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Sustentabilidade na produção de leite: balanço energético em sistema intensivo de produção com visão focada nos processos

Milk production sustainability: energy balance in intensive dairy livestock farming focused on processes

Resumos

O objetivo deste trabalho foi analisar as atividades de produção de leite em sistema intensivo, classificá-las em processos de produção e projetá-las em valores energéticos em Mapa de Fluxo de Valores Energéticos (MFVE). Na pesquisa, realizada em uma fazenda do município de Córrego Fundo-MG, foi feito um estudo dos fluxos energéticos na produção, sendo todo o sistema dividido em processos de produção de milho para silagem, alimentação do rebanho, ordenha, sanidade animal, manejo sanitário e controle de produção. Foram levantados os empregos de energia direta e indireta nos processos produtivos em 2011. O valor unitário da energia empregada na produção de um litro de leite foi de 7,42 MJ kg-1, com eficiência energética de 34,56%. Por meio do Mapa de Fluxo de Valores Energéticos (MFVE) proposto, foi possível visualizar a participação energética para cada processo produtivo, viabilizando a aplicação de ações de planejamento e controle da produção direcionada à melhor eficiência econômica, ambiental e social.

indicadores energéticos; fluxos energéticos; eficiência energética; bovinocultura; construções rurais


The present study investigated intensive dairy livestock farming activities, classified them into production processes and converted into energy values using a "Flow Energy Value Map" (FEVM). A study on production energetic flows was made in a farm in Córrego Fundo, MG; being the whole system divided into corn silage production, herd feeding, milking, animal health, animal care management, and yield control processes. All data from directly and indirectly energy employment from 2011 in production processes were tabulated. The energetic unit value used to produce one liter of milk was 7.42 MJ kg-1 with 34.56% of energy efficiency. By the stated Energy Flow Value Map (EFVM) was possible to visualize the energy share in each production process, enabling to implement planning and control of production actions directed to the best economic, environmental and social efficiency.

energy indicators; energy flows; energy efficiency; cattle; farm buildings


ARTIGOS CIENTÍFICOS

ENERGIA NA AGRICULTURA

Marcelo C. RamosI; Alessandro T. CamposII; Tadayuki Y. JúniorIII; Karen C. P. da SilvaIV

IEngo Eletricista Industrial, Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, UFLA, Lavras - MG, Fone: (37)

33221062, carvalho_marceloc@hotmail.com

IIEngo Agrícola, Prof. Associado, Departamento de Engenharia, UFLA, Lavras - MG, campos@deg.ufla.br

IIIEngo Agrícola, Prof. Associado, Departamento de Engenharia, UFLA, Lavras - MG, yanagi@deg.ufla.br

IVEnga Agrícola, Mestre do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola, UFLA/Lavras - MG, karenpaiva88@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi analisar as atividades de produção de leite em sistema intensivo, classificá-las em processos de produção e projetá-las em valores energéticos em Mapa de Fluxo de Valores Energéticos (MFVE). Na pesquisa, realizada em uma fazenda do município de Córrego Fundo-MG, foi feito um estudo dos fluxos energéticos na produção, sendo todo o sistema dividido em processos de produção de milho para silagem, alimentação do rebanho, ordenha, sanidade animal, manejo sanitário e controle de produção. Foram levantados os empregos de energia direta e indireta nos processos produtivos em 2011. O valor unitário da energia empregada na produção de um litro de leite foi de 7,42 MJ kg-1, com eficiência energética de 34,56%. Por meio do Mapa de Fluxo de Valores Energéticos (MFVE) proposto, foi possível visualizar a participação energética para cada processo produtivo, viabilizando a aplicação de ações de planejamento e controle da produção direcionada à melhor eficiência econômica, ambiental e social.

Palavras-chave: indicadores energéticos, fluxos energéticos, eficiência energética, bovinocultura, construções rurais.

ABSTRACT

The present study investigated intensive dairy livestock farming activities, classified them into production processes and converted into energy values using a "Flow Energy Value Map" (FEVM). A study on production energetic flows was made in a farm in Córrego Fundo, MG; being the whole system divided into corn silage production, herd feeding, milking, animal health, animal care management, and yield control processes. All data from directly and indirectly energy employment from 2011 in production processes were tabulated. The energetic unit value used to produce one liter of milk was 7.42 MJ kg-1 with 34.56% of energy efficiency. By the stated Energy Flow Value Map (EFVM) was possible to visualize the energy share in each production process, enabling to implement planning and control of production actions directed to the best economic, environmental and social efficiency.

Keywords: energy indicators, energy flows, energy efficiency, cattle, farm buildings.

INTRODUÇÃO

No início deste século e do novo milênio, o movimento social pelo desenvolvimento sustentável levou as empresas a incontáveis iniciativas voluntárias em prol das questões de preservação ambiental. Uma organização passa a ser sustentável a partir do momento em que se torna eficiente em termos econômicos, respeitando o meio ambiente, sendo instrumento de justiça social, promovendo a inclusão social e protegendo as minorias (BARBIERE, 2007). Assim, o modelo de organização inovadora e sustentável tende a ser uma resposta para as pressões institucionais, pois se torna uma organização capaz de inovar não somente pela melhor eficiência econômica, mas também pela responsabilidade social e ambiental. Quando uma organização reúne as características de inovação e sustentabilidade, ela adquire maior vantagem competitiva (BARBIERI et al., 2010).

Em sistema intensivo de produção de leite de vaca, a sustentabilidade necessita estar amparada por melhorias em toda a cadeia produtiva. Um melhor entendimento dos processos permite uma melhor eficiência em todo o sistema. Para garantir a sustentabilidade, é necessário que cada agroecossistema busque soluções específicas referentes a suas características. Além de aumento de produtividade, são necessárias maior eficiência e práticas de manejo equilibradas com os recursos que se encontram disponíveis (COSTA & BUENO, 2011).

A cadeia produtiva do leite pode ser considerada uma das mais importantes do complexo agroindustrial brasileiro. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de leite de vaca e vem-se firmando cada vez mais na intensificação de seus sistemas intensivos de produção. Dados do IBGE (2011) apontam que o Brasil vem superando seu crescimento anual e mantendo-se no ranking mundial de produção de toneladas de leite ano-1, juntamente com a Rússia, Índia e os Estados Unidos. Mesmo com posição de destaque mundial na produção de leite, o Brasil ainda sofre com a falta de recursos técnicos e regionais, que contribuem para aumentar as perdas e a obter baixos índices de produtividade (MILANI & SOUZA, 2010).

O Brasil possui elevado potencial para crescimento na pecuária leiteira. Todavia, para melhorar a eficiência dos sistemas de produção, torna-se necessário realizar duas abordagens distintas, porém complementares: a produtiva, referente à análise da produção física obtida, e a econômica, que se relaciona aos custos de produção e à lucratividade. Além destas, a abordagem energética também vem recebendo atenção e refere-se à mensuração e à construção de índices capazes de captar as diversas relações de fluxos de energia que permeiam determinado sistema agrícola (FRIGO et al., 2011).

Análises energéticas podem contribuir na gestão do conhecimento em agronegócios, tornando-se um exímio indicador de desempenho energético, econômico e social, constituindo-se em instrumento auxiliar para a avaliação da sustentabilidade. As estimativas de balanço de energia são importantes instrumentos para monitoramento de biossistemas ante o uso de energias não renováveis (VERNETTI JÚNIOR et al., 2009).

O objetivo deste trabalho foi mensurar o consumo energético (MJ ano-1) de um sistema intensivo de produção de leite de vaca, visualizado pelo Mapa de Fluxo de Valor Energético (MFVE) e, assim, propor uma ferramenta de análise energética com foco nos processos.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido na Fazenda Estiva, localizada no município de Córrego Fundo, centro-oeste do Estado de Minas Gerais, a uma latitude de 20º25'12" sul e a uma longitude de 45º34'10" oeste, com altitude média de 801 m, clima tropical de altitude e bioma cerrado (IBGE, 2011). Os dados coletados representaram o calendário do ano de 2011. O sistema de produção é do tipo intensivo, com produção média de 3.270,00 kg de leite por dia (16,35 L-1 de leite vaca-1 dia-1), para duas ordenhas diárias.

A fronteira do sistema compreendeu 150 ha de terra, onde 85 ha foram utilizados na produção do milho para silagem, e o restante, ocupado com as instalações. A média anual do rebanho bovino (raça Girolando) foi composta por 200 vacas em lactação, 75 vacas solteiras, 30 novilhas com idade acima de 24 meses, 30 novilhas com idade entre 12 e 24 meses, 92 bezerras com idade de zero a um ano e três touros no pasto.

A sala de ordenha é do tipo espinha de peixe 6x6 (marca: DeLaval), linha alta, com tanque de expansão de 4.000 L (marca: Kepler Weber), com dois motores de 5,5 HP e com as seguintes características construtivas: 245 m² de área coberta e edificada em alvenaria de blocos de concreto aparente, pé-direito de três metros, cobertura mista com telhas de fibrocimento/cerâmicas e piso cimentado liso.

O alojamento para os tratores, implementos rurais e depósito de insumos possui 765 m² de área coberta, edificada com estrutura mista de concreto/aço/madeira, pé-direito de seis metros, cobertura em telhas de fibrocimento e piso de concreto rústico.

O alimento produzido internamente (milho), após colheita, era armazenado em cinco silos trincheira, com capacidade individual de 765 toneladas. As vacas em lactação eram mantidas em três piquetes de 140 m2, abrigando 67 animais cada, dispondo de comedouros em área coberta de 420 m2. A propriedade dispõe também de instalações para manejo sanitário dos animais, contendo tronco, e as instalações complementares, como maternidade e bezerreiro.

A origem e a forma de utilização da energia nos agroecossistemas apresentam-se de diversas maneiras, sendo primeiramente necessário classificá-las, para posteriormente ser realizada uma análise energética (SANTOS & SIMON, 2010). Assim, as atividades vinculadas à produção de leite foram classificadas em processos de produção de silagem de milho, alimentação do rebanho, sanidade animal, ordenha, manejo sanitário e controle de produção.

Por meio do levantamento in loco dos insumos utilizados em 2011 e implantação de planilhas de controle de máquinas e equipamentos e da sala de ordenha, os insumos agropecuários aplicados nos processos foram identificados. O somatório destes insumos foi classificado por processos e convertido em formas de energia direta biológica, energia direta fóssil do petróleo, energia direta hidroelétrica e energia indireta aplicada nas construções rurais e na fabricação das máquinas e dos equipamentos (RODRIGUES & SIMON, 2010).

Os insumos utilizados pelos tratores agrícolas nos processos foram convertidos a valores energéticos de acordo com o Balanço Energético Nacional (2011), sendo: 35,52 MJ L-1 (óleo diesel); 37,29 MJ L-1 (lubrificantes); e 45,22 MJ kg-1 (graxa). Para os fertilizantes agrícolas, foram adotados os coeficientes utilizados por SALLA & CABELLO (2010), sendo: 73,30 MJ kg-1 (N); 13,90 MJ kg-1 (P₂O₅); 9,20 MJ kg-1 (K₂O); e 0,20 MJ kg-1 (calcário).

A energia indireta, relativa às máquinas e equipamentos agrícolas, foi adaptada segundo ULBANERE & FERREIRA (1989), sendo: 33,73 MJ h-1 (trator MF-4283); 31,90 MJ h-1 (trator MF-4275); 24,23 MJ h-1 (trator MF-255); 5,23 MJ h-1 (arado); 1,55 MJ h-1 (subsolador); 8,59 MJ h-1 (grade); 7,44 MJ h-1 (semeadora); 0,86 MJ h-1 (cultivador); 2,43 MJ h-1 (pulverizador); 5,72 MJ h-1 (colhedora); e 4,15 MJ h-1 (carretas).

Os defensivos agrícolas foram convertidos pelos coeficientes utilizados por SANTOS et al. (2007), sendo: 418,22 MJ L-1 (herbicida); 363,81 MJ L-1 (inseticida) e 271,71 MJ L-1 (fungicida). A energia elétrica consumida nos processos foi convertida pelo coeficiente de 3,60 MJ kWh-1 (BALANÇO ENERGÉTICO NACIONAL, 2011).

Os índices energéticos das construções rurais foram definidos segundo características construtivas e composições TCPO (2010), com valores energéticos depreciados em função da vida útil de 40 anos. Para um levantamento acurado da composição energética das construções rurais, foram utilizados os seguintes coeficientes energéticos por insumos: 62,78 MJ kg-1 (p/ 3,35 t de aço); 119,99 MJ kg-1 (p/ 2,25 t de PVC e plástico); 13,81 MJ kg-1 (p/19,50 t de madeira); 45,02 MJ kg-1 (p/73 kg de fio elétrico); 3,60 MJ kg-1 (p/110 kg de telha cerâmica); 3,93 MJ kg-1 (p/28 t de telha fibrocimento); 4,76 MJ kg-1 (p/30 t cimento); 2,71 MJ un (16.000 unidades de bloco de concreto); e 0,05 MJ m-3 (p/200 m3 areia lavada e pedra britada) (CAMPOS et al., 2003; PELLIZZI, 1992).

A mão de obra foi representada por coeficientes energéticos distintos, sendo: 2,03 MJ h-1 para atividades de baixo esforço físico e 4,39 MJ h-1 para atividades com alto esforço físico (PIMENTEL, 1980).

No processo de alimentação do rebanho, a energia empregada para a produção de 3.825,00 t ano-1 de silagem de milho (média de 45 t ha-1 ano-1), proveniente do processo de produção de milho, foi adicionada aos demais valores energéticos referentes ao consumo em energia elétrica, mão de obra, energia indireta dos equipamentos agrícolas e construções rurais, alimentação concentrada e demais nutrientes indispensáveis à saúde do animal, tais como: água, bionúcleo, farelo de soja, polpa cítrica e caroço de algodão.

Para os insumos alimentares, foram utilizados os seguintes coeficientes energéticos: 16,72 MJ kg-1 (p/242,71 t de farelo de soja); 1,09 MJ kg-1 (p/23,2 t de bionúcleo e sal mineral); 16,03 MJ kg-1 (p/58 t de torta, caroço algodão e casca moída) e 0,47 MJ kg-1 (p/3,07 t de ração concentrada) (SOARES et al., 2007; SOARES et al., 2008).

O coeficiente energético para o milho foi calculado pela razão entre a energia total gasta no processo de produção do milho pela massa do material (silagem) consumido em um ano, resultando em 0,70 MJ kg-1 de milho em silagem. A demanda de energia elétrica gasta para o preparo da alimentação concentrada foi medida em kW e convertida em MJ, assim como toda energia direta utilizada para disponibilizar os alimentos para o consumo dos animais (tratores, carretas e mão de obra), além da energia indireta das máquinas, equipamentos e construções rurais.

Os coeficientes para insumos veterinários foram adaptados da metodologia utilizada por SOARES et al. (2008), sendo: 752,00 MJ L-1 (p/ 33,28 L de probióticos); 522,53 MJ L-1 (p/ 117,81 L de antibióticos); 725,20 MJ L-1 (p/ 2,03 L de vacinas); 45,97 MJ L-1 (p/ 176,18 L de ectoparasiticidas); 46,06 MJ L-1 (p/ 30,04 L de endoparasiticidas); 15,15 MJ L-1 (p/ 61,40 L de estimulantes de apetite) e 2.518,00 MJ L-1 (p/ 38,96 L de medicamentos diversos).

O valor energético apurado no processo de ordenha contemplou toda a mão de obra utilizada para duas seções diárias, somado ao consumo elétrico do motor da bomba de vácuo, do tanque de expansão, da iluminação interna e externa das instalações (salas de ordenha, de leite e curral de espera) e toda a energia indireta das construções rurais.

Para o processo de manejo sanitário, foi medida a energia elétrica consumida pelas bombas d'água, lavadora de pressão e a energia humana (mão de obra) aplicada na coleta dos dejetos animais, transporte e limpeza geral. Foram medidos o consumo de combustível e a energia indireta das construções. Na propriedade, os dejetos animais não retornam para a lavoura. Estes são trocados comercialmente por calcário. Dessa forma, a energia que retorna para a lavoura foi substituída pela energia de 241,50 toneladas de calcário e sua aplicação no solo.

Por fim, o processo de controle de produção, que relaciona todas as atividades administrativas, também consome parte de energia direta e indireta proveniente de mão de obra, construções (escritório) e tratores utilizados para a melhoria das estradas e a manutenção geral da propriedade, não classificadas nos processos anteriores.

A energia acumulada na produção de leite foi convertida em valores energéticos. O coeficiente utilizado foi o mesmo praticado por COSTA & BUENO (2011), ou seja: 2.64 MJ kg-1 de leite para a densidade de 0,97 kg L-1. Os valores energéticos foram apurados por processos, convertidos e transcritos no Mapa de Fluxo de Valor Energético, demonstrando os fluxos de energia direta e indireta consideradas como entradas e saídas nos processos. Assim, a eficiência energética do sistema foi obtida pela razão entre o somatório de toda a energia na saída e o somatório de toda energia na entrada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No processo relacionado à produção de silagem de milho, os fertilizantes representaram a maior parcela de consumo energético (84,79%), seguida por 8,02% do óleo diesel, lubrificantes e graxas dos tratores agrícolas. Os demais componentes da energia direta totalizaram-se em 5,85%, e a energia indireta representou 1,34% (Tabela 1).

O custo energético para a produção de 3.825,00 t de milho para silagem correspondeu a 31.880,56 MJ ha-1, valor considerado elevado, quando comparado aos 15.633,70 MJ ha-1 encontrado por SALLA & CABELLO (2010). Os autores conjecturam que a adoção de técnicas alternativas de produção, tais como: plantio direto, uso de combustíveis renováveis e adubação orgânica, podem minimizar o consumo energético na produção do milho, porém os fertilizantes continuam sendo os responsáveis pelo maior consumo energético, deste processo. Para JASPER et al. (2010), soluções que visem à redução no consumo energético tornam-se altamente complicadas, visto que isto deveria reduzir a utilização de equipamentos, acarretando certamente em baixa na produtividade ou dificuldades em se alocar mão de obra para as atividades de produção de grãos.

O processo relacionado à alimentação do rebanho, ou seja: milho em silagem, farelo de soja, sais minerais, bionúcleo, torta e caroço de algodão, concentrado, farelo de polpa cítrica, preparo da ração concentrada e sua distribuição aos animais no cocho, apresentou os valores energéticos descritos na Tabela 2.

Para o processo de alimentação, somente o farelo de soja foi responsável por 47,83% de todo o consumo energético, pois, por ser a soja uma cultura de elevado teor de proteína e menor percentual de óleo, isto resulta em grande quantidade de farelo, elevando-se assim seu saldo energético, que após passar pelo processamento industrial, acumula maior quantidade de energia em processamentos (SOARES et al., 2008).

A energia contida na silagem de milho (31,74%) foi adicionada ao processo de alimentação. Os demais insumos alimentares totalizaram-se em 13,09%, e o leite que retorna para a alimentação das bezerras, representou 1,02%, ou seja: acima dos valores de energia elétrica (0,43%), mão de obra (0,09%) e a toda energia indireta (0,82%) do sistema produtivo.

Para o processo de sanidade animal, que engloba a mão de obra veterinária e o uso de medicamentos para prevenção e cura de doenças relacionadas ao rebanho, a maior representação energética está nos medicamentos diversos (49,57%), seguida pelos antibióticos (31,23%) e probióticos (12,24%). A mão de obra possui baixa representação, apenas 0,92% (Tabela 3).

O consumo energético total dos medicamentos apresentou baixa representação na matriz energética do sistema (1,71%). Isto se deve ao fato de o tratamento veterinário ser do tipo preventivo, porém a prática mais adotada é optar pela redução de custos com medicamentos preventivos, diminuindo-se o consumo energético e aumentando a probabilidade de manifestação de doenças (VALENTE et al., 2012).

Outra questão a ser considerada é que o processo de sanidade animal possui forte interação com o processo de alimentação, como constatado por SALMAZO et al. (2007) que, quando introduziram maior suplementação alimentar, depreenderam que as vacas, durante o pré e pós-parto, obtiveram resultados mais eficientes no período do cio.

No processo de ordenha, o consumo de energia elétrica representou 77,53% do consumo energético total, seguido por 17,14% da mão de obra e 5,33% pela energia indireta das construções rurais (Tabela 4).

A análise pormenorizada do emprego de energia no processo de ordenha, na forma de eletricidade, aponta o tanque de expansão, usado no resfriamento do leite, como principal ponto de consumo, representando 39,81% de toda a matriz elétrica do sistema. Estudos comparativos de armazenamento de leite realizados por VINHOLIS & BRANDÃO (2009) apontaram maior redução no consumo elétrico quando as coletas de leite foram feitas com maior frequência, reduzindo-se, assim, o tempo de conservação do leite de cada ordenha. Os autores descrevem que a capacidade de armazenamento do tanque também deve ser avaliada, a fim de evitar excessos no dimensionamento.

A mão de obra empregada no processo de ordenha poderá ser reduzida mediante utilização de tecnologia que permita racionalizar e acelerar o ritmo de produção, tal como o uso de sistema de ordenha dotado de extratores automáticos de teteiras. Porém esta automação requer maiores investimentos (BOTEGA et al., 2008).

O processo de manejo sanitário, com atividades de limpeza dos currais, da sala de ordenha, de máquinas e implementos, e demais instalações, tem a água como principal recurso, gerando consumo elétrico pelas bombas d´água e lavadoras de pressão. Como os animais são mantidos em piquetes, a mecanização da limpeza de dejetos animais fica parcialmente prejudicada, fazendo-se necessário a utilização de enxadas, pás, carretas, com considerável uso de mão de obra. Na Tabela 5, observam-se os principais consumos energéticos deste processo. Ressalva-se que vários autores não consideram a água no balanço energético, sendo consideradas apenas as formas de energia sujeitas à escassez (AGOSTINHO & ORTEGA, 2012).

Os tratores foram responsáveis por 58,82% do consumo energético, ficando a mão de obra com uma participação de 19,01%. A energia elétrica, proveniente do consumo elétrico das bombas e lavadoras de pressão, representou 13,27%, acima da energia indireta de 8,91% oriunda das máquinas, equipamentos e construções.

O processo de controle de produção (Tabela 6), responsável pela administração da propriedade, contabilizou outros recursos energéticos consumidos e não apropriados aos processos anteriores, tais como: mão de obra para atividades diversas, energia elétrica do alojamento de funcionários, salas administrativas e utilização de máquinas e equipamentos para outras benfeitorias.

A energia elétrica foi responsável por 63,02% do consumo energético neste processo, acompanhada por 18,09% da mão de obra e 15,95% da energia direta consumida pelos tratores. A energia indireta totalizou-se em 2,94%.

A análise por processos permitiu conhecer os maiores focos de consumo energético, fornecendo a possibilidade de uma análise global do sistema. Na Figura 1, observa-se que a alimentação do rebanho constitui-se no processo de maior consumo energético e pode ser dividida em dois grupos: 30,13% em silagem de milho e 64,46% provenientes de todo consumo em óleo diesel, mão de obra, energia elétrica, farelo de soja, concentrados, nutrientes e a energia indireta relacionada ao processo de alimentação do rebanho.


Os demais processos foram pouco representativos na contribuição para a formação da matriz energética, representando apenas 5,41% de todo o consumo energético do sistema intensivo de produção de leite. Este resultado indica, claramente, que qualquer ação direcionada à racionalização do processo de alimentação do rebanho implicará a possibilidade de maior eficiência energética na matriz do sistema.

Na Figura 2, apresentam-se, em escala decrescente, os principais componentes de consumo energético (% MJ ano1) e sua participação na matriz energética do sistema intensivo de produção de leite em 2011. Observa-se a importante contribuição do farelo de soja na matriz energética, muito acima dos fertilizantes. Em contraposição, nota-se a baixa representação da mão de obra e também da energia indireta das máquinas, equipamentos e construções rurais.


De forma antagônica, percebe-se que, apesar do baixo valor em energia indireta apresentada pelas construções, estas desempenham fundamental importância no sistema produtivo. NAVARINI et al. (2009) alertam para a importância das instalações na disponibilização de água e sombra, por exemplo, fundamentais para os animais.

A média de produção de leite comercializado em 2011 foi de 15,85 litros de leite vaca-1 dia-1. Ao se comparar este resultado com o valor de 20,00 litros de leite vaca-1 dia-1, descrito por MILANI & SOUZA (2010), percebe-se que os valores apresentados na propriedade em estudo indiciam oportunidade de melhoria para melhor conversão alimentar. Em contrapartida, qualquer variação na alimentação, buscando aumento de produtividade, irá provocar variações energéticas na matriz do sistema.

Na Figura 3, apresenta-se o Mapa de Fluxo de Valor Energético (MFVE) obtido para o sistema intensivo de produção de leite com foco nos processos. Observa-se, no MFVE, que o Controle de Produção registrou uma eficiência no sistema de 34,56% ano-1, sendo a energia empregada, contabilizada como entrada de 8.849.634,03 MJ ano-1 e transformada em saída com 3.058.385,67 MJ ano-1.


De acordo com o MFVE, o processo de produção de milho para silagem foi responsável por 2.709.847,68 MJ ano-1. Esta energia, adicionada aos 5.774.026,45 MJ ano-1 consumidos pelo processo de alimentação do rebanho, elevou o consumo energético no processo de alimentação do rebanho para 8.438.874,13 MJ ano-1, valor equivalente a 96% da matriz energética do sistema. O calcário, oriundo da troca comercial pelos dejetos dos animais, contribui para 43.579,97 MJ ano-1, melhorando a eficiência no processo de plantio de milho para silagem, porém o resultado final apontou o consumo energético alimentar como o maior responsável pelos custos energéticos deste sistema, ou seja: 94,59%.

A fim de promover uma comparação econômica com os valores energéticos, o custo financeiro (R$ ano-1) referente a cada processo estabelecido no MFVE foi dividido pelo custo energético (MJ ano-1) equivalente aos mesmos processos, obtendo-se o custo financeiro por energia consumida (R$ MJ-1). Na Figura 4, demonstra-se a participação dos processos na matriz econômica e energética do sistema intensivo de leite.


Nota-se que o processo de produção de silagem de milho foi o que apresentou maior similaridade entre custos relativos financeiros (% R$ ano-1) e os custos relativos energéticos (% MJ ano-1), podendo-se atribuir ao uso de fertilizantes químicos como sendo os maiores causadores dos dispêndios econômicos e energéticos. Os demais processos não possuem similaridade, sendo o custo financeiro muito superior ao custo energético, variando de R$ 0,06 MJ-1 a R$ 0,68 MJ-1.

CONCLUSÕES

O Mapa de Fluxo de Valor Energético proposto possibilitou a visualização dos fluxos energéticos e sua contribuição no sistema intensivo de produção de leite, apresentando-se como uma ferramenta potencial para análise energética e tomada de decisão.

A alimentação é o ponto-chave para quaisquer ganhos energéticos em grande escala, principalmente na substituição do farelo de soja pelo cultivo da soja ou outras forrageiras, na propriedade. Porém, faz-se necessária a avaliação nutricional de cada animal de acordo com sua capacidade produtiva, podendo reduzir ou elevar o consumo alimentar e, consequentemente, os valores energéticos.

Viabilizar sistemas produtivos com foco no aumento de produtividade e melhor eficiência energética torna-se um grande desafio para os produtores rurais, pois isto requer o emprego de práticas de manejo equilibradas com os recursos disponíveis.

Recebido pelo Conselho Editorial em: 15-10-2012

Aprovado pelo Conselho Editorial em: 16-1-2014

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014

    Histórico

    • Aceito
      16 Jan 2014
    • Recebido
      15 Out 2012
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