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“O passado não está morto, ele sequer é passado.”

Embora tardiamente, soube do falecimento, ocorrido em setembro passado, de um dos cirurgiões de maior expressão no tocante à doença herniária inguinal, o Dr. Robert Bendavid, reconhecidamente um dos integrantes mais profícuos do corpo clínico do Hospital Shouldice, no Canadá. Não sei das circunstâncias que o levaram ao óbito, tão precocemente, mas esse fato gerou grande comoção na comunidade cirúrgica internacional. Confesso que, desde então, amargo um indigesto luto…

No final de 1996, por fax, agendei com ele uma visita ao Hospital Shouldice, para esclarecer “in loco” algumas dúvidas e discutir alguns pontos, tendo em vista a minha grande simpatia pela técnica ali desenvolvida, mesmo depois de ter lido, relido e sublinhado o seu capítulo no tratado sobre hérnias, dos professores Nyhus e Condon. Em maio do ano seguinte, eu aportava em Thornhill, para uma visita de dois dias nos anfiteatros cirúrgicos daquele hospital. Lamentavelmente, ele não pode estar conosco naquele momento, mas fui recebido pelo Dr. Earle Byrnes Shouldice (filho do fundador) e pelo Dr. Michael Alexander, com quem assisti a vários e esclarecedores procedimentos, sanando todas as minhas dúvidas. Só não adotei os quatro planos de sutura nem o aço inoxidável da técnica original, mas consegui captar todos os princípios da proposta.

Desde então, esta tem sido o carro-chefe no tratamento dos pacientes que me acorrem com hérnia inguinal primária, reservando o reparo protético como segunda opção, uma vez esgotadas as possibilidades de realizar o procedimento canadense. A reboque disso, tenho escrito e proferido algumas palestras sobre o tema, convicto de que estou oferecendo aos colegas que me leem ou me assistem, uma abordagem em conformidade com a etiopatogenia e a fisiopatologia da doença. Até onde minha busca ativa alcance, como médico assistente, as taxas de recidiva têm sido satisfatórias, com índices muito baixos de complicações e sequelas.

No dia 7 de fevereiro de 1998, eu ingressava na “American Hernia Society”, apresentado pelo então responsável pelas afiliações à sociedade, o próprio Dr. Robert Bendavid! Em seguida, pude me encontrar pessoalmente com o professor, em sucessivos congressos, tanto nos EUA como na Europa. Hoje, já não pertenço mais àquela agremiação, mas procurei acompanhar tudo o que ele escreveu. A propósito, ele é o autor da frase que serve de título a este artigo.

Em minha opinião, mais do que estudioso e experiente, o Dr. Robert Bendavid representava o contraponto mais consistente e robusto a favor do reparo tecidual (anatômico) da hérnia inguinal do adulto, e mais, sem qualquer conflito de interesses. Seus argumentos repousavam no crédito inalienável ao fibroblasto, célula reparativa por excelência, sem a qual jamais haveria a mais remota possibilidade de tratamento cirúrgico de qualquer afecção. Sua postura médica enaltecia, a um só tempo, o exercício diligente e ético da Clínica Cirúrgica e da Técnica Operatória, alicerces fundamentais de nossa especialidade.

Um mestre verdadeiro se perpetua por suas ideias e atitudes, sempre coerentes com a postura que adotou ao longo da vida. Foi uma honra e um privilégio para mim ter conhecido e aprendido com o professor Robert Bendavid.

  • Fonte de financiamento: Não

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2020
  • Aceito
    12 Fev 2020
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