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Tensão de ruptura dos órgaos que constituem o tubo digestório com e sem o uso de corticóide em camundongos

Rupture tension of digestive tract organs with and without the administration of corticosteroid in mice

Resumos

Ruptura dos órgãos que constituem o tubo digestório pode ocorrer em presença de aumento tensórico intraluminar ou quando sua parede estiver enfraquecida. É possível que as diferenças histológicas entre as diversas partes desse tubo interfiram na pressão necessária para que ocorra sua ruptura. Acredita-se que o uso prolongado de corticosteróides possa diminuir a resistência da parede digestória. Com o objetivo de se avaliarem as pressões de ruptura dos órgãos pertencentes ao tubo digestório, realizou-se o presente trabalho. Foram utilizados 20 camundongos de ambos os sexos, com peso variando entre 38 e 52 g, divididos aleatoriamente em dois grupos (n=10): grupo sem corticóide e grupo com administração subcutânea de hidrocortisona (1mg/kg/dia) durante 28 dias. Após esse período, os camundongos foram mortos e, em seguida, foram retirados os diversos segmentos do tubo digestório correspondentes a seus órgãos para avaliação da tensão de ruptura. Não houve diferença significativa entre os grupos com e sem corticóide. As tensões de ruptura do esôfago e do cólon foram maiores do que a do estômago, duodeno, jejuno e íleo (p<0,05). Concluindo, a administração de corticosteróide durante 28 dias não altera a resistência à ruptura do tubo digestório íntegro. O esôfago e o cólon apresentaram maior resistência à ruptura que os demais segmentos digestórios. A resistência do esôfago é significativamente maior que a do cólon.

Ruptura visceral; Hidrocortisona; Esôfago; Estômago; Duodeno; Jejuno; Íleo; Cólon


Rupture of digestive tract organs may be due to an increased intraluminal pressure or to a weakened wall. The histological characteristics of each part of the digestive tract seems to play an important role in the tension required to cause a rupture. It has been reports suggesting that the intestinal wall resistance may be lowered by the use of steroids. The present study has the purpose to assess the rupture pressure of distinct segments of the digestive tract. Twenty mice of both sexes, weighing between 38 and 52 g were randomly assigned two groups; the first (n=10) without corticosteroid and the second (n=10) with the administration of subcutaneous hydrocortisone (1 mg/kg/day) during 28 days. After this period, all organs of the digestive tract were removed and submitted to an intraluminal hypertension until rupture was achieved. There was no significant difference between groups. Rupture resistances at the esophagus and colon were greater than that at the stomach, duodenum, jejunum and ileum (p<0,05). In conclusion, steroid administration during 28 days does not alter the resistance of an intact digestive tract. The esophagus and the colon have higher resistances than the rest of the digestive tract. The esophagical resistance is significantly higher than the colonic.

Digestive tract rupture; Hydrocortisone; Esophagus; Stomach; Duodenum; Jejunum; Ileum; Colon


ARTIGO ORIGINAL

Tensão de ruptura dos órgaos que constituem o tubo digestório com e sem o uso de corticóide em camundongos

Rupture tension of digestive tract organs with and without the administration of corticosteroid in mice

Andy Petroianu. TCBC-MGI; Alessandro M. T. CavalcanteII; Walter José Fagundes-PereyraIII; Bruno Mello Rodrigues dos SantosIV

IProfessor Titular do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG. Docente Livre da Escola Paulista de Medicina - UNIFESP. Docente Livre da FMRPUSP. Doutor em Fisiologia e Farmacologia. Pesquisador IA do CNPq

IIResidente de Anestesiologia da Santa Casa de Belo Horizonte. Bolsista do CNPq

IIIResidente de Neurocirurgia da Santa Casa de Belo Horizonte. Bolsista do CNPq

IVEstudante da Faculdade de Medicina da UFMG. Bolsista do CNPq

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Prof. Andy Petroianu Av. Afonso Pena, 1626/1901 30130-005 – Belo Horizonte – MG

RESUMO

Ruptura dos órgãos que constituem o tubo digestório pode ocorrer em presença de aumento tensórico intraluminar ou quando sua parede estiver enfraquecida. É possível que as diferenças histológicas entre as diversas partes desse tubo interfiram na pressão necessária para que ocorra sua ruptura. Acredita-se que o uso prolongado de corticosteróides possa diminuir a resistência da parede digestória. Com o objetivo de se avaliarem as pressões de ruptura dos órgãos pertencentes ao tubo digestório, realizou-se o presente trabalho. Foram utilizados 20 camundongos de ambos os sexos, com peso variando entre 38 e 52 g, divididos aleatoriamente em dois grupos (n=10): grupo sem corticóide e grupo com administração subcutânea de hidrocortisona (1mg/kg/dia) durante 28 dias. Após esse período, os camundongos foram mortos e, em seguida, foram retirados os diversos segmentos do tubo digestório correspondentes a seus órgãos para avaliação da tensão de ruptura. Não houve diferença significativa entre os grupos com e sem corticóide. As tensões de ruptura do esôfago e do cólon foram maiores do que a do estômago, duodeno, jejuno e íleo (p<0,05). Concluindo, a administração de corticosteróide durante 28 dias não altera a resistência à ruptura do tubo digestório íntegro. O esôfago e o cólon apresentaram maior resistência à ruptura que os demais segmentos digestórios. A resistência do esôfago é significativamente maior que a do cólon.

Unitermos: Ruptura visceral; Hidrocortisona, Esôfago, Estômago, Duodeno, Jejuno, Íleo, Cólon.

ABSTRACT

Rupture of digestive tract organs may be due to an increased intraluminal pressure or to a weakened wall. The histological characteristics of each part of the digestive tract seems to play an important role in the tension required to cause a rupture. It has been reports suggesting that the intestinal wall resistance may be lowered by the use of steroids. The present study has the purpose to assess the rupture pressure of distinct segments of the digestive tract. Twenty mice of both sexes, weighing between 38 and 52 g were randomly assigned two groups; the first (n=10) without corticosteroid and the second (n=10) with the administration of subcutaneous hydrocortisone (1 mg/kg/day) during 28 days. After this period, all organs of the digestive tract were removed and submitted to an intraluminal hypertension until rupture was achieved. There was no significant difference between groups. Rupture resistances at the esophagus and colon were greater than that at the stomach, duodenum, jejunum and ileum (p<0,05). In conclusion, steroid administration during 28 days does not alter the resistance of an intact digestive tract. The esophagus and the colon have higher resistances than the rest of the digestive tract. The esophagical resistance is significantly higher than the colonic.

Key words: Digestive tract rupture; Hydrocortisone; Esophagus; Stomach; Duodenum; Jejunum; Ileum; Colon.

INTRODUÇÃO

Ruptura de órgãos do tubo digestório pode ocorrer no trauma, quando há enfraquecimento de sua parede ou devido a aumento brusco da pressão intraluminar, como nas obstruções e nas dilatações por alterações metabólicas, tal qual sucede na síndrome de Boerhaave ou no megacólon tóxico. A suscetibilidade à ruptura é diferente, ao longo do tubo digestório e depende também da velocidade de instalação da alteração na parede visceral.

Os corticóides têm efeito negativo sobre a cicatrização, por reduzirem a resposta inflamatória no inicio da cicatrização e por inibirem a síntese dos fatores de crescimento pelos macrófagos. A inibição da liberação de histamina, a redução da migração celular e da neoangiogênese estão entre as etapas da cicatrização inibidas pelos corticosteróides. Observaram-se, em trabalhos experimentais, não só a redução da força tênsil de anastomoses intestinais, como também retardo na cicatrização1,2,3. Apesar dos conhecimentos sobre os efeitos do uso de corticóides sobre a cicatrização, pouco se sabe sobre sua influência na resistência da víscera íntegra.

Para se compreenderem eventuais efeitos adversos que possam provocar a ruptura visceral do tubo digestório, é importante conhecer a resistência natural da cada um dos órgãos que compõem esse sistema. Recorrendo à literatura, não encontramos qualquer trabalho que respondesse a essa questão. Com o objetivo de tentar trazer subsídios a um estudo maior em uma linha de pesquisa sobre as cicatrizações de anastomoses digestórias realizou-se o presente trabalho experimental.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 20 camundongos de ambos os sexos, com peso variando entre 38 e 52 g, divididos aleatoriamente em dois grupos (n=10):

• Grupo I — controle;

• Grupo II — administração de hidrocortisona (1mg/kg/dia), subcutânea, durante 28 dias.

Os animais foram colocados em gaiolas especiais para camundongos e receberam alimento (ração para ratos) e água ad libitum. No 28º dia os ratos que receberam corticóide foram mortos com superdose de éter. Os animais do grupo I também foram mortos com éter .

Realizou-se uma abertura longitudinal da parede ventral do tronco do camundongo desde o pescoço até o púbis. Por dissecção cuidadosa, removeu-se todo o tubo digestório, a partir do esôfago cervical e terminando no sigmóide. Durante a retirada da peça cirúrgica, teve-se o cuidado de não lesar qualquer parte dela.

Em seguida, sobre uma prancheta, o tubo digestório foi separado em seus órgãos: esôfago, estômago, duodeno, jejuno, íleo e cólon. Para reduzir a diferença entre os tamanhos dos segmentos, padronizou-se que o estudo fosse realizado em secções de 10 cm.

A medida da pressão de ruptura de cada órgão foi realizada por meio de um aparelho que consistia de um equipo de três vias ( equipo de soro utilizado para medição da pressão venosa central). Uma extremidade do equipo foi introduzida na parte proximal do segmento digestório estudado, outra ponta do equipo foi conectada a um manômetro de mercúrio, medindo 100cm e o terceiro cateter do mesmo equipo se continuava com uma bomba de ar que permitia o controle de um fluxo contínuo. A cânula do equipo, que usualmente é conectada a uma agulha, foi introduzida no órgão pesquisado e amarrada com fio de seda 2-0. Para se manterem os tamanhos dos segmentos estudados de dimensões aproximadamente iguais, foi medida com régua milimetrada a distância entre o fim dessa cânula dentro do segmento digestório e um local a distância de 10,0 cm, onde era realizada uma segunda ligadura com fio de seda 2-0 (Figura 1).


Devido às dimensões mais reduzidas do esôfago, do estômago e do duodeno, a introdução da cânula ocorreu no órgão vizinho. Dessa forma, para se estudar o esôfago, a cânula foi colocada na cárdia gástrica e apenas a sua ponta penetrava no esôfago. A amarradura era feita no estômago. O mesmo procedimento foi feito com o duodeno, em que a cânula era colocada pelo antro gástrico e apenas ultrapassava pouco o piloro gastroduodenal, sendo a fixação feita no estômago.

Para se estudar o estômago, a cânula foi introduzida pelo esôfago e apenas ultrapassou pouco a junção da cárdia, sendo a amarradura distal feita no piloro. Para não haver dúvida em relação ao segmento jejunal e ileal, utilizaram-se os segmentos intestinais próximos ao ligamento duodenojejunal e ao ileocecal, respectivamente. Quanto ao cólon, optou-se pelo cólon transverso.

Como parte do esôfago, estômago e duodeno foram utilizados para a introdução da cânula, esses órgãos não puderam ser aproveitados em metade dos animais. Assim sendo, dos dez animais de cada grupo, os números de cada órgão estudados foram cinco.

Antes de se introduzir a cânula para manometria, a luz do órgão era gentilmente lavada com solução salina a 0,9% injetada por meio de uma seringa, até o líquido sair limpo.

Para se controlar a infusão constante do ar, ela foi dosada pelo borbulhar de sua saída na extremidade da cânula introduzida em uma bacia de água. Calibrou-se o fluxo para ao redor de 150 bolhas/min. Como todos os animais foram estudados em uma única sessão, não houve diferença nesse fluxo.

Depois de amarrado, o órgão era introduzido em um recipiente contento água e posicionado a uma mesma distância da superficie. Em seguida, era ligada a bomba. Mediu-se a pressão de ruptura, que era o pico máximo atingido pela coluna de mercúrio antes de o ar borbulhar na água.

Os resultados obtidos foram comparados pelo teste de t de Student, sendo considerados significativos os valores correspondentes a p < 0,05.

RESULTADOS

Não houve diferença na comparação entre os dois grupos. A pressão de ruptura do cólon foi maior que a dos demais órgãos exceto esôfago. A pressão de ruptura do esôfago foi significativamente maior que a de todos outros órgãos (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Optou-se por realizar o trabalho em camundongos devido à alta pressão de ruptura do esôfago. Em animais maiores, como o rato, essa pressão ultrapassava a 100 cm, que era a altura máxima da coluna de mercúrio do nosso manômetro.

No presente trabalho, a dose de hidrocortisona foi escolhida, com base em estudos anteriores, que verificaram serem essas as concentrações capazes de afetar a cicatrização de feridas e anastomoses digestórias. As doses foram também proporcionais às prescritas em diversos tratamentos clínicos1.

O método utilizado para a medição da pressão de ruptura foi descrito em outros trabalhos, já tendo sido empregado anteriormente nesta linha de pesquisa1,4. Julgamos importante avaliar a pressão de ruptura por meio da insuflação de ar na luz do órgão, tendo em vista ser a hipertensão intraluminar um dos mecanismos de rompimento visceral encontrado na clínica. A avaliação de ruptura visceral por tração não simularia qualquer situação encontrada na prática médica.

O estudo da ruptura de vísceras tem importância prática para se compreenderem os fatores que a determinam, entre os quais se destaca a estrutura histológica de sua parede. Apesar de as características estruturais dos órgãos digestórios serem semelhantes em suas quatro principais camadas: mucosa, submucosa, muscular e serosa, existem particularidades em cada segmento, que podem ser responsáveis pelas diferenças encontradas, como, por exemplo, o esôfago que é recoberto por adventícia.

Dessa forma, o esôfago apresenta, ao longo de sua extensão, uma sucessão de musculatura estriada, mistura de musculatura estriada e lisa, e musculatura lisa em seu terço inferior. Além disso, destaca-se que seu epitélio interno, constituído de células escamosas estratificadas não queratinizadas é diferente do restante do tubo digestório que é revestido por camada mucosa. Acreditamos que esse epitélio interno do esôfago tenha sido responsável por sua maior resistência à ruptura.

Já no cólon, sua camada muscular longitudinal é bem desenvolvida e difere do restante do tubo digestório pelo fato de suas fibras se unirem em três tênias ricas também em tecido colágeno5,6.

Quanto à ausência de influência do uso de corticóide sobre a resistência das visceras, poder-se-ia esperar tal resultado, posto que sua ação na diminuição da resistência anastomótica se baseia na inibição da resposta inflamatória induzida pelo trauma no sentido do reparo cicatricial. Tal resistência não seria afetada em órgãos íntegros, em ausência de processo inflamatório.

Concluindo, o uso de corticóides não influenciou a tensão de ruptura de vísceras digestória integras. A tensão de ruptura do esôfago e do cólon foi maior que a do restante do tubo digestório, o que se atribui à sua estrutura histológica mais reforçada. Essas diferenças poderiam explicar variações de ruptura de vísceras digestórias em diversas situações clínicas. O presente trabalho deverá prosseguir com outros estudos no sentido de buscar subsídios para se compreenderem melhor os fenômenos envolvidos nas rupturas dos órgãos digestórios.

Recebido em 30/6/99

Aceito para publicação em 6/12/99

Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.

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  • 2. Martins JrA, Guimarães AS, Ferreira AL Efeito dos corticosteróides na cicatrização de anastomoses intestinais. Acta Cir Bras 1992; 7: 28-30.
  • 3. Mantovani M, Leonardi LS, Alcântara RG Evolução da cicatrização de anastomoses. Rev Paul Med 1979; 94: 118-26.
  • 4. Melo MAB, Almeida LM, Petroianu A, et al Cicatrização de anastomose colônica em ratos submetidos a diferentes preparos colônicos. Rev Bras Colo-Proct 1996; 16: 19-22.
  • 5. Junqueira LC, Carneiro J "O tubo digestivo". In Junqueira LC, Carneiro J, ed:. Histologia Básica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1987, pp 293-320.
  • 6. Snell RS "Tubo digestivo". In Snell RS, ed: Histologia Clínica. Rio de Janeiro: Discos CBS, 1985, pp 333-391.
  • Endereço para correspondência:
    Prof. Andy Petroianu
    Av. Afonso Pena, 1626/1901
    30130-005 – Belo Horizonte – MG
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2000

    Histórico

    • Recebido
      30 Jun 1999
    • Aceito
      06 Dez 1999
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