Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do posicionamento da agulha de veress durante o estabelecimento do pneumoperitônio pela técnica fechada, em porcos

Evaluation of the position of veress' needle tip during establishment of pneumoperitoneum by closed technique, in pigs

Resumos

OBJETIVO: Estabelecer parâmetros fidedignos do posicionamento adequado da agulha de Veress na cavidade peritoneal durante o estabelecimento do pneumoperitônio pela técnica fechada. MÉTODO: Em 11 porcos a agulha foi introduzida na cavidade peritoneal através do hipocôndrio esquerdo. Provas de posicionamento da ponta do instrumento foram efetuadas. Insuflou-se CO2 e registraram-se periodicamente pressões, fluxos e volumes. A posição intraperitoneal da agulha foi confirmada e esta foi retirada, sendo re-introduzida no hipocôndrio direito e posicionada sob visão direta no espaço pré-peritoneal. Os mesmos parâmetros foram aferidos. RESULTADOS: A prova do escoamento foi sempre positiva no peritônio. Não se encontrou resistência à introdução de soro no peritônio em nenhum caso, mas sim em 45,5% dos casos no pré-peritônio. Soro algum foi recuperado em 63,5% no peritônio e em 54,5% no pré-peritônio. O gotejamento fluiu livremente em 66,6% das vezes no peritônio e em 45,5% dos casos no préperitônio. No peritônio, pressões iniciais de 5,20 mmHg aumentaram progressivamente durante 123 segundos até atingir 15 mmHg. No pré-peritônio a pressão inicial foi de 15,60 mmHg e oscilou entre 12 e 15,60 mmHg. O volume de gás injetado no peritônio foi de 1500 ml e de 100 ml no pré-peritônio. CONCLUSÕES: Aspiração e observação do escoamento e do gotejamento são importantes; recuperar ou não o soro é inconclusivo. Pressão inicial menor ou igual a 5 mmHg é indicativo da ponta da agulha no peritônio, onde devem caber dez vezes mais gás que no pré-peritônio. No peritônio os aumentos das pressões e dos volumes pode ser previstos mediante estatísticas.

Laparoscopia; Cirurgia laparoscópica; Técnicas operatórias; Pneumoperitônio artificial; Pneumoperitônio; Agulhas; Punções; Cavidade peritoneal; Cirurgia minimamente invasiva; Cirurgia veterinária


BACKGROUND: To establish reliable evidence regarding the adequate positioning of the tip of a Veress needle in the interior of the peritoneal sac during the establishment of the pneumoperitoneum by the closed technique. METHODS: In 11 pigs, the needle was introduced in the peritoneal sac through the left hipocondrium. Tests of positioning of the tip of the instrument were carried out. Gas (CO2) was injected, and pressures, flows and volumes were registered periodically. The correct intraperitoneal position of the needle was confirmed and, subsequently, removed, being reintroduced in the right hipocondrium and placed under direct vision in the pre-peritoneal space. The same parameters were surveyed. RESULTS: The test of the draining was always positive in the peritoneum. Resistance to the infusion of serum in the peritoneal sac was not observed, but resistance was detected on 45.5% of cases in the pre-peritoneal space. Some serum was recouped in 63.5% of cases in the peritoneal sac and in 54.5% in the pre-peritoneal space. The dripping flowed freely in 66.6% of cases in the peritoneal sac and in 45.5% in the pre-peritoneal space. In the peritoneal sac, = 5mmHg initial pressure increased gradually during 120 seconds until reaching 15 mmHg. In the pre-peritoneal space, the initial pressure was of 15mmHg and oscillated between 12 and 15mmHg. The volume of gas injected was of 1500 ml in the peritoneal sac and of 100 ml in the pre-peritoneal space. CONCLUSION: Initial pressure of ±5mmHg is indicative of the tip of the needle being placed in the peritoneal sac, inside of which there should fit ten times more gas than in the pre-peritoneal space. When the tip of the Veress needle is placed in the interior of the peritoneal sac, the increase of intraperitoneal pressures and volumes can be predicted by statistics.

Laparoscopy; Laparoscopic, surgery; Surgery, operative; Pneumoperitoneum, artificial; Pneumoperitoneum; Needles; Punctures; Peritoneal cavity; Surgery, minimally invasive; Surgery, veterinary


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação do posicionamento da agulha de veress durante o estabelecimento do pneumoperitônio pela técnica fechada, em porcos

Evaluation of the position of veress' needle tip during establishment of pneumoperitoneum by closed technique, in pigs

João Luiz Moreira Coutinho Azevedo, TCBC-SPI; Rodrigo Santa Cruz GuindaliniII; Otávio Cansanção AzevedoIII; Vanessa Carla Paiva IV; Aline DelorenzoV; Márcia Bento MoreiraVI

IProfessor Adjunto Mestre e Doutor do Departamento de Cirurgia e Responsável pelo Setor de Videocirurgia da TOCE-UNIFESP; Orientador (Mestrado e Doutorado) do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia e Experimentação; Lider do Grupo de Pesquisa "Videocirurgia" do CNPq/UNIFESP; Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica

IIAluno de Graduação da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP; Pesquisador do CNPq

IIIMédico-Assistente de Gastrocirurgia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo; Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia e Experimentação da UNIFESP; Pesquisador do CNPq

IVMestranda do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia e Experimentação da UNIFESP; Monitora da TOCE; Pesquisadora do CNPq

VMonitora da TOCE; Pesquisadora do CNPq

VIDoutoranda do Programa de Pós–Graduação em Cirurgia e Experimentação da UNIFESP; Monitora da TOCE; Pesquisadora do CNPq

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Recebido em 26/01/2004 Aceito para publicação em 21/05/2004

RESUMO

OBJETIVO: Estabelecer parâmetros fidedignos do posicionamento adequado da agulha de Veress na cavidade peritoneal durante o estabelecimento do pneumoperitônio pela técnica fechada.

MÉTODO: Em 11 porcos a agulha foi introduzida na cavidade peritoneal através do hipocôndrio esquerdo. Provas de posicionamento da ponta do instrumento foram efetuadas. Insuflou-se CO2 e registraram-se periodicamente pressões, fluxos e volumes. A posição intraperitoneal da agulha foi confirmada e esta foi retirada, sendo re-introduzida no hipocôndrio direito e posicionada sob visão direta no espaço pré-peritoneal. Os mesmos parâmetros foram aferidos.

RESULTADOS: A prova do escoamento foi sempre positiva no peritônio. Não se encontrou resistência à introdução de soro no peritônio em nenhum caso, mas sim em 45,5% dos casos no pré-peritônio. Soro algum foi recuperado em 63,5% no peritônio e em 54,5% no pré-peritônio. O gotejamento fluiu livremente em 66,6% das vezes no peritônio e em 45,5% dos casos no préperitônio. No peritônio, pressões iniciais de 5,20 mmHg aumentaram progressivamente durante 123 segundos até atingir 15 mmHg. No pré-peritônio a pressão inicial foi de 15,60 mmHg e oscilou entre 12 e 15,60 mmHg. O volume de gás injetado no peritônio foi de 1500 ml e de 100 ml no pré-peritônio.

CONCLUSÕES: Aspiração e observação do escoamento e do gotejamento são importantes; recuperar ou não o soro é inconclusivo. Pressão inicial menor ou igual a 5 mmHg é indicativo da ponta da agulha no peritônio, onde devem caber dez vezes mais gás que no pré-peritônio. No peritônio os aumentos das pressões e dos volumes pode ser previstos mediante estatísticas.

Descritores: Laparoscopia; Cirurgia laparoscópica; Técnicas operatórias; Pneumoperitônio artificial; Pneumoperitônio; Agulhas; Punções; Cavidade peritoneal; Cirurgia minimamente invasiva; Cirurgia veterinária.

ABSTRACT

BACKGROUND: To establish reliable evidence regarding the adequate positioning of the tip of a Veress needle in the interior of the peritoneal sac during the establishment of the pneumoperitoneum by the closed technique.

METHODS: In 11 pigs, the needle was introduced in the peritoneal sac through the left hipocondrium. Tests of positioning of the tip of the instrument were carried out. Gas (CO2) was injected, and pressures, flows and volumes were registered periodically. The correct intraperitoneal position of the needle was confirmed and, subsequently, removed, being reintroduced in the right hipocondrium and placed under direct vision in the pre-peritoneal space. The same parameters were surveyed.

RESULTS: The test of the draining was always positive in the peritoneum. Resistance to the infusion of serum in the peritoneal sac was not observed, but resistance was detected on 45.5% of cases in the pre-peritoneal space. Some serum was recouped in 63.5% of cases in the peritoneal sac and in 54.5% in the pre-peritoneal space. The dripping flowed freely in 66.6% of cases in the peritoneal sac and in 45.5% in the pre-peritoneal space. In the peritoneal sac, = 5mmHg initial pressure increased gradually during 120 seconds until reaching 15 mmHg. In the pre-peritoneal space, the initial pressure was of 15mmHg and oscillated between 12 and 15mmHg. The volume of gas injected was of 1500 ml in the peritoneal sac and of 100 ml in the pre-peritoneal space.

CONCLUSION: Initial pressure of ±5mmHg is indicative of the tip of the needle being placed in the peritoneal sac, inside of which there should fit ten times more gas than in the pre-peritoneal space. When the tip of the Veress needle is placed in the interior of the peritoneal sac, the increase of intraperitoneal pressures and volumes can be predicted by statistics.

Key words: Laparoscopy; Laparoscopic, surgery; Surgery, operative; Pneumoperitoneum, artificial; Pneumoperitoneum; Needles; Punctures; Peritoneal cavity; Surgery, minimally invasive; Surgery, veterinary.

INTRODUÇÃO

O estabelecimento do pneumoperitônio é a manobra mais crítica da videolaparoscopia1, não existindo consenso atual quanto ao melhor método de acesso à cavidade peritoneal visando à sua instauração2. A técnica fechada mediante punção com agulha de Veress3 é a mais freqüentemente utilizada4. Entretanto, durante esse procedimento nem sempre fica evidente a localização exata da agulha e são freqüentes as punções e insuflações equivocadas5-14.

Várias provas de caráter subjetivo quanto ao posicionamento da agulha no saco peritoneal antes do início da insuflação são preconizadas em livros didáticos15-17 (escoamento, aspiração, gotejamento, resistência, recuperação), sendo necessários estudos metodologicamente adequados para aquilatar a real acurácia desses testes.

Por outro lado, os níveis pressóricos, o volume injetado e o fluxo corrente durante a insuflação têm caráter objetivo, prestando-se para correlação com a situação real da ponta da agulha de Veress num determinado momento do processo.

Estudos visando à correta indicação da situação da agulha mediante o estabelecimento de relações entre os parâmetros referidos e os tempos específicos da insuflação seriam de grande valia para a orientação do cirurgião laparoscopista no momento crucial da instalação do pneumoperitônio.

Esta pesquisa objetiva avaliar a real acurácia das provas propostas para testar o posicionamento correto da ponta da agulha de Veress na cavidade peritoneal e estabelecer valores fidedignos com teor preditivo para os níveis pressóricos, os fluxos correntes e os volumes injetados em determinados momentos do decorrer do processo de estabelecimento do pneumoperitônio pela técnica fechada.

MÉTODO

Foram utilizados 11 porcos de ambos os sexos da raça Large White, com peso corpóreo entre 15 a 20 kg e idades entre 50 e 60 dias. Após jejum alimentar de 18 horas e jejum hídrico de 8 horas, os animais foram submetidos a narcose anestésica com curarização, intubação orotraqueal e pressão positiva respiratória intermitente. Os animais foram posicionados em decúbito dorsal, com cabeceira elevada em 20 graus e submetidos à sondagem orogástrica com aspiração do conteúdo do estômago.

O pesquisador colocou-se à direita do animal e o primeiro auxiliar à esquerda. Calibrou-se insuflador eletrônico da marca Dyonics para um fluxo de um litro por minuto e uma pressão máxima de 15 mmHg. Introduziu-se agulha de Veress na parede abdominal, no hipocôndrio esquerdo, a três centímetros da linha média, através de incisão na pele de 1,2 mm, transfixando-se a tela subcutânea. Com a ponta da agulha pressionada contra a camisa anterior do reto abdominal de modo a ocluir o seu pertuito, preencheu-se o mandril com soro fisiológico e procedeu-se à sua introdução visando acessar o interior do saco peritoneal. Quando a cavidade peritoneal foi pretensamente puncionada, registrou-se se houve ou não pronto escoamento do soro da agulha e procedeu-se à realização das outras provas de posicionamento da ponta do instrumento, classificando-as como positivas, caso indicassem que a ponta estava no interior do saco peritoneal, ou negativas, em caso contrário. Na seqüência, injetou-se gás carbônico no saco peritoneal, ao tempo em que se registraram, a cada de dez segundos, os dados expressos no mostrador do insuflador, tais como a pressão da cavidade, o volume de gás injetado e o fluxo em curso no momento. Quando a pressão intraperitoneal atingiu 15 mmHg um trocarte de 10 mm foi introduzido na linha média, ao nível da região supra-umbilical e uma óptica de 30 graus foi introduzida, constatando-se a presença da agulha no interior do saco peritoneal. O instrumento foi retirado e a seguir introduzido no hipocôndrio direito, sendo posicionada sob visão direta no espaço pré-peritoneal. A seguir o pneumoperitônio foi esvaziado e procedeu-se à insuflação de gás nas mesmas condições que as da fase anterior da experiência, aferindo-se pressões, fluxos e volumes injetados.

As provas realizadas nos dois locais estudados (espaços intraperitoneal e pré-peritoneal), foram:

-Prova do escoamento: considerou-se a prova como positiva caso o soro contido na agulha escoasse livremente no momento mesmo da punção. Não foi realizada com a agulha postada no pré-peritônio, por motivos óbvios.

- Prova da aspiração: realizou-se a aspiração com seringa através da agulha de Veress, considerando-se a prova positiva no caso de nenhum material ser aspirado.

- Prova do gotejamento: após gotejamento no mandril da agulha de Veress, observou-se o fluxo do líquido ao elevarse a parede abdominal. A prova era considerada positiva caso houvesse desaparecimento imediato do líquido gotejado.

- Prova da infusão: injetou-se 5 ml de solução fisiológica através da agulha. Caso não fosse observada resistência ao fluir do líquido, considerava a prova positiva.

- Prova da recuperação: imediatamente após a infusão, realizou-se a aspiração. Caso o líquido não fosse recuperado, a prova era considerada positiva

A seguir conectou-se a mangueira do insuflador na agulha e acionou-se o equipamento, observando-se a pressão inicial obtida, e registrando-se a cada 10 segundos a pressão do momento, o fluxo em curso e o volume injetado, até a pressão intraperitoneal atingir 15 mmHg. Uma ótica de 30 graus foi então introduzida através de trocarte de 10 mm inserido na linha média, na região supra-umbilical. Investigou-se o real posicionamento da ponta da agulha de Veress na cavidade peritoneal e o instrumento foi retirado.

Na seqüência a realizou-se incisão de 1,2mm na pele do hipocôndrio direito pela qual introduziu-se perpendicularmente a agulha até o pré-peritônio, sob controle visual mediante ótica de 30 graus postada na cavidade peritoneal. O pneumoperitônio foi então desfeito, a ótica retirada e as provas confirmatórias do posicionamento da agulha (exceto a do escoamento) foram realizadas de forma análoga à descrita para a cavidade peritoneal, classificando-as como positivas ou negativas. A seguir conectou-se a mangueira do insuflador na agulha e acionou-se o insuflador de gás carbônico ajustado para emitir um litro de gás por minuto, observando-se os parâmetros numéricos do insuflador (pressão, fluxo, volume) a cada 10 segundos. Restabeleceu-se o pneumoperitônio através do trocarte localizado na região umbilical e recolocou-se a ótica de 30º. Investigou-se se a agulha continuava corretamente posicionada e pesquisou-se a presença de eventual solução de continuidade do peritônio parietal realizada inadvertidamente com a ponta da agulha de Veress postada no espaço pré-peritoneal.

Para estudar a relação entre pressão, volume e tempo foi utilizado o programa de ajuste de curvas.

RESULTADOS

Na cavidade peritoneal a prova de escoamento foi positiva em todos os animais. Na prova da aspiração, em 100% dos casos nada foi aspirado quando a agulha estava no pré-peritônio, no entanto esse resultado se repetiu apenas em 83,3% dos casos com a agulha na cavidade peritoneal, pois houve aspiração de conteúdo gástrico, sangue e parênquima hepático em alguns experimentos. Na prova da infusão, não se encontrou resistência à introdução de 5 ml de soro na cavidade peritoneal, por outro lado em 45,5% dos casos houve resistência à infusão no pré-peritônio. Em relação à prova da recuperação, nada foi recuperado em 63,5% e 54,5% dos casos quando a ponta da agulha estava localizada, respectivamente, na cavidade peritoneal e no préperitônio. A prova da gota foi positiva, ou seja, as gotas passaram sem resistência pela agulha em 66,6% dos experimentos realizados na cavidade peritoneal e em 45,5% daqueles realizados no pré-peritônio (Tabela 1). Enquanto a pressão inicial média na cavidade peritoneal foi 5,23 mmHg, no pré-peritôneo foi 15,60 mmHg. As pressões médias na cavidade peritoneal variaram de forma progressiva até atingir a pressão limite do experimento. Essa progressão durou em média 122,70 segundos. Por sua vez, todas as pressões médias do pré-peritônio permaneceram entre 12 e 15,60 mmHg, tendo o experimento uma duração média de 28,20 segundos (Gráfico 1). A pressão média dos experimentos na cavidade peritoneal ultrapassou a menor pressão média do experimento no pré-peritônio, 12 mmHg, após 110 segundos.


Ocorreu um aumento progressivo dos volumes médios na cavidade peritoneal (Gráfico 2). O volume total médio na cavidade peritoneal e no pré-peritônio foram respectivamente 1,5 l e 0,1 l.


DISCUSSÃO

Artigos de revisão geralmente enfocam lesões ocorridas antes e depois do estabelecimento do pneumoperitônio, englobando num mesmo estudo aquelas atribuídas ao instrumento de veiculação do gás (agulha de Veress) juntamente com as decorrentes da introdução do primeiro trocarte18, as quais sobrevêm após o estabelecimento do pneumoperitônio. Entretanto há necessidade de estudos de prevalência de lesões ocorridas exclusivamente pela introdução da agulha de Veress19 , no momento em que não há, ainda, a proteção da bolha gasosa intraperitoneal. É nessa circunstância que a técnica atualmente proposta para a instalação do pneumoperitônio pelo método fechado carece de parâmetros objetivos da locação adequada da agulha.

Esta pesquisa pretende estabelecer alguns paradigmas quanto aos valores que devem ser esperados para as variáveis dependentes (pressão intraperitoneal em dado momento e volumes efetivamente injetados ao longo do tempo) em função da variável independente (duração da insuflação desde o início até um momento dado), expressando essa relação de forma matemática, mediante o estabelecimento de uma equação que interligue as variáveis20. Dessa forma o cirurgião poderá contar com dados objetivos para avaliar o bom andamento (ou não) do processo de estabelecimento do pneumoperitônio.

É absolutamente fundamental que o fluxo seja préestabelecido no insuflador para um litro por minuto. Isso não se constitui num óbice para a presteza do ato cirúrgico, uma vez que o diâmetro da agulha de Veress só permite a passagem, no máximo, de 1,4 litros por minuto. Pouco influiu esta variação, portanto, no tempo total de obtenção do pneumoperitônio até os níveis finais pressóricos suficientes para a maioria das intervenções, geralmente 12mmHg.

Para estudar a relação entre os valores da pressão em função do tempo, utilizou-se o programa do ajuste de curvas. Para a cavidade peritoneal foram analisados os dados obtidos no intervalo entre o tempo 0 e 80 segundos e, embora o ajuste exponencial tenha mostrado o melhor ajustamento (r2 = 0,933), observou-se para o ajuste linear um coeficiente de explicação de r2 = 0,929. Uma vez que este coeficiente é muito próximo ao obtido no ajuste exponencial foi adotado o modelo linear por ser de mais fácil aplicação. A expressão obtida foi a seguinte: y = 4,4059 + 0,0831 x, sendo y = pressão em mmHg e x = tempo em segundos (Gráfico 3).


Para o pré-peritônio foram analisados os dados obtidos no intervalo entre o tempo 0 e 30 segundos. O ajuste exponencial também revelou melhor ajustamento, sendo seu coeficiente de explicação r2 = 0,746, enquanto que o coeficiente de explicação para o ajuste linear foi r2 = 0,754. Entretanto, esses coeficientes de explicação são muito menos significantes quando comparados àqueles obtidos para a cavidade intraperitoneal. Uma vez ciente do baixo valor do coeficiente de explicação obtido no pré-peritônio, ainda pode-se obter uma expressão, utilizando o modelo linear, que é a seguinte: y = 16,015 + (-0,07475) x, sendo y = pressão (mmHg) e x = tempo (segundos). O aumento progressivo dos volumes médios na cavidade peritoneal foi mais linear do que o aumento da pressão no pré-peritônio.

Para estudar a relação entre os valores do volume em função do tempo, utilizou-se o programa do ajuste de curvas. Para a cavidade peritoneal foram analisados os dados obtidos no intervalo entre o tempo 0 e 80 segundos e o ajuste linear revelou ser o melhor ajustamento (r2 = 0,996), uma vez que o coeficiente de explicação obtido no ajuste exponencial foi r2 = 0,965. A expressão utilizando o modelo linear foi a seguinte: y = 0,0590 + 0,0134 x, sendo y = volume em litros e x = tempo em segundos (Gráfico 4).


Para o pré-peritônio foram analisados os dados obtidos no intervalo entre o tempo 0 e 30 segundos. O ajuste exponencial também revelou melhor ajustamento, sendo seu coeficiente de explicação r2 = 0,965, enquanto que o coeficiente de explicação para o ajuste linear foi r2 = 0,862. Embora o ajuste exponencial tenha mostrado o melhor ajustamento, extraiu-se e expressão do modelo linear por ser de mais fácil aplicação. A expressão é a seguinte: y = 0,0213 + 0,004 x, sendo y = volume (litros) e x = tempo (segundos).

Antes de analisar os resultados obtidos com as provas de posicionamento (Tabela 1) , deve-se salientar uma importante observação constatada durante os experimentos. Observou-se que durante a punção com a agulha de Veress o peritônio do porco comportava-se de maneira sensivelmente mais elástica se comparada com o comportamento do peritônio humano. Essa observação apenas foi constatada devido ao vasto conhecimento videocirúrgico prático encontrado em alguns dos integrantes da nossa equipe. Portanto, é importante ter em mente essa aparente maior elasticidade do peritônio suíno para a análise dos resultados das provas de posicionamento.

A prova do escoamento sempre indicou o correto posicionamento da agulha na cavidade peritoneal, portanto sua negatividade é um bom indicativo de localização incorreta da agulha. Não se pode inferir que a positividade dessa prova indica correto posicionamento, uma vez que ela não foi testada em outros locais. Não pode, assim, este experimento, garantir sua especificidade.

Assim como a prova do escoamento, a negatividade da prova da infusão é uma boa indicação da posição inadequada da agulha. Em relação à positividade da prova, deve-se considerar que em quase metade das vezes a agulha pode estar no pré-peritônio.

As provas de recuperação e do gotejamento não mostraram muito valor tanto para diferenciar o local da ponta da agulha quanto para afastar o inadequado posicionamento da mesma.

Conclui-se que essas provas continuam sendo insuficientes para orientar adequadamente o cirurgião em um dos momentos mais cruciais da videolaparoscopia, a instalação do pneumoperitônio, uma vez que apenas as provas do escoamento e da infusão indicam incorreto posicionamento da ponta da agulha na cavidade peritoneal.

Constatou-se que a pressão inicial média obtida na cavidade peritoneal está dentro do intervalo esperado descrito em livros15-17.

Em relação à capacidade de distinção entre os locais de inserção da agulha estudados nesse experimento, a pressão inicial demonstrou ser um ótimo parâmetro, uma vez que é nítida a diferença entre essas pressões na cavidade abdominal e no pré-peritônio. Apenas em um animal, em que o experimento foi realizado no espaço pré-peritoneal, foi constatada pressão inicial menor que 8 mmHg. Portanto, pressões iniciais menores que 8 mmHg sugerem que a agulha não se encontra no pré-peritônio.

Em relação à evolução da pressão em função do tempo, constatou-se que a pressão evolui linearmente quando a ponta da agulha está na cavidade peritoneal até 80 segundos. Essa evolução pode ser estimada através da fórmula y = 4,4059 + 0,0831 x, sendo y = pressão (mmHg) e x = tempo (segundos). Para o pré-peritônio também pode ser estipulada uma fórmula,que, no entanto, tem menor valor do que a obtida para o espaço intraperitoneal, devido ao baixo valor do seu coeficiente de confiança. No entanto, mais importante do que a obtenção de uma fórmula para a estimativa da evolução da pressão no pré-peritônio, foi constatar que nos primeiros 30 segundos a pressão progrediu de forma decrescente, ou seja, a pressão inicial foi alta, diminuindo progressivamente até os 30 segundos.

Não há descrições na literatura sobre a evolução volumétrica do CO2 injetado durante a instalação do pneumoperitônio. Foi constatado em nosso experimento que a evolução volumétrica quando a agulha se encontra na cavidade peritoneal não só ocorreu de forma linear durante os primeiros 80 segundos, mas também mostrou-se ser um parâmetro mais fidedigno do que a observação da evolução pressórica devido ao seu maior coeficiente de confiança (r2 = 0,996) . Além disso, a observação da evolução volumétrica também é um parâmetro mais fidedigno do que a observação da evolução pressórica no pré-peritônio. Portanto, o presente trabalho demonstra que os cirurgiões devem dar mais atenção à evolução volumétrica, pois se mostrou ser um parâmetro confiável, respeitando uma expressão y = 0,0590 + 0,0134 x, sendo y = volume (litros) e x = tempo (segundos), quando a ponta da agulha de Veress está na cavidade peritoneal.

Podemos concluir com este estudo que apenas as provas do escoamento no momento da punção, e da resistência à infusão de soro, têm algum valor indicativo da ponta da agulha de Veress estar no interior do saco peritoneal. Entretanto, a observação das variações das pressões intraperitoneais e dos volumes injetados ao longo da insuflação são parâmetros suficientemente eficientes para o certificar o cirurgião da localização intraperitoneal da ponta do instrumento.

Prof. Dr João Luiz M. C. Azevedo

Universidade Federal de São Paulo - Setor de Videocirurgia

Prédio da Cirurgia Experimental.

Rua Botucatu, 740 – V. Clementino

CEP 04023-900, São Paulo.SP.

Telfax: (11) 5576-4272

E-mail: jozevedo.dcir@epm.br

Site: http://www.cirurgiaonline.med.br

Trabalho realizado no Laboratório do Setor de Videocirurgia da Disciplina de Técnica Operatória e Cirurgia Experimental (TOCE), Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Programa de Pós-Graduação em Cirurgia e Experimentação.

  • 1. Mouret Ph "Cirugía laparoscópica: Una evolución de la filosofia quirúrgica? Evaluación de los resultados de 20 años de investigación em cirurgía laparoscópica". In Meinero M, Melotti G, Mouret Ph (eds) - Cirurgía laparoscópica. Madrid. Editorial Médica Panamericana, 1996, pp. 1-12.
  • 2. Neudecker J, Sauerland S, Neugebauer E, et al The European Association for Endoscopic Surgery clinical practice guideline on the pneumoperitoneum for laparoscopic surgery. Surg Endosc, 2002,16(7):1121-1143.
  • 3. Veress J - Neues Instument zur Ausfuhrung von Brust-oder Bauchpunktionen und Pneumothoraxbehandlung. Dtsch Med Wochenshr, 1938, 41(8):1480-1481.
  • 4. Bonjer HJ, Hazebroek EJ, Kazemier G, et al - Open versus closed establishment of pneumoperitoneum in laparoscopic surgery. Br J Surg 1997, 84(5):599-602.
  • 5. Roviaro GC, Varoli F, Saguatti L, et al - Major vascular injuries in laparoscopic surgery. Surg Endosc, 2002, 16(8):1192-1196.
  • 6. Catarci M, Carlini M, Gentileschi P, et al - Major and minor injuries during the creation of pneumoperitoneum. A multicenter study on 12,919 cases. Surg Endosc, 2001, 15(6): 566-569.
  • 7. Kurzel RB, Edinger DD - Injury to the great vessels: a hazard of transabdominal endoscopy. South Med J, 1983, 76(5):656- 657.
  • 8. Schafer M, Lauper M, Krahenbuhl L - Trocar and Veress needle injuries during laparoscopy. Surg Endosc, 2001, 15(3):275-280.
  • 9. Hanney RM, Alle KM, Cregan PC - Major vascular injury and laparoscopy. Aust N Z Surg, 1995, 65(7):533-535.
  • 10. Baadsgaard SE, Bille S, Egeblad K - Major vascular injury during gynecologic laparoscopy. Report of a case and review of published cases. Acta Obstet Gynecol Scand, 1989, 68(3): 283-285.
  • 11. Peterson HB, Greenspan JR, Ory HW - Death following puncture of the aorta during laparoscopy sterilization. Obstet Gynecol, 1982, 59(1):133-134.
  • 12. Chapron CM, Pierre F, Lacroix S, et al - Major vascular injuries during gynecologic laparoscopy. J Am Coll Surg 1997, 185(5):461-465.
  • 13. Fruhwirth J, Koch G, Mischinger HJ, et al - Vascular complications in minimally invasive surgery. Surg Laparosc Endosc, 1997, 7(3):251-254.
  • 14. Bergqvist D, Bergqvist A - Vascular injuries during gynecologic surgery. Acta Obstet Gynecol Scand, 1987, 66(1):19-23.
  • 15. Meinero M, Melotti G, Rustichelli G, et al - "Entrenamiento y técnicas básicas". In Meineiro M, Melotti G, Mouret Ph (eds) - Cirurgía laparoscópica. Madrid. Editorial Médica Panamericana, 1996, pp.16-27.
  • 16. Nathanson LK "Instrumentos y técnicas operatórias básicas para cirurgía laparoscópica". In Cuschieri A, Berci G (eds) - Cirurgía biliar laparoscópica. London. Blackwell Scientific Publication, 1991, pp.18-19.
  • 17. Coptcoat MJ, Coptcoat AD - "General laparoscopic techniques". In Coptcoat MJ, Coptcoat AD (eds) - Laparoscopy in urology. London. Blackwell Scientific Publication, 1994, pp. 28-30.
  • 18. Campos FGCM, Roll S Complicações do acesso abdominal e do pneumoperitônio em cirurgia laparoscópicas: causas, prevenção e tratamento. Rev Bras Videocir, 2003, 1(1):21-28.
  • 19. Azevedo JLMC, Saldanha C, Hobi C, et al - Lesões por punções abdominais com agulha de Veress visando ao estabelecimento do pneumoperitônio pela técnica fechada. In press.
  • 20. Spiegel MR Estatística. 2Ş Edição. Rio de Janeiro. McGraw- Hill do Brasil, 1985, pp. 272-334
  • Endereço para correspondência

    Recebido em 26/01/2004
    Aceito para publicação em 21/05/2004
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Recebido
      26 Jan 2004
    • Aceito
      21 Maio 2004
    Colégio Brasileiro de Cirurgiões Rua Visconde de Silva, 52 - 3º andar, 22271- 090 Rio de Janeiro - RJ, Tel.: +55 21 2138-0659, Fax: (55 21) 2286-2595 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: revista@cbc.org.br