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A máquina universal: uma análise da mobilização do discurso moral na Folha Universal nas eleições de 2022

The universal machine: an analysis of the mobilization of moral discourse in Folha Universal in the 2022 elections

Resumos

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar uma análise sobre a maneira com que a Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), mobilizou discursos políticos religiosos de fundo moral nas eleições de 2022. Nosso recorte de análise cobrirá o período que se estende da primeira edição do ano até a edição que precede a votação em segundo turno. Nossa pesquisa evidencia que o jornal da IURD foi um órgão politicamente atuante e se colocou como instrumento de campanha do campo conservador e deixou explícito o apoio à candidatura de Jair Bolsonaro. Nosso trabalho revela que a pauta dos costumes alicerçada numa postura conservadora de defesa da “família tradicional” e o receio de um governo de esquerda foram discursos basilares na defesa da candidatura de Bolsonaro e pautaram inclusive suas propostas de governo. Esse cenário contribuiu para que o seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, assumisse compromissos com pautas morais, recuando e/ou abandoando algumas agendas caras aos movimentos sociais historicamente ligados à esquerda e ao Partido dos Trabalhadores.

Palavras-chave:
IURD; folha universal; eleições 2022; bolsonarismo, conservadorismo.


Abstract: The objective of this article is to present an analysis of the way in which the Folha Universal, of the Universal Church of the Kingdom of God (IURD), mobilized religious political discourses with a moral background in the 2022 elections. extends from the first edition of the year to the edition that precedes the second round of voting. Our research shows that the IURD newspaper was a politically active body and positioned itself as a campaign instrument for the conservative field and made explicit support for the candidacy of Jair Bolsonaro. Our work reveals that the customs agenda based on a conservative posture in defense of the “traditional family” and the reception of a left-wing government were basic speeches in the defense of Jair Bolsonaro’s candidacy and even guided his government proposals. On the other hand, but also, forcing his main opponent, Luiz Inácio Lula da Silva, to assume commitments with moral guidelines, retreating and/or abandoning some agendas dear to social movements historically linked to the left and the Worker’s Party.

Keywords:
UCKG; universal sheet; elections 2022; bolsonarism; conservatism.


Introdução

O objetivo deste artigo é mapear a produção da Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), nos meses que antecederam as eleições de 2022, analisando a forma com que esse veículo mobilizou discursos religiosos de fundo moral na tentativa de influenciar a disputa política eleitoral que esteve em curso no país. Mais especificamente, pretendemos avaliar de que forma o processo de publicização, via matérias veiculadas pelo periódico, permitiu a IURD se colocar como interlocutora privilegiada no campo conservador aliado à candidatura de Jair Bolsonaro, pautando muitas das ações e políticas públicas propostas por esse candidato, mas também forçando o seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, a assumir compromissos com pautas morais, recuando e/ou abandonando algumas agendas caras aos movimentos sociais historicamente ligados à esquerda e ao Partido dos Trabalhadores, como descriminalização da interrupção voluntária da gravidez,1 1 Em um debate organizado pela Fundação Perseu Abramo e Fundação Friedrich Ebert, “Brasil-Alemanha - União Europeia: desafios progressistas e parcerias estratégicas”, ocorrido no dia 5 de abril, Lula havia defendido a descriminalização do aborto: “A madame pode ir fazer um aborto em Paris, escolher ir para Berlim. Na verdade, [o aborto] deveria ser transformado em uma questão de saúde pública, a que todo mundo deve ter direito, e não vergonha”. [Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/04/05/lula-e-martin-schulz-defendem-acordo-entre-mercosul-e-europa-baseado-no-desenvolvimento-global. Acesso em: 25/09/2022], no entanto, diante da repercussão negativa da fala, especialmente, entre lideranças evangélicas, o então candidato foi obrigado a rever sua posição e a redigir uma carta destinada aos eleitores evangélicos em que se diz “pessoalmente contra o aborto”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-se-manifesta-contra-aborto-bolsonaro-critica-a-justica-eleitoral/. Acesso em 19/10/2022. políticas de igualdade de gênero e de inclusão da população LGBTQIA+, ou legalização do uso substâncias consideradas ilícitas, como a maconha.2 2 No documento “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil: Lula/Alckmin 2023-2026 -Coligação Brasil Da Esperança”, vemos que tais temas ou são tratados com cautela, como as políticas voltada à População LGBTQIA+ (:9), ou foram tratadas genericamente como a política sobre drogas (:7). Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/08/programa-de-governo-eleicoes-2022-poder360-lula-pt.pdf. Acesso em 19/10/2022.

O artigo teve como propósito uma análise mais detida na análise dos jornais, ou seja, o foco foi analisar a maneira como a instituição apregoava suas concepções e objetiva a circulação de uma visão de mundo específica. Dessa forma, nossa pesquisa foi capaz de evidenciar que essa visão institucional apresentava adesão à campanha de Bolsonaro, mas não avançou na maneira como esses assuntos eram debatidos no cotidiano dos fiéis. No bojo dessas considerações, cumpre destacar que há heterogeneidade no campo evangélico e que nossa escolha pela IURD se justifica mais pela sua força econômica, política e pela capacidade de utilização de suas mídias do que pelo número de fiéis.

Desde o fim dos anos 1980, diversas dinâmicas sociais e avanços tecnológicos (Castells 1999CASTELLS, Manuel. (1999), A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra., 2000CASTELLS, Manuel. (2000), O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra ., 2003CASTELLS, Manuel. (2003), A galáxia da Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.; Canclini 2005CANCLINI, Nestor Garcia. (2005), Diferentes, desiguais e desconectados. Rio de Janeiro: Edufrj.) colocaram em xeque as instituições tradicionais de produção de sentido e aglutinadoras da ação coletiva. Pautas centrais para aos movimentos sociais do século XX, como as classistas, de igualdade racial e feministas, ao mesmo tempo em que foram dinamizadas e suplementadas pela entrada em cena de novos atores e demandas (Carty 2015CARTY, Victoria. (2015), Social Movements and New Technology. Londres; Nova York: Routledge ), urdiram novas formas de organização e performance públicas (Butler 2015), deslocando o papel até então desempenhado por instituições tradicionais como sindicatos (Braga; Santana 2015BRAGA, Ruy; SANTANA, Marco. Aurélio. (2015), “Dinâmicas da ação coletiva no brasil contemporâneo: encontros e desencontros entre o sindicalismo e a juventude trabalhadora.” Cadernos CRH, vol. 28: 529-544. ) e partidos políticos (Przerworki 2019). Se por um lado, a transversalidade das demandas promoveu a aglutinação de diversos atores sociais em movimentos como o occupy wall street, black lives matter (Vidas Negras Importam) e SlutWalk (Marcha das Vadias), por outro lado, expuseram fissuras e contradições históricas nas formas de representação tradicionais.

Nesse bojo, mesmo que alguns estudiosos enfatizassem a resistência do catolicismo da libertação (Gomez de Souza 2000SOUZA, Alberto Gómez de. (2000), “As CEBs vão bem, obrigado”. Revista Eclesiástica Brasileira, 60(237): 93-110.; Burdick 2015BURDICK, John. (2004), Legacies of Liberation: the progressive Catholic Church in Brazil at the start of a new millennium. Hampshire: Ashgate.) frente a tais mudanças, é notório que a correlação de forças mudou. E mudou de forma aguda nas periferias das grandes cidades, especialmente, frente à intensa urbanização e periferização destas (Santos 2017SANTOS, Alexandre Pereira et al. (2017), “O lugar dos pobres nas cidades: exploração teórica sobre periferização e pobreza na produção do espaço urbano Latino-Americano”. Urbe - Revista Brasileira de Gestão Urbana, vol. 9, nº 3: 430-442. Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/2175-3369.009.003.AO04 . Acesso em: 23/11/2022.
https://doi.org/10.1590/2175-3369.009.00...
) e as novas demandas surgidas desse processo.

Se, em algum momento, a Igreja Católica conseguiu mobilizar discursivamente parte dos anseios da população periférica, assim como os sindicatos e partidos, nos dias que correm assiste à paulatina perda de capital político traduzido, tanto na capacidade de fixar discursivamente os sentidos das demandas sociais quanto no declínio gradual dos que se declaram católicos (Gracino Junior 2016GRACINO JUNIOR, Paulo. (2016), A demanda por deuses: globalização, fluxos religiosos e culturas locais nos dois lados do Atlântico. Rio de Janeiro: Eduerj.). Pari passu a esse processo, assistimos a outros dispositivos e atores ganharem cada vez mais relevo na tarefa de estabelecer uma articulação entre demandas particulares/diferenciais em equivalentes, mobilizando os sentidos, aglutinando-os no que Laclau e Mouffe denominaram ponto nodal (Laclau & Mouffe 1985LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. (1985), Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics. London: Verso.:83; Mendonça 2003MENDONÇA, Daniel. (2003), “A noção de antagonismo na ciência política contemporânea: uma análise a partir da perspectiva da Teoria do discurso”. Revista Sociologia & Política, vol. 20: 135-145.), ou seja, significantes vazios (Laclau & Mouffe 1985) - tais como democracia, liberdade, família - que passam a atuar como uma força centrípeta fazendo grupos com interesses específicos gravitarem em torno de um antagonismo do tipo nós x eles que constitui sua identidade política.

Nessa argumentação, o conceito laclauniano de populismo e sua fundamentação teórica se tornam úteis por explicitar como a “negatividade antagônica” é crucial para a constituição de sujeitos políticos, entendida a partir da conformação de cadeias de equivalência, entre diversos grupos sociais, aglutinados em torno de ideias abstratas ou abrangentes o suficiente para aproximá-los a despeito de suas diferenças. Na terminologia do autor, “a construção de uma subjetividade popular é possível somente sobre a base da produção discursiva de significantes tendencialmente vazios” (Laclau 2005:40) capazes de articular segmentos sociais diferentes, em um processo que, “em sua expressão mais extrema [...] chega a um ponto em que a função homogeneizante é levada a efeito por um nome próprio: o nome do líder” (idem).

O processo de ampliação das bases sociais/eleitorais de Jair Bolsonaro passa, em primeiro lugar, pela atração de outros segmentos do campo da segurança pública e privada, com base em pautas corporativas acerca de suas condições de trabalho, mas também por meio do resgate da memória da ditadura militar como um momento no qual fora estabelecido um ideal de ordem capaz de lidar de maneira mais bem-sucedida com a criminalidade e com a ordem social. Sendo assim, por meio da mobilização de um discurso reacionário sobre a ordem social e punitivista sobre o combate à criminalidade, que perpassa a associação demofóbica entre pobreza e criminalidade, Bolsonaro foi atraindo diferentes segmentos das camadas médias e altas da população, descontentes com o processo de redemocratização e com a emergência de novos atores políticos e sociais progressistas que tinham em comum a crítica à ditadura militar e à ideia de ordem patriarcal, misógina e classista que a estruturava. O termo progressista é usado de maneira instrumental para se referir àqueles que defendem um ideal de mudança social crítico ao passado, associado aqui à ordem patriarcal, em oposição àqueles que querem voltar a ele, pois se sentem ameaçados (e ressentidos, como ver-se-á mais adiante) pelo progresso e pelas transformações oriundas do reconhecimento de outras formas de poder, família e de identidade, o que nos permite caracterizá-los como reacionários. Nessa relação de antagonismo, progressistas e reacionários passam a se identificar mutuamente como esquerda e direita, em um contexto no qual a flutuação desses dois significantes permite que os consideremos pontos nodais na categorização laclauniana. Compreendidos como pontos discursivamente privilegiados por meio dos quais são configuradas as práticas articulatórias hegemônicas, convertendo demandas particulares/diferenciais em equivalentes (Laclau & Mouffe 1985LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. (1985), Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratic Politics. London: Verso.:83; Mendonça 2003MENDONÇA, Daniel. (2003), “A noção de antagonismo na ciência política contemporânea: uma análise a partir da perspectiva da Teoria do discurso”. Revista Sociologia & Política, vol. 20: 135-145.; Cerqueira 2015:271), os pontos nodais conseguem exercer essa função de articulação por não possuírem um significado inequívoco ou um conteúdo particular, podendo funcionar, nos termos de Laclau e Mouffe (1985), como um significante vazio.

Sendo assim, ao longo dos anos, esses segmentos passaram, então a observar em Jair Bolsonaro alguém que os autorizava a defender tal ideia de ordem expressa por meio de uma identidade política de direita enquanto significante vazio que abarca comportamentos e ideias até então intoleráveis dentro de alguns círculos, haja vista uma relativa ascendência de setores progressistas na conformação da esfera pública no contexto pós-redemocratização. No entanto, essa configuração, passível de estruturar uma minoria parlamentar e social, não seria suficiente para a conquista de um cargo majoritário de expressão nacional, afinal a parcela de brasileiros que se considera de direita oscila entre 20% e 30%.3 3 Me refiro aqui a dois surveys realizados com curto intervalo de tempo. No primeiro, conduzido pelo Instituto Senado com 5.850 pessoas por telefone, o montante foi de 20%. No segundo, feito pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), foram entrevistadas presencialmente 2.538 pessoas. Ambas foram amplamente divulgadas na mídia, e seus resultados estão disponíveis em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pesquisa-do-senado-indica-que-21-dos-eleitores-no-brasil-se-consideram-de-direita/ e https://oglobo.globo.com/blogs/pulso/post/2022/07/pesquisa-aponta-que-o-dobro-dos-brasileiros-se-diz-mais-de-direita-que-esquerda-veja-os-numeros.ghtml. Acesso em 19/10/2022.

É nessa equação que a Lava-Jato permite uma ampliação significativa da base eleitoral de Jair Bolsonaro. Por meio de uma flutuação de significantes, a crítica às lideranças do Partido dos Trabalhadores, deslocada pela Lava-Jato do campo político para o jurídico, permitiu uma associação entre o discurso punitivista (“bandido bom é bandido morto”) com o discurso de criminalização da política. Jair Bolsonaro foi o porta-voz mais emblemático dessa associação que conferiu concretude e, subsequentemente, enraizamento popular das críticas ao PT, impensável nos termos oferecidos pelas lideranças políticas até então responsáveis por vocacionar o antipetismo. Por emergir como o principal porta-voz dessa associação entre diferentes conteúdos discursivos, é possível ver na figura de Bolsonaro não apenas um líder popular, mas um símbolo por meio do qual os diferentes segmentos obtêm unidade. Daí a utilização dos termos bolsonarismo/bolsonarista para se referir a esse sujeito político formado a partir da conformação dessa cadeia de equivalências.

Não obstante, a linguagem jurídica foi o operador passível de gerar um laço, nos termos de Freud em Psicologia das massas e análise do eu (2011FREUD, Sigmund. (2011), Psicologia das massas e análise do eu e outros textos [1920-1923]. São Paulo: Cia das Letras.), entre as camadas médias e altas da população - o bolsonarismo permite que os discursos de Jair Bolsonaro ecoassem para além daqueles segmentos que se identificavam como de direita. No que diz respeito às classes populares, esse laço se dá em torno de uma linguagem religiosa passível de traduzir argumentos jurídicos, econômicos, políticos e sociológicos em uma terminologia com maior capacidade de penetração e enraizamento no tecido social.

Assim, para os nossos propósitos neste artigo, hoje são as denominações evangélicas as principais interlocutoras da população periférica e o fazem não só do ponto de vista da escassez, da opressão e marginalização, mas tendo como principal mediador o discurso teológico de fundo moral no que Vital da Cunha chamou de “retórica da perda” (2018VITAL DA CUNHA, Christina. (2021). “Retórica da Perda nas eleições Presidenciais Brasileiras em 2018: Religião, medos sociais e tradição em foco”. Plural - Antropologías Desde América Latina Y Del Caribe, n.º 6, marzo. ). É importante lembrar que, mesmo em contextos em que as CEBS foram os grandes artífices dos movimentos sociais, e o catolicismo da libertação uma ferramenta potente de mobilização do significado (Laclau 2010LACLAU, Ernesto. (2010), Emancipação e diferença. Rio de Janeiro: Eduerj .) da linguagem política transformada em ação, como nos assentamentos do Movimento dos Sem-Terra (MST), as igrejas evangélicas ganham terreno como articuladores legítimos das demandas sociais (Py & Pedlowski 2020PY, Fábio; PEDLOWSKI, Marcos A. (2020), “Pentecostalização assentada no assentamento Zumbi dos Palmares, Campos dos Goytacazes, RJ”. Perspectiva Teológica, vol. 52, nº 3.).

Desse modo, antes de serem máquinas de alienação, as igrejas evangélicas são tecnologias de organização social da periferia (Gracino Junior 2022GRACINO JUNIOR, Paulo; TARGINO, Janine S.; JESUS, Armindo F. (2022), “‘E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós’ - a transnacionalização sul-sul do pentecostalismo brasileiro: a IURD e o projeto da moderna Angola”. Cultura y religión, 16(1) :65-99. ), peças centrais da engrenagem populista conservadora - “máquinas de ressonância” (Connolly 2005CONNOLLY, E. William. (2005), “The Evangelical-Capitalist Resonance Machine.” Political Theory, vol. 33, nº 6: 869-86.) - para a produção de sujeitos das políticas conservadoras de fundo neoliberal.

Assim, ainda que conformações teológicas específicas possam obviamente ensejar discursos religiosos regressivos, que a maioria de nós classificaria como conservador, insistimos na prédica defendida em trabalhos anteriores (Gracino Junior; Souza 2019; Gracino Junior, Goulart; Frias 2021) de que a afinidade que atrai evangélicos e conservadorismo está muito mais ligada às condições discursivas que engendram os sujeitos e suas subjetividades do que as características intrínsecas à teologia cristã ou, especificamente, evangélica pentecostal. Assim, deslocamos nossas atenções tanto para o caráter relacional, posicional das identidades evangélicas, que engendram o discurso conservador, quanto para a base material desse discurso, ligando, portanto, sujeitos e formas de sujeição e subjetivação. Estamos interessados no estudo das formas políticas em que precipitaram os antagonismos articulados com base nos grupos de identidade evangélica, bem como os deslocamentos na base material desses sujeitos, que possibilitam o engendramento de subjetividades atomizadas e refratárias a solidariedades coletivas exógenas a sua comunidade.

De tal modo, embora os evangélicos tenham ganhado relevo no espaço público por pautas reativas à ampliação de direitos de minorias, tais ações não se devem unicamente a aspectos intrínsecos à teologia pentecostal, ou ao seu caráter alienante ou irracional, mas principalmente à forma como se posicionam no jogo político nacional, ou melhor, como se publicizaram e acionaram o discurso de fundo conservador como estratégia de sobrevivência nas grandes cidades. Em artigo recente, Montero (2016) observa que é importante considerar o próprio processo de publicização da religião, que se constrói, enquanto religião pública, ao mesmo tempo em que constituí o espaço em que performatiza. Assim, para o que se desenha, a ideia de Willian Connolly (2005CONNOLLY, E. William. (2005), “The Evangelical-Capitalist Resonance Machine.” Political Theory, vol. 33, nº 6: 869-86.) de “máquina de ressonância” aparece como uma potente ferramenta. Ou seja, nenhuma economia política ou prática religiosa é autorreferente.

Ao contrário, na política diversos elementos se infiltram uns nos outros, metabolizando em um complexo móvel. Causação como ressonância entre elementos que se fundiram em um grau considerável. Aqui, a causalidade, como relações de dependência entre fatores separados, se transforma em complexidades energéticas de imbricação mútua e de inter-envolvimento, nas quais, daqui para frente, elementos não conectados ou associados frouxamente, dobram-se, inclinam-se, misturam-se, emulsificam-se, e dissolvem-se uns nos outros, forjando uma formação qualitativa resistente a modelos clássicos de explicação. (Connolly 2005CONNOLLY, E. William. (2005), “The Evangelical-Capitalist Resonance Machine.” Political Theory, vol. 33, nº 6: 869-86.:870)

No entanto, antes de prosseguirmos, cumpre esclarecer nosso posicionamento quanto ao conceito de religiões públicas como pensado por Casanova (1994CASANOVA, José. (1994), Public religion in the modern world. Chicago: The University of Chicago Press.). Pelo exposto anteriormente, não há como acatar de forma acrítica o conceito. No entanto, em um debate com Talal Asad, Casanova recuperou e refinou seu argumento, fato que renovou sua utilidade para nossa empreitada neste artigo. Retomando o argumento de Public Religion (1994), Casanova (2006CASANOVA, José. (2006), Secularization Revisited: A Reply to Talal Asad. In: D. Scott; C. Hirschkind (org). Powers of the secular modern: Talal Asad and his interlocutors. Stanford: Stanford University Press. :12-30) argumenta que seu conceito de esfera pública está mais próximo de um espaço discursivo ou agônico aberto a todos os cidadãos e a todas as questões, incluindo questões de poder e as definições dos termos do debate, não existindo uma única esfera pública, mas uma pluralidade de públicos interrelacionados e em competição.

Nosso artigo se debruça no estudo da tentativa da Folha Universal de mobilizar significantes vazios e colocá-los a disposição da candidatura de Jair Bolsonaro, inclusive determinando algumas de suas pautas políticas. Para sermos mais fiéis a nossas hipóteses lançadas até aqui, acreditamos que há uma circularidade ou, nos termos de Connolly (2005CONNOLLY, E. William. (2005), “The Evangelical-Capitalist Resonance Machine.” Political Theory, vol. 33, nº 6: 869-86.), uma ressonância entre uma sociedade que se pensava como extremamente corrupta e em decadência amoral e instituições capazes de traduzir, de homogeneizar o discurso, criando cadeias da equivalência entre os ressentimentos dos diversos grupos sociais (Gracino Junior; Goulart; Frias 2021GRACINO JUNIOR, Paulo; GOULART, Mayra; FRIAS, Paula. (2021), “‘Os humilhados serão exaltados’: ressentimento e adesão evangélica ao bolsonarismo”. Cadernos Metrópole, vol. 3: 547-58.), fixando-os a um nome próprio: o nome do líder (Laclau 2005).

Tanto a religião como o direito são compostos de estruturas linguísticas que conformam legitimidades de visões de mundo. À medida em que há avanços nas conquistas de direitos de grupos LGBTQIA+, do ponto de vista jurídico, essas informações podem ser “filtradas” por agentes mediadores de instituições religiosas que podem entendê-las como afronta a pressupostos religiosos e potencializar adesão política à contenção desses avanços.

Dessa forma, a imprensa tem sido um dos importantes instrumentos de atuação das instituições para o debate público. A relevância das relações entre religião impressa em política no cenário brasileiro já foi demonstrada em diversas pesquisas (Conrado 2000; Novaes 2002NOVAES, Regina R. (2002), “Crenças religiosas e concepções políticas: fronteiras e passagens”. In: L. C. Fridman (org.). Política e Cultura: século XXI. Rio de Janeiro: Alerj: Editora Relume Dumará.; Carranza 2012). Nas eleições de 2022, pautas morais e políticas se imbricaram num proeminente processo de associação dos valores cristãos que seriam defendidos por Jair Bolsonaro e a incoerência entre ser cristão e de esquerda. Isso potencializava o voto evangélico em Bolsonaro que já havia contado com expressiva adesão desse segmento religioso nas eleições presidenciais de 2018 (Mariano, Gerardi 2018MARIANO, Ricardo; GERARDI, Dirceu. (2019), “Eleições presidenciais na América Latina em 2018 e ativismo político de evangélicos conservadores”. Revista USP, nº 120: 61-76, jan./fev./mar.; Prandi, Santos, Bonato 2018PRANDI, Reginaldo; SANTOS, Renan W. dos; BONATO, Massimo. (2022), “Igrejas evangélicas como máquinas eleitorais no Brasil”. Revista USP , nº 120: 43-60.; Gracino Junior; Silva; Frias 2021GRACINO JUNIOR, Paulo; GOULART, Mayra; FRIAS, Paula. (2021), “‘Os humilhados serão exaltados’: ressentimento e adesão evangélica ao bolsonarismo”. Cadernos Metrópole, vol. 3: 547-58.; Oliveira; Martins 2021OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; MARTINS, Caio César Nogueira. (2021), “O discurso eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a ascensão de Bolsonaro”. Plural , vol. 28, nº 1: 237-258.). Essa união está relacionada às pautas morais, por isso faremos uma breve contextualização do debate sobre política e moralidade, uma reflexão que se tornou fundamental já que a política tem sido debatida em termos morais (Mouffe 2015MOUFFE, Chantal. (2015), Sobre o Político. São Paulo: WMF Martins Fontes.).

Política e moralidade

Este trabalho insere-se em uma rede de esforços para compreender as diversas facetas da guinada conservadora, com modulações e intensidades diferentes, no cenário sociopolítico internacional. Nesse sentido, é importante salientar que a “onda conservadora” (Almeida 2017ALMEIDA, Ronaldo de. (2017), “A onda quebrada - evangélicos e conservadorismo”. Cadernos Pagu, nº 50: 5-30.; 2019; Burity 2020) está longe de ser restrita ao Brasil, aparecendo reiteradas vezes na longa duração da moderna história das democracias ocidentais (Alonso 2018ALONSO, Ângela. (2017), “A política das ruas: protestos em São Paulo de Dilma a Temer”. Novos Estudos Cebrap, jun. Edição Especial : 49-58.). Tais erupções conservadoras, quase sempre, estão ligadas a uma reação diante de processos de democratização (Rancière 2014RANCIÈRE, Jean. (2014), O ódio à democracia. São Paulo: Boitempo .), em especial, uma reação à conquista de direitos por minorias, notadamente, da população LGBTQIA+ (Machado 2012MACHADO, Carla. (2004), “Pânico moral: para uma revisão do conceito”. Interações: sociedade e as novas modernidades, 4(7).; Vital da Cunha, Lopes 2013VITAL DA CUNHA, Christina . LOPES, Paulo Victor Leite. (2012), Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. Vol 1, : 232. Rio de Janeiro: ISER: Fundação Heinrich Boll.; Biroli, Vaggione, Machado 2020BIROLI, Flavia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos Machado. (2020), Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo.; Vaggione, Machado 2020).

Ainda que os casos mais notórios e recentes de articulação entre discurso religioso e gramática de ação política conservadora - Donald Trump (Margolis 2019MARGOLIS, Michele F. (2020), “Who Wants to Make America Great Again? Understanding Evangelical Support for Donald Trump”. Politics and Religion, 13(1): 89-118.) e Bolsonaro (Almeida 2019ALMEIDA, Ronaldo de. (2019), “Bolsonaro presidente: conservadorismo, evangelismo e a crise brasileira”. Novos estudos Cebrap, vol. 38, nº 1: 185-213.; Burity 2020; Oliveira, Martins 2021OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; MARTINS, Caio César Nogueira. (2021), “O discurso eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a ascensão de Bolsonaro”. Plural , vol. 28, nº 1: 237-258.) - tenham como protagonistas grupos religiosos cristãos de corte evangélico (Du Mez 2020DU MEZ, Kristin. (2020), Jesus and John Wayne: How White Evangelicals Corrupted a Faith and Fractured a Nation. New York: Liveright Publishing.), tal imbricamento está longe de se restringir a esse espectro religioso. Tal cenário não é restrito ao Brasil ou à América Latina, nem mesmo é peculiar à publicização de religiões evangélicas. Assim como os pesquisadores brasileiros têm chamado a atenção para a aliança entre católicos e evangélicos, em outros países do mundo vem crescendo o volume de trabalhos que associam movimentos religiosos ao conservadorismo e ao neoliberalismo.

Zeynep Atalay (2017ATALAY, Z. (2017), “Partners in Patriarchy: faith-Based Organizations and Neoliberalism in Turkey”. Critical Sociology, 45(3), 1-15.), por exemplo, mostra como as organizações religiosas islâmicas se tornaram veículos ativos da governamentalidade neoliberal na Turquia, especialmente durante o governo de Erdoğan. A autora demonstra a associação entre o Estado turco e a Organização baseada na fé (Faith-based organization), que assume responsabilidades crescentes na prestação de serviços e de bem-estar social, ao mesmo tempo em que cultiva um ambiente ideacional propício para o funcionamento efetivo da racionalidade do mercado. Atalay (2017) demonstra como há uma associação entre religião, conservadorismo e pensamento neoliberal, no qual preconiza-se uma transformação no modelo de família, em um projeto que a autora considera regressista e que corrói conquistas dos movimentos feministas por igualdade.

Mesmo em países centrais do ponto de vista do desenvolvimento capitalista, vemos uma associação entre instituições religiosas e Estado, como nos casos dos EUA (Hennigan & Purser 2018HENNIGAN, Brian; PURSER, Gretchen. (2018), “Jobless and Godless: Religious neoliberalism and the project of evangelizing employability in the US The authors contributed equally to the research for and writing of this article”. Ethnography, 19(1): 84-104.) e da Inglaterra (Williams & Jayne 2020WILLIAMS, Andrew; JAYNE, Mark. (2020), Faith-based alcohol treatment in England and Wales: New evidence for policy and practice. Health &Place, vol. 66.). Em ambos os casos, os pesquisadores se concentram no estudo do tratamento da dependência do álcool baseado em discursos religiosos. No interessante estudo de Hennigan e Purser (2018), em que analisam os programas de reinserção no mercado de trabalho a partir de instituições religiosas que acionam discursos neoliberais, o que classificaram como “evangelização da empregabilidade”, demonstram que, embora não seja perfeito o casamento entre o discurso religioso e o neoliberalismo, o projeto de evangelização da empregabilidade revela a utilidade extraordinária da religião para a promulgação das prioridades neoliberais e das políticas de imposição do trabalho precarizado. No mesmo turno, o trabalho de Chacko (2019CHACKO, Priya. (2019), “Marketizing Hindutva: the state, society, and markets in Hindu nationalism”. Modern Asian Studies, 53(2): 377-410.) mostra as imbricações do discurso neoliberal e o projeto nacionalista indiano de Narendra Modi, que tem forte alicerce no hinduísmo, no mesmo sentido, os estudos de Comaroff (2012COMAROFF, Jean. (2012), Pentecostalism, Populism and the New Politics of Affect.” In: D. Freeman, (ed.). Pentecostalism and Development: Churches, NGO’s and Social Change in Africa. New York: Palgrave Macmillan. :41-66.) para África do Sul aproximam neoliberalismo e conservadorismo.

Alguns trabalhos recentes têm tratado especificamente da IURD no processo de modernização capitalista e indução do discurso neoliberal especialmente em países africanos. Nesse caso, chamamos atenção para o trabalho de Guerreiro, Milisse Chambe e Cassalho (2022GUERREIRO, Clayton; MILISSE CHAMBE, Zacarias; REGINA CASSALHO, João de. (2022), “Violência civilizatória e neoliberalismo: quando política e religião se encontram em Moçambique”. Revista Debates, 16(3): 17-34. ), que analisa a relação entre discursos moralizantes de redenção pelo trabalho de origem neopentecostais, especialmente iurdianos, e suas imbricações e dobraduras sobre a sociedade moçambicana e o trabalho de Gracino Junior, De Jesus e Targino (2022GRACINO JUNIOR, Paulo; TARGINO, Janine S.; JESUS, Armindo F. (2022), “‘E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós’ - a transnacionalização sul-sul do pentecostalismo brasileiro: a IURD e o projeto da moderna Angola”. Cultura y religión, 16(1) :65-99. ) para Angola, que apontam para processo similar em Angola, onde a IURD cumpriu um papel de aliada do Estado Angolano na promoção de discursos e ideias de fundo neoliberal.

Retomando, como dissemos, a nova onda de conservadorismo tem como combustível principal ascensão de Novos Movimentos Sociais (Scott 2017SCOTT, Joan. (2017), “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação & Realidade, 20(2).), que se deslocaram do enfoque classista e da luta por igualdade para lutas com demandas mais plurais, como as políticas de gênero, igualdade civil da população LGBTQIA+, movimentos antirracistas, entre outros. Tais movimentos não só colocaram em xeque os antigos aparatos discursivos utilizados para sua interpretação, como também fraturaram a grande narrativa de estados democráticos ocidentais ao denunciarem seus pilares heteronormativos, patriarcais e majoritariamente brancos. Em muitos países, inclusive no Brasil, a atuação organizada de grupos que reivindicavam uma cidadania por reconhecimento de direitos (Prá & Epping 2018PRA, Jussara. Reis; EPPING, Léa. (2012), “Cidadania e feminismo no reconhecimento dos direitos humanos das mulheres”. Revista. Estudos Feministas, vol. 20: 33-51.) levaram à emergência de um novo consenso jurídico-político que tem, ao menos no horizonte de possibilidades, a inclusão e o respeito às diferenças como condição para construção de uma sociedade mais justa e democrática, o que, por outro lado, é vista por setores do establishment como uma ameaça iminente à ordem estabelecida.

Nesse bojo, a ampliação do consenso democrático, pós-promulgação da Constituição de 1988, fez emergir uma série de movimentos por reconhecimento de direitos que se traduziram em conquistas cristalizadas no âmbito jurídico, com leis que garantem direitos e visam ampliar a igualdade: entre gênero, raça e diversidade de orientação sexual. Ironicamente, os grupos evangélicos pentecostais - pontas de lança da reação contra a tramitação e concretização de diversas das iniciativas elencadas anteriormente - foram beneficiários de primeira hora do processo de democratização do país. Nesse contexto, os evangélicos reivindicam sua maior presença no espaço público falando do lugar de minoria religiosas (Burity 2018), que sempre esteve marginalizada seja na política, seja na cultura mais ampla, principalmente, frente a uma Igreja Católica ou uma cultura laica, vistas como hegemônicas na sociedade brasileira.

Paralelamente, assistimos a alterações na estrutura econômica e social do país, desde o processo de privatizações dos governos Collor e FHC, que levou a inclusão de diversos setores da sociedade brasileira em uma espécie de “cidadania pelo consumo” de cunho periférico. Parte de setores importantes para o acesso a uma cidadania plena, como saúde, educação, segurança e transporte, foram entregues a inciativa privada e dependiam do interesse pecuniário desta para seu desenvolvimento pleno.

Nos governos petistas, ainda que se tenha avançado em políticas de inclusão social e cidadania, reconhecendo várias demandas de grupos minoritários, “viu-se a inclusão de vastos setores da sociedade no processo violento de valorização do capital, implicando uma integração que, contraditoriamente, não significava necessariamente cidadania” (Singer 2016SINGER, André. LOUREIRO, Isabel . (org.). (2016), As contradições do Lulismo: a que ponto chegamos? São Paulo: Boitempo Editorial :185-219. :13). Diante de tal cenário, assistimos a uma cultura política que é premida de um lado pelos interesses privados associados ao Estado - impondo uma espécie de “teto” ao acesso à cidadania - e desgastada de outro, por um discurso que parece imputar ao ocupante do Estado, no caso o PT, o papel de único artífice e responsável pelas contradições e limites do arranjo mercado-cidadania, potencializando e até precipitando o esgarçamento completo das instâncias democráticas. Nesse ínterim, presenciamos a legitimação de diversos discursos de base moral periféricos ao debate político desde a derrocada do udenismo.

Para entendermos tal processo, precisamos considerar não a onda populista conservadora que se precipitou sobre diversas partes do mundo, mas também a conjuntura política brasileira das últimas décadas, marcada por uma cruzada moral no combate à corrupção ensejada e levada a cabo pela Operação Lava-Jato e, principalmente, a forma como a elasticidade do discurso evangélico consegue traduzir esses cenários em sínteses discursivas capazes de oferecer gramáticas de ação política (Nataluci 2015NATALUCCI, Ana. (2015), “Mobilização social e mudanças políticas: revisitando o conceito de gramáticas de ação política”. Plural, vol. 22, nº 1: 83-106.).

Assim, como pano de fundo da análise da Folha Universal, interessa-nos entender a articulação entre a consolidação das lideranças evangélicas enquanto grupo político com interesses e pautas específicas, e a base eleitoral, transdenominacional e capilarizada, assentada, tanto em grandes igrejas centrais, como a IURD, quanto em pequenas igrejas periféricas, que articulam demandas da periferia e retroalimentam o discurso que é vocalizado por suas lideranças. Assim, não se trata de pensar as imagens religiosas do mundo desdobrando-se sobre as ações dos atores sociais e influenciando-as, mas de religiões e seus conteúdos se publicizando (Casanova 1994CASANOVA, José. (1994), Public religion in the modern world. Chicago: The University of Chicago Press.; 2006) e se alterando ao mesmo tempo em que alteram a arena pública disputada.

Nesse contexto, o crescimento do pentecostalismo e a replicação de inúmeras igrejas pelos bairros e periferias do país acabam funcionando como empreendimentos de fé que concorrem entre si pela atenção e adesão do fiel. Tal cenário levou os pastores a tomarem contato com técnicas e discursos administrativos (Cortes 2014CORTES, Mariana. (2014), “O mercado pentecostal de pregações e testemunhos: formas de gestão do sofrimento”. Religião & Sociedade. Rio de Janeiro, vol. 34, nº 2: 184-209.) para além da teologia da prosperidade iurdiana, que, por sua vez, foram traduzidos para linguagem teológica e espraiados, assimilados, ressemantizados e postos em marcha pelos fiéis (Gracino Junior 2008GRACINO JUNIOR, Paulo. (2008), “Minas são muitas, mas convém não exagerar: identidade local e resistência ao pentecostalismo em Minas Gerais”. Cadernos CRH , vol. 21: 145-162.). Os pastores, agora “gerentes” de suas próprias igrejas, sabem das dificuldades de se manter uma “empresa religiosa” em meio à concorrência voraz de um mercado cada vez mais competitivo.

Assim, as empresas religiosas ganharam autonomia inclusive de seus aspectos doutrinais, sendo um bom exemplo a querela instaurada com a interdição dos cultos presenciais por conta da Covid-19, na qual lideranças religiosas acionaram a justiça para manter as igrejas abertas. Nesse ponto, ainda que a ameaça da Covid-19 tenha sido, muitas vezes, traduzida em metáforas religiosas (como a afirmação de Edir Macedo4 4 Edir Macedo é o fundador e principal liderança da Igreja Universal do Reino de Deus. de que seria uma “tática de satanás”), a maioria dos pastores que entrevistamos para uma pesquisa mais ampla não esconde que a principal preocupação com o fechamento das igrejas sempre foi a queda na arrecadação dos dízimos que mantêm as denominações funcionando.

A Folha Universal foi muito crítica às regras que determinavam o fechamento de templos. Na edição 1479, publicada entre 16 e 22 de agosto de 2020, há uma matéria intitulada: “Fechar uma igreja é como fechar um hospital” (Ed. 1479:30-31). O jornal informa a decisão do Governo Federal de classificar as igrejas no grupo de serviços essenciais, o que beneficiava a abertura de templos. Nesse sentido, a matéria reforçava a importância dos templos como instrumento de cura e afirmam que “as igrejas prestam um serviço essencial à comunidade. Por isso, fechá-las, além de ser inconstitucional, é uma medida errada, infeliz e até preconceituosa. Fechar igrejas é como destruir as fontes de água que abastecem uma cidade” (Ed. 1479:30-31). Ao fazer defesa da abertura dos templos, o jornal legitimava Políticas Públicas do Governo Jair Bolsonaro em relação à Pandemia (Carranza 2020CARRANZA, Brenda. (2020), “Evangélicos: o novo ator político”. In: B. Carranza; J. L. P. Guadalupe. (org.). Novo ativismo político no Brasil: os evangélicos do século XXI. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung. :171-192.).

Nesse sentido, podemos destacar a edição 1469, publicada entre 7 e 13 de junho de 2020. O título do editorial intitulado é: “Cloroquina: se Bolsonaro é a favor, somos contra?” (Ed. 1469:03). A matéria é dedicada à defesa do Governo Federal e do uso da hidroxicloroquina como medicamento no tratamento de Covid. Nesse editorial são mobilizados argumentos de Paolo Zanotto, virologista e professor da USP, segundo o editorial, Zanotto afirma que “a ciência comprova a eficiência da hidroxicloroquina no tratamento do novo coronavírus” e “considera que o uso da hidroxicloroquina, substância barata e acessível, desafogaria a ocupação de leitos no sistema de saúde público e privado” (Ed. 1469:03).5 5 Embora tenha existido um momento em que a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento de Covid-19 não fosse conhecida, com a popularização do medicamento, estudos surgiram afirmando que, na realidade, este era ineficaz e não ajudava pacientes infectados, fato que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a não recomendar o medicamento e advertir sobre efeitos adversos. , 6 6 Estudo da UFS confirma ineficácia da hidroxicloroquina para prevenção e tratamento da covid-19. Portal Universidade Federal de Sergipe. Disponível em: https://www.ufs.br/conteudo/68009-estudo-da-ufs-confirma-ineficacia-da-hidroxicloroquina-para-prevencao-e-tratamento-da-covid-19. Acesso em: 02/08/2022. , 7 7 OMS: Hidroxicloroquina não funciona contra Covid-19 e pode causar efeito adverso. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/oms-cloroquina-nao-funciona-contra-a-covid-19-e-pode-causar-efeitos-adversos/. Acesso em 04/11/2018. Dessa forma, houve consistente adesão da IURD com as propostas de Bolsonaro ao longo do mandato, num continuum de apoio que se consolidou nas eleições de 2018.

Naquela eleição específica, o então candidato do Partido Social Liberal, Jair Bolsonaro utilizou como lema de campanha o slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. Logo que foi eleito, na primeira aparição pública, realizou uma oração junto ao político e pastor Magno Malta. Naquela eleição, o Bispo Edir Macedo8 8 Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,edir-macedo-declara-apoio-a-bolsonaro,70002526353. Acesso em 04/11/2018. apoiou Jair Bolsonaro que retribuiu com entrevistas exclusivas para a sua rede de televisão, que é controlada pela IURD. Naquela eleição não se pode afirmar que o apoio da IURD tenha sido decisivo para uma vitória, mas também não se pode minimizar a importância do apoio midiático da igreja: são milhares de templos, rádios, um canal aberto de televisão e uma tiragem de milhões de jornais.

Naquele contexto, o apoio a Jair Bolsonaro “não se dava com exposição do nome do candidato ou pedidos de votos explícitos, mas pelas pautas e elementos simbólicos das matérias publicadas, em que se repetiam jargões da campanha de Bolsonaro como a necessidade de acabar com a ‘velha política’, defender ‘valores da família tradicional’ e a necessidade de se afastar do comunismo” (Oliveira; Martins 2021OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; MARTINS, Caio César Nogueira. (2021), “O discurso eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a ascensão de Bolsonaro”. Plural , vol. 28, nº 1: 237-258.:237).

No próximo tópico vamos apresentar uma análise da Folha Universal, fonte que utilizamos para embasar nossa argumentação. Sabe-se que o jornal não foi uma exceção evangélica naquele contexto eleitoral, mas parte de um conjunto de jornais, como o Mensageiro da Paz, ligado à Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (CGADB), e emissoras de rádio, dentre outras mídias, que compuseram importante estrutura midiática de apoio à candidatura de Bolsonaro. Não obstante, consideramos que a escolha de uma mídia favoreceria maior aprofundamento analítico.

O jornal Folha Universal e o ano eleitoral de 2022

Em março de 2022, o jornal Folha Universal completou trinta anos desde sua primeira edição, em 15 de março de 1992. É um jornal semanal que é facilmente encontrado nas redes sociais da IURD e distribuído nas portas de todos os templos. Não é raro receber um desses jornais ao caminhar próximo aos templos. A IURD percebe o jornal como estratégico para angariar fiéis, divulgar suas contribuições à sociedade e, como afirmara Casanova (1994CASANOVA, José. (1994), Public religion in the modern world. Chicago: The University of Chicago Press.; 2006), participar de debates na esfera pública.

Segundo a IURD, “atualmente, ele é o jornal impresso de maior tiragem do País, com quase 2 milhões de exemplares semanais. Além disso, chega a todos os estados brasileiros e nos locais mais extremos e de difícil acesso”.9 9 Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/folha-universal-completa-30-anos/. Acesso em: 02/08/2022. Segundo a matéria, o jornal “possui textos relacionados à igreja, fé cristã e também seculares. Um conteúdo de qualidade para informar, ajudar e levar fé a todos os leitores.”10 10 Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/folha-universal-completa-30-anos/. Acesso em 02/08/2022.

Na produção do jornal trabalham em torno de 20 pessoas, com matérias dos mais diversos assuntos, relacionados à fé cristã, assuntos de acontecimentos cotidiano e posicionamentos políticos. Cléber Nascimento, executivo da Folha Universal, explica que em 1992, eram 100 mil exemplares, de 12 páginas, distribuído apenas no Rio de Janeiro. Hoje são quase 2 milhões, e 36 páginas. Segundo Cléber Nascimento, a Folha Universal tem sido produzida com muito cuidado e que “é um hábito nosso fazer uma oração para que Deus possa instruir, dirigir, enfim, dar a direção correta e os fatos, fatos são fatos. Fake News sem chance. Então, acho que a Folha Universal tem esse papel social e espiritual. Ajuda muita gente e muita gente chega na Igreja a partir da Folha Universal.11 11 Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/folha-universal-completa-30-anos/. Acesso em: 02/08/2022.

A instituição se orgulha de ser o jornal impresso com maior circulação do Brasil. É uma forma de “pautar” debates, divulgar projetos sociais da igreja, expor suas concepções a respeito dos acontecimentos e emitir suas opiniões. Não é incomum que se argumente aos leitores sobre cuidados com fake news e com a imprensa secular, enfatizando que a melhor maneira dos fiéis se informarem é através da leitura da Folha Universal.

Os posicionamentos mais explícitos ocorrem com maior frequência na parte intitulada “Editorial”. Segundo uma matéria12 12 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/igreja-universal-dobra-aposta-contra-esquerda-e-afasta-reconciliacao-com-lula.shtml. Acesso em: 02/08/2022. da Folha de São Paulo, alguns artigos apenas identificados como “editorial” “são assinados pelo advogado Denis Farias, do Pará, que é fiel da igreja e já ocupou cargo em governo do Republicanos, partido associado à denominação neopentecostal. Outros não têm assinatura”. Na mesma matéria, é registrado que “os editoriais são considerados espaços nobres e de destaque, nos quais são publicados textos que expressam a visão consolidada de um jornal”.13 13 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/igreja-universal-dobra-aposta-contra-esquerda-e-afasta-reconciliacao-com-lula.shtml. Acesso em: 02/08/2022.

Durante o ano de 2022, a Folha Universal foi procurada pelo jornal Folha de S. Paulo para saber quem escrevia os editoriais, e o departamento de Comunicação da Universal respondeu que “é um absurdo que se pretenda questionar quais articulistas podem ter espaço na Folha Universal. Ou será que a Igreja Universal do Reino de Deus também deveria contestar a escolha dos colunistas que essa Folha de S. Paulo abriga em suas páginas?”

A Folha Universal não emitiu a informação de quem escrevia e considerou o questionamento um absurdo. Em diversas ocasiões, a Folha Universal questionou a imprensa secular, argumentando que seus leitores deveriam privilegiar a Universal como fonte de informações. Uma demonstração dessa tentativa do jornal como fonte específica são as constantes críticas a outras fontes de informação e as constantes realizações do que eles denominam “Jejum de Daniel”, que são períodos em que as pessoas não deveriam “consumir” quaisquer outras fontes de informação que não fosse as da Universal.

A legimitidade da Folha Universal é constantemente reforçada. Um jornal que estaria compromissado com os “interesses de Deus” e a serviço da evangelização, por isso mais legítimo e a ser considerado pelos fieis como fonte primaz de informações. Pastores, fiéis e leitores se tornam “máquinas de ressonância” (Connolly 2005CONNOLLY, E. William. (2005), “The Evangelical-Capitalist Resonance Machine.” Political Theory, vol. 33, nº 6: 869-86.) - não é incomum que assuntos dos jornais se tornem temas de pregações, conversas e materiais que circulem em redes sociais.

Esse poder de mobilização e conformações de visão de mundo tem se tornado alvo de diversas candidaturas, tendo em vista os milhões de votos em que isso pode resultar. As igrejas podem potencializar candidaturas ao facilitar a utilização de mão de obra, estruturas físicas, redes de contatos e apoios financeiros, funcionando como verdadeiras “máquinas eleitorais” (Prandi, Santos, Bonato 2018PRANDI, Reginaldo; SANTOS, Renan W. dos; BONATO, Massimo. (2019), “Igrejas evangélicas como máquinas eleitorais no Brasil”. Revista USP , nº 120: 43-60.). O jornal da IURD é um importante instrumento de mobilização que não representa nenhum custo ao candidato, e pode representar relevante papel em contexto eleitoral, como fora demonstrado em relação às eleições de 2018 (Oliveira; Martins 2021OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; MARTINS, Caio César Nogueira. (2021), “O discurso eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a ascensão de Bolsonaro”. Plural , vol. 28, nº 1: 237-258.).

Nas eleições de 2022, o apoio da Folha Universal à candidatura de Bolsonaro foi explícito desde as primeiras edições do ano. Muito do que se abordou no jornal reproduzia discursos de campanha de Jair Bolsonaro. Nas primeiras edições houve um grande investimento simbólico na incompatibilidade entre ser “cristão e ser de esquerda”, alertas diversos sobre o “perigo do comunismo”, o “caos” em que viveriam os países governados pela esquerda e uma tentativa de mobilizar e relacionar conteúdos de pânico moral que poderiam atingir toda a sociedade brasileira em caso de vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT.

No estudo do jornal Folha Universal, optamos por analisar o Editorial e o “Panorama”, seções do jornal que são relevantes na exposição das concepções políticas da IURD. O Editorial é um pequeno texto na página três em que se emitem opiniões mais explícitas sobre os acontecimentos políticos. No “Panorama” são apresentadas matérias mais elaboradas de assuntos mais informativos. Em quase todo Editorial e Panorama, os temas tratados estão relacionados às eleições. Fizemos a leitura de todos os jornais e apresentaremos a seguir três quadros com os títulos dos semanários de 2022, relacionados há três temas principais das eleições: o comunismo, as ameaças à família e, Lula e o PT. Optamos em fazer a classificação pelo texto do editorial e mantivemos os temas dos Panoramas, mesmo aqueles não relacionados ao tema central, para que leitores percebam a predominância dos temas centrais relacionados às eleições.

Iniciamos a apresentação das tabelas14 14 As tabelas são desdobramentos de uma pesquisa de Iniciação Científica realizada no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa, intitulada “Religião e Política na Igreja Universal do Reino de Deus: um estudo da Folha Universal em 2022”. Agradecemos imensamente ao apoio de Isadora Almendagna, bolsista que coletou dados importantes para a confecção das tabelas. com um tema muito mobilizado durante o ano eleitoral de 2022, o grande receio de o Brasil eleger Lula e o Brasil entrar em uma “crise”, como teria ocorrido em outros países da América Latina. A grande causa dessa crise são práticas “comunistas” de governos de esquerda. Nas eleições de 2022, houve um consistente ativismo conservador da IURD, insistindo na assertividade da incompatibilidade entre ser cristão e ser de esquerda. Não vamos explorar os contextos das matérias, mas todas têm como ponto de convergência a demonização da esquerda comunista.

Tabela 1:
O Comunismo e a América Latina.

Outra questão fundamental naquela eleição específica foi a representação de que o PT era identificado à Ideologia de Gênero. Essas matérias enfatizam que as famílias estão sofrendo “sérios ataques” e que as propostas da esquerda a colocariam em risco.

Tabela 12:
As Famílias e o Pânico Moral

Na próxima tabela estão selecionados editoriais focados em críticas a Lula e ao PT. Desde as primeiras edições de 2022, essas críticas foram contundentes e se repetiram durante todo o ano eleitoral. As matérias eram explícitas no apoio à Bolsonaro.

Tabela 3:
Lula e o PT

No primeiro turno, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro receberam respectivamente 48,43 e 43,20 por cento dos votos e foram para a disputa do segundo turno. As pesquisas eleitorais indicavam Bolsonaro com menos votos e muitos militantes viram a virada como possibilidade concreta porque candidatos de Bolsonaro na Câmera e no Senado obtiveram boa votação.

No segundo turno, a Folha Universal reiterou apoio a Jair Bolsonaro e fez matérias explícitas ressaltando a importância de reelegê-lo:

Tabela 4:
Matérias do Segundo Turno das Eleições de 2022

Pode-se dizer que o jornal foi um instrumento de campanha em favor de Jair Bolsonaro. Os temas que foram emergindo ao longo do ano estavam relacionados às falas do candidato do PL e aos acontecimentos políticos ao longo do período eleitoral. Assim, nossa análise indica que os temas importantes das campanhas se revelavam diretamente nas matérias da Folha Universal. Portanto, fazer matérias sobre Identidade de Gênero, Maconha e explicar por que Lula era um ladrão são escolhas intencionais para influenciar os fiéis. Houve a tentativa de “inculcar ideias” nos fiéis de que não seria possível serem cristãos, algo simbolicamente muito relevante aos fiéis, e votarem em candidatos de esquerda.

A edição 1554, de janeiro de 2022, é exemplar dessa postura que perpassou todo o ano eleitoral: “Se você se diz cristão e ainda vota na esquerda, há apenas duas possibilidades: ou você não segue realmente os mandamentos do evangelho ou os segue e ainda não entendeu o que é a esquerda verdadeiramente” Pastor Renato Cardoso. O título é “5 motivos que mostram que é impossível ser cristão e ser de esquerda”. É uma edição em que o jornal já indica que teríamos uma eleição polarizada e o grande adversário a ser combatido eram os grupos de esquerda que se utilizariam de:

Uma estratégia maléfica para confundir ainda mais a população e angariar os votos incautos para os ditos esquerdistas, que se transvestem de defensores do povo, quando na verdade, querem repetir fórmulas já desgastadas e ineficazes - incluindo aí os regimes ditatoriais - e espalhar ainda mais o caos para que suas atitudes de desgoverno não sejam notadas.

O jornal enfatizava que os grupos cristãos seriam muito diferentes dos agentes da esquerda e que se ficassem atentos aos argumentos perceberiam que que um cristão de verdade não pode nem deve compactuar com ideias esquerdistas. Essas visões de mundo se fizeram em redes sociais de maneiras diversas e consolidaram os votos evangélicos em Jair Bolsonaro.

No mês de abril, na edição 1567, o título do Panorama é “Esquerda e o Cristianismo”. Com palavras destacadas está escrito: “Veja como suas ideias e pensamentos colocam em risco o livre exercício da fé.” Num subtítulo da matéria consta que “na prática, a liberdade prometida pelas ideologias de esquerda traz consigo muitas restrições, inclusive proibindo a prática da fé, seja em Deus ou qualquer divindade”. Na mesma matéria são citados países que seriam governados pela esquerda que teriam restrição à fé cristã: China, Cuba, Venezuela, Argentina e, pasmem, os Estados Unidos. No Brasil, um governo de esquerda representaria: “Ameaça ao Pensamento”, “Ameaça à Propriedade” e “Ameaça à fé” e termina com o questionamento; “A pergunta que fica é: o que você quer para o futuro do Brasil?”.

Tal cenário nos remete a Chantal Mouffe (2015MOUFFE, Chantal. (2015), Sobre o Político. São Paulo: WMF Martins Fontes.:5), “o que acontece é que hoje em dia o político é jogado para a esfera moral. Em outras palavras, ela ainda consiste numa dicotomia, nós/eles agora é estabelecido em termos morais. No lugar do conflito entre “direita e esquerda”, vemo-nos diante do conflito ente “‘certo e errado’”. Ela sinaliza que, “em vez de ser construída em termos políticos, a oposição nós/eles constitutivas da política é construída segundo categorias morais de ‘bem’ versus ‘mal’” (Mouffe 2015:74-75). Nessa relação de antagonismo entre progressistas e reacionários, estes passaram a se identificar mutuamente como esquerda e direita, em um contexto no qual a flutuação desses dois significantes permite que os consideremos pontos nodais na categorização laclauniana. Nesse caso específico, o “mal” seria o PT, que poderia desestruturar toda a sociedade e o “bem” seria pessoas ligadas à candidatura de Bolsonaro, que estaria combatendo o mal.

A visão que se passa é que as políticas públicas que seriam colocadas em prática pelo PT seriam uma grande ameaça aos cristãos brasileiros. É digno de destaque que essas transmissões de concepções políticas e religiosas tiveram início bem antes do período eleitoral. Lula, então candidato, era classificado como de esquerda e associado ao comunismo.

A campanha de aversão à esquerda, ao que tudo indica, atingiu os propósitos. Embora Bolsonaro tenha perdido as eleições, ele arrebanhou grande parte do eleitorado evangélico (Silva; Gracino Junior 2022SILVA, Mayra. Goulart ; GRACINO JUNIOR, Paulo. (2022), “A vitória dos parentes: uma hipótese sobre a desidratação do bolsonarismo”. Revista Rosa, vol. 6: 01-16.). Os riscos apontados ao cristianismo, à “família cristã” e aos bons costumes se reproduziram de maneira repetitiva ao longo de todo o ano eleitoral. Bolsonaro pautou o debate dos costumes para que Lula fosse identificado como adversário da “família brasileira”.

Essa categorização foi fundamental para que aumentassem as resistências de evangélicos a votarem em Lula. Muitas dessas temáticas eram tidas como fundamentais ao eleitorado brasileiro. A aposta de que o candidato era contrário à liberdade religiosa e aos costumes enfatizadas ao longo de todo ano foi fundamental para mobilizar o eleitorado. Nesse sentido, pode-se dizer que essas ideias de forças do bem contra o mal tiveram enorme poder de mobilização de amplos setores da sociedade brasileira.

Considerações finais

A eleição presidencial de 2022 foi polarizada entre Lula e Jair Bolsonaro. A vitória de Lula se deu com uma votação menor que dois por cento dos votos (50,9% a 49,1%). O debate eleitoral foi regulado por pautas morais e uma disputa muito acirrada por votos, em especial do segmento evangélico. Este era visto como uma das parcelas que Jair Bolsonaro precisava fidelizar e um eleitorado em que o PT precisava conquistar votos. Nas eleições de 2018, pesquisas indicaram que a votação de Bolsonaro entre os evangélicos foi fundamental para que se sagrasse vencedor. Uma diferença importante da atuação da Folha Universal daquele contexto para esse é que a mobilização em prol de Bolsonaro se deu apenas quando este demonstrou possibilidades reais de vitória (Oliveira; Martins 2021OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; MARTINS, Caio César Nogueira. (2021), “O discurso eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a ascensão de Bolsonaro”. Plural , vol. 28, nº 1: 237-258.), em 2022, o apoio foi explícito desde a primeira edição do ano.

Nossa pesquisa evidencia que o jornal da IURD foi um órgão politicamente atuante e se colocou como instrumento de campanha de Jair Bolsonaro. As pautas conservadoras centradas na “família tradicional” e o receio de um “governo de esquerda” foram discursos basilares na defesa da candidatura de Jair Bolsonaro. O debate foi centrado num discurso de divisão entre o bem e o mal. A esquerda foi representada como algoz de propósitos cristãos.

A associação do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à corrupção, ao comunismo e ao fim da liberdade religiosa se contrastava com o apoio à Jair Bolsonaro, identificado com a honestidade e a defesa dos interesses cristãos. A análise do jornal, ao longo do ano, contribuiu para a percepção de que as temáticas dos jornais reproduziam discursos e debates da campanha. A Folha Universal comemorou o resultado de candidatos conservadores no primeiro turno e muita preocupação com a eleição de Lula. O apoio à candidatura de Jair Bolsonaro ocorreu pelas pautas das matérias publicadas, pelas críticas diretas a Lula e pelos elogios às políticas públicas de Jair Bolsonaro. Foi um apoio consistente de um jornal de enorme tiragem e distribuição para as mais diversas regiões do Brasil.

Por fim, como já dissemos logo no começo deste artigo, antes de serem máquinas de alienação, as denominações religiosas são tecnologias de organização social, atuando como dispositivos de dominação política aderidas, em sua maioria, à candidatura de Jair Bolsonaro. No caso da IURD, essa adesão foi muito expressiva. Os discursos, as práticas, as imagens e as críticas à imprensa secular configuravam uma narrativa que legitimava a candidatura de Bolsonaro. Nesse sentido, é secundário se o fiel acredita firmemente na existência da ideologia de gênero ou que o adversário vai fechar templos - o que pode parecer contraditório -, mas como dissemos, tais discursos funcionam como narrativas, sinais diacríticos, que tornam plausível uma ação aparentemente incongruente, ou seja, a adesão de grupos cristãos a um candidato belicista e com um discurso violento.

Como já afirmamos em outros trabalhos, os dados analisados permitem-nos afirmar que, embora o sucesso eleitoral de Bolsonaro extrapole a questão religiosa, envolvendo aspectos sociopolíticos conjunturais, o discurso de fundo religioso serviu como elemento mobilizador de afetos traduzidos em adesão eleitoral ao candidato. Nesse sentido, os evangélicos não são os únicos demiurgos do bolsonarismo, muito menos são seus ideólogos de primeira hora, mas, seguramente, colocam-se na ponta de lança do projeto de hegemonia do pensamento conservador em curso no país (Burity, 2020). O que argumentamos, ao longo do texto, é que as matérias veiculadas pelo jornal Folha Universal forneceram um importante material que ressoava parte das temáticas morais dispersas na sociedade, figurando como veículo importante na tradução desses temas em pânicos morais expressos em linguagem religiosa

Nesse cenário, enquanto sujeito político, os evangélicos, notadamente a IURD, não precisam constituir maioria absoluta para produzirem uma gramática conservadora da ação política, basta que alcancem número e coesão suficientes para começarem a articular discursivamente os termos em que as demandas serão expressas. E, uma vez constituídos como tal, tornam-se um elemento determinante em qualquer disputa hegemônica travada em âmbito nacional, sendo exatamente nesse sentido que a Folha Universal tem sua contribuição.

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  • 1
    Em um debate organizado pela Fundação Perseu Abramo e Fundação Friedrich Ebert, “Brasil-Alemanha - União Europeia: desafios progressistas e parcerias estratégicas”, ocorrido no dia 5 de abril, Lula havia defendido a descriminalização do aborto: “A madame pode ir fazer um aborto em Paris, escolher ir para Berlim. Na verdade, [o aborto] deveria ser transformado em uma questão de saúde pública, a que todo mundo deve ter direito, e não vergonha”. [Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2022/04/05/lula-e-martin-schulz-defendem-acordo-entre-mercosul-e-europa-baseado-no-desenvolvimento-global. Acesso em: 25/09/2022], no entanto, diante da repercussão negativa da fala, especialmente, entre lideranças evangélicas, o então candidato foi obrigado a rever sua posição e a redigir uma carta destinada aos eleitores evangélicos em que se diz “pessoalmente contra o aborto”. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/lula-se-manifesta-contra-aborto-bolsonaro-critica-a-justica-eleitoral/. Acesso em 19/10/2022.
  • 2
    No documento “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil: Lula/Alckmin 2023-2026 -Coligação Brasil Da Esperança”, vemos que tais temas ou são tratados com cautela, como as políticas voltada à População LGBTQIA+ (:9), ou foram tratadas genericamente como a política sobre drogas (:7). Disponível em: https://static.poder360.com.br/2022/08/programa-de-governo-eleicoes-2022-poder360-lula-pt.pdf. Acesso em 19/10/2022.
  • 3
    Me refiro aqui a dois surveys realizados com curto intervalo de tempo. No primeiro, conduzido pelo Instituto Senado com 5.850 pessoas por telefone, o montante foi de 20%. No segundo, feito pelo Instituto da Democracia (IDDC-INCT), foram entrevistadas presencialmente 2.538 pessoas. Ambas foram amplamente divulgadas na mídia, e seus resultados estão disponíveis em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pesquisa-do-senado-indica-que-21-dos-eleitores-no-brasil-se-consideram-de-direita/ e https://oglobo.globo.com/blogs/pulso/post/2022/07/pesquisa-aponta-que-o-dobro-dos-brasileiros-se-diz-mais-de-direita-que-esquerda-veja-os-numeros.ghtml. Acesso em 19/10/2022.
  • 4
    Edir Macedo é o fundador e principal liderança da Igreja Universal do Reino de Deus.
  • 5
    Embora tenha existido um momento em que a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento de Covid-19 não fosse conhecida, com a popularização do medicamento, estudos surgiram afirmando que, na realidade, este era ineficaz e não ajudava pacientes infectados, fato que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a não recomendar o medicamento e advertir sobre efeitos adversos.
  • 6
    Estudo da UFS confirma ineficácia da hidroxicloroquina para prevenção e tratamento da covid-19. Portal Universidade Federal de Sergipe. Disponível em: https://www.ufs.br/conteudo/68009-estudo-da-ufs-confirma-ineficacia-da-hidroxicloroquina-para-prevencao-e-tratamento-da-covid-19. Acesso em: 02/08/2022.
  • 7
    OMS: Hidroxicloroquina não funciona contra Covid-19 e pode causar efeito adverso. CNN Brasil. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/oms-cloroquina-nao-funciona-contra-a-covid-19-e-pode-causar-efeitos-adversos/. Acesso em 04/11/2018.
  • 8
    Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,edir-macedo-declara-apoio-a-bolsonaro,70002526353. Acesso em 04/11/2018.
  • 9
    Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/folha-universal-completa-30-anos/. Acesso em: 02/08/2022.
  • 10
    Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/folha-universal-completa-30-anos/. Acesso em 02/08/2022.
  • 11
    Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/folha-universal-completa-30-anos/. Acesso em: 02/08/2022.
  • 12
    Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/igreja-universal-dobra-aposta-contra-esquerda-e-afasta-reconciliacao-com-lula.shtml. Acesso em: 02/08/2022.
  • 13
    Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/igreja-universal-dobra-aposta-contra-esquerda-e-afasta-reconciliacao-com-lula.shtml. Acesso em: 02/08/2022.
  • 14
    As tabelas são desdobramentos de uma pesquisa de Iniciação Científica realizada no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa, intitulada “Religião e Política na Igreja Universal do Reino de Deus: um estudo da Folha Universal em 2022”. Agradecemos imensamente ao apoio de Isadora Almendagna, bolsista que coletou dados importantes para a confecção das tabelas.
  • Errata

    1) Em relação ao artigo “A máquina universal: uma análise da mobilização do discurso moral na Folha Universal nas eleições de 2022”, DOI https://doi.org/10.1590/0100-85872023v43n1cap04, publicado em Rev. Relig. soc. 43 (1), Jan-Abr, 2023, pág. 100:
    Onde se lia:
    O artigo teve como propósito uma análise mais detida na análise dos jornais, ou seja, o foco foi analisar a maneira como a instituição apregoava suas concepções e objetiva a circulação de uma visão de mundo específica. Dessa forma, nossa pesquisa foi capaz de evidenciar que essa visão institucional apresentava adesão à campanha de Bolsonaro, mas não avançou na maneira como esses assuntos eram debatidos no cotidiano dos fiéis. No bojo dessas considerações, cumpre destacar que há heterogeneidade no campo evangélico e que nossa escolha pela IURD se justifica mais pela sua força econômica, política e pela capacidade de utilização de suas mídias do que pelo número de fiéis.
    Leia-se:
    O artigo teve como propósito uma análise dos jornais, concentrando-se na forma como a IURD publicizava suas concepções e objetivava a circulação de uma visão de mundo específica. Dessa forma, ainda que a pesquisa tenha sido capaz de evidenciar a narrativa institucional para a adesão à campanha de Bolsonaro, não foi nossa intenção avançar no exame do rebatimento desta gramática no cotidiano dos seus fiéis, uma vez que tal exegese exigiria um esforço não comportado pela pesquisa que deu origem a este texto. No bojo dessas considerações, cumpre destacar que há heterogeneidade no campo evangélico e que nossa escolha pela IURD se justifica por sua contundente imagem pública, que pauta, de forma significativa, o cenário religioso em âmbito nacional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2022
  • Aceito
    05 Abr 2023
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