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Relações entre a estrutura da sinúsia herbácea terrícola e a cobertura do dossel em floresta estacional no Sul do Brasil

Relations between the structure of terrestrial herbaceous synusiae and canopy cover in a seasonal forest in southern Brazil

Resumos

A sinúsia herbácea terrícola ainda é pouco estudada em florestas tropicais e subtropicais, principalmente no que se refere a sua relação a fatores ambientais. O objetivo deste trabalho foi descrever a estrutura desta sinúsia em floresta estacional, no Parque Estadual do Turvo em duas estações do ano e relacioná-la ao grau de abertura do dossel, medido pelo uso de fotografias hemisféricas. O levantamento de 30 unidades amostrais de 2 x 2 m resultou na amostragem de 29 espécies herbáceas, sendo 13 pteridófitas e 16 magnoliófitas. Lastreopsis effusa (Sw.) Tindale e Thelypteris scabra (C. Presl) Lellinger foram as espécies com maiores freqüências e coberturas. Didymochlena truncatula (Sw.) J. Sm. obteve elevado valor de cobertura e Olyra humilis Nees e Pharus lappulaceus Aubl. alta freqüência. A média das alturas foi de 37 cm (s ± 27). A diversidade (H') estimada no verão foi de 2,771 (nats) e a equabilidade (J') de 0,823, não diferindo significativamente do inverno (P = 0,509), assim como a composição e a cobertura herbácea não diferiram entre as duas estações (P = 0,728). Houve correlação entre a cobertura absoluta por parcela e o grau de abertura do dossel (P = 0,005). As maiores riqueza e diversidade e o porte e a cobertura elevados, comparados com outros estudos no sul do Brasil, são conseqüências da descontinuidade do dossel desta floresta, que permite maior incidência de luz no sub-bosque. A variação não significativa na estrutura da sinúsia herbácea é um indício do baixo grau de deciduidade da floresta.

diversidade; ecologia de ervas; fitossociologia; fotografias hemisféricas; sub-bosque


The terrestrial herbaceous synusiae in tropical and subtropical forests is scarcely studied, mainly concerning its relationship to environmental factors. The aims of this study were to describe the structure of this synusiae in a seasonal forest, in " Parque Estadual do Turvo" , in two different seasons and to correlate it to the degree of canopy opening, assessed by hemispherical photographs. Sampling was accomplished in 30 plots of 2 x 2 m. The survey recorded 29 herbaceous species: 13 pteridophytes and 16 magnoliophytes. Lastreopsis effusa (Sw.) Tindale and Thelypteris scabra (C. Presl) Lellinger had the highest frequency and cover. Didymochlena truncatula (Sw.) J. Sm. had high cover and Olyra humilis Nees and Pharus lappulaceus Aubl., high frequency. Mean height was 37 cm (s ± 27). Species diversity (H') and evenness indexes (J') during the summer were 2.771 (nats) and 0.823, respectively. These indexes (P = 0.509), composition and herbaceous cover (P = 0.728) were not significantly different between summer and winter. A correlation was detected between the absolute cover for each plot and the degree of canopy opening (P = 0.005). Compared to other southern Brazilian areas, the high values of diversity, richness, size and cover are consequences of the discontinuous forest canopy, which allows high light incidence on the understory. The non significant variation on the structure of the herbaceous synusiae is indicative of low degree of deciduousness of this forest.

diversity; ecology of herbs; hemispherical photographs; phytosociology; understorey


ARTIGOS

Relações entre a estrutura da sinúsia herbácea terrícola e a cobertura do dossel em floresta estacional no Sul do Brasil1 1 Parte da dissertação de mestrado da primeira autora, Programa de Pós-Graduação em Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Relations between the structure of terrestrial herbaceous synusiae and canopy cover in a seasonal forest in southern Brazil

Camila Dellanhese Inácio; João André Jarenkow2 2 Autor para correspondência: jarenkow@portoweb.com.br

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Botânica, Av. Bento Gonçalves, 9500, 91501-907 Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

A sinúsia herbácea terrícola ainda é pouco estudada em florestas tropicais e subtropicais, principalmente no que se refere a sua relação a fatores ambientais. O objetivo deste trabalho foi descrever a estrutura desta sinúsia em floresta estacional, no Parque Estadual do Turvo em duas estações do ano e relacioná-la ao grau de abertura do dossel, medido pelo uso de fotografias hemisféricas. O levantamento de 30 unidades amostrais de 2 x 2 m resultou na amostragem de 29 espécies herbáceas, sendo 13 pteridófitas e 16 magnoliófitas. Lastreopsis effusa (Sw.) Tindale e Thelypteris scabra (C. Presl) Lellinger foram as espécies com maiores freqüências e coberturas. Didymochlena truncatula (Sw.) J. Sm. obteve elevado valor de cobertura e Olyra humilis Nees e Pharus lappulaceus Aubl. alta freqüência. A média das alturas foi de 37 cm (s ± 27). A diversidade (H') estimada no verão foi de 2,771 (nats) e a equabilidade (J') de 0,823, não diferindo significativamente do inverno (P = 0,509), assim como a composição e a cobertura herbácea não diferiram entre as duas estações (P = 0,728). Houve correlação entre a cobertura absoluta por parcela e o grau de abertura do dossel (P = 0,005). As maiores riqueza e diversidade e o porte e a cobertura elevados, comparados com outros estudos no sul do Brasil, são conseqüências da descontinuidade do dossel desta floresta, que permite maior incidência de luz no sub-bosque. A variação não significativa na estrutura da sinúsia herbácea é um indício do baixo grau de deciduidade da floresta.

Palavras-chave: diversidade, ecologia de ervas, fitossociologia, fotografias hemisféricas, sub-bosque

ABSTRACT

The terrestrial herbaceous synusiae in tropical and subtropical forests is scarcely studied, mainly concerning its relationship to environmental factors. The aims of this study were to describe the structure of this synusiae in a seasonal forest, in " Parque Estadual do Turvo" , in two different seasons and to correlate it to the degree of canopy opening, assessed by hemispherical photographs. Sampling was accomplished in 30 plots of 2 x 2 m. The survey recorded 29 herbaceous species: 13 pteridophytes and 16 magnoliophytes. Lastreopsis effusa (Sw.) Tindale and Thelypteris scabra (C. Presl) Lellinger had the highest frequency and cover. Didymochlena truncatula (Sw.) J. Sm. had high cover and Olyra humilis Nees and Pharus lappulaceus Aubl., high frequency. Mean height was 37 cm (s ± 27). Species diversity (H') and evenness indexes (J') during the summer were 2.771 (nats) and 0.823, respectively. These indexes (P = 0.509), composition and herbaceous cover (P = 0.728) were not significantly different between summer and winter. A correlation was detected between the absolute cover for each plot and the degree of canopy opening (P = 0.005). Compared to other southern Brazilian areas, the high values of diversity, richness, size and cover are consequences of the discontinuous forest canopy, which allows high light incidence on the understory. The non significant variation on the structure of the herbaceous synusiae is indicative of low degree of deciduousness of this forest.

Key words: diversity, ecology of herbs, hemispherical photographs, phytosociology, understorey

Introdução

As ervas terrícolas constituem uma sinúsia no interior das florestas, com grande riqueza e diversidade e apresentam uma dinâmica bastante peculiar (Gilliam & Roberts 2003), porém a maioria dos estudos tem focado unicamente o componente arbóreo (Gentry & Dodson 1987, Gilliam & Roberts 2003). O componente herbáceo é sensível às variações do ambiente, tendo sua composição e estrutura determinadas por alguns fatores como topografia e fertilidade do solo (Gentry & Emmons 1987, Poulsen 1996, Costa et al. 2005, Meira-Neto et al. 2005), luminosidade no sub-bosque (Lee 1989, Meira-Neto et al. 2005) e sazonalidade (Small & McCarthy 2002). Devido a esta sensibilidade e às adaptações que as espécies apresentam para sobreviver, a sinúsia herbácea reflete o estado sucessional da floresta (Cestaro et al. 1986, Richards 1996). Somada aos arbustos, estas sinúsias agem como filtros de diversidade, influenciando a composição e a estrutura do dossel arbóreo, que por sua vez, ao sofrer alterações, permite respostas nessas sinúsias do sub-bosque (George & Bazzaz 1999).

Gentry & Emmons (1987), estudando 13 locais em florestas pluviais na região neotropical, encontraram que a porcentagem de plantas férteis no sub-bosque é maior onde o dossel é mais aberto, em conseqüência da maior entrada de luz. Lee (1989), em floresta tropical decídua, registrou variação na cobertura herbácea terrícola em relação a mudanças na cobertura do dossel durante o ano. Outros estudos confirmam esta relação (Schnitzler & Closset 2003, Härdtle et al. 2003).

A sinúsia herbácea tem sido muito estudada em florestas temperadas (Gilliam & Roberts 2003), ao passo que em florestas tropicais e subtropicais há carência de mais estudos (Costa 2004). No Brasil, o componente herbáceo é igualmente pouco conhecido. Trabalhos quantitativos foram desenvolvidos na região tropical (Meira-Neto & Martins 2003, Costa 2004) e subtropical (Citadini-Zanette 1984, Cestaro et al. 1986, Citadini-Zanette & Baptista 1989, Dorneles & Negrele 1999, Palma & Jarenkow 2003, Mauhs & Barbosa 2004, Kosera & Rodrigues 2005), alguns analisando o componente herbáceo juntamente com o arbustivo (Diesel 1991, Müller & Waechter 2001) e o arbóreo (Baptista & Irgang 1972). Estudos relacionando as ervas aos fatores abióticos são raros no Brasil, podendo-se citar o de Costa et al. (2005) em floresta amazônica (Amazonas) e o de Meira-Neto et al. (2005) na atlântica (Minas Gerais), onde segundo este autor, o tema já foi abordado em alguns estudos, porém não publicados.

A deciduidade é o atributo funcional mais destacável em florestas estacionais, propiciando variações espaço-temporais para o componente herbáceo, pois reflete condições climáticas que influenciam a dinâmica do ecossistema (Condit et al. 2000). Na maior parte da Região Sul do Brasil existe uma uniformidade pluviométrica, e, raramente, são registrados períodos secos, mas ocorre uma acentuada variação térmica entre verão e inverno, determinando uma sazonalidade que se reflete nas florestas (Leite 2002). Segundo Veloso et al. (1991) as formações são consideradas decíduas, quando mais de 50% dos indivíduos arbóreos perdem as folhas durante a estação desfavorável, e semidecíduas, quando este valor está entre 20% e 50%, não existindo porém um consenso na literatura.

As florestas estacionais no Sul do Brasil estão distribuídas na metade Norte do Paraná (semidecídua), no Oeste de Santa Catarina e no Noroeste do Rio Grande do Sul, ao longo do Rio Uruguai, e na vertente sul do Planalto Sul-Brasileiro (decídua, exceto na bacia do Rio dos Sinos, que é semidecídua), além da encosta oriental da Serra do Sudeste (semidecídua) (Leite 2002, Oliveira-Filho et al. 2006). Estas florestas atualmente são fragmentos, em geral perturbados de amplas áreas nativas, dada a exploração de espécies de importância econômica e por se desenvolverem sobre solos férteis, sendo removidas para a utilização agrícola (Leite 2002).

A floresta estacional no Alto Uruguai é ainda pouco conhecida em termos florísticos e estruturais. Os primeiros trabalhos realizados nessa formação tiveram enfoque florístico (Rambo 1956, Klein 1972, Brack et al. 1985). Entre os estudos estruturais pode-se citar o de Vaccaro & Longhi (1995) que descreveram a estrutura do componente arbóreo de alguns remanescentes da floresta do Alto Uruguai, entre os Rios Ijuí e Turvo, e o de Vasconcellos et al. (1992) que trabalharam no Parque Estadual do Turvo, local do presente estudo. Trabalhos quantitativos em relação a sinúsia herbácea não existem nessa formação florestal.

O objetivo deste estudo foi determinar a estrutura da sinúsia herbácea terrícola em floresta estacional relacionando-a com estudos similares desenvolvidos no Sul do Brasil. Deste modo foram formuladas as seguintes questões: há variação na composição e cobertura das ervas entre o inverno e o verão, por se tratar de uma floresta estacional? Há relação entre a cobertura do dossel e a cobertura da sinúsia herbácea?

Material e métodos

Área de estudo – A área localiza-se no Parque Estadual do Turvo, Município de Derrubadas, noroeste do Rio Grande do Sul, Brasil (27º a 27º20' S e 53º40' a 54º10' W, 100 a 460 m.s.m. de altitude). O Parque possui uma área de 17.491 ha, limita-se ao norte e oeste com a Argentina (província de Misiones, Parque de Moconá, que faz parte da Reserva da Biosfera Yaboti) e com o Estado de Santa Catarina (Município de Itapiranga), numa extensão de 45 km pelo Rio Uruguai, e ao leste e sul é contornado por propriedades rurais numa extensão de 80 km (Secretaria da Agricultura 1980). O local selecionado para o estudo (figura 1) fica à esquerda da entrada do Parque, na trilha que leva ao Salto do Yucumã, a cerca de 440 m.s.m., numa porção de mata primária em terreno plano, de solos profundos e bem drenados, onde as árvores apresentam porte elevado.


O clima da região é do tipo Cfa, segundo a classificação de Köppen (Moreno 1961). A precipitação anual é de 1.810 mm e a temperatura média anual é de 19,4 ºC, segundo dados da Estação Meteorológica de Iraí (INMET 1992).

A região, geomorfologicamente, insere-se na Formação Serra Geral, estando sobre uma base de rochas basálticas originadas de efusões jurássico-cretáceas (Kaul 1990). O relevo é fortemente acidentado e as elevações de escarpas de grande inclinação formam vales que se abrem para oeste e para norte, originando a rede de drenagem natural, que se estende por toda área do Parque (Secretaria da Agricultura 1980). O solo predominante na região é do tipo Chernossolo Argilúvico férrico típico (MTf) associado a Neossolo Litólico eutrófico chernossólico (RLe1), apresentando razoáveis teores de material orgânico, é argiloso, com elevado teor de ferro (> 18%), com boa fertilidade química e alta saturação por bases (Streck et al. 2002).

A área do Parque é coberta por vegetação original classificada como floresta estacional decídua (Leite 2002). Esta formação compreende as florestas das porções médias e superiores do vale do Rio Uruguai, da maior parte da vertente sul da Serra Geral e de diversas áreas dispersas pelas bacias dos Rios Ijuí, Jacuí e Ibicuí (Veloso et al. 1991). No Estado, restam apenas pequenos agrupamentos primários dessa formação, além da área sob preservação no Parque Estadual do Turvo, pois a região é ocupada por atividades agro-pastoris com pequenos agrupamentos de vegetação secundária (Leite 2002).

Métodos – Para a amostragem, utilizou-se o método de parcelas de área fixa em um retículo formado por 100 pontos, distanciados 10 m entre si, em uma área de um hectare, distribuindo-se aleatoriamente 30 unidades amostrais de 2 x 2 m, totalizando 120 m2 de área amostral. Realizaram-se, nas mesmas unidades amostrais, dois levantamentos em estações do ano distintas, um no verão (janeiro) e outro no inverno (julho) de 2005.

Incluíram-se na amostragem todas as espécies herbáceas vasculares terrícolas, definidas como plantas autotróficas, mecanicamente independentes, não lenhosas, que ocorrem no solo da floresta, excetuando-se as plântulas das demais sinúsias (Richards 1996), mas incluindo-se saprófitos. Em cada unidade amostral anotaram-se as espécies herbáceas enraizadas no seu interior, a altura máxima e a cobertura, esta estimada pela escala de Domin-Krajina (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974), utilizando-se o ponto médio do intervalo de classe para a estimativa desse parâmetro.

A identificação das espécies foi feita através de comparações com o material do Herbário do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ICN), consultas à literatura ou contando-se com auxílio de especialistas. Para as delimitações de família seguiu-se Tryon & Tryon (1982) para Pteridophyta e APG II (2003) para Magnoliophyta. Uma coleção das espécies encontradas foi incorporada ao referido herbário como material testemunho.

Os parâmetros fitossociológicos estimados foram os de cobertura e freqüência, absolutas e relativas, e o valor de importância (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974), este último resultando da soma da cobertura e freqüência relativas, divididos por dois, na apresentação dos resultados. A diversidade específica foi determinada pelo índice de Shannon (H'), usando logaritmo natural, com dados de freqüência e, a equabilidade, pelo índice de Pielou (J') (Magurran 1988). Para estas estimativas, foi utilizada a freqüência por estar fortemente correlacionada à cobertura, segundo a correlação de Pearson aplicada, onde r = 0,703 (P < 0,001), com o uso do programa SigmaStat (SIGMASTAT 2004). Além disso, para a estimativa da diversidade em estudos com herbáceas na região subtropical do Brasil, dados de freqüência são os que têm sido utilizados (Müller & Waechter 2001, Palma & Jarenkow 2003).

A fim de correlacionar a estrutura da sinúsia herbácea com o grau de abertura do dossel, no mês de julho, em cada parcela foi feita uma fotografia hemisférica, a 0,75 m acima do nível do solo, obtida por meio de uma câmera fotográfica digital Nikon Coolpix 950, com lente conversora olho de peixe Nikkor FC-E8. As fotografias foram analisadas utilizandose o programa Gap Light Analyzer, Versão 2.0 (Frazer et al. 1999), obtendo-se a porcentagem de abertura do dossel, conforme utilizado por Schnitzler & Closset (2003), dentre outros. Para detectar variações na abertura do dossel, foram repetidas as fotografias hemisféricas no mês de janeiro de 2006, sendo analisadas da mesma forma que as obtidas no mês de julho.

Para verificar diferenças quanto à cobertura da vegetação herbácea e a abertura do dossel nas duas estações avaliadas, utilizou-se o teste de Mann-Whitney (T), para dados não-paramétricos ou que apresentem variâncias diferentes (Brown & Rothery 1993). Do mesmo modo, para constatar se os valores de H' foram significativamente diferentes entre as estações, aplicou-se o teste t, com base nas variâncias de H' (Magurran 1988). Para verificar a associação entre as variáveis abertura do dossel, índice de área vegetal, riqueza, cobertura absoluta por espécies e por parcelas (soma das coberturas absolutas de cada espécie) da sinúsia herbácea, utilizou-se o Teste de Mantel (análise de congruência) com testes de aleatorização e, em alguns casos, aplicou-se a correlação de Pearson (Manly 1997). Para verificar a relação da cobertura de cada espécie com a abertura do dossel, calculou-se a correlação de Pearson (Manly 1997) para aquelas que estiveram presentes em seis ou mais parcelas. Estes testes foram feitos utilizando-se os programas Multiv versão 2.3.20 (Pillar 2006) e SigmaStat (SIGMASTAT 2004), para um nível de significância (a) de 0,05.

Resultados

Foram amostradas 29 espécies, sendo 13 pteridófitas e 16 magnoliófitas pertencentes a 13 famílias (tabela 1). As famílias de maior riqueza foram Dryopteridaceae e Poaceae, com cinco espécies e Pteridaceae e Orchidaceae com quatro, que juntas equivaleram a 62% da amostra.

As maiores freqüências foram obtidas pelas pteridófitas Thelypteris scabra e Lastreopsis effusa e pelas gramíneas de pequeno porte Olyra humilis e Pharus lappulaceus (tabela 2). Essas quatro espécies somaram 51,8% da freqüência relativa da área. Dentre as 29 espécies amostradas, 11 (38%) apresentaram apenas uma ocorrência nas parcelas amostradas, representando 6,5% da freqüência relativa total. O número de espécies por parcela variou de três a 12, com média de 5,6 (s ± 2,2).

Em relação à cobertura, Lastreopsis effusa e Thelypteris scabra também se destacaram, seguidas de Didymochlaena truncatula, Ctenanthe muelleri e Ctenitis submarginalis. As espécies de pteridófitas acumularam 80% da cobertura e os demais 20% foram para as magnoliófitas, com destaque para o grupo das monocotiledôneas (19%).

Os maiores valores de importância foram obtidos por três espécies de pteridófitas: Lastreopsis effusa, Thelypteris scabra e Didymochlaena truncatula, as quais somaram 51,8% do total. Para as duas primeiras espécies o alto valor de importância resultou de freqüência e cobertura elevadas, sendo que para a D. truncatula, foi conseqüência somente da alta cobertura.

A média das alturas totais dos indivíduos amostrados foi de 37 cm (s ± 27), formando um estrato mais ou menos denso, com altura máxima registrada de 144 cm e a mínima de 3 cm, estas representadas, respectivamente, por Didymochlaena truncatula e Aspidogyne kuczynskii. A distribuição do número de observações por classes de altura evidenciou que cerca de 70% dos registros ocorreram até 40 cm (figura 2). As espécies com maiores alturas foram pteridófitas, como Ctenitis submarginalis, Dennstaedtia globulifera e Diplazium cristatum.


O índice de diversidade de Shannon para a amostragem realizada no verão foi de 2,771 (nats) e o índice de equabilidade de Pielou foi de 0,823. No inverno, os valores obtidos foram H' = 2,731 (nats) e J' = 0,828. O teste t aplicado mostrou que a diferença entre os valores obtidos no índice de diversidade não foi significativa (t = 0,660; P = 0,509).

A sinúsia herbácea não apresentou diferenças significativas entre a cobertura nos levantamentos de verão e inverno (T = 891,0; P = 0,728). Quanto à composição, no inverno desapareceram as espécies Scleria panicoides e Wullschlaegelia aphylla, que no verão estiveram presentes em apenas uma parcela cada.

As fotografias hemisféricas do dossel obtidas no inverno mostraram que o grau de abertura variou de 6,05% a 12,95% (figuras 3, 4), com média de 9,3% (s ± 1,8). No verão a variação foi de 7,34% a 10,73% e a média de 8,76% (s ± 1,0). Comparando a abertura do dossel entre o inverno e o verão, tem-se uma pequena variação, que não foi significativa (T = 1014,5; P = 0,143).


O teste de Mantel não revelou correlação entre a cobertura absoluta das espécies e a abertura do dossel (d = 0,010; P = 0,842), mas quando se utilizaram os dados de cobertura absoluta por parcela, a correlação foi positiva e significativa (d = 0,132; P = 0,005), assim como quando aplicada a correlação de Pearson (r = 0,433; P = 0,017). A figura 5, com valores em porcentagem, mostra essa relação, geralmente com maior cobertura herbácea onde houve maior abertura do dossel. Nas análises de cobertura por espécie, nenhuma apresentou correlação significativa com o dossel (menores valores r = -0,243; P = 0,196; maiores valores r = -0,012; P = 0,950). Entre a abertura do dossel e a riqueza herbácea não houve correlação (d = 0,053; P = 0,267).


Discussão

A sinúsia herbácea terrícola apresentou uma riqueza específica alta (S = 29). Dentre os estudos fitossociológicos realizados com herbáceas florestais no Rio Grande do Sul, este foi o que obteve o maior número de espécies. Cestaro et al. (1986) e Müller & Waechter (2001), com o mesmo tamanho amostral e critério de inclusão, encontraram, respectivamente, 22 espécies em floresta com araucária em Muitos Capões (RS) e 26 em floresta de restinga arenosa em Viamão (RS). No Sul do Brasil, a maior riqueza foi obtida por Kosera & Rodrigues (2005) em floresta ombrófila densa, no Paraná, onde amostraram 34 espécies herbáceas terrícolas, porém, a área amostral foi maior.

Poaceae e Orchidaceae, que se destacaram em riqueza no presente estudo, também foram bem representadas em outros trabalhos como Citadini-Zanette (1984), Cestaro et al. (1986), Citadini-Zanette & Baptista (1989), Müller & Waechter (2001), Palma & Jarenkow (2003), Kosera & Rodrigues (2005). Dryopteridaceae e Pteridaceae estão presentes em alguns destes trabalhos, porém com menor riqueza, exceto no de Kosera & Rodrigues (2005), onde a primeira família esteve entre aquelas com maiores números de espécies, em floresta ombrófila densa, no Paraná. As pteridófitas, além de terem obtido importante contribuição no cômputo da riqueza, também se destacaram em cobertura neste estudo, o que foi constatado por Palma & Jarenkow (2003) em floresta estacional, em Viamão (RS). Outros estudos apontam as monocotiledôneas como grupo de maior cobertura como Cestaro et al. (1986), Müller & Waechter (2001), Costa (2004), Mauhs & Barbosa (2004).

Palma & Jarenkow (2003) também encontraram espécies de pteridófitas com os maiores valores de importância, Pteris brasiliensis Raddi e Asplenium sellowianum, assim como Dorneles & Negrelle (1999) em floresta ombrófila densa (Volta Velha, SC), com Blechnum serrulatum Rich. que se destacou em uma das três áreas estudadas. Espécies com elevados valores de importância (VI) em outros trabalhos não tiveram o mesmo destaque no presente estudo, como é o caso de Carex sellowiana Schltdl. em Müller & Waechter (2001), a qual nem apareceu na amostragem, Tradescantia fluminensis em Mauhs & Barbosa (2004), que ficou na nona posição em VI, e um grupo de três gramíneas, Panicum ovuliferum, Pseudechinolaena polystachya (Kunth) Stapf e Oplismenus hirtellus (L.) P. Beauv. (Cestaro et al. 1986), estando presente somente a primeira espécie, embora com baixa freqüência e cobertura. Olyra humilis e Pharus lappulaceus são mencionadas como espécies freqüentes no sub-bosque de florestas do Rio Grande do Sul (Baptista & Irgang 1972, Citadini-Zanette & Baptista 1989), assim como ocorreu neste estudo.

A sinúsia herbácea terrícola mostrou um porte relativamente elevado com alguns indivíduos, chegando até mais de 100 cm de altura. Observações quanto à altura dessa sinúsia foram feitas por Cestaro et al. (1986) que encontraram a altura média de 8 cm e a máxima de 40 cm, e por Dorneles & Negrelle (1999) e Müller & Waechter (2001), que amostraram, respectivamente, alturas máximas de 70 cm e 105 cm. Os dados de altura encontrados no presente estudo são superiores aos encontrados pelos autores mencionados acima. Espécies de pteridófitas foram as que apresentaram maior porte, formando um dossel herbáceo que pode influenciar e determinar a composição dos indivíduos regenerantes da floresta (George & Bazzaz 1999).

A diversidade obtida está entre as maiores registradas para as sinúsias herbáceas já amostradas no Rio Grande do Sul, influenciada principalmente pela riqueza elevada, visto que a equabilidade foi baixa, devido ao grande número de espécies com baixa freqüência e ao pequeno número de espécies que apresentou alta freqüência, assim como na maioria dos estudos com ervas florestais.

Os elevados valores de diversidade, riqueza, porte e cobertura encontrados podem ser conseqüências da descontinuidade do dossel desta floresta, permitindo maior incidência de luz no sub-bosque. Relações similares envolvendo estudos com herbáceas foram encontradas em floresta com araucária, onde a diversidade (H') foi de 2,688 (nats), e o dossel foi descrito como pouco denso (Cestaro et al. 1986). Müller & Waechter (2001) atribuem à diversidade encontrada (H' = 2,514 nats) a maior incidência luminosa devido ao porte relativamente baixo da floresta de restinga e por ser mais seca, o que corrobora a afirmação de Gentry & Dodson (1987), que as florestas secas têm maior riqueza e densidade de espécies herbáceas que as florestas úmidas. Em floresta com Betula pendula Roth, na França, a densa cobertura do solo por várias espécies herbáceas resultou justamente da grande disponibilidade de luz (Schnitzler & Closset 2003).

Outro fator que contribuiu para a alta diversidade de espécies foi a variedade de ambientes, determinados pela composição da floresta, ora com manchas de Merostachys skvortzovii Send. ou adensamentos de Chusquea ramosissima Lindm. (inclusive a parcela com maior riqueza, estava coberta por esta espécie), ora por indivíduos arbóreos de grande porte, além das inúmeras trepadeiras e lianas presentes nesta formação. Müller & Waechter (2001) também sugerem que a diversidade seja maior em florestas com vários ambientes, como o encontrado no estudo realizado em uma floresta ombrófila mista em contato com a floresta estacional por Diesel (1991). Quanto à sugestão de que em florestas bem preservadas e mais úmidas a diversidade da sinúsia herbácea tende a ser menor (Gentry & Dodson 1987, Müller & Waechter 2001), como nos estudos em floresta ombrófila densa (Citadini-Zanette 1984, Citadini-Zanette & Baptista 1989), o presente estudo não segue este padrão, pois o trecho é de floresta primária e apresentou alta diversidade.

A correlação significativa entre a abertura do dossel e a cobertura absoluta da sinúsia herbácea por parcela mostrou que onde a abertura foi maior e, conseqüentemente, a entrada de luz, as parcelas tiveram um grau mais elevado de cobertura. Todavia, não foi possível detectar a preferência das espécies por luz ou sombra, provavelmente devido a pouca variação da abertura do dossel (6,1% a 13%). Num estudo similar, de 80 espécies analisadas apenas seis tiveram preferência significativa por ambientes mais ou menos sombreados (Meira-Neto et al. 2005), sendo que as outras podem ter preferência, mas sem significância estatística quando o número de indivíduos amostrados for baixo. Quando se utilizaram os valores de cobertura de cada espécie por parcela no mesmo teste, estes não estiveram relacionados com o grau de abertura do dossel, já que o teste levou em consideração a variância de cada espécie, e não uma única variância por parcela como na situação anterior.

A estimativa da cobertura do dossel em três áreas em floresta pluvial em Borneo realizada por Poulsen (1996) não mostrou diferença significativa entre elas, porém o número de espécies e a cobertura variaram bastante, em função de outros fatores por ele analisados, como declividade e características do solo. Este mesmo autor salienta que para se ter certeza da influência da luz deve-se incluir o fator tempo, pois a distribuição das ervas nas parcelas pode refletir condições de luz que já desapareceram. Deste modo, a riqueza das ervas pode ser resultado de uma combinação de fatores, um se sobressaindo mais que outro, conforme mostraram Härdtle et al. (2003) em uma amostragem de grande escala, onde analisaram 91 áreas de florestas decíduas na Alemanha, subdividas em três grupos, conforme a composição arbórea. Nesse estudo, em cada grupo os autores constataram um fator diferente ao qual estava associada a riqueza herbácea: umidade ou nutrientes do solo e condições de luz no sub-bosque, determinadas pela cobertura do dossel. Outro estudo que vai ao encontro destas afirmações é o de Meira-Neto et al. (2005), que relacionaram a cobertura do dossel e variáveis pedológicas na composição florística do sub-bosque de uma floresta estacional semidecídua em Minas Gerais, constataram que as variáveis do solo constituíram-se nos principais fatores responsáveis pela dispersão das espécies.

No presente estudo, a sinúsia herbácea terrícola não variou significativamente entre o verão e o inverno, tanto na cobertura quanto na composição. Em relação à composição, dentre as espécies que desapareceram no inverno, Wullschlaegelia aphylla é uma saprófita típica de estação quente, que foi adicionalmente incluída na amostragem, pela ampliação do conceito clássico de erva (Richards 1996). A outra espécie, Scleria panicoides, pode ter sido predada ou ter completado seu ciclo de vida. Palma & Jarenkow (2003) e Meira-Neto et al. (2005) também não encontraram variações entre inverno e verão em floresta estacional, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, respectivamente. Já em florestas tropicais e nas temperadas decíduas, trabalhos mostram mudanças no componente herbáceo, onde a composição e cobertura variam, devido à perda de folhas do dossel. Lee (1989) encontrou variações no sub-bosque em floresta tropical decídua na Índia, em resposta aos níveis de abertura do dossel que variaram de 94% de cobertura durante e imediatamente após a estação chuvosa, para 41% na estação seca. Small & McCarthy (2002), em floresta decídua em Ohio (EUA), determinaram a composição e cobertura das ervas em três meses (abril, junho e agosto), constatando mudanças consideráveis entre os mesmos, chamando a atenção para que sejam feitas medidas sazonais a fim de obterem-se padrões temporais de diversidade.

A estimativa da cobertura do dossel no Parque Estadual do Turvo, em duas estações do ano, não mostrou alterações significativas, assim como não houve variação no componente herbáceo, indicando a baixa deciduidade da floresta, visto que em florestas tipicamente decíduas a variação tanto no solo quanto no dossel é nítida (Lee 1989, Small & McCarthy 2002). Isto sugere que a classificação da área do presente estudo em floresta estacional decídua pode não estar correta. Meira-Neto et al. (2005) fizeram medições da cobertura do dossel em uma floresta estacional semidecídua, em Minas Gerais, na estação chuvosa/janeiro (73,15%) e na seca/agosto (71,14%), mas também não encontraram diferenças significativas, concluindo que o dossel da floresta analisada atua homogeneamente como anteparo da luminosidade nas diferentes estações do ano. Para a maior parte da Região Sul do Brasil, a classificação de florestas estacionais em decídua e semidecídua (Veloso et al. 1991, Leite 2002) foi baseada em estimativas subjetivas, necessitando-se, portanto, de estudos mais detalhados. Condit et al. (2000), em estudo realizado em floresta estacional no Panamá, constataram que todos os indivíduos pertencentes a uma dada espécie não necessariamente apresentam-se decíduos, mas que a deciduidade pode ocorrer em graus variados e períodos distintos. Portanto, quantificar o número de espécies decíduas também levaria a resultados pouco precisos, necessitando-se de estudos com avaliações periódicas do grau de abertura do dossel.

Estudos de longo prazo permitem outras constatações, como por exemplo, as apresentadas por Brewer (1980), que estudando uma floresta decídua em estádio climácico em Michigan (EUA), comparou dados atuais com os de 55 anos atrás e observou que muitas espécies do estrato herbáceo diminuíram a abundância e poucas aumentaram. Essa taxa decrescente na abundância sugere que a floresta pode estar se aproximando de um estádio estável na composição herbácea, com tendência a uma diminuição na diversidade quando em estádio climácico (Brewer 1980). Taverna et al. (2005) também fizeram um estudo de longo prazo em floresta decídua, reamostrando uma série de parcelas permanentes durante 23 anos, na Carolina do Norte (EUA), e constataram declínio da riqueza de ervas e forte aumento na de plântulas de espécies arbóreas. Uma das vantagens da metodologia adotada no presente estudo é a marcação da parcela de um hectare como permanente, permitindo que as unidades amostrais sejam acompanhadas temporalmente, em análises posteriores.

A partir dos resultados do presente estudo pode-se concluir que onde houve maior abertura do dossel e, conseqüentemente, maior entrada de luz, as parcelas apresentaram maior grau de cobertura da sinúsia herbácea terrícola. A alta riqueza, diversidade e cobertura constatadas aparentemente resultaram da descontinuidade do dossel e não de sua deciduidade. Com a classificação da floresta em estacional decídua esperavam-se encontrar variações na composição e na cobertura das espécies entre as estações do ano, o que não ocorreu, indicando que o grau de deciduidade da floresta é baixo. Portanto, a presente classificação pode não estar correta, e o fator determinante na entrada de luz no sub-bosque deve estar relacionado a estrutura dos componentes superiores. Estudos sobre a cobertura e a estrutura destes componentes estão sendo realizados na área e deverão esclarecer essa inter-relação futuramente.

Agradecimentos – À Ana Maria Soares Franco, Eduardo Luís Hettwer Giehl e Graziela Obregon Wedy pelo apoio no campo e demais auxílios. Aos guarda-parques pela assistência no trabalho realizado. À Adriana Guglieri, Rosana Moreno Senna, Jorge Luiz Waechter e Fernando Souza Rocha, João Marcelo Alvarenga Braga, pela identificação de gramíneas, pteridófitas, orquídeas e marantáceas, respectivamente. Ao Departamento de Ecologia da UFRGS pelo empréstimo da máquina fotográfica. À CAPES pela concessão da bolsa de mestrado à primeira autora.

(recebido: 22 de junho de 2006; aceito: 25 de outubro de 2007)

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  • 1
    Parte da dissertação de mestrado da primeira autora, Programa de Pós-Graduação em Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
  • 2
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      25 Out 2007
    • Recebido
      22 Jun 2006
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