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Código Florestal brasileiro: impactos econômicos e sociais no município de Bandeirantes – PR

Brazilian Forest Code: economic and social impacts in the city of Bandeirantes – PR

RESUMO

O trabalho teve como objetivo analisar os impactos econômicos e sociais provocados pela recomposição florestal do município de Bandeirantes – PR, considerando dois cenários: o Código Florestal vigente e a proposta de alteração. No município, 83,63% dos imóveis rurais enquadram-se na categoria de agricultura familiar, com predomínio de minifúndios e pequenas propriedades, nos quais, problemas sociais poderão surgir caso as alterações na legislação ambiental não apresentem alternativas justas e viáveis economicamente. Se aprovada a proposta, as áreas de mata ciliar ao longo dos córregos serão reduzidas de 4.270,74 ha para 2.122,18 ha; enquanto nas nascentes e nos rios principais, que não sofrerão alteração, serão de 434,17 ha e 1.152,32 ha, respectivamente. Pelo Código atual, os imóveis com área de até 72 ha deverão recompor 3.939,66 ha, enquanto os maiores, 3.740,31 ha. Pela proposta em trâmite, aqueles recomporiam 1.352,19 ha, e estes, 2.558,99 ha, traduzindo-se em ganho de área produtiva para ambos; entretanto, esse aumento pode não compensar os danos ambientais provocados.

mata ciliar; reserva legal; SIG; agricultura familiar

ABSTRACT

The study aimed to analyze the economic and social impacts caused by forest regeneration in the city of Bandeirantes - PR, considering two scenarios: the effective Forest Code and the proposed amendment. In this city, 83.63% of the rural properties are part of the familiar agriculture, with predominance of small farms and smallholdings, in which social problems may arise if the changes in environmental laws have no adequate and feasible economic alternative. If the proposal be approved, the riparian areas along streams will be reduced from 4,270.74 ha to 2,122.18 ha, while in the springs and in the main rivers, that will not change, there will be 434.17 ha and 1,152.32 ha, respectively. By the current Code, the properties with area of up to 72 ha will must recover 3,939.66 ha, while the highest ones, 3,740.31 ha. By the proposal in analysis, those will be recovering 1,352.19 ha and these, 2,558.99 ha, expressing profit of productive area for both, however, this increase could not compensate for the environmental damage caused.

riparian areas; legal reserve; SIG; familiar agriculture

INTRODUÇÃO

Um novo agente social surge no meio rural, mormente nas pequenas propriedades, as famílias pluriativas, que combinam as atividades tradicionais com as novas que se vêm desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conservação da natureza e prestação de serviços. Tal combinação, que pode ser vista como a urbanização do meio rural, tem possibilitado a obtenção de rendas não agrícolas que impedem, por vezes, o abandono das propriedades, principalmente pelos mais jovens. Essas transformações determinam que as políticas e os instrumentos de gestão ambiental levem em conta que o meio rural tem novas necessidades (REIS, 2011REIS, L.C. Revisão do Código Florestal Brasileiro: impactos no município de Bandeirantes. 2011. 163f. – Tese (Doutorado em Agronomia) - Centro de Ciências Agrárias, Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2011.).

Para GUILHOTO et al. (2006)GUILHOTO, J.J.M.; SILVEIRA, F.G.; ICHIHARA, S.M.; AZZONI, C.R. A importância do agronegócio familiar no Brasil. RER, Rio de Janeiro, v. 44, n. 3, p. 355-382, jul./set. 2006., a influência do setor agropecuário familiar, que faz parte da história do Brasil e da própria humanidade, foi reduzida ao longo dos séculos, tendo sido o termo familiar associado a passado, atraso e pouca significância, devido ao desenvolvimento tecnológico do próprio setor agropecuário e dos outros setores produtivos da economia. Entretanto, o mundo contemporâneo colocou o sistema familiar de produção dentro de um contexto socioeconômico próprio e delicado. Sua importância aumenta na medida em que se questiona o futuro das pessoas que subsistem do campo, a problemática do êxodo rural e a tensão social decorrente da desigualdade social no campo e nas cidades.

As unidades de produção rural divergem em termos de tamanho, capital e tecnologia, tornando as prioridades individuais diferentes. Em relação às pequenas propriedades, o problema é acentuado devido à diversidade de sistemas e de estratégias produtivas que determinam objetivos difusos. Associações e cooperativas possibilitam a permanência do sistema familiar em algumas regiões, mas são totalmente inexistentes em outras. A delimitação do espaço ocupado dentro do contexto da economia brasileira pode auxiliar na criação de alternativas que visem à manutenção e melhoria da feição familiar em busca da almejada sustentabilidade do setor.

Para a sociedade atual, a questão ambiental é o assunto do momento. Se, por um lado, ela possibilita mudar os rumos do desenvolvimento em benefício das gerações futuras, por outro, os mecanismos criados para garantir tal objetivo podem trazer sérios problemas à sobrevivência das pequenas propriedades rurais (TOURINHO, 2005TOURINHO, L.A.M. O Código Florestal na Pequena Propriedade Rural: Um Estudo de Caso em Três Propriedades Na Microbacia do Rio Miringuava. 2005. 95f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.).

A legislação ambiental, como mecanismo de comando e controle, ao invés de incentivar a melhoria do meio ambiente, tem dificultado para o público envolvido a adequação às normas vigentes. A maioria das propriedades rurais não está adequada às normas ambientais atuais, no Paraná e no Brasil. Isto se deve à rigidez da legislação que, através de seus dispositivos, deveria ultrapassar a barreira do “não pode” e começar a implementar o “como pode”.

É necessário que os procedimentos hoje empregados tenham alternativas viáveis economicamente, caso contrário os produtores rurais que dependem dessas áreas para viver terão suas dificuldades aumentadas e graves problemas sociais poderão surgir, inclusive o aumento da pobreza no campo. A importância da preservação ambiental é reconhecida, porém a sobrevivência do produtor rural, que vive daquilo que tira de sua propriedade, não pode ser sobreposta, pois o homem está inserido no meio ambiente.

Deve ser considerado, ainda, o fato de que esta problemática não atinge apenas o meio rural, visto que os municípios dependem das receitas oriundas do setor, que tem, via de regra, grande participação no PIB e nas receitas referentes ao Fundo de Participação dos Municípios.

Neste contexto, o trabalho teve como objetivo analisar os impactos econômicos e sociais no município de Bandeirantes – PR, em razão da recomposição florestal exigida pela legislação, levando-se em conta o Código Florestal vigente e as propostas de sua alteração, em trâmite no Congresso Nacional.

MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo refere-se ao município de Bandeirantes - PR, compreendido pelas coordenadas geográficas 50º 29’ 44”- 50º 09’42” W e 23º 17’ 05” - 23º 00’ 58” S.

Utilizaram-se técnicas de Sensoriamento Remoto e o Sistema de Processamento de Imagens Georreferenciadas (SPRING), SIG, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Para MIURA et al. (2011)MIURA, A.K.; FORMAGGIO, A.R.; SHIMABUKURO, Y.E.; ANJOS, S. D.; LUIZ, A.J. B. Avaliação de áreas potenciais ao cultivo de biomassa para produção de energia e uma contribuição de sensoriamento remoto e sistemas de informações geográficas. Engenharia Agrícola. Jaboticabal, v. 31, n. 3, p. 607–620, jun. 2011., a principal contribuição do Sensoriamento Remoto é fornecer uma visão sinótica sobre o uso e a cobertura das terras do espaço geográfico considerado, a exemplo de previsão de safra (RIZZI & RUDORFF, 2007RIZZI, R.; RUDORFF, B.F.T. Imagens do sensor MODIS associadas a um modelo agronômico para estimar a produtividade de soja. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 42, p. 73-80, 2007.) e a expansão de culturas como a cana-de-açúcar (RUDORFF et al., 2010)RUDORFF, B.F.T.; AGUIAR, D.A.; SILVA, W.F.; SUGAWARA, L. M.; ADAMI, M.; MOREIRA, M.A. Studies on the rapid expansion of sugarcane for ethanol production in São Paulo State (Brazil) using Landsat Data. Remote Sensing, Ottawa, v. 2, n. 4, p. 1057-1076, 2010..

A base cartográfica do IBGE, escala 1:50000, Folha SF-22-V-II-1, foi inserida no SPRING e, a partir dela, as isolinhas com equidistância vertical de 20 m e a rede de drenagem foram digitalizadas, seguida de modelagem numérica do terreno (MNT). Neste processo, grades retangulares e triangulares foram geradas, cujos valores de altitudes possibilitaram a determinação dos divisores de águas e a delimitação das microbacias.

Para processamento dos dados referentes ao censo demográfico de 2000, disponibilizados pelo IBGE, utilizou-se do programa de cartomática Philcarto, desenvolvido pelo geógrafo francês Philippe Waniez (http://philgeo.free.fr), cujo princípio básico de funcionamento é o cruzamento de uma base de dados com uma base cartográfica (GIRARDI, 2008GIRARDI, P. E. Suporte à cartografia geográfica. In: GIRARDI, P. E. Atlas da questão agrária brasileira. Presidente Prudente: UNESP, 2008. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/suporte_cg.htm>. Acesso em: 20 out. 2010.
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/supo...
). A base cartográfica deve estar em formato .ai (Adobe Illustrator®) e foi elaborada com o programa Phildigit, também de autoria de Waniez.

No presente trabalho, as unidades de mapeamento e análise são as microbacias; entretanto, a base cartográfica adotada pelo IBGE são os setores censitários, cujos polígonos diferem das microbacias, uma vez que são baseados em atributos físicos locais, como estradas, ferrovias, rios, etc. Ambas as bases cartográficas foram inseridas no SPRING em diferentes planos de informação (PI) que, após cruzamento, possibilitaram verificar a proporção entre eles de forma a se obter um fator de transformação dos dados dos setores para microbacias.

A junção entre os dados e a base cartográfica é realizada pelo Philcarto através de códigos atribuídos às unidades espaciais nessas duas bases. A partir dessa junção, são elaborados os diferentes tipos de mapas e realizadas análises estatístico-espaciais, como análise de agrupamentos, análise fatorial, diagrama triangular, análise de superfície de tendência e atração dos lugares centrais.

Os dados do IBGE, referentes ao censo agropecuário de 2006, não foram distribuídos por setores censitários, tendo em vista que o órgão não disponibilizou os dados com os setores individualizados, sob alegação de sigilo da informação, impossibilitando a análise para cada microbacia e, sim, para o município como um todo. Em relação à produção agrícola, o período considerado foi de 2001 a 2008, pelo fato de que somente a partir de 2001 as unidades pertencentes ao Sistema Internacional de Unidades de Medidas, ou pelo menos aceitas, como é o caso do hectare e da tonelada, passaram a ser adotadas pelo IBGE.

Para analisar a distribuição dos imóveis rurais nas microbacias do município, segundo as categorias de tamanho, utilizou-se do estimador de intensidade Kernel, útil para observação da distribuição de primeira ordem dos eventos (CÂMARA & CARVALHO, 2006CÂMARA, G.; CARVALHO, M.S. Análise espacial de dados geográficos. São José dos Campos: INPE, 2006.), neste caso, os imóveis rurais. A tendência de agrupamento dos imóveis foi analisada a partir do fatiamento da intensidade de ocorrência dos centroides dos polígonos. Quanto mais próximos os centroides, maior a intensidade do evento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O setor agrícola é dinâmico e essencial para a economia nacional, e as estatísticas oficiais mostram a importante participação do setor familiar, visto que produz bem mais do que a agricultura patronal por unidade de área cultivada e ocupa sete vezes mais mão de obra, contrariando a falsa visão de que é um setor pouco produtivo, limitado ao abastecimento do mercado local (SABOURIN, 2007SABOURIN, E. Que política pública para a agricultura familiar no segundo governo Lula? Sociedade e Estado, Brasília, v. 22, n. 3, p. 715-751, set./dez. 2007.).

Pelos dados do IBGE, 83,63% dos estabelecimentos agropecuários do município foram considerados na categoria de agricultura familiar e 16,37% na de não familiar, enquanto REIS et al. (2008)REIS, L.C.; REIS, T.E.S.; ABI SAAB, O.J.G. Caracterização da estrutura fundiária do município de Bandeirantes - PR, utilizando geoprocessamento. Engenharia Agrícola, Jaboticabal, v. 28, n. 2, p. 345-354, abr./jun. 2008. constataram que, dos 1.210 imóveis do município, em 2006, 91% enquadravam-se como minifúndio e pequena propriedade, 7% como média propriedade e 2% como grande propriedade. Portanto, 91% dos imóveis têm área que permite enquadrá-los como familiares (Tabela 1). Ocorre que, dentre tais imóveis, não são poucos os que são utilizados como sítios de recreio ou outros, cujas atividades não permitem enquadrá-los na categoria de agricultura familiar.

TABELA 1
Distribuição fundiária no município de Bandeirantes. Land distribution in the city of Bandeirantes.

Para o IBGE, estabelecimento agropecuário é toda unidade de produção dedicada, total ou parcialmente, a atividades agropecuárias, florestais e aquícolas, subordinada a uma única administração, independentemente de seu tamanho ou localização, tendo como objetivo a produção para subsistência e/ou para venda.

A legislação que trata da agricultura familiar e dos empreendimentos familiares rurais preconiza que as políticas públicas voltadas para o setor devem observar, dentre outros, o princípio da sustentabilidade ambiental, social e econômica, e considera como agricultor familiar e empreendedor familiar rural, aquele que pratica atividades no meio rural e que não detenha área maior do que quatro módulos fiscais, que utiliza predominantemente mão de obra da própria família, que tenha renda familiar, predominantemente, oriunda do próprio estabelecimento ou empreendimento e que dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

Obtidos os divisores de águas, foram delimitadas dezesseis microbacias no município, cujo perímetro é formado, em sua maior parte, pelos Rios Cinzas e Laranjinha sendo oito delas voltadas para o primeiro e oito para o segundo. Através do estimador de intensidade Kernel, disponível no SPRING, elaborou-se o mapa de concentração dos imóveis rurais e constatou-se que as microbacias com maior concentração de minifúndios e pequenas propriedades foram Yara, Jacutinga, Água da Divisa, Água Vermelha e Água da Fartura (Figura 1).

FIGURA 1
Mapa de intensidade de concentração dos imóveis rurais. Map of intensity of concentration of rural buildings.

Embora predominem o minifúndio e a pequena propriedade na maioria das microbacias, as atividades agrícolas nelas desenvolvidas diferem. Naquelas voltadas para o Rio Cinzas, mesmo nas pequenas propriedades, predominam culturas como soja, milho, cana-de-açúcar e alfafa. Naquelas voltadas para o Rio Laranjinha, predominam a fruticultura, especialmente a uva, o cultivo de alfafa e a olericultura em cultivo protegido; porém, esta última é recente e, por ocasião do censo de 2000, não era prática comum na região.

No município de Bandeirantes, a agropecuária participa com 14,01% do PIB municipal e é significativa a participação do valor agregado da produção primária ou Valor Adicionado Fiscal (VAF) na composição das receitas municipais. A pecuária tem pouca participação na produção do município e na agricultura, predomina o cultivo de cana-de-açúcar, milho, soja, trigo e alfafa. De acordo com os dados do IBGE, a cultura da cana-de-açúcar ocupou maior percentual de área até 2003, e, a partir daí, a supremacia passou a ser a da soja. A Tabela 2 sintetiza a evolução e o desempenho das principais culturas no município.

TABELA 2
Evolução e desempenho das principais culturas no município de Bandeirantes – PR. Evolution and performance of main crops in the municipality of Bandeirantes – PR.

As microbacias que apresentaram maior incremento de área ocupada com a cultura da cana, no período, foram Ribeirão São Paulo, Água da Onça, Ribeirão dos Índios e Água Vermelha, respectivamente, com 584,26%, 280,77%, 228,67% e 207%. Observou-se aumento na área de cana--de-açúcar em quase todas as microbacias do município, exceto na Água da Divisa, Água Branca e Água Iara, que apresentaram diminuição na proporção, respectivamente, de 40,24%, 14,46% e 13,73%. Proporcionalmente às suas áreas, as microbacias Água do Caixão e Paraguai apresentaram maior índice de ocupação de suas terras com a cultura, sendo respectivamente 50,8 e 43,33%.

A região norte do Paraná foi considerada a maior produtora de feno de alfafa do País e, em Bandeirantes, que figurou como um dos maiores produtores, atualmente, a área cultivada reduziu-se significativamente; entretanto, continua expressiva, pois é uma cultura que beneficia principalmente os pequenos produtores, pelo fato de que gera renda em períodos curtos de tempo. As maiores áreas cultivadas foram verificadas nas microbacias Água da Fartura, Cabiúna e Ribeirão dos Índios. É interessante ressaltar que não são feitos registros de dados sobre a cultura, tanto é que eles não aparecem entre os dados do censo agropecuário.

Em 1992, foi criada a Associação de Desenvolvimento Comunitário Três Águas (ADECOT), envolvendo três bairros da zona rural: Água da divisa, Água Vermelha e Água Seca que, neste estudo, constituem as microbacias Água da Divisa, Água Vermelha e Água da Fartura. A associação surgiu com o objetivo de desenvolver ações conjuntas no que tange ao crédito, à comercialização e à aquisição de insumos, de máquinas e de equipamentos. A partir da criação da Associação, observou-se grande desenvolvimento econômico e social nas comunidades envolvidas, no que concerne ao número de pessoas empregadas e à renda da população, dentre outros. Isto vem ao encontro das afirmativas de ASSIS & ROMEIRO (2005)ASSIS, R.L.; ROMEIRO, A.R. Agroecologia e Agricultura Familiar na Região Centro-Sul do Estado do Paraná. RER, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 155-177, jan./mar. 2005., de que a estrutura familiar de produção impõe a necessidade de lógica diferente ao processo de desenvolvimento agrícola, especialmente no que se refere a agricultores familiares de menor nível de capitalização.

Nessas três microbacias, sobressaem a fruticultura, em especial a cultura da uva (Tabela 3), e a horticultura em ambiente protegido. Porém, este último é recente e, por ocasião do censo de 2000, não era prática comum na região.

TABELA 3
Evolução da cultura da uva no município de Bandeirantes - PR. Evolution of grape culture in the city of Bandeirantes – PR.

Os dados confirmam as afirmativas de SABOURIN (2007)SABOURIN, E. Que política pública para a agricultura familiar no segundo governo Lula? Sociedade e Estado, Brasília, v. 22, n. 3, p. 715-751, set./dez. 2007., de que as estatísticas oficiais, apesar de seus limites, que tendem a reduzir a importância da produção familiar, já que não levam em conta o autoconsumo, o intraconsumo e a distribuição não mercantil e não monetária, não registram as estruturas muito pequenas, como os minifúndios, desmentem radicalmente a imagem economicamente falsa e politicamente construída da realidade agrícola do Brasil.

Em relação à renda média das pessoas, que segundo SCARPIN & SLOMSKI (2007)SCARPIN, J.E.; SLOMSKI, V. Estudo dos fatores condicionantes do índice de desenvolvimento humano nos municípios do estado do Paraná: instrumento de controladoria para a tomada de decisões na gestão governamental. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 41, n. 5, out. 2007. é medida pelo poder de compra da população, baseado no PIB per cápita ajustado ao custo de vida local por meio da metodologia conhecida como paridade do poder de compra, verificou-se superioridade naquelas microbacias onde há organização cooperativa, com grande concentração de minifúndios e pequenas propriedades, e a ocupação do solo dá-se com a fruticultura e a olericultura, comprovando que ao pequeno produtor não cabe trabalhar com as culturas tradicionais de larga escala (Figura 4).

FIGURA 4
Mapa de distribuição de renda nas microbacias do município de Bandeirantes – PR. Map of income distribution in watersheds of city of Bandeirantes – PR.

Nesta linha de raciocínio, é importante salientar a necessidade de se construir uma agricultura mais sustentável, que leve em conta os aspectos sociais e ambientais, além dos aspectos econômicos.

Segundo ATAÍDE et al. (2010)ATAÍDE, L.T.; YAMAOKA, R. S.; VASCONCELLOS, M.E.C.; SOUZA, J.R.P. Caracterização do grau tecnológico dos sericicultores no território Paraná Centro. Ciência Rural, Santa Maria, v. 40, n. 11, p. 2375-2380, nov. 2010., a região central do Paraná é a que apresenta o menor IDH do Estado devido às precárias condições de vida da população e a diversos problemas ambientais relacionados às contaminações do solo e da água, dentre outros. SILVA et al. (2011)SILVA, V.A.; MOREAU, M.S.;. MOREAU A.M.S.S.; REGO, N.A. C. Uso da terra e perda de solo na Bacia Hidrográfica do Rio Colônia, Bahia. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 15, n. 3, p. 310–315, 2011. afirmam que a cobertura do solo tem grande influência no aumento ou na diminuição da erosão e que, respeitando-se a legislação ambiental, os impactos são mitigados de forma considerável. Neste sentido, MARCHIORO et al. (2010)MARCHIORO, E.; FERNANDES, N.F.; MACEDO, J.R; BHERING, S.B.; GONÇALVES, A.O. Aplicação do Código Florestal Brasileiro como subsídio para o planejamento ambiental: um estudo de caso na região noroeste do estado do Rio de Janeiro. Sociedade & Natureza, Uberlândia, v. 22, n. 1, p. 11-21, abr. 2010. salientam que, para a aplicação efetiva do Código Florestal, é importante que ocorram ações que permitam a difusão de técnica de manejo e conservação do solo, visando a contribuir para o aumento da produção agropecuária, sem que, necessariamente, novas áreas agrícolas sejam incorporadas, minimizando a pressão e os conflitos sobre a terra.

De acordo com os dados censitários, o município de Bandeirantes tem 2.323 famílias, envolvendo 9.180 pessoas em situação de pobreza; entretanto, pelos resultados obtidos, constata-se que a zona rural não é a responsável por esses números. Portanto, para que se tenha uma população desenvolvida, não basta apenas o fator econômico. Problemas de natureza ambiental podem contribuir significativamente na dinâmica dessa questão.

Vários autores têm demonstrado o uso conflitivo do solo nas mais diferentes regiões do País, em razão da legislação ambiental vigente, e as geotecnologias reúnem as condições necessárias para análises, prevenindo os indesejáveis conflitos de destinação agrária e pressões sobre os remanescentes naturais e a biodiversidade (MIURA et al., 2011MIURA, A.K.; FORMAGGIO, A.R.; SHIMABUKURO, Y.E.; ANJOS, S. D.; LUIZ, A.J. B. Avaliação de áreas potenciais ao cultivo de biomassa para produção de energia e uma contribuição de sensoriamento remoto e sistemas de informações geográficas. Engenharia Agrícola. Jaboticabal, v. 31, n. 3, p. 607–620, jun. 2011.).

Alterações na legislação ambiental, sem considerar critérios técnicos atualizados, nem sempre levam em conta os impactos social e econômico envolvidos; entretanto, são imprescindíveis para melhor gestão dos recursos naturais e para a sustentabilidade das atividades agropecuárias.

Atualmente, a faixa com vegetação nativa, marginal aos cursos d’água com até dez metros de largura, é de trinta metros. Pela proposta de alteração do Código Florestal, em trâmite no Congresso Nacional, deverá ser de 15 metros para cursos d’água com cinco metros ou menos de largura. Na proposta foram mantidos os percentuais de Reserva Legal da atual legislação que, para a região, é de 20% da área do imóvel, ficando dispensados os imóveis com área de até quatro módulos fiscais (72 ha). Acrescente-se que poderá ser feito o cômputo da APP na Reserva Legal, desde que não ocorram novos desmatamentos, que a APP esteja conservada ou em regeneração, e o proprietário tenha feito o cadastro ambiental.

Os agricultores têm relutado em cumprir a legislação como ela está, sob alegação de que terão suas áreas de cultivo reduzidas, mormente na pequena propriedade. No município de Bandeirantes, em caso de aprovação da proposta, levando-se em conta as classes de aptidão agrícola, no nível de manejo B, as APPs sofrerão grandes reduções (Tabela 4).

TABELA 4
Áreas de APPs, conforme classes de aptidão agrícola de acordo com o Código Florestal vigente e proposta de alteração. Areas of APPs, as agricultural suitability classes according to the current Forestry Code and amendment.

Na Tabela 5, observa-se que a área de vegetação ripária no entorno das nascentes não se altera em ambos os cenários. Para um total de 434,17 ha, existem 74,81 ha, devendo recompor 359,36 ha. Nos córregos, as matas ciliares devem ocupar 4.270,74 ha contra 2.122,18 ha pela proposta; portanto, uma diferença de 2.148,56 ha. Subtraindo a área existente, a necessidade de recomposição florestal é de 3.794,55 ha pelo atual Código e 1,645,99 ha pela proposta.

TABELA 5
Cobertura florestal no município de Bandeirantes–PR, considerando o código florestal vigente e a proposta de alteração. Forest cover in the city of Bandeirantes – PR considering the current forestry code and the amendment.

Ao longo dos Rios Cinzas e Laranjinha, o total de vegetação ciliar é de 1.152,32 ha, dos quais 389,05 ha estão com vegetação e, em 763,27 ha, devem ser recompostas, em ambos os cenários, por não estarem sujeitas a alteração. Os imóveis com área de até quatro módulos fiscais (72 ha) ficam dispensados da recomposição da reserva legal, pela alteração do Código Florestal. Dessa forma, no que tange à reserva legal, pelo atual Código, 5.922,81 ha já existem, havendo necessidade de recomposição em 2.762,79 ha e, pela proposta, a recomposição seria de 1.142,56 ha. Em suma, pelo Código vigente, o município terá 14.542,8 ha de área reflorestada a título de reserva legal e áreas de preservação permanente ao longo dos cursos d’água e no entorno de nascentes, e pela proposta de alteração 10.774,04 ha; portanto, uma redução de 3.768,76 ha.

Deve ser observado, entretanto, que no primeiro cenário (Código atual), os imóveis com área de até quatro módulos fiscais (72 ha) devem recompor 3.939,66 ha (51,3%), enquanto os maiores, 3.740,31 ha (48,7%), totalizando 7.679,97 ha e, no segundo (proposta), os menores que 72 ha devem recompor 1.352,19 ha (34,57%), e os maiores, 2.558,99 ha (65,43%).

Conforme REIS et al. (2009)REIS, L.C.; REIS, T.E.S.; ABI SAAB, O.J.G. Diagnóstico das áreas de preservação permanente das microbacias hidrográficas do município de Bandeirantes – Paraná. Semina: Ciências Agrárias, Londrina, v. 30, n. 3, p. 527-536, jul./set. 2009., as microbacias com maior déficit de matas ciliares foram as que apresentaram terras de maior potencial agrícola (Figura 5), que também são aquelas com maior concentração de minifúndios e pequenas propriedades.

FIGURA 6
Aptidão agrícola, nível de manejo B nas Microbacias hidrográficas, do município de Bandeirantes-PR. The agricultural suitability of level B management in watersheds, the city of Bandeirantes-PR.

CONCLUSÕES

Os minifúndios e as pequenas propriedades atingem 91% dos imóveis rurais, distribuídos nas 16 microbacias do município de Bandeirantes, cuja maioria se enquadra na categoria de agricultura familiar que, para o IBGE, atinge 83,63% dos estabelecimentos agropecuários do município.

A zona rural não é a principal responsável pelo número de pessoas em situação de pobreza, apontados pelo IBGE, visto que a distribuição de renda nas microbacias do município se apresenta acima dos limites que provocariam tal situação.

Caso aprovada a proposta, as áreas de APPs nos córregos serão reduzidas de 4.270,74 ha para 2.122,18 ha, enquanto nas nascentes e nos rios principais, não sofrerão alteração. Pelo Código atual, os imóveis com área de até 72 ha deverão recompor 3.939,66 ha, e os maiores, 3.740,31 ha. Pela proposta em trâmite, aqueles recomporiam 1.352,19 ha, e estes, 2.558,99 ha, traduzindo-se em ganho de área produtiva para ambos.

O cumprimento da legislação ambiental, sem levar em conta os impactos social e econômico, poderá afetar a produção agrícola, mormente a agricultura familiar. A dispensa de reserva legal nos imóveis com até quatro módulos fiscais e o cômputo das áreas de preservação permanente em sua composição serão medidas adequadas para minimizar esses impactos, mas a diminuição da largura das faixas de matas ciliares ao longo dos córregos, embora aumente a área agricultável, pode não compensar os danos ambientais provocados.

REFERÊNCIAS

  • ASSIS, R.L.; ROMEIRO, A.R. Agroecologia e Agricultura Familiar na Região Centro-Sul do Estado do Paraná. RER, Rio de Janeiro, v. 43, n. 1, p. 155-177, jan./mar. 2005.
  • ATAÍDE, L.T.; YAMAOKA, R. S.; VASCONCELLOS, M.E.C.; SOUZA, J.R.P. Caracterização do grau tecnológico dos sericicultores no território Paraná Centro. Ciência Rural, Santa Maria, v. 40, n. 11, p. 2375-2380, nov. 2010.
  • CÂMARA, G.; CARVALHO, M.S. Análise espacial de dados geográficos São José dos Campos: INPE, 2006.
  • GIRARDI, P. E. Suporte à cartografia geográfica. In: GIRARDI, P. E. Atlas da questão agrária brasileira Presidente Prudente: UNESP, 2008. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/suporte_cg.htm> Acesso em: 20 out. 2010.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    8 Nov 2011
  • Aceito
    10 Fev 2015
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