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"Os cantores do Senhor": três trajetórias em um processo de industrialização da música evangélica no Brasil

Resumos

Em especial nas duas últimas décadas, visando atingir o segmento evangélico que está se expandindo rapidamente no Brasil, várias empresas, de diferentes setores, se especializaram na fabricação de "produtos evangélicos". No conjunto dessas empresas, a indústria fonográfica tem se destacado e contribuído, juntamente com as rádios do segmento, para a adoção de um estilo mais industrial na produção e na divulgação dos álbuns evangélicos. Neste artigo, a partir da trajetória de três cantores evangélicos, procuro compreender a maneira como eles se posicionam em relação às novas condições profissionais mencionadas. Além disso, pretendo indicar alguns problemas e "fissuras" que passaram a ocorrer no meio musical evangélico a partir da incorporação de uma lógica mercantil e industrial.

evangélicos; formação de celebridades; música evangélica; indústria fonográfica


Over the two past decades, in special, several companies from different production areas, aiming to reach the evangelical segment, which is expanding rapidly in Brazil, have specialized in manufacturing evangelical products. Among these companies, the music industry has given an outstanding contribution, as well as the radios in this segment, in order to adopt a more industrial style in the production and broadcasting of the evangelical albums. Through the analysis of the career of three Gospel singers, the objective of this article is to understand the way these artists are behaving regarding the new professional conditions previously mentioned. Besides, our intention is also to point out some problems and "ruptures" occurring in the musical universe of the evangelists, since a mercantile and industrial logic was incorporated to this universe.

Evangelicals; celebrities formation; evangelical music; music industry


ARTIGO

"Os cantores do Senhor": três trajetórias em um processo de industrialização da música evangélica no Brasil

Robson de Paula

RESUMO

Em especial nas duas últimas décadas, visando atingir o segmento evangélico que está se expandindo rapidamente no Brasil, várias empresas, de diferentes setores, se especializaram na fabricação de "produtos evangélicos". No conjunto dessas empresas, a indústria fonográfica tem se destacado e contribuído, juntamente com as rádios do segmento, para a adoção de um estilo mais industrial na produção e na divulgação dos álbuns evangélicos. Neste artigo, a partir da trajetória de três cantores evangélicos, procuro compreender a maneira como eles se posicionam em relação às novas condições profissionais mencionadas. Além disso, pretendo indicar alguns problemas e "fissuras" que passaram a ocorrer no meio musical evangélico a partir da incorporação de uma lógica mercantil e industrial.

Palavras-chave: evangélicos, formação de celebridades, música evangélica, indústria fonográfica.

ABSTRACT

Over the two past decades, in special, several companies from different production areas, aiming to reach the evangelical segment, which is expanding rapidly in Brazil, have specialized in manufacturing evangelical products. Among these companies, the music industry has given an outstanding contribution, as well as the radios in this segment, in order to adopt a more industrial style in the production and broadcasting of the evangelical albums. Through the analysis of the career of three Gospel singers, the objective of this article is to understand the way these artists are behaving regarding the new professional conditions previously mentioned. Besides, our intention is also to point out some problems and "ruptures" occurring in the musical universe of the evangelists, since a mercantile and industrial logic was incorporated to this universe.

Keywords: Evangelicals, celebrities formation, evangelical music, music industry.

Introdução1 1 Agradeço os comentários de Márcia Contins, Elisabeth Travassos e, especialmente, as considerações sempre interessantes de Clara Mafra.

Segundo dados do último Censo Demográfico do IBGE, cujos resultados foram divulgados a partir de 2000, 15% da população brasileira declarou ser da religiosidade evangélica. Essa informação chamou a atenção de religiosos e pesquisadores, já que, em 1991, somente 9,05% dos pesquisados se auto-identificavam como evangélicos. Dessa forma, eles seguramente ocupam o segundo lugar na distribuição religiosa do país, ficando atrás dos católicos, que constituem 73, 85% da população. Além desse dado que indica uma redefinição no campo religioso brasileiro, constatou-se que, cada vez mais, a religiosidade evangélica desperta também o interesse de indivíduos mais escolarizados, oriundos das camadas médias. Até então a expansão ocorria, sobretudo, entre os mais pobres.

Tal crescimento, além de ressoar em diferentes esferas e segmentos sociais, também produz impacto na esfera do consumo. Com o objetivo de atingir esse segmento religioso, um conjunto de empresas de diferentes áreas especializou-se na produção de "produtos evangélicos", criando, conseqüentemente, um nicho específico no mercado nacional2 2 Para maiores esclarecimentos sobre o crescimento do mercado de produtos evangélicos, ver: "O mercado é do Senhor" (ISTOÉ 22/09/04). . Já existem centenas de empresas no país, de vários setores, voltadas exclusivamente à produção de livros, revistas, roupas, CDs, DVDs, cosméticos e produtos de decoração para evangélicos. Como ilustração, o mercado editorial evangélico já conta com mais de 60 editoras3 3 Para maiores informações, ver: www.editorescristãos.org. br. e mais de 3 mil ponto-de-vendas4 4 Para um melhor esclarecimento, ver a reportagem: "Mercado evangélico move R$ 500 milhões" (Gazeta Mercantil 03/08/04) e o site da Associação Nacional das Livrarias evangélicas ( www.anle.com.br). (incluindo as Lojas Americanas, Wal-Mart,Carrefour e sites de compras, como Submarino), que mesmo não sendo do segmento, comercializam esse tipo de produto.

No conjunto dessas empresas, destaca-se a indústria fonográfica evangélica. A partir dos anos de 1990, por iniciativa de alguns empresários ou denominações evangélicas, foram fundadas grandes gravadoras no país. Nessa década, a Line Records, a Gospel Records5 5 Em 1990, a igreja Renascer em Cristo fundou a gravadora Gospel Records em São Paulo. Visando alcançar um número maior de consumidores, a gravadora lançou álbuns com ritmos diferentes dos tradicionais, como rock, reggae, funk, pagode e country. Além disso, a Gospel Records inovou ao promover grandes eventos em casas de show e estádios. Em 17 anos de funcionamento, a gravadora já laçou mais de 100 títulos. A divulgação dos álbuns da gravadora é feita por várias empresas, que também estão diretamente vinculadas à igreja do apóstolo Hernandes. Para outras informações, ver: http://www.igospel.com.br/. , a TopGospel6 6 Criada em 1996 no Rio de Janeiro a TopGospel tem produzido e distribuído álbuns de cantores já reconhecidos pelo grande público evangélico, com Wanderley Cardoso, Cris Duran, Mattos Nascimento e Sérgio Lopes. Diferentemente da Gospel Records e da Line Records, a TopGospel não é dirigida por uma denominação evangélica. O político Francisco Silva é o proprietário da gravadora. Além de controlar a TopGospel, o ex-deputado é dono da Rádio Melodia, uma das primeiras rádios FMs evangélicas do Brasil. Em grande parte, a divulgação dos cantores da TopGospel é feita pela Rádio Melodia. Além disso, como mais uma estratégia de divulgação, a referida empresa fonográfica também organiza grandes shows em parques públicos e estádios da cidade. Para outras informações, ver: http://www.topgospel.com.br/radio/. e a MK Publicitá7 7 A MK Publicitá foi criada na década de 1990. Como a TopGospel, a gravadora também não é dirigida por nenhuma igreja evangélica. Em seu comando está Yvelise de Oliveira, esposa do político Arolde de Oliveira. Com um cast de cerca de 30 cantores (dentre eles, Cassiane, Fernanda Brum, e Marina de Oliveira), a gravadora tem buscado um lugar de destaque no mercado fonográfico brasileiro, fazendo grandes investimentos não só na produção, mas também na distribuição e divulgação dos álbuns. O casal também é dono de outras empresas ligadas à comunicação e ao mercado editorial. Para outras informações, ver: http://www.mkpublicita.com.br/. , juntamente com as rádios do segmento, passaram a imprimir um estilo industrial na produção, na divulgação e distribuição de álbuns em todo território nacional.

Como contrapartida dessa atuação mais industrial das grandes gravadoras, ocorre a formação das celebridades. Até os anos de 1990, a maioria dos cantores evangélicos, salvo raras exceções, alcançava somente uma pequena e restrita audiência. Com a fundação das empresas fonográficas, alguns tornaram-se celebridades em decorrência da distribuição sistemática de seus álbuns e do acesso facilitado às mídias evangélicas8 8 Para uma problematização mais ampla sobre o papel das celebridades na reconstituição do self dos indivíduos na modernidade, ver: Herschman e Pereira (2005). .

Em síntese, articulado ao crescimento significativo dos evangélicos e à formação de um mercado dirigido para este segmento religioso, há um processo de industrialização e massificação da música tocada e produzida pelos evangélicos no Brasil. Tal processo se expressa na constituição das grandes gravadoras, no surgimento das celebridades, na variedade de locais nos quais a música é executada e na diversificação dos ritmos.

A partir da observação da trajetória de três cantores evangélicos, neste artigo busca-se compreender a maneira como eles se posicionam em relação às novas condições profissionais. Além disso, são indicados alguns problemas e fissuras que passaram a ocorrer no meio musical evangélico após a incorporação de uma lógica mercantil e industrial. Inspirado diretamente em Norbert Elias (1995), este trabalho é desenvolvido numa escrita que ora descreve as minúcias da trajetória pessoal dos cantores, ora contextualiza os eventos, assumindo um tom mais sociológico em busca de uma compreensão ampliada.

A trajetória de Rose Nascimento é apresentada inicialmente. Trata-se de uma cantora assembleiana que conquistou um espaço de destaque no meio evangélico, num "movimento de dentro pra fora". Em seguida, aborda-se a experiência vivida por Lúcia Lombardi. Proveniente do meio secular, no qual já era reconhecida como cantora, ao se converter procurou se inserir entre os cantores do segmento. Para tal, foram necessárias várias negociações referentes à sua imagem. Por fim, é exposta a trajetória de Álvaro Júnior. Baiano e amante dos ritmos musicais regionais, o cantor desenvolve sua carreira fora da mídia evangélica e do centro irradiador do sudeste.

Algumas considerações fazem-se necessárias acerca da escolha dessas três trajetórias. No início da pesquisa, a idéia central era priorizar os cantores evangélicos mais conhecidos e famosos. No entanto, após incansáveis tentativas junto a secretários e produtores de diferentes artistas como Aline Barros, Cassiane, Cris Duran e Fernanda Brum , somente foi possível entrevistar Rose Nascimento. Tive a oportunidade de encontrá-la em sua casa e de conhecer de perto a sua família. Diante da dificuldade de entrevistar as grandes celebridades, outros cantores foram contatados. O acesso a Lúcia Lombardi foi possível graças a um amigo. Ela recebeu-me amavelmente em sua residência. Já o contato com Álvaro Júnior não se deu por meio de seus secretários ou de redes pessoais. Na Bahia, a primeira informação sobre o cantor foi obtida numa pequena loja de artigos evangélicos, na Praça da Liberdade, em Salvador9 9 Em janeiro e fevereiro de 2006 e 2007, como o intuito de observar o desenvolvimento da indústria fonográfica evangélica fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, visitei lojas e igrejas na capital baiana. , quando encontrei o seu primeiro CD. A partir de então busquei contato com ele, e uma entrevista foi realizada num shopping center daquela cidade. Apesar de não se tratar de uma escolha pré-estabelecida por um determinado modelo de análise, é possível perceber que, de certa forma, as três trajetórias são significativas, pois revelam distintas possibilidades de constituição profissional em um mesmo segmento. Representam portanto três soluções individuais em meio a um processo de industrialização da música comercial evangélica.10 10 A principal fonte para a realização deste artigo consistiu em entrevistas com os três cantores, cujas trajetórias serão apresentadas. Além dos relatos de Rose Nascimento, Lúcia Lombardi e Álvaro Júnior, também foram utilizadas algumas reportagens sobre a expansão do "mercado evangélico". Associado a esses materiais, desde 2005 foram observados shows, programações e cultos evangélicos, realizados nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador.

A celebridade que veio de "dentro"

Rosângela de Azeredo Nascimento nasceu em 15 de setembro de 1967, no município do Rio de Janeiro. Proveniente de uma família de evangélicos, Rose Nascimento declarou que seus primeiros anos de vida foram marcados por um forte vínculo com a igreja. Isso não é sem razão. De modo geral, os evangélicos, principalmente os da Assembléia da Deus, procuram desenvolver uma vida eclesial intensa (Fernandes 1998; Mafra 2001). A família da cantora não fugia a essa regra. Pelo contrário, Rose, juntamente com seus irmãos11 11 Dos seus 12 irmãos, 7 estão diretamente ligados à música evangélica: Mattos Nascimento, Noêmia Nascimento, Marcelo Nascimento, Ruth Nascimento, Marquinhos Nascimento, Tuca Nascimento (que já tem duas filhas que cantam: Gisele Nascimento e Michele Nascimento) e Willian Nascimento. , foi criada nessa igreja desde sua mais tenra idade. Desde muito cedo, Rose interessou-se pela música, sob forte influência de seu pai que, além de pastor, também era maestro e de sua mãe, solista do coral.

Apesar de priorizar a leitura da bíblia na liturgia dos cultos, a Igreja Assembléia de Deus12 12 Para um maior esclarecimento sobre inserção da Assembléia de Deus no meio pentecostal brasileiro, ver: Freston (1994), Perboni (2000) e Mafra (2002). valoriza muito a música. Em boa parte das igrejas assembleianas observa-se a formação de grupos de crianças, adolescentes, jovens e senhoras, além do coral da igreja. O fato de cantar desde muito cedo fez com que os familiares e amigos de Rose Nascimento passassem a chamá-la, carinhosamente, de "a cantorinha de Jesus".

Nos anos de 1970, Rose Nascimento começou a se apresentar na igreja, quando a música evangélica ainda não tinha alcançado a dimensão industrial dos dias atuais. A distribuição dos álbuns era muito restrita e precária, o que inviabilizava um maior conhecimento dos cantores no território nacional (Cunha 2004; Baggio 2005). À época havia somente uma gravadora evangélica de grande porte, a Bom Pastor13 13 Em 1971, visando alcançar o segmento evangélico, o filho do cantor Luiz de Carvalho, Elias de Carvalho, fundou a Bompastor na capital paulista. Ao logo dos anos, a gravadora foi responsável pelo lançamento de grandes nomes da música evangélica, como Armando Filho, Cristina Mel e o grupo Prisma Brasil. A atuação da gravadora não ficou restrita à produção e distribuição dos álbuns musicais. A partir dos anos de 1990, o grupo empresarial ampliou os seus negócios para o campo editorial, lançando livros de autores brasileiros e estrangeiros. Além disso, ainda na área editorial, a Bompastor comprou a Editora Eclésia e, logo em seguida, lançou a Revista Eclésia, antiga Vinde. Atualmente o grupo Bompastor é composto por várias lojas, uma editora literária, uma editora musical e uma gravadora. Para outras informações, ver: http://www.bompastor.com.br/. . Acrescente-se que eram poucas as rádios que divulgavam as músicas evangélicas. Sendo assim, boa parte dos cantores, como Rose Nascimento, cantava nas igrejas, nos coros ou individualmente, em apresentações especiais. Portanto, é possível afirmar que os cantores atuavam localmente, e que sua atividade não era percebida como uma profissão.

Durante toda a infância, Rose seguiu o curso planejado por seus pais. Entretanto, segundo a cantora, com o passar dos anos seu interesse pela leitura da bíblia se reduziu. Gradativamente ela deixou de orar, o que, a seu ver, contribuiu para o seu afastamento da igreja.

Rose Nascimento passou a freqüentar bares, serestas e clubes, apesar da reprovação da família. Por ter desenvolvido na igreja uma técnica vocal, uma habilidade para o canto, mais oportunidades de trabalho surgiam para Rose no campo da música secular. Dessa forma, a cantora passou a fazer backing vocal para cantores da MPB, como Joana. Foram então estabelecidos outros contatos profissionais, e também novas amizades.

Rose Nascimento manteve um convívio familiar. Quando conversava com seus irmãos e amigos, era questionada sobre seu afastamento da religiosidade evangélica. Afinal, todos seguiam o curso de suas vidas, namoravam, trabalhavam e constituíam família. Rose buscava justamente essas realizações ao se "desviar". Essa indagação tornou-se mais intensa quando a cantora percebeu que, apesar dos fortes laços de amizade, não conseguia adaptar-se ao estilo de vida das novas amizades não-evangélicas. Nesse novo circuito de relações, os relacionamentos afetivos/sexuais14 14 No livro Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt Bauman analisa as características dos relacionamentos amorosos na modernidade. Em linhas gerais, segundo o sociólogo, em nossos tempos, os relacionamentos estão ficando cada vez mais efêmeros e "frouxos". Esse padrão de relacionamento se aproxima do tipo de vínculo afetivo valorizado nos espaços em que Rose Nascimento passou a circular. eram mais "frouxos" e instáveis, contrastando com os namoros15 15 Para um maior esclarecimento sobre as concepções dos jovens assembleianos sobre o namoro, ver: Sampaio (2004). dos jovens de sua igreja. Nestes, em tese, além de valorizar a virgindade, os enamorados deveriam firmar um "compromisso sério", visando um futuro casamento. Quando comparava as duas possibilidades de relacionamentos, a artista entrava em conflito. De acordo com o que aprendera na infância e adolescência, o caminho que decidira não estava correto. Dessa forma, aos 20 anos, Rose Nascimento decidiu retornar às suas "raízes" e, após certo tempo, alcançou suas principais metas: casamento, filhos e um lar o ideal de família evangélico.

O retorno e o "chamado" num contexto de massificação da música evangélica

Rose Nascimento retomou sua vida eclesial após cinco anos. Quando tinha um tempo livre, freqüentava as orações na casa de uma irmã, reconhecida na vizinhança por seus dons espirituais e pelas "orações fortes". Em certa ocasião, recebeu dela uma mensagem que marcou sua trajetória. Acompanhem o seu relato:

Aí quando cheguei à casa daquela irmã, ela falou pra mim: "Olha, Deus mandou eu te falar que tem uma grande obra, com você no louvor. E que você vai gravar um disco solo. E que milhares de pessoas serão abençoadas com os seus louvores. Você tem dito no seu coração que não quer. Você tem lutado, mas não é você que quer, é ele quem quer. É o ministério que Deus está te dando. Vai chegar alguém e vai fazer uma proposta e você não pode recusar". Pronto, aí, eu não tive outra saída. (Nascimento 7/12/2005).

A cantora relata a mensagem que recebeu de Deus através da irmã de oração. No vocabulário evangélico, recebeu um "chamado" para ser cantora. Este trecho é relevante para compreender não apenas a forma como Rose, gradativamente, é moldada e se torna uma celebridade evangélica, mas, sobretudo, as mudanças no meio evangélico impulsionadas pelo processo de industrialização da música evangélica. Quando a profeta diz para Rose Nascimento que ela recebera uma missão de Deus e iria gravar um CD, uma nova concepção de "chamado" estava sendo expressa. Em outras palavras, para que a missão se concretizasse na vida da entrevistada, não bastava ter o dom e cantar em coros e solos da igreja. A gravação de um álbum era fundamental. Rose deveria alcançar uma ampla audiência, o que se tornaria possível com a reprodução da música em massa, ocorrida no nicho evangélico a partir do final da década de 1980.

Se, na década de 1970, a música evangélica era produzida quase artesanalmente, nos anos de 1990 passou a ser considerada um estilo o gospel16 16 A igreja Renascer em Cristo foi uma das primeiras instituições evangélicas a utilizar o termo gospel para designar, de forma genérica, as músicas produzidas e executadas pelos evangélicos. Para um maior esclarecimento, ver: Siepierski (2001). e assumiu uma dimensão mais profissional e comercial. Tal mudança deveu-se a vários fatores, tanto relacionados ao próprio meio evangélico, quanto ao desenvolvimento da indústria fonográfica no Brasil.

De modo geral, a década de 1990 foi muito produtiva para a indústria fonográfica no Brasil. O fim da ditadura militar e o processo de estabilização da economia, entre outros fatores, contribuíram para o crescimento desse setor empresarial. Por exemplo, no ano de 1996, 94 milhões de discos foram vendidos no país, rendendo um faturamento de US$ 874,25 milhões. Com este lucro o Brasil atingiu, naquele momento, a 6ª posição no ranking de vendas de discos no mundo (Silva 2001).

No que concerne ao segmento evangélico, observa-se que a constituição de grandes gravadoras Gospel Records, MK Publicitá, Line Records e TopGospel, associada ao fortalecimento de uma vasta rede de meios de comunicação, possibilitou uma ampliação do alcance da música evangélica em todo o território nacional. Seja pelas ondas das rádios, seja pelos programas televisivos ou pela internet, a música evangélica comercial, produzida em especial na região sudeste, passou a alcançar uma grande audiência.

A profecia expressa para Rose Nascimento, em Campo Grande, zona oeste carioca, de certa forma estava em sintonia com o contexto empresarial da música evangélica brasileira. A entrevistada teria a possibilidade de gravar um álbum caso conseguisse contato com os grandes empresários da música evangélica. Desse modo, como os cantores seculares, ela poderia alcançar uma grande audiência. A partir da década de 1990, criaram-se condições de produção de celebridades evangélicas.

Vale ressaltar, entretanto, que somente uma pequena parcela dos cantores conseguiu alcançar o status de celebridade. Para ser reconhecido nacionalmente, um cantor evangélico deve estar inserido nos circuitos fechados das grandes gravadoras evangélicas algo que nem todos conseguem, por motivos variados. Ao longo do artigo, desenvolverei essas questões; por hora voltemos à trajetória de Rose Nascimento.

Uma semana após receber a mensagem proferida pela "irmã de oração", Rose foi convidada por um de seus irmãos para gravar um disco solo:

Foi irmão de sangue mesmo: o Tuca. E tinha uma gravadora que era muito chegada a nós, um pessoal bacana pra caramba. Eles fizeram uma parceria com a gente. (...) Aí nós levamos dois anos para gravar um disco. Teve um dia que eu cheguei e disse para o meu irmão: "Ah meu Deus, que benção é esta? Dois anos pra benção chegar. Ah senhor, tem misericórdia". Aí foi quando um dos donos de uma gravadora, que era uma das melhores da América Latina, que era a Som e Louvores, o Orlando, ouviu, o meu irmão mostrou pra ele a fita. E aí ele falou: "Eu quero fazer um contrato com ela". (Nascimento 7/12/2005).

Após dois anos de persistência, Rose conseguiu mostrar seu trabalho a uma gravadora, por rede informal, e foi contratada. Em 1991 gravou seu primeiro LP. O álbum Livre, com oito faixas, alcançou a cifra de 100 mil cópias vendidas em poucos meses. Este sucesso de vendas rendeu o disco de ouro17 17 1) CDs Nacionais (Lançamento até 12/2003): Disco de Ouro - 100 mil cópias; 2) Disco Platina - 250 mil cópias; 3) Disco Platina duplo - 500 mil cópias; 4) Disco Platina triplo - 750 mil cópias; 5) Disco Diamante - 1 milhão de cópias. 2) CDs nacionais (lançamentos a partir de janeiro de 2004) e CDs internacionais (a partir de janeiro de 2001): Disco de Ouro - 50 mil cópias; 2) Disco Platina - 125 mil cópias; 3) Disco Platina duplo - 250 mil cópias; 4) Disco Platina triplo - 375 mil cópias; 5) Disco Diamante - 500 milhão de cópias. 3) DVDs ( lançamentos a partir de 02//2002): Ouro - 25 mil cópias e Platina - 50 mil cópias. à jovem cantora. Ao receber a premiação, Rose18 18 Em 1991, após ter gravado o seu primeiro LP pela gravadora Som e Louvores, Rose Nascimento procurou novas oportunidades no mercado fonográfico evangélico. Além de criar o seu próprio selo, RN Produções, a cantora firmou contrato com as gravadoras Clevan Music, Zecap Gospel Produções e MK Publicitá. Ao longo se sua carreira, Rose Nascimento lançou 14 álbuns: 1) Livre, 2) A Dose mais Forte, 3) Cinco Letras Preciosas, 4) Receba a Vida, 5) Mil Razões, 6) Começo, meio e fim, 7) Mais Firme do que Nunca, 8) Melhores Louvores, 9) Sempre Fiel, 10) Aqui Tem Alegria (infantil), 11) Sempre Fiel (ao Vivo), 12) Louvores Ungidos da Harpa, 13) Para o Mundo Ouvir, 14) Uma Questão de Fé. DVDs: 1) Mais Firme do que Nunca, 2) Sempre Fiel e 3) Para o Mundo Ouvir. se afirmou como cantora. A cantora tornou-se uma pessoa pública, uma artista evangélica, a partir da divulgação de sua música nas rádios evangélicas e em apresentações em shows e festividades das igrejas. Mas como se deu essa passagem do anonimato ao reconhecimento? Quais foram as principais mudanças ocorridas na imagem cantora?

Ser ou não um ídolo? Constituição da celebridade evangélica

Para Rose, ao se tornar uma artista reconhecida, foi preciso repensar a forma de sua apresentação em público. Ainda muito jovem, Rose procurou "cuidar mais de si" e ser mais "vaidosa", mudanças estéticas que envolviam, por exemplo, o corte do cabelo. Contudo, tais anseios iam contra a doutrina da igreja. Apesar disso, a cantora não abriu mão de seu desejo e se confrontou com as normas de sua comunidade religiosa, o que pode ser ilustrado pelo relato:

Passei a ser muito criticada porque a igreja de que eu era antes era muito fechada. Era uma igreja muito tradicional, de não poder nem sequer aparar a ponta do cabelo. E eu, como cantora evangélica, eu não posso andar de qualquer jeito. (...) Então eu gostava de aparar o meu cabelo, botava um batonzinho, fazia a sobrancelha, tudo direitinho. Aí eu era criticada. Me chamavam até de Jezabel. (Nascimento 7/12/2005).

Rose Nascimento freqüentava a Assembléia de Deus, uma denominação evangélica que valoriza muito certos hábitos considerados ortodoxos pela sociedade mais abrangente, como a proibição do corte de cabelo para mulheres. Entretanto, ao atingir uma ampla audiência, a entrevistada percebeu a necessidade de criar um estilo que incorporasse alguns elementos da moda corrente o que não era aceito por sua igreja. De acordo com a entrevistada, sua comunidade passou a contestá-la. Diante das críticas, a cantora decidiu mudar de igreja. Passou então a assistir os cultos em outra Assembléia de Deus, em Campo Grande, onde, juntamente com o esposo e os filhos, permanece até os dias atuais.

Resolvido o impasse, na nova igreja Rose Nascimento teve mais "liberdade" para mudar a sua estética sem sofrer coerção pública. A partir desse momento, ela deixou seus cabelos mais soltos e esvoaçantes, sua "marca" por longos anos.

Além dos cabelos encaracolados, o repertório escolhido também contribuiu para compor a imagem da "Cantora Rose Nascimento". Cabe abordar os critérios utilizados pela cantora para diferenciar a música evangélica da secular, antes de tratar do papel desempenhado pelo estilo de música adotado no processo de constituição em celebridade. De certa forma, essa diferenciação vai repercutir no modo como ela percebe os cantores e a audiência. Para Rose, todas as músicas produzidas e executadas pelos pares religiosos podem ser consideradas como mensagens da divindade para a audiência, ainda que massificadas em CDs. Em suas palavras:

Quando você recebe um CD de um cantor, às vezes você está triste dentro de casa, está vazio, passando por uma dificuldade, querendo escutar uma palavras, você coloca este CD, aquela palavra que você está querendo ouvir, aquele CD fala para você. Deus fala através daquela música. Então você fica alegre. E aí você passa a ser fã daquela pessoa. "Poxa! Eu gosto muito daquele cantor, pois quando eu estava triste, ele cantou, e Deus falou comigo". (Nascimento 7/12/2005).

Se no meio secular as músicas são recebidas pela audiência como fonte de entretenimento, como meio de lembrar da pessoa amada, ou, ainda, como um instrumento de politização, no meio religioso, tal como interpreta a cantora, a música evangélica é um veículo de comunicação entre Deus e os seres humanos. Nesse sentido, os cantores evangélicos seriam concebidos como "canais" ou "porta-vozes" da divindade. Assim, os fãs não estabeleceriam uma relação com o artista evangélico por suas características físicas ou por seu carisma, mas por ser um "veículo" da divindade. Trata-se, portanto, de uma relação muito distinta da estabelecida pelos não-evangélicos, já que a divindade estaria presente, amortizando possíveis tensões ou "excessos". No trecho a seguir, Rose Nascimento apresenta algumas informações que possibilitam um entendimento de sua concepção acerca da relação celebridade/fãs evangélicos: "Fãs da igreja não se matam. Fãs do secular se matam. Têm outros que se suicidam. É uma coisa que já vem da carne, enquanto o outro vem do espírito. Então é totalmente diferente. Com certeza é muito diferente" (Nascimento 7/12/2005). A cantora estabelece uma clara distinção entre a relação dos fãs com artistas evangélicos, e dos fãs com astros não-evangélicos19 19 Para um maior esclarecimento sobre a relação fãs/ídolos no mundo secular, ver: Coelho (2003). . Para ela, a primeira seria uma relação espiritual, uma vez que o artista seria um canal de Deus, e suas músicas mensagens divinas. Já a relação entre fãs e astros seculares seria carnal, regida por uma paixão exagerada do fã pelo artista.

Surge uma questão: se os cantores são vistos como meros "instrumentos" de Deus e suas músicas são concebidas como mensagens divinas, por que existe então uma preocupação da cantora com sua imagem? A partir do relato de Rose Nascimento, evidencia-se uma forte tensão em sua formação como celebridade. Por um lado, há uma tendência a diferenciar-se, a tornar-se uma referência, com uma determinada imagem. Por outro, percebe-se uma maior valorização do papel de "veiculo" de Deus, de mensageira das boas novas da religiosidade evangélica. Ser uma artista um objeto a ser idolatrado ou uma "serva do senhor" um "canal" de transmissão da divindade? Esta tensão parece atravessar sua construção como celebridade. De certa forma, esse dilema também se reflete na própria percepção do artista pela audiência. A seguir, ao abordar o repertório escolhido pela cantora, desenvolverei mais substantivamente este ponto.

Diva Pentecostal?

Rose Nascimento é conhecida no meio evangélico pelo estilo das músicas que canta. Ela é uma típica cantora assembleiana, cuja referência maior são os "hinos pentecostais" ou "hinos de fogos". Trata-se de músicas inspiradas, na maior parte das vezes, no ritmo do forró, com letras que explicitam especialmente o poder da divindade contra as investidas do demônio, ou descrevem passagens da bíblia em que Deus exorta os fiéis. Esses hinos são entoados com voz estridente e com muita personalidade. Quando essas músicas são cantadas pela cantora nas igrejas pentecostais, geralmente provocam choro ou expressões como "Aleluia, glória a Deus", o que indica uma sintonia entre esse tipo de música evangélica e uma certa performance corporal.

Ao longo de 15 anos de carreira, Rose Nascimento conquistou um lugar de destaque na música evangélica brasileira cantando "hinos de fogo". A cantora afirmou dar uma atenção especial à escolha das músicas, já que o seu repertório é uma das formas de ser reconhecida por sua audiência.

É interessante observar o grande respeito que a cantora demonstra por sua audiência, evidente quando se trata da escolha do repertório, mas também quando se trata de suas apresentações em público, ocasiões eventualmente tensas. Em nosso encontro, por exemplo, Rose relatou uma situação perturbadora, ocorrida quando se apresentou num show na cidade de Campos, interior do estado do Rio de Janeiro. Segundo a cantora, a programação foi realizada num período em que estava bastante cansada em função dos inúmeros compromissos. Vivendo num ritmo acelerado, a artista emagreceu muito e também teve queda de cabelos. Apesar de ser um momento difícil, a cantora compareceu ao evento. Segue a descrição:

Cheguei lá e tal, bem magrinha, com meu cabelo mais curto. Aí disseram: "e agora nós vamos ouvir a Rose". Nisso chegou um rapaz e começou a gritar: "Ih! Esta aí não é a Rose não, gente. A Rose é mais gorda e tem cabelão". Foi em um espaço grande. Foi em um clube. Nisso, ele foi para casa ele morava bem do ladinho , pegou a prima, a tia, e começaram a gritar: "não é a Rose, não. Ela quer imitar a Rose, mas não é a Rose, não". Aí eu comecei a chorar no palco e falei assim: "irmãos, sou eu mesma". O pessoal todo chorando. "Olha estou passando por isso, por isso". Tive que contar meu problema para que o pessoal pudesse entender o que aconteceu. O rapaz saiu sem graça porque ele não conseguiu vencer. (Nascimento 7/12/2005).

Este episódio revela que a artista não foi reconhecida por sua audiência. Como já salientado, a partir dos anos de 1990 o processo de industrialização da música evangélica possibilitou um reconhecimento nacional de alguns cantores evangélicos. Vale pontuar, entretanto, que a audiência desenvolveu uma relação distanciada e midiatizada com o/a cantor/a. Não se trata mais daquele pequeno público que convivia com o artista nas igrejas ou na vizinhança, mas de uma multidão em contato com os cantores somente em shows e apresentações. Neste episódio, um fã se frustrou ao perceber a grande diferença entre a imagem da celebridade com quem se relacionava e a própria artista. Diante disso, para não passar por impostora, Rose expôs publicamente sua intimidade para desfazer o mal-entendido. Dessa forma, a tensão foi resolvida.

A partir desse relato é possível afirmar que, no processo de construção de Rose como celebridade, ocorreu uma disputa entre diferentes atores sociais. Num primeiro momento, a cantora rompeu com sua antiga igreja em busca de maior "liberdade" para transformar sua estética, de acordo com sua vontade. Em seguida, Rose se lançou no meio musical evangélico, criando algumas "marcas identificatórias" para se distinguir de seus pares. Em poucos anos, Rose Nascimento conseguiu alcançar um lugar de destaque entre as "estrelas" evangélicas, passando a ser reconhecida tanto por seus "hinos de fogo", quanto por seu visual. Em contrapartida, ao ocupar essa posição a cantora deixou de ter pleno controle sobre sua imagem e seu estilo musical. De certo modo, a audiência evangélica passou a exercer um maior domínio sobre ela.

A trajetória de Lúcia Lombardi será apresentada a seguir, em contraste com a de Rose Nascimento. Diferentemente desta, Lombardi se projetou e ganhou notoriedade, inicialmente, no meio secular.

A artista da MPB que se transformou em evangélica

A infância no rádio e na televisão

Lúcia Lombardi20 20 Fátima Lúcia Couto é o nome de batismo de Lúcia Lombardi. Desde muito jovem, a cantora adotou este nome artístico e, mesmo depois de convertida à religiosidade evangélica, não abriu mão dele. nasceu no município do Rio de Janeiro em 1964. Diferentemente de Rose Nascimento, Lúcia Lombardi veio de uma família de católicos, com ascendência direta de portugueses. A infância da cantora, assim como a de Rose, foi marcada por uma grande inserção na música. Ela não passou por privação e não era evangélica. Desde muito pequena, Lúcia era fascinada pela música. Muito desinibida e incentivada pelos pais que já tinham uma celebridade na família, Vicente Celestino , com oito anos de idade a cantora já se apresentava no programa do apresentador Flávio Cavalcanti, na TV Tupi e na Rádio Nacional.

A TV Tupi, fundada pelo jornalista paraibano Francisco de Assis Chateaubriand em setembro de 1950, já estava há mais de 20 anos no ar quando Lúcia Lombardi iniciou sua carreira. Por muitos anos, a primeira emissora de televisão da América Latina garantiu altos índices de audiência ao exibir programas como: Alô Doçura, o Clube dos Artistas e as primeiras telenovelas. Um dos "carros-chefes" dessa emissora era o programa dominical de Flávio Cavalcanti, no qual a cantora foi "descoberta".

Além de se apresentar em programas televisivos, Lúcia Lombardi também freqüentou programas da Rádio Nacional. Fundada em 1935, essa estação de rádio acolheu vários nomes da música e do teatro brasileiros, como Aracy de Almeida, Emilinha Borba e Paulo Gracindo. No final da década de 1980, quando Lúcia Lombardi passou a se apresentar na estação, especialmente no Programa do César Alencar, a rádio ainda era uma referência, apesar de ter entrado em declínio e de já não ter mais o glamour dos anos anteriores. Ainda assim, a entrevistada declarou-se orgulhosa por ter sido uma das personalidades que construíram a história da Rádio Nacional21 21 Para maiores informações sobre a história da Rádio Nacional, ver: Saroldi e Moreira (2005). .

Segundo a cantora, a cada apresentação o desejo de atuar em um palco se intensificava. À medida em que crescia, sentia-se mais confortável nas atividades que desempenhava. Na década de 1980, em busca de profissionalização, Lúcia se inscreveu em cursos de interpretação do Tablado, uma escola de teatro no Rio de Janeiro ainda hoje altamente conceituada. No campo da música, a artista também buscou o aperfeiçoamento de suas habilidades: inscreveu-se num curso de canto no Berklee College of Music, em Boston, nos EUA.

Na busca pelo estrelato, a artista, ainda muito jovem, atuou em novelas, como Meu Pé de Laranja Lima e Plumas e Paetês, e em comerciais de televisão, como o da pasta de dentes Kolynos. De acordo com seu relato, depois de mostrar seu potencial vocal em programas televisivos, vários empresários interessaram-se em produzir um álbum musical. Dessa forma, em 1986 Lúcia Lombardi gravou seu primeiro LP. Segundo a cantora:

Eu comecei como atriz e depois fui estudar canto. Gravei três LPs, dois foram sucessos, inclusive um era o tema do seriado Delegacia de Mulheres, com a música "Péssimo marido", em 1986. E em 1988, ganhei meu segundo disco de ouro, com a música "Self Pity", uma versão minha e do compositor Ivan Santos. O terceiro, que já ia pelo mesmo caminho, não aconteceu. (Lombardi 10/01/2006).

A partir de 1986, sua carreira como cantora deslanchou. Lúcia Lombardi não apenas gravou seus primeiros LPs, como também conseguiu que suas músicas fossem utilizadas nos seriados da Rede Globo de Televisão. Para a cantora, esse foi o auge de sua carreira artística.

"Eu fui ao fundo do poço": os primeiros contatos com a IURD

No momento em que Lúcia Lombardi ainda divulgava seu terceiro LP, ocorreu um trágico episódio que, fatalmente, mudou os rumos de sua trajetória. Em 1991, quando estava casada com seu segundo marido e já tinha três filhos, ela sofreu uma queda que lhe prejudicou os movimentos das pernas. Aos 26 anos, Lúcia Lombardi teria ficado paralítica.

Sua situação se agravou algum tempo depois, quando a empresa de seu esposo entrou em crise. Desesperançada e não encontrando uma "saída" para as dificuldades que surgiram como uma "avalanche", Lúcia Lombardi lembrou de uma mensagem que tinha recebido de Deus, por meio de um familiar.

E eu já tinha ouvido falar de Jesus através de uma prima, que era sobrinha de um deputado que na época também estava na mídia. E ela falou pra mim: "Lúcia, por que você não vai pra Igreja Universal, para se libertar? Deus tem uma obra com você". Aí eu falei: "Você está maluca". (Lombardi 10/01/2006)

Segundo a cantora, ao receber esta mensagem não somente se mostrou incrédula, como usou expressões jocosas no diálogo com a prima. Até então, Lúcia era arredia à religiosidade evangélica. Além de ter sido socializada nos dogmas do catolicismo, ela freqüentou religiões afro-brasileiras e o espiritismo de Alan Kardec. Entretanto, quando ocorreu o acidente, rememorou a cena na qual sua prima a convidara para ir para a IURD.

Pouco depois Lúcia Lombardi aceitou o convite e passou a freqüentar as correntes da igreja do bispo Edir Macedo, onde teria obtido a "cura". Por interpretar seu restabelecimento como um milagre de Deus, Lúcia se converteu à religiosidade evangélica. Como bem indicou Oro, em alguns casos "a conversão religiosa ocorre simultânea ou paralelamente ao desaparecimento da doença. Dessa forma, a cura do corpo e cura da alma são indissociadas"(1996:61). Em outro trecho de sua entrevista, relatou que, ao se converter, houve uma "renovação" em seu interior. O "vazio" que a incomodava, apesar de ter alcançado grandes realizações profissionais, foi "preenchido" por Deus.

Além da forte ênfase na cura divina, A IURD possui uma característica que, a princípio, chamou a atenção da cantora: a possibilidade de permanecer no anonimato. Em outros termos, observa-se nesta denominação evangélica pouca adesão dos fiéis às atividades que exigem maior vinculação com a instituição religiosa (Fernandes 1998). A não adesão às atividades da igreja era, para a cantora, um aspecto positivo:

A Universal não quer saber o que você é. Ela não quer saber seu nome. Você vai à igreja, você não precisa se misturar com nada nem com ninguém. Não precisa ficar ajudando ou trabalhando nos cargos da igreja. Você ouve a palavra de Deus e, se você quiser dar dinheiro, você dá. Mas, se não quiser, também não dá (Lombardi 10/01/2006).

Se no primeiro momento ficar sentada no banco sem um engajamento nas atividades e nos cargos era uma atitude confortável e positiva para a cantora, após alguns meses surgiu a necessidade de participar ativamente dos cultos, utilizando suas habilidades musicais e de oratória. No entanto, não há muito espaço para as mulheres na hierarquia eclesial da IURD. Os postos mais altos são confiados a alguns homens que devem possuir um "carisma" compatível com o "estilo" empreendedor da igreja (Mafra 2002). Ao perceber a dificuldade de se impor e demonstrar suas habilidades, a cantora decidiu mudar de igreja. Lúcia Lombardi conheceu a igreja Assembléia de Deus em Marechal Hermes, no subúrbio carioca, por intermédio de um amigo. Apesar de ser distante de sua residência na ocasião residia na Barra da Tijuca decidiu congregar-se nesta igreja.

Lucia Lombardi estabeleceu-se, inicialmente, como artista secular e, posteriormente, converteu-se na IURD. Na próxima seção, a formação de Lúcia Lombardi como cantora evangélica é analisada, tendo em vista uma compreensão do processo de construção desse novo "lugar". Para tal, faz-se necessário não apenas uma apresentação das novas redes profissionais estabelecidas, como também abordar as rupturas e continuidades na trajetória da cantora, especificamente no que se refere à sua postura e imagem.

A constituição da artista assembleiana: a conversão como ruptura?

Antes do acidente, Lúcia Lombardi tinha firmado contrato com a gravadora Line Records22 22 Além da Line Records, a IURD dirige, dentre outras empresas, a Rede Aleluia rede de rádios que contém mais de 30 emissoras , o jornal Folha Universal, a Revista Plenitude que tem uma tiragem de 223 mil exemplares e a emissora Rede Record. , que atuava no mercado secular no início dos anos 1990. No período em que a cantora se afastou e interrompeu sua carreira, esta gravadora passou a produzir somente músicas evangélicas. No trecho de sua entrevista, Lúcia descreve a transição:

Na época da gravação do meu 3° LP fui contratada pela gravadora Line Records. Na época, há 15 anos atrás, era secular. A Line Records não era uma gravadora só para crente. A direção da gravadora estava nas mãos do Durval Ferreira, que foi um dos nomes da bossa nova no Brasil. E eles contrataram o Durval Ferreira para ser diretor da gravadora e contrataram artistas. Eu fui contratada, a Vanusa foi contratada. Foi contratada a Gretchen, que depois houve aquele escândalo todo. Então, naquela época, a facção evangélica era muito pequenininha. A Line Records só tinha uma artista que fazia sucesso, que era a cantora Melissa. (Lombardi 10/01/2006)

No fragmento acima, Lúcia Lombardi lembra de alguns colegas de profissão e ressalta a desproporção entre os cantores evangélicos e seculares no início da empresa. Com o crescimento do mercado evangélico, a gravadora passou a atuar exclusivamente na produção e distribuição de álbuns deste segmento religioso. Ao longo da década de 1990, houve algumas modificações em prol da associação do nome da Line Records com o segmento evangélico. Nessa investida, foram contratados cantores de peso da música evangélica, como Sérgio Lopes e Marina de Oliveira atualmente proprietária da MK Publicitá.

Em meio a esse processo de transição e de redirecionamento da nova gravadora, Lúcia informou que recebeu um convite dos diretores da Line Records. Eles tinham interesse em produzir um novo álbum da cantora, com músicas evangélicas. O convite foi feito na mesma ocasião em que a cantora conheceu a Assembléia de Deus de Marechal Hermes e ficou interessada em freqüentá-la. Insatisfeita com as condições profissionais, e declarando ter sido "tocada" por Deus, Lúcia Lombardi recusou o convite e se desligou da IURD.

Na nova denominação evangélica, ao lado de seu ex-esposo, Lúcia Lombardi passou a cantar e a pregar nos cultos e consagrações das igrejas vinculadas à Assembléia de Deus de Madureira. De acordo com seu relato, havia uma expectativa dos membros das igrejas onde pregava em relação à sua vida pregressa e ao seu testemunho. Ela era, quase sempre, apresentada como a ex-cantora e ex-atriz da Rede Globo de Televisão, o que fazia com que os cultos e programações ficassem lotados. Dessa forma, por assumir tal posição de destaque na igreja, a cantora passou a dar mais atenção à sua postura e vestimenta. Com a colaboração das novas amigas que integravam o grupo das senhoras, Lúcia moldou, gradativamente, sua imagem, seguindo os padrões pré-estabelecidos pelos líderes da igreja. A cantora deixou seus cabelos crescerem e passou a usar saias e vestidos longos.

Em poucos anos, ainda segundo seu relato, a sua cura divina passou a despertar interesse na rede de igrejas Assembléia de Deus que integravam o Campo de Madureira. Por conta dessa visibilidade, em 1995 um diácono da igreja estimulou o contato entre a cantora e uma gravadora:

Fui encaminhada através de um diácono, um obreiro da Assembléia de Deus, para gravar na Vinil Press,que na época gravava o Jair Pires, que foi um grande cantor da Assembléia de Deus. Jair Pires foi um homem da Assembléia de Deus. E o Jair Pires também estava contratado. Um outro que também é muito famoso, que compunha música para o J. Neto, que é o Roberto Carlos dos crentes (Lombardi 10/01/2006).

Dessa forma, por redes informais, em poucos meses Lúcia Lombardi gravou seu primeiro LP evangélico, Ao Rei Jesus. Passou então a se relacionar com alguns cantores assembleianos, como J. Neto.

A partir de seu relato e da observação de fotos da cantora, é possível perceber uma nítida transformação de seu visual. Ainda que conservando seu nome artístico Lúcia Lombardi no processo de conversão a cantora estabeleceu uma clara ruptura em relação ao estilo de suas roupas. Se esteticamente verifica-se um claro "divisor de águas", no que concerne à música é possível identificar uma continuidade, pois a artista não alterou sua forma de cantar, mantendo o mesmo estilo que ressalta os tons graves de sua voz. Um trecho de entrevista é ilustrativo sobre o seu "jeito" de cantar e a recepção junto aos pentecostais. Ressalte-se que o tom foi de crítica:

Você vê que a concepção da Assembléia de Deus é de que quem berra é o bom cantor. Para eles começarem a glorificar, você tem que berrar. Você tem que dar aqueles agudos que destroem o ouvido de qualquer um. Isso pra eles é o máximo (...) E eu vim com uma nova proposta dentro da Assembléia de Deus. Eu tenho uma voz rouca. Então, eu chegava para cantar e a igreja fica toda calada, só me ouvindo. O meu timbre intimidava a igreja. (Lombardi 10/01/2006).

Este fragmento ilustra como os LPs da cantora eram recebidos pela audiência assembleina. Acostumados a ouvir as grandes cantoras sopranos, os assembleianos ficavam "intimidados" com o timbre grave, de contralto, de Lúcia Lombardi. De qualquer modo, apesar desse estranhamento, a maneira como a cantora se colocava nos púlpitos agradava a audiência. A aceitação do público se traduziu na boa vendagem de seu primeiro LP. Segundo informou, em poucos meses de divulgação, sobretudo nas igrejas, o álbum Ao Rei Jesus vendeu 15 mil cópias. Mais adiante, será abordado o tema da distribuição dos álbuns no interior do segmento evangélico. A constituição de Lúcia Lombardi como cantora, sua dificuldade em se "ajustar" aos padrões assembleianos e sua posterior "reconversão" serão tratados a seguir.

Revisão da conversão e constituição de uma rede ampliada

Em 1997, Lúcia Lombardi gravou seu segundo LP evangélico, O Rei Está Voltando. Apesar de agradar a audiência assembleiana, Lúcia Lombardi declarou que começou se questionar sobre seu novo visual nesse mesmo ano. A "tradicional identidade estética pentecostal" (Mariano 1995) deixou de ser entendida como uma marca, como um sinal de sua conversão. Esta revisão, segundo a cantora, foi impulsionada pelas discussões e reflexões nos cursos de teologia que passou a freqüentar. Lúcia faz uma revisão crítica do início de sua conversão neste trecho de entrevista:

Eu posso dizer que vim primeiro para o evangelho e depois pra Jesus, porque fui confinada em uma igreja que mudou os meus hábitos, a minha cultura e mostrou que ali estava Cristo, mas na verdade Cristo é liberdade. Cristo é transformação, mas é liberdade. Então eu fui coagida a conviver em uma "cultura", entre aspas, e me tornar um crente. (Lombardi 10/01/2006).

Se, num primeiro momento, para a cantora a transformação de sua imagem era um "marca" de sua adesão à religiosidade evangélica, tempos depois a vestimenta deixou de ser relevante como sinal de sua conversão. Como observou Mafra, o processo de conversão dos evangélicos tanto pode se dar de modo forte quanto de forma minimalista, pois pode também envolver um "trabalho lento de reconstituição de referentes do passado e do presente da pessoa que muitas vezes tem de lidar com categorias latentes de significado" (2002:120).

As redes de sociabilidade nas quais o crente está inserido interferem no modo como ele vai experimentar a conversão, apesar de se tratar de um movimento individual que envolve, principalmente, uma busca do fiel por se "sentir bem". Nesse sentido, não se deve desconsiderar as imposições de cada igreja ao tentar moldar os indivíduos segundo seus costumes e doutrinas. No que se refere à trajetória da cantora observa-se, por um lado, uma busca individual por se sentir "confortável" e, por outro, um desejo de seguir as indicações doutrinárias dos líderes religiosos. Nem sempre foi possível realizar esses dois desejos. Para solucionar esta dualidade entre a vontade individual e as determinações da igreja, Lúcia Lombardi rompeu com uma congregação e se filiou a outra, cuja doutrina se adequava mais ao estilo desejado. Foi o que ocorreu quando ela passou a freqüentar a Assembléia de Deus da Barra da Tijuca.

A partir de 1998, Lúcia Lombardi adotou um novo estilo e diversificou ritmicamente seu repertório. Essas modificações foram potencializadas quando, em meados de 1999, a cantora se vinculou à Igreja Batista. Com novo visual, cabelos loiros, em 2000 ela gravou o Aviva Chama, um álbum produzido independentemente.

Já na outra denominação evangélica, divorciada, Lúcia Lombardi afirmou ter mais "liberdade" para exercer sua habilidade como artista. Durante o período assembleiano, a cantora restringiu suas redes profissionais ao circuito das igrejas Assembléia de Deus e, na Batista, Lúcia alcançou uma audiência maior. Foram também estabelecidas várias redes internacionais que possibilitaram a realização de outras produções, como o vídeo gravado na Igreja World Revival Church23 23 Para um maior esclarecimento sobre a organização institucional e ritual da referida denominação evangélica, ver: http://www.worldrevivalchurch.com/. , em Beverly, EUA, dentre outras.

Em busca do reconhecimento: a trajetória internacional

Ao longo do texto, vimos que Lúcia Lombardi desenvolveu sua carreira como cantora no meio secular e, após sua conversão em 1991, se lançou no segmento evangélico. Em 15 anos de carreira evangélica, com 7 álbuns, a cantora não se inseriu no circuito de distribuição das grandes gravadoras. Pelo contrário, com exceção de seu primeiro disco, lançado em 1996, os outros foram produzidos independentemente, sem colaboração de gravadoras e/ou distribuidoras. Por essa razão, a comercialização dos discos se deu, a princípio, de maneira informal e não sistemática, sobretudo nas igrejas.

Eu cantava mais nas igrejas. Lá eles tiravam uma oferta para mim. Eu saía com sacos cheios de moedas de dentro das igrejas. Eu saía rindo porque nunca imaginei que, de um cachê de 8 a 10 mil, eu iria passar a um saco de moedas, com R$ 80,00, R$ 50,00 ou R$ 20,00. O que era chamado de "gasolina" que ajudava no combustível. Aí também eu fazia propaganda do CD. Era dessa forma que eu vendia os CDs. (Lombardi 10/01/2006).

A partir deste relato, uma outra possibilidade de distribuição dos discos evangélicos é apresentada. Como indicado neste artigo, a criação das grandes gravadoras possibilitou o desenvolvimento da carreira de uma parcela dos cantores evangélicos. Muitos outros seguiram divulgando seus trabalhos somente nas igrejas e recebendo uma pequena remuneração. Lúcia Lombardi foi uma dessas artistas: no final das apresentações, recebia uma "oferta", solicitada ao público. Por outro lado, a cantora informou também que muitos pastores, nas festividades das igrejas, valorizavam mais a presença dos grandes nomes da música evangélica do que a de cantores locais.

Engraçado é que a igreja recebe o artista, mas ela não paga. Ela só paga os que estão na mídia (...) Eu não estou condenando a mídia. Eu só quero que a mídia seja menos hipócrita, e que ela assuma verdadeiramente seu papel. Igreja é igreja e comercial é comercial. Se um cantor vai à igreja, e se a igreja recebe aquele cantor, ela deve contratá-lo e pagar um cachê a ele. Mas não ficar dando miséria e esmola pra um, que é desfavorecido, que não tem dinheiro pra fazer a mídia, e dando dinheiro para o outro e para a gravadora, porque a gravadora, inclusive, monopoliza as igrejas. Alguns pastores dependem das rádios evangélicas para divulgar suas igrejas. Então tudo é monopólio. (Lombardi 30/03/2006).

Lúcia Lombardi aborda um ponto de suma importância para a compreensão do vínculo entre igreja, gravadoras e mídia evangélica. Como citado, o segmento evangélico está crescendo significativamente no Brasil, fenômeno impulsionado, em parte, pelo uso sistemático dos meios de comunicação de massa pelas lideranças evangélicas. Por sua vez, tais mídias estão fortemente vinculadas às grandes gravadoras. Desse modo, criam-se nexos de dependência entre algumas lideranças evangélicas, gravadoras e mídia, que favorecem somente os que integram esse complexo de relações. Assim, como relatou Lombardi, para um pastor é muito mais conveniente convidar um cantor (famoso) de uma certa gravadora, cujo dono lhe concede espaço para falar em alguma rádio, do que chamar um "missionário".

Diante das dificuldades de se inserir no circuito de divulgação das grandes empresas fonográficas evangélicas, há 10 anos Lúcia Lombardi preferiu buscar novos horizontes profissionais nas igrejas evangélicas freqüentadas por brasileiros no exterior. Casada há cinco anos com um historiador brasileiro, atualmente a artista está divulgando mundo afora seu novo CD e seu livro, O perigo começa em casa, publicado em português e espanhol.

A partir da trajetória do cantor Álvaro Júnior, apresentada na próxima seção, será analisada a formação desse circuito de distribuição "mais sistemática" dos álbuns evangélicos. Tal circuito, além de favorecer os cantores do centro irradiador da indústria fonográfica (Rio de Janeiro e São Paulo) do segmento religioso em questão, também afeta a constituição das carreiras dos artistas de outras regiões do Brasil.

A constituição da celebridade regional evangélica

"A sede pela criatividade": a infância entre o religioso e o secular

Em 1977, em um bairro de classe média da capital baiana, nascia Álvaro Júnior. Socializado numa família fortemente influenciada pela música, desde pequeno demonstrava muito interesse pelos instrumentos de cordas. Nesse período, sua avó materna e seus pais eram da Igreja Batista. Posteriormente, seu avô, que era seresteiro, também se converteu a essa religião. O cantor declarou, em entrevista, que na infância teve acesso a vários compositores de música clássica, como Tchaikovsky e Mozart.

Álvaro Júnior, marcadamente influenciado pela música evangélica, também tinha forte ligação com a música popular, sobretudo com o samba de roda. Como mencionado, seu avô fora seresteiro durante muitos anos. Ele era um especialista na arte de tocar viola proveniente do Recôncavo Baiano, área da região metropolitana de Salvador historicamente conhecida como "berço" de importantes músicos da MPB.

Foi tocando viola que o avô do cantor participou de diversos grupos musicais de samba de roda. Assim, conheceu vários artistas locais e regionais. Seu avô não perdeu sua antiga paixão pelo samba de roda após a conversão evangélica. De forma criativa, o ex-seresteiro cantava os hinos do Cantor Cristão, hinário batista, nesse ritmo. Segundo o artista, a versatilidade do avô foi uma das principais razões para buscar os estudos musicais.

Com doze anos de idade, Álvaro Júnior começou a estudar violão. Sua primeira inserção foi na música clássica, apesar de ter se inspirado no gosto de seu avô, conforme seu relato:

Então comecei a estudar violão clássico durante um período. Depois tive aula com um professor que é formado em composição e regência, uma pessoa conceituada, que é o professor Mello, aqui na cidade. Com ele, me aprofundei na questão da harmonia. Comecei a ouvir também música instrumental e passei a gostar da questão da improvisação. Então eu curti isso. Mas com o passar do tempo, eu senti que com a música clássica eu ia ser mais um executor do que um improvisador, assim eu ia pegar aquelas peças e reproduzir. Mas eu queria criar, eu sempre tive sede de criatividade. (Júnior 25/01/2006).

Ao buscar desenvolver mais seu lado "criativo", aos quinze anos o cantor começou a tocar também guitarra. Álvaro Júnior passou a circular mais nos bares e clubes de Salvador, apesar de ser evangélico. Nestes espaços, estabeleceu novas redes de amizades com cantores, músicos e compositores não-evangélicos e, gradativamente, foi se afastando da igreja.

Nesse período, em que o cantor incluiu outros espaços de entretenimento em sua esfera de ação, o axé music já era um fenômeno industrial não só na Bahia, mas em todo o Brasil. Para melhor compreensão do contexto musical no qual o entrevistado se afirmou como músico, a seguir serão apresentados alguns dados sobre o axé music.

A influência do axé music na adolescência

No final da década de 1980, a grande mídia do sudeste, sem um conhecimento mais aprofundado do que ocorria no meio musical soteropolitano, chamou as inovações musicais produzidas pelos artistas baianos de axé music, em alusão pejorativa às religiões afro-brasileiras. Naquela época, a multiplicidade de ritmos baianos foi considerada pela mídia um novo gênero musical. Porém, como bem explicou Goli Guerreiro, o axé music:

é o encontro da música dos blocos de trio com a música dos blocos afros (frevo baiano+samba-reggae). É um estilo mestiço, cuja linguagem mistura sonoridades harmônicas e percussivas. Tal mescla foi concebida inicialmente pelas bandas de trio, atraídas pela visibilidade e inovação musical do samba-reggae. (2000:133).

Dessa forma, o axé music, longe de ser um gênero musical bem definido, representa uma grande variedade de ritmos e sonoridades baianos produzidos nas duas últimas décadas. Esse estilo deixou de ser um fenômeno musical meramente local e se tornou uma música de massa por meio da veiculação sistemática da mídia. Pela primeira vez, o eixo irradiador da indústria cultural, que historicamente se projetava do sudeste para as outras regiões do país, foi invertido. Com o axé music, a Bahia tornou-se também um pólo de exportação de tendências musicais. Foi neste movimento de mudança e ascensão da "música baiana" que Álvaro Júnior se constituiu como músico.

De acordo com suas informações, as oportunidades de trabalho no campo da música, em Salvador, estavam relacionadas ao axé music. Boa parte dos bares e casas de shows da cidade investia nesse novo movimento musical. Seguindo essa tendência, o cantor passou a integrar uma "banda de axé" que se apresentava, em especial, na região entre os bairros do Rio Vermelho e Boca do Rio.

Por cerca de 4 anos, o cantor circulou na noite da cidade. Álvaro Júnior se rendeu à música de massa criada pelos artistas locais, apesar de sua socialização, desde pequeno, na música clássica e no samba de roda. Durante os anos em que participou da "banda de axé", de acordo com seu relato, nunca enfrentou problemas no que se refere à assimilação de suas tarefas no grupo. Pelo contrário, informou que sempre teve destreza e habilidade para tocar e produzir arranjos musicais. Portanto, na linguagem dos músicos baianos, o cantor se considera "safo".

A "conversão verdadeira" e a rede de amizade em torno da banda da igreja

O relativo sucesso da banda não impediu que o cantor, ao final da adolescência, passasse por um processo de reflexão no qual questionou sua existência. O cantor, que se considera influenciado por alguns filósofos e pensadores, se refere a seguir a esse "período de questionamentos" que mais adiante desembocou em sua conversão.

Eu gostava muito de ficar lendo, então comecei a ler alguns livros de Nietzsche, Kafka e algumas coisas relacionadas à filosofia, que geram questionamentos muito profundos, no sentido da existência de Deus, da questão da nossa vida. Bom, eu fiz esse questionamento durante minha adolescência, mas cheguei à faixa etária de dezenove para vinte anos de idade e fui vendo melhor. Foi aí que ocorreu minha conversão verdadeira. Mas até eu chegar a esta fase, eu estava com uma série de questionamentos, mas com uma convicção que era da falta de paz. (Júnior 25/01/2006).

Álvaro Júnior dirigiu-se para o conhecimento e experiências religiosas transmitidas por seus familiares por considerar que o pensamento filosófico não fornecia respostas às suas indagações. Aos vinte anos decidiu se vincular a uma nova denominação evangélica a Comunidade Evangélica de Salvador24 24 Para um maior esclarecimento sobre a organização institucional da referida denominação evangélica, ver: http://www.mce.org.br/. que, na ocasião, estava sendo criada, buscando conquistar um público jovem. Nessa nova denominação, o cantor passou a se envolver diretamente nas atividades musicais. O espaço da igreja, principalmente o ensaio do ministério de louvor, tornou-se um lugar onde compartilhava suas experiências pessoais com os novos amigos. Em um dos ensaios do grupo musical, o entrevistado sentiu o desejo de compor músicas. Até então, Álvaro era somente um instrumentista. Segue sua descrição desse processo:

Então eu orei e acredito que tenha sido, realmente, mais uma experiência sobrenatural na minha vida, porque comecei a fazer uma música atrás da outra (...) eu não faço música na hora que quero, acontece. Em algumas vezes já fiz música parando no meio da rua. (Júnior 25/01/2006).

Segundo Álvaro Júnior, após o pedido à divindade as composições passaram a "surgir" inconscientemente. Em outros termos, ele não seria um artista que cria sua arte, mas, sim, um "canal" através do qual as mensagens de Deus são transmitidas. Na condição de "veículo" a divindade pode transmitir seus desígnios a qualquer momento, seja na rua, seja no aconchego da casa. Dessa forma, em poucos anos o cantor compôs várias músicas.

Face ao montante de material produzido, o cantor pediu a Deus para indicar alguém para interpretar suas músicas. Inicialmente Álvaro Júnior não tinha a pretensão de gravar um CD. Pelo contrário, de acordo com sua entrevista, sua intenção era apenas compor e tocar seus instrumentos favoritos: guitarra e violão. Entretanto, a partir de uma conversa com um pastor de sua igreja, ele mudou de idéia. Segue sua descrição:

Eu orei e pedi a Deus que me iluminasse. Foi quando apareceu meu produtor, que até hoje trabalhamos juntos. O nome dele é Eraldo Mello. Ele é um grande músico, formado fora do país. Ele é um grande produtor musical. Então, um belo dia, nós conversando, eu comecei a mostrar algumas músicas que tinha composto para ele. Aí nesse momento ele perguntou: "por que você não grava estas músicas?" Eu falei: "o.quê? Eu não tenho voz e não sou arranjador". Aí ele falou assim: "mas eu quero te dar um apoio nesse sentido". (Júnior 25/01/2006).

De acordo com seu relato, a conversa com um dos pastores de sua igreja foi determinante para sua inserção como cantor na música evangélica. Seria mais fácil gravar um CD por contar com o auxílio de um profissional da música. A questão relativa aos arranjos já estava resolvida, mas era necessário um aprimoramento vocal. Em busca de um melhor desempenho nessa área, o cantor ingressou num curso de canto ministrado por uma professora muito conhecida em Salvador, Acácia Monteiro, na escola de música Art Music.

No início de 2004, já com "preparo vocal", Álvaro Júnior gravou seu primeiro CD, Orações Musicadas, com músicas inspiradas no maracatu, no samba de roda e na bossa nova. Pouco depois, quando o primeiro álbum ainda estava em processo de divulgação, gravou ao vivo seu segundo CD, Óleo Fresco, na Comunidade Evangélica de Salvador, em novembro do mesmo ano. Seguindo o vocabulário evangélico, podemos dizer que este CD é composto por "hinos de adoração". Em outras palavras, são músicas mais lentas, com letras que exaltam os atributos da divindade ou que expressam a relação de amor entre a divindade e os humanos.

"A igreja é a nossa porta-voz": a distribuição dos álbuns

Na realização dos dois álbuns, Álvaro Júnior não contou com a distribuição de nenhuma gravadora evangélica. Seus CDs foram divulgados sobretudo em igrejas e em algumas lojas "parceiras". Segue um trecho da entrevista:

Eu vendo muito os meus CDs nas igrejas em que vou. Tenho alguns parceiros e alguns amigos divulgando nas rádios também. Mas não tenho nenhuma gravadora que pegue o meu trabalho e divulgue. Já recebi propostas e tudo, mas hoje em dia você tem que ser muito criterioso porque as gravadoras, às vezes, pegam o trabalho e engavetam. Então é uma coisa muito arriscada. (Júnior 25/01/2006).

De fato, para os cantores que não são contratados por uma grande gravadora que seja, por sua vez, vinculada às grandes mídias evangélicas , a opção mais viável de difusão consiste nas apresentações em igrejas. Porém, os púlpitos dos templos evangélicos também são utilizados para a apresentação e divulgação de cantores famosos. Por exemplo, a cantora Rose Nascimento, cuja trajetória foi apresentada no início deste artigo, também não deixa de divulgar o seu trabalho nas igrejas. Segue um trecho de entrevista:

O evangélico tem uma coisa de bom, ou melhor, uma coisa de muito bom: a igreja. A igreja é nossa porta-voz. Entendeu? Um compra o CD, aí canta na igreja, aí a igreja toda compra também. Por exemplo, meu CD que saiu agora, Para o mundo ouvir, em cinco dias eu vendi 50 mil cópias. Isso em cinco dias. (Nascimento 07/12/2005).

Para que o leitor compreenda melhor como se dá a distribuição dos CDs evangélicos, segue um quadro com dois circuitos possíveis de distribuição.

Os dois circuitos indicam possibilidades distintas de divulgação dos álbuns, mas observa-se que ambos possuem uma característica em comum: a utilização da igreja como espaço para a comercialização dos CDs. No entanto, se para os cantores independentes, como Álvaro Júnior, a igreja é quase a única possibilidade de mostrar seu trabalho, para as celebridades, como Rose Nascimento, trata-se de mais uma alternativa de divulgação. Os cantores vinculados às grandes gravadoras têm fácil acesso às mídias de difusão mais ampla e se apresentam em grandes shows.

Todavia, o cantor iniciante, que almeja entrar para grandes gravadoras para contar com uma divulgação e distribuição mais sistemática dos álbuns, deve adequar-se aos padrões estéticos e musicais definidos por elas. Tais critérios, por sua vez, são estabelecidos a partir do gosto do público alvo. Álvaro Júnior descreve os critérios de escolha das gravadoras:

Muitas das vezes, as gravadoras falam assim: "nós estamos precisando de um cara jovem, com tantos anos, que o público adolescente vai gostar". Ou seja, um cara forte. Ele tem que ter isso ou aquilo, que passa por um determinado padrão físico para atrair o público jovem. Existe esta confusão de marketing, misturado com a ganância e falta de compromisso com o país e com outra série de coisas, que gera este tipo de coisa. Então, a gente, pra sobreviver neste mundo, conta com divulgação aqui e acolá. Indo e vindo. (Júnior 25/01/2006).

O relato revela uma crítica de Álvaro Júnior à adoção de uma postura mercadológica na opção dos cantores pelas gravadoras evangélicas. Assim como Lúcia Lombardi, o cantor não considera com bons olhos esse complexo de relações que conta com estratégias de mercado na produção da música. Pelo contrário, ambos defendem uma delimitação do que entendem como campos pertencentes ao "sagrado" e ao "profano" para superar os problemas e "fissuras" no universo da música evangélica no país. De acordo com estes dois cantores, as gravadoras, por serem comandadas por evangélicos, não deveriam adotar a lógica do "capitalismo mais selvagem". O que Álvaro percebe como uma "confusão de marketing, misturado com a ganância e falta de compromisso com o país", nada mais é do que a adoção de uma estratégia empresarial-capitalista, que está inserida na teia de relações entre gravadoras, mídia, lideranças pastorais e cantores evangélicos.

Álvaro Júnior, além de expressar um estranhamento em relação ao processo de industrialização da música evangélica no Brasil, também relatou que a inserção dos cantores evangélicos baianos nas grandes gravadoras e na mídia mais ampla é muito difícil, em função do afastamento do centro irradiador da música evangélica, Rio de Janeiro e São Paulo. No segmento secular, Salvador tornou-se um pólo de exportação de tendências musicais para outras regiões do país. Já no que tange à música evangélica, a capital baiana permanece recebendo a influência das produções musicais do sudeste. Desse modo, os cantores evangélicos soteropolitanos que objetivam alcançar uma grande audiência devem se deslocar para o sudeste. Em função desses obstáculos, Álvaro Júnior desenvolve sua carreira fora do circuito das grandes gravadoras.

Considerações finais

A trajetória de três cantores evangélicos foi apresentada neste artigo, evidenciando diferentes caminhos no processo de constituição dos artistas num momento significativo da música evangélica no país. Cada vez mais a produção da música evangélica assume um caráter industrial. Como indicado, se por um lado tal tendência tem contribuído para uma ampliação sistemática da música evangélica para todo o território nacional, por outro, a adoção de uma lógica empresarial em um contexto religioso produz novas questões e "fissuras" entre cantores, pastores, mídias e gravadoras.

A partir da trajetória de Rose Nascimento, discutiu-se a nova concepção do "chamado ministerial", que acopla as idéias de dom e de massificação ampliada da música evangélica e, sintomaticamente, do cantor. A formação da cantora e sua transformação em celebridade foram aqui abordadas. Por se tratar de um fenômeno muito recente no segmento evangélico, a constituição de uma "celebridade religiosa", ao menos no caso em questão, parece se dar a partir de uma tensão: ser "um servo", um instrumento da divindade, ou um ídolo nos moldes seculares? Tal tensão não é resolvida, talvez por ser constituinte e definidora dessa nova modalidade de celebridade.

Se a trajetória da Rose Nascimento possibilitou maior compreensão sobre as negociações efetuadas pela cantora, que fez sua carreira ao mesmo tempo em que ocorria o crescimento da indústria fonográfica evangélica, o caminho percorrido por Lúcia Lombardi indica as dificuldades enfrentadas por um artista secular ao pleitear um "lugar ao sol" no quadro dos cantores evangélicos. Após sua conversão, a artista não se inseriu nas grandes gravadoras. Ela percorreu um circuito de distribuição informal dos álbuns e, atualmente, busca novos horizontes profissionais, divulgando seu trabalho nas igrejas formadas por brasileiros no exterior. Ainda a partir da história de vida de Lúcia Lombardi, observa-se a disparidade na valorização dos cantores nas festividades das igrejas.

O processo de constituição de Álvaro Júnior como cantor evangélico também esclarece a dinâmica da expansão da indústria fonográfica evangélica, evidenciando, ao menos, dois circuitos de distribuição dos álbuns: um informal e outro sistemático. Como apresentado, este cantor, por não ter acesso ao centro irradiador da música evangélica, nem possuir relação direta com grandes mídias, não conseguiu ainda integrar esse complexo de relações que favorece somente os que ali estão inseridos. Assim, o músico se apresenta em igrejas, sobretudo nas da Região Nordeste. Ele consegue divulgar seus CDs em algumas rádios e lojas de Salvador, por intermédio de amigos.

Dessa forma, apesar de encontrar três soluções diferentes, decorrentes de distintas condições e relações, os três seguem circulando nas igrejas e programações evangélicas, o que evidencia a existência de um vínculo profundo com a religiosidade evangélica. O pertencimento religioso assume preeminência na definição da conduta, do repertório e da relação destes artistas com a audiência.

Além disso, como perspectiva futura de estudo, o processo de construção desses cantores suscita novas indagações sobre o papel do desenvolvimento da indústria fonográfica evangélica no crescimento da referida religiosidade no país.

Notas

Recebido em abril de 2007

Aprovado em agosto de 2007

Robson de Paula

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ). (rrdepaula@hotmail.com) ou (robsonrdepaula@uol.com.br)

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  • SILVA, Edison Delmiro (2001), Origem e desenvolvimento da indústria fonográfica brasileira. Trabalho apresentado no XXIV Congresso Brasileiro de Comunicação, Campo Grande/Mato Grosso do Sul.
  • 1
    Agradeço os comentários de Márcia Contins, Elisabeth Travassos e, especialmente, as considerações sempre interessantes de Clara Mafra.
  • 2
    Para maiores esclarecimentos sobre o crescimento do mercado de produtos evangélicos, ver: "O mercado é do Senhor" (ISTOÉ 22/09/04).
  • 3
    Para maiores informações, ver:
  • 4
    Para um melhor esclarecimento, ver a reportagem: "Mercado evangélico move R$ 500 milhões" (Gazeta Mercantil 03/08/04) e o site da Associação Nacional das Livrarias evangélicas (
  • 5
    Em 1990, a igreja Renascer em Cristo fundou a gravadora Gospel Records em São Paulo. Visando alcançar um número maior de consumidores, a gravadora lançou álbuns com ritmos diferentes dos tradicionais, como rock, reggae, funk, pagode e country. Além disso, a Gospel Records inovou ao promover grandes eventos em casas de show e estádios. Em 17 anos de funcionamento, a gravadora já laçou mais de 100 títulos. A divulgação dos álbuns da gravadora é feita por várias empresas, que também estão diretamente vinculadas à igreja do apóstolo Hernandes. Para outras informações, ver:
  • 6
    Criada em 1996 no Rio de Janeiro a TopGospel tem produzido e distribuído álbuns de cantores já reconhecidos pelo grande público evangélico, com Wanderley Cardoso, Cris Duran, Mattos Nascimento e Sérgio Lopes. Diferentemente da Gospel Records e da Line Records, a TopGospel não é dirigida por uma denominação evangélica. O político Francisco Silva é o proprietário da gravadora. Além de controlar a TopGospel, o ex-deputado é dono da Rádio Melodia, uma das primeiras rádios FMs evangélicas do Brasil. Em grande parte, a divulgação dos cantores da TopGospel é feita pela Rádio Melodia. Além disso, como mais uma estratégia de divulgação, a referida empresa fonográfica também organiza grandes shows em parques públicos e estádios da cidade. Para outras informações, ver:
  • 7
    A MK Publicitá foi criada na década de 1990. Como a TopGospel, a gravadora também não é dirigida por nenhuma igreja evangélica. Em seu comando está Yvelise de Oliveira, esposa do político Arolde de Oliveira. Com um cast de cerca de 30 cantores (dentre eles, Cassiane, Fernanda Brum, e Marina de Oliveira), a gravadora tem buscado um lugar de destaque no mercado fonográfico brasileiro, fazendo grandes investimentos não só na produção, mas também na distribuição e divulgação dos álbuns. O casal também é dono de outras empresas ligadas à comunicação e ao mercado editorial. Para outras informações, ver:
  • 8
    Para uma problematização mais ampla sobre o papel das celebridades na reconstituição do self dos indivíduos na modernidade, ver: Herschman e Pereira (2005).
  • 9
    Em janeiro e fevereiro de 2006 e 2007, como o intuito de observar o desenvolvimento da indústria fonográfica evangélica fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, visitei lojas e igrejas na capital baiana.
  • 10
    A principal fonte para a realização deste artigo consistiu em entrevistas com os três cantores, cujas trajetórias serão apresentadas. Além dos relatos de Rose Nascimento, Lúcia Lombardi e Álvaro Júnior, também foram utilizadas algumas reportagens sobre a expansão do "mercado evangélico". Associado a esses materiais, desde 2005 foram observados shows, programações e cultos evangélicos, realizados nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador.
  • 11
    Dos seus 12 irmãos, 7 estão diretamente ligados à música evangélica: Mattos Nascimento, Noêmia Nascimento, Marcelo Nascimento, Ruth Nascimento, Marquinhos Nascimento, Tuca Nascimento (que já tem duas filhas que cantam: Gisele Nascimento e Michele Nascimento) e Willian Nascimento.
  • 12
    Para um maior esclarecimento sobre inserção da Assembléia de Deus no meio pentecostal brasileiro, ver: Freston (1994), Perboni (2000) e Mafra (2002).
  • 13
    Em 1971, visando alcançar o segmento evangélico, o filho do cantor Luiz de Carvalho, Elias de Carvalho, fundou a Bompastor na capital paulista. Ao logo dos anos, a gravadora foi responsável pelo lançamento de grandes nomes da música evangélica, como Armando Filho, Cristina Mel e o grupo Prisma Brasil. A atuação da gravadora não ficou restrita à produção e distribuição dos álbuns musicais. A partir dos anos de 1990, o grupo empresarial ampliou os seus negócios para o campo editorial, lançando livros de autores brasileiros e estrangeiros. Além disso, ainda na área editorial, a Bompastor comprou a Editora Eclésia e, logo em seguida, lançou a Revista
    Eclésia, antiga Vinde. Atualmente o grupo Bompastor é composto por várias lojas, uma editora literária, uma editora musical e uma gravadora. Para outras informações, ver:
  • 14
    No livro
    Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos, Zygmunt Bauman analisa as características dos relacionamentos amorosos na modernidade. Em linhas gerais, segundo o sociólogo, em nossos tempos, os relacionamentos estão ficando cada vez mais efêmeros e "frouxos". Esse padrão de relacionamento se aproxima do tipo de vínculo afetivo valorizado nos espaços em que Rose Nascimento passou a circular.
  • 15
    Para um maior esclarecimento sobre as concepções dos jovens assembleianos sobre o namoro, ver: Sampaio (2004).
  • 16
    A igreja Renascer em Cristo foi uma das primeiras instituições evangélicas a utilizar o termo
    gospel para designar, de forma genérica, as músicas produzidas e executadas pelos evangélicos. Para um maior esclarecimento, ver: Siepierski (2001).
  • 17
    1) CDs Nacionais (Lançamento até 12/2003): Disco de Ouro - 100 mil cópias; 2) Disco Platina - 250 mil cópias; 3) Disco Platina duplo - 500 mil cópias; 4) Disco Platina triplo - 750 mil cópias; 5) Disco Diamante - 1 milhão de cópias. 2) CDs nacionais (lançamentos a partir de janeiro de 2004) e CDs internacionais (a partir de janeiro de 2001): Disco de Ouro - 50 mil cópias; 2) Disco Platina - 125 mil cópias; 3) Disco Platina duplo - 250 mil cópias; 4) Disco Platina triplo - 375 mil cópias; 5) Disco Diamante - 500 milhão de cópias. 3) DVDs ( lançamentos a partir de 02//2002): Ouro - 25 mil cópias e Platina - 50 mil cópias.
  • 18
    Em 1991, após ter gravado o seu primeiro LP pela gravadora Som e Louvores, Rose Nascimento procurou novas oportunidades no mercado fonográfico evangélico. Além de criar o seu próprio selo, RN Produções, a cantora firmou contrato com as gravadoras Clevan Music, Zecap Gospel Produções e MK Publicitá. Ao longo se sua carreira, Rose Nascimento lançou 14 álbuns: 1)
    Livre, 2)
    A Dose mais Forte, 3)
    Cinco Letras Preciosas, 4)
    Receba a Vida, 5)
    Mil Razões, 6)
    Começo, meio e fim, 7)
    Mais Firme do que Nunca, 8)
    Melhores Louvores, 9)
    Sempre Fiel, 10)
    Aqui Tem Alegria (infantil), 11)
    Sempre Fiel (ao Vivo), 12)
    Louvores Ungidos da Harpa, 13)
    Para o Mundo Ouvir, 14)
    Uma Questão de Fé. DVDs: 1)
    Mais Firme do que Nunca, 2)
    Sempre Fiel e 3) Para o Mundo Ouvir.
  • 19
    Para um maior esclarecimento sobre a relação fãs/ídolos no mundo secular, ver: Coelho (2003).
  • 20
    Fátima Lúcia Couto é o nome de batismo de Lúcia Lombardi. Desde muito jovem, a cantora adotou este nome artístico e, mesmo depois de convertida à religiosidade evangélica, não abriu mão dele.
  • 21
    Para maiores informações sobre a história da Rádio Nacional, ver: Saroldi e Moreira (2005).
  • 22
    Além da Line Records, a IURD dirige, dentre outras empresas, a Rede Aleluia rede de rádios que contém mais de 30 emissoras , o jornal
    Folha Universal, a Revista
    Plenitude que tem uma tiragem de 223 mil exemplares e a emissora Rede Record.
  • 23
    Para um maior esclarecimento sobre a organização institucional e ritual da referida denominação evangélica, ver:
  • 24
    Para um maior esclarecimento sobre a organização institucional da referida denominação evangélica, ver:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      Ago 2007
    • Recebido
      Abr 2007
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