de DIU e com a esterilização cirúrgica feminina. Ambos os métodos anticoncepcionais apresentaram uma boa capacitação percebida durante os programas de residência em ginecologia e obstetrícia de Pernambuco. Deve-se destacar que esse treinamento foi melhorando com a evolução dos residentes do primeiro ao terceiro ano da especialização.

As autoavaliações demonstraram que mais da metade da amostra avaliada considerou os conhecimentos, as atitudes e as práticas dela muito satisfatórios e/ou adequados durante os programas de residência médica de ginecologia e obstetrícia de Pernambuco, havendo uma melhora dessa autoavaliação conforme a evolução dos anos de residência. Essas disparidades podem exaltar uma necessidade de maior investimento na educação do médico residente, dentro da temática da contracepção, e fomentar uma autocrítica por parte dos profissionais responsáveis pela formação de novos especialistas na área de ginecologia e obstetrícia.

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    Avaliado pelo processo de double blind review.
  • FINANCIAMENTO

    Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editor associado: Kristopherson Lustosa Augusto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2023
  • Aceito
    14 Set 2023
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