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Dinâmica de introdução de inovações na agricultura: uma crítica à abordagem neoclássica

Dynamics of introducing innovations in agriculture: a critique of the neoclassical approach

RESUMO

Este artigo apresenta os fundamentos teóricos do modelo de inovação induzida. Tentamos mostrar sua inadequação para explicar a ascensão de um novo paradigma tecnológico. A validade do modelo é restrita por sua hipótese central quanto à racionalidade econômica dos agentes produtivos que são induzidos a introduzir inovações para economizar o fator de produção mais caro. As restrições do lado da oferta às inovações são negligenciadas, mas são muito importantes para explicar as características técnicas e científicas que definem um novo padrão tecnológico; portanto, o viés de economia de fatores é a única coisa que o modelo pode dizer sobre um novo paradigma tecnológico a ser gerado.

PALAVRAS-CHAVE:
Inovação; mudança tecnológica; agricultura; modelo Hayami-Ruttan

ABSTRACT

This paper presents the theoretical foundations of the induced innovation model. We try to show its inadequacy to explain the rise of a new technological paradigm. The validity of the model is restricted by its central hypothesis as to the economic rationality of productive agents that are induced to introduce innovations to save the more expensive production factor. Supply-side constraints on innovations are neglected, but they are very important to explain the technical and scientific characteristics that define a new technological pattern; so, the factor-saving bias is the only thing the model can say about a new technological paradigm to be generated.

KEYWORDS:
Innovation; technological change; agriculture; Hayami-Ruttan model

INTRODUÇÃO

O objeto de nossa análise crítica é o modelo neoclássico de inovações induzidas formulado inicialmente por Hayami e Ruttan (1971HAYAMI, Y. e RUTTAN, V .W. (1971). Agricultural Development: An International Perspective, The Johns Hopkins Press, Baltimore.). Este modelo conheceu um enorme sucesso, tendo influenciado políticas agrícolas, principalmente políticas científicas e tecnológicas, em diversos países, entre os quais o Brasil. Embora já tenha recebido inúmeras críticas, a maioria das quais perfeitamente válidas, pensamos que uma crítica mais incisiva à própria consistência interna do modelo ainda não foi feita. Seus autores pretendem que se trata de um modelo capaz de explicar (e predizer) o processo de mudança tecnológica. Seu postulado central é de que os agentes econômicos são sensíveis às variações de preços que afetam seus custos de produção e que esta sensibilidade se traduz num esforço para introduzir inovações que os reduzam.

Evidentemente, este postulado, que supõe que os agentes econômicos têm um comportamento racional, não pode ser considerado como suficiente para definir um modelo explicativo. Seria preciso reduzir o nível de abstração de modo a incorporar as variáveis que efetivamente interessam para explicar o processo complexo de mudança tecnológica. No entanto, esta necessária redução do nível de abstração é obliterada pela hipótese de que as forças de mercado, desde que atuando livremente, “sinalizam” eficazmente o processo de introdução de inovações. Não são tratados adequadamente os fatores de ordem técnico-científica e ecológica que dão origem a sequências precisas de inovações; nem tampouco os fatores políticos, institucionais, culturais etc., que intervêm no processo de mudança tecnológica.

FUNDAMENTOS TEÓRICOS

O modelo se funda na ideia de progresso técnico induzido pela disponibilidade relativa de fatores de produção formulada de modo claro pela primeira vez por Hicks (1963HICKS, J .R. (1963). The Theory of Wages, Macmillan, Londres.), cujo objetivo era de mostrar o efeito do crescimento econômico sobre a distribuição de renda entre capital e trabalho. Hicks trabalha com o conceito de “elasticidade de substituição” entre fatores de produção. Se esta é igual à unidade, o crescimento da participação relativa de um dado fator de produção resultará num aumento da produtividade marginal dos demais fatores na mesma proporção do aumento do produto total. A substituição entre fatores de produção, devido a mudanças nos preços relativos, pode exprimir-se de três maneiras: modificação de linhas de produtos no sentido da fabricação daqueles cuja função de produção comporte uma combinação de fatores mais favorável; mudança nas proporções de fatores ao longo da mesma função de produção; mudança de função de produção (progresso técnico induzido).

As duas primeiras são limitadas como mecanismo de regulação (a segunda implica conceber o capital como algo totalmente maleável - jelly-like capital, segundo a expressão de Joan Robinson). É a terceira a responsável pela manutenção da flexibilidade de uma economia em rápido crescimento. Numa economia onde o progresso técnico é pouco dinâmico (“letárgico”), o ritmo da acumulação de capital seria ameaçado pela baixa da produtividade do marginal do capital (elasticidade de substituição menor do que a unidade). Esta somente seria aumentada com a introdução de inovações labour-saving.

De modo geral, Hicks supõe que, numa economia onde o progresso técnico é muito ativo, a elasticidade de substituição entre fatores deverá ser superior à unidade, implicando o aumento da participação relativa do capital na renda nacional. Esta suposição baseou-se em algumas evidências empíricas levantadas por Bowley num estudo sobre a distribuição de renda na Inglaterra antes da 1ª. Guerra Mundial. No entanto, esta suposição não é premissa fundamental do modelo. Estudos posteriores mostraram que a relação capital/produto nas economias capitalistas dinâmicas se manteve constante a longo prazo. Isto é, a elasticidade de substituição entre fatores de produção foi igual à unidade.

O modelo de Hicks foi desenvolvido e aperfeiçoado por uma série de autores. Entre esses, cabe mencionar aqui Ahmad (1966AHMAD, S. (1966). “On the Theory of Induced Innovation”, The Economic Journal, vol. LXXVI, junho.) que concebe uma curva de possibilidades de inovações contendo todas as isoquantas alternativas que o empresário pode obter. A curva de possibilidade de inovações (IPC), que tende a ser neutra, é definida a partir de fatores puramente técnicos. Ela é função da “habilidade” inovadora e do tempo. Os fatores econômicos somente intervêm na escolha das isoquantas que ela contém. Quanto mais caro um dado fator de produção, mais enviesada será a isoquanta escolhida no sentido de poupá-lo. Ahmad supõe que o custo e o tempo requerido para se deslocar de uma isoquanta a outras, situadas no interior de uma mesma IPC, são os mesmos necessários para se deslocar para uma isoquanta situada em outra IPC tecnicamente superior. O corolário desta suposição é que, uma vez escolhida a isoquanta mais adequada a uma dada estrutura de preços relativos, todas as demais isoquantas da IPC cessam de ser uma opção no caso de mudança nos preços relativos. O movimento real será feito através do deslocamento entre as diversas IPCs e não no interior das mesmas.

Hayami e Ruttan partem também do pressuposto de que a curto prazo a substituição entre fatores de produção em resposta a modificações de preços relativos é limitada pelo fato de que o capital não é maleável; no longo prazo, entretanto, esta restrição não existe. A partir de um “fundo” de conhecimentos técnico-científicos disponíveis, é possível escolher a combinação de fatores de produção que melhor convém a uma dada estrutura de preços relativos. Eles transformam o movimento ao longo de várias IPCs de Ahmad numa função de produção neoclássica de longo prazo (meta-função de produção). Hayami e Ruttan criticam também Hicks por ter limitado seu modelo ao quadro da teoria da firma. Isto limitaria seu poder explicativo na medida em que o comportamento inovador do setor público não é considerado. Na agricultura, este último teve um papel preponderante na pesquisa agronômica.

O modelo foi testado a partir da comparação da experiência histórica de modernização agrícola americana e japonesa entre 1880 e 1960. Dada a amplitude das modificações nas proporções entre capital e trabalho nos dois países, supõe-se que estas dificilmente seriam o resultado de simples substituições de fatores de produção ao longo de uma isoquanta e não o fruto de uma mudança técnica. Assim, o teste para o modelo seria mostrar a existência de estreita correlação entre mudança técnica e as modificações nos preços relativos dos fatores de produção.

Até o presente, tanto as considerações de Ahmad como as de Hayami e Ruttan vieram apenas precisar e formalizar melhor o modelo original de Hicks. A contribuição de Hicks foi importante na medida em que veio mostrar claramente as dificuldades analíticas que surgem ao se tratar o progresso técnico como variável exógena. O nível de abstração em que foi realizado o esforço de Hicks, embora elevado, era compatível com o objetivo visado. Recorreu-se a um fenômeno observado. - o fato de que a escassez relativa de um fator de produção tende a induzir um esforço técnico no sentido de poupá-lo - para se formular um modelo macroeconômico geral capaz de explicar o equilíbrio da distribuição da renda nacional numa economia em crescimento. Entretanto, o nível de abstração do modelo se torna insatisfatório quando o objetivo visado é explicar o surgimento e a evolução de um determinado padrão de desenvolvimento tecnológico e não simplesmente dizer se uma tecnologia apresenta um dado viés factor-saving.

Em outras palavras, a este nível de abstração, não é possível explicar satisfatoriamente o porquê, por exemplo, da introdução de uma dada tecnologia poupadora de trabalho e não de outra igualmente poupadora de trabalho. É simplesmente suposto que a tecnologia escolhida assim o foi porque era a mais eficaz; a necessária redução do nível de abstração para tratar de perto os múltiplos aspectos envolvidos no processo de mudança tecnológica é assim obliterada pela hipótese de que as forças de mercado se encarregam de reter a opção tecnológica mais eficaz.

DESENVOLVIMENTO DO MODELO

Hayami e Ruttan e seguidores introduziram várias modificações na versão original do modelo. O trabalho de Schmookler (1962SCHMOOKLER, J. (1962). “Economic Sources of Investive Activity”, The Journal of Economic History, vol. XXII, n. 1, março.), por exemplo, inspira uma das primeiras. Ele mostra que os incentivos econômicos para inovar não se resumem às modificações dos preços relativos dos fatores de produção. Para Schmookler as expectativas favoráveis de venda de um determinado produto são um poderoso incentivo para se inovar. Ele procura mostrar que existe correlação positiva entre o volume de patentes e o crescimento da produção e que a relação de causa e efeito atua no sentido da produção para a invenção. São as oportunidades abertas pelo desenvolvimento socioeconômico (urbanização, aumento da renda per capita, variação de preços relativos etc.) os principais fatores de incentivo da atividade inventiva. Ben Zion e Ruttan (1978BENZION, U. e RUTTAN, V.W. (1978). “Aggregate Demand and the Rate of Technical Change”, Induced Innovation, Technology, lnstitutions, e Development, BISWANGER H.P. e RUTTAN V.W. (org.), The Johns Hopkins Press, Baltimore.) desenvolveram um modelo formal para testar a hipótese de Schmookler com dados da economia americana no período de 1929/1970.

Em seguida, a própria ideia de uma fronteira observável de conhecimentos representada por uma isoquanta foi questionada. Rosenberg (1976ROSENBERG, N. (1976). Perspectives on Technology, Cambridge University Press.) se pergunta de que modo um largo leque de possibilidades técnicas seria conhecido. Dado que a produção de conhecimentos é ela própria uma atividade custosa, por que é que se conheceriam alternativas técnicas representando combinações de fatores distintas daquela que é justificada pela atual estrutura de preços relativos? Ou, então, porque numa determinada sociedade, onde o preço do capital é relativamente mais baixo do que aquele do trabalho, estariam disponíveis informações detalhadas sobre técnicas de produção poupadoras de capital? Por conseguinte, é uma ficção a noção de uma isoquanta representando um largo leque de possibilidades de combinações de fatores de produção. É a questão que coloca Biswanger (1978aBISWANGER, H.P. (1978a). “Induced Technical Change: Evolution of Thought”, Induced Innovation, Technology, lnstitutions, e Development, BISWANGER H.P. e RUTTAN V.W. (org.), The Johns Hopkins Press, Baltimore).

Segundo Biswanger, o fato de a pesquisa ter um custo, torna irreal a ideia de uma fronteira tecno-científica observável. Se a rentabilidade da pesquisa é sempre positiva, então esta fronteira não existe nem mesmo conceitualmente. Os recursos disponíveis para a pesquisa serão gastos à medida que os benefícios marginais igualizem os custos marginais. Em outras palavras, a fronteira tecno-científica de possibilidades de inovações é definida como sendo o ponto onde a pesquisa adicional não leva a nenhum acréscimo de produtividade. Como nenhuma empresa racional levaria a pesquisa a este ponto, é mais realista descrever o processo de inovação como um processo de investimento que depende não somente dos estímulos econômicos para inovar, como também da produtividade e custo da pesquisa.

Assim, o ritmo de mudança técnica depende, de um lado, dos incentivos econômicos para inovar (demanda por inovações) e, de outro lado, de fatores que afetam o esforço de pesquisa (a oferta de inovações): a produtividade relativa de linhas de pesquisa alternativas - se a pesquisa poupadora de capital é mais fácil de se realizar que aquela poupadora de trabalho; aumentos na escala de produção que afetam positivamente o esforço de pesquisa; restrições no orçamento de pesquisa. Estes fatores, atuando do lado da oferta de inovações, podem provocar vieses no processo de mudança técnica que são contraditórios (a curto prazo) com os estímulos econômicos para inovar. A longo prazo, entretanto, o problema tende a desaparecer se não houver distorções a nível institucional (a questão do controle de patentes, por exemplo) e a nível do mercado (o problema dos monopólios).1 1 Ver Bíswanger, H.P. (1978, p. 122). Estas modificações introduzidas no modelo de inovações induzidas mostram simplesmente que o esforço anterior de formalização é perfeitamente dispensável para exprimir seu postulado central. Nesse sentido, certas críticas, como a de Dall’Acqua (1983), perdem a razão de ser. Ele procura mostrar que não é legítimo analisar o processo de desenvolvimento tecnológico como um problema de alocação eficiente de recursos escassos (isto é, com base no conceito de função de produção) em uma economia multisetorial onde o capital é heterogêneo. Nessas condições, é possível que uma maior taxa de salário (ou menor taxa de lucro) possa estar associada com alta ou baixa relação capital/trabalho. Em outras palavras, se os salários caem, a técnica com a mais alta taxa de lucro de equilíbrio pode ser tanto labour-saving quanto capital-saving. Sem dúvida, isto pode ocorrer. No entanto, como vimos, esta possibilidade foi considerada pelos autores do modelo de inovações induzidas. Trata-se de um viés que, a longo prazo, tende a ser eliminado.

Para testar esta versão ampliada do modelo de inovações induzidas, um novo teste multifator (terra, trabalho, máquinas, fertilizantes etc.) foi concebido de modo a dar conta dos possíveis vieses. Biswanger (1978cBISWANGER, H.P. (1978.c). “Measured Biases of Technical Change”, Induced Innovation, Technology, lnstitutions and Development, Org. by BISWANGER, H.P. e RUTTAN, V.W. The Johns Hopkins University Press, Baltimore.) trabalha com dados desagregados do setor agrícola americano, procurando isolar os efeitos indutores dos incentivos econômicos para inovar. Yeung e Roe (1978YEUNG, P. e TERRY, R.L. (1978). “A Ces Test of Induced Technical Change: Japan”, org. por P.H. Biswanger e V.W. Ruttan, Baltimore: The Johns Hopkins Press.) desenvolveram também um teste para detectar o efeito de hysteresis descrito por David (1975DAVID, P .A. (1975). Technical Choice Innovation and Economic Growth. Essays on American and British Experiences in the Nineteenth Century, Cambridge (MA), Cambridge, University Press.), isto é, o efeito de inércia que faz com que uma mudança técnica enviesada tenda a continuar na mesma direção quando esta já é contraditória com a estrutura de preços dos fatores de produção. Segundo David, este fenômeno se explica pela existência, num microcosmo tecnológico, de indivisibilidades e fortes complementaridades técnicas que criam gargalos cujas soluções dão origem a sequências “quase neutras” (não induzidas pelo mercado) de inovações.

O que é de se notar neste esforço em considerar os fatores que atuam do lado da oferta de inovações é que, em vez de procurar compreender melhor seus condicionantes tecno-científicos, a preocupação maior dos autores é de isolar seus efeitos de modo a provar o óbvio: os incentivos para inovar são econômicos; se estes não sofrerem nenhum tipo de distorção, nem existir algum tipo de bloqueio ou viés a nível da pesquisa técnico-científica, então a tecnologia desenvolvida poupará o fator de produção que se tornou relativamente mais caro.

Inovações institucionais induzidas

Segundo Ruttan (1978RUTTAN, V. W. (1978). “Induced Institutionallnnovation”. Induced Innovation, Technology, lnstitutions and Development, Org. by BISWANGER, H.P. e RUTTAN, V.W. The Johns Hopkins University Press, Baltimore.) e Hayami e Ruttan (1984HAYAMI, Y. e RUTTAN, V .W. (1984). “Toward a Theory of Induced Institutional Innovation”, The Journal of Development Studies, vol. 20, n. 4, julho.), a demonstração de que a mudança técnica pode ser tratada como variável endógena ao processo de desenvolvimento econômico não implica que o progresso agrícola e industrial seja guiado por “mão invisível”, a qual conduziria à geração de tecnologias eficazes em função da disponibilidade de recursos da economia e/ou do crescimento da demanda. Isto porque o desenvolvimento científico e tecnológico é causa e efeito de um processo de desenvolvimento institucional. O esforço de pesquisa institucional é afetado também por considerações de ordem econômica. A demanda por inovações institucionais é induzida pelas variações nos preços relativos dos fatores de produção e dos produtos. A oferta de inovações institucionais varia em função do desenvolvimento das ciências sociais, dos conhecimentos jurídicos, das técnicas de planificação etc.

Um exemplo de demanda por inovação institucional induzida pela escassez de um fator de produção (a terra), que por sua vez induziu uma mudança técnica, teria sido a substituição dos direitos feudais de uso comunitário da terra pelo direito de uso individual conferida pela propriedade privada. À medida que a terra se tornava escassa, os estímulos para se introduzir inovações técnicas aumentavam. No entanto, a mudança técnica ficou bloqueada enquanto a apropriação dos frutos do esforço inovativo não foi assegurada pela propriedade privada a quem o realizou. A passagem do sistema de rotação bienal para o sistema mais intensivo de rotação trienal já teria sido o resultado de um primeiro afrouxamento dos direitos de uso comunitário. Somente a eliminação total destes direitos e a ascensão da propriedade privada da terra iria permitir então a introdução das inovações que vieram configurar o que foi chamado de primeira revolução agrícola nos séculos XVIII e XIX.

Do lado da oferta de inovações institucionais, um dos exemplos mais espetaculares de mudança institucional produzida pelo progresso nas ciências sociais teria sido a evolução da macroeconomia sob impulsão de Keynes. Os ganhos econômicos proporcionados por estes novos conhecimentos em macroeconomia foram consideráveis. No último trabalho citado, Hayami e Ruttan (1984HAYAMI, Y. e RUTTAN, V .W. (1984). “Toward a Theory of Induced Institutional Innovation”, The Journal of Development Studies, vol. 20, n. 4, julho.) acrescentam os fatores culturais (inclusive a religião e as ideologias), como fatores que exercem uma forte influência sobre a oferta de inovações institucionais na medida em que eles podem tornar menos custosas certas mudanças institucionais ou impor custos elevados sobre outras.

No caso da agricultura, a criação de instituições públicas de pesquisa agropecuária representou uma inovação institucional de capital importância. Dado que boa parte da pesquisa no setor agrícola não permite a apropriação privada do retorno do investimento realizado, a inexistência de instituições públicas de pesquisa teria dificultado enormemente o processo de modernização agrícola. Estas instituições públicas de pesquisa respondem eficazmente, no entanto, aos sinais emitidos pelo mercado através das demandas dos agentes interessados. A condição necessária para uma resposta eficaz é o bom relacionamento entre pesquisadores e agricultores e/ou industriais de produtos agrícolas.

ELEMENTOS PARA UM MODELO DE INTERPRETAÇÃO DA DINÂMICA DEINTRODUÇÃO DE INOVAÇÕES2 2 Para um desenvolvimento mais completo destas ideias, ver Romeiro, A.R. (1986).

A evolução de um determinado padrão tecnológico resulta da interação de múltiplos fatores. Rosenberg (1976ROSENBERG, N. (1976). Perspectives on Technology, Cambridge University Press. e 1982ROSENBERG, N. (1982). Inside the Black Box. Technology and Economics, Cambridge University Press.) assinala a falta de atenção dos economistas que estudam a questão tecnológica para com os fatores atuando do lado da oferta de inovações. Em todos os setores produtivos existe uma série de restrições, de estímulos, de relações de interdependência de ordem estritamente técnica que dão origem a sequências precisas de inovações no tempo. As interações complexas e diversificadas destes mecanismos indutores modificam continuamente a estrutura de custos de produção, de modo que sua compreensão é fundamental para explicar a direção e o ritmo de introdução de inovações. Sem o estudo aprofundado destes mecanismos não se pode dizer mais do que generalidades sobre o processo inovativo. É óbvio que os incentivos para inovar são econômicos em última instância. Mas justamente por serem, como tais, completamente difusos, eles não dizem nada sobre a emergência de um tal padrão tecnológico e não de outro.

Mowery e Rosenberg (1982MOWERY, D.C. e ROSENBERG, N. (1982). “The Influence of Market Demand upon Innovation: a critical review of some recent empirical studies”, Inside the Black Box. Technology and Economics, N. Rosenberg (org.), Cambridge University Press.) criticam os modelos demand-side pull exatamente porque estes subestimam (ou ignoram) tais mecanismos, supondo implicitamente que os conhecimentos científicos e tecnológicos jogam um papel passivo de blue-print no processo de inovação. As restrições técnicas inerentes ao processo inovativo não são consideradas. Tudo se passa como se estas estivessem fechadas numa “caixa preta”, cuja abertura não interessa. Em outras palavras, considera-se o resultado do que é um processo complexo e não o próprio processo. Ora, como vimos, no que diz respeito à oferta de inovações, os autores do modelo de inovações induzidas se limitam a descrever os possíveis vieses do processo inovativo provocados por um certo número de restrições ao nível do sistema de pesquisa.

No caso do setor agrícola, esse tipo de procedimento é particularmente problemático, dadas as especificidades ecológicas que lhe são inerentes. Trabalha-se neste setor com interações físico-químicas e biológicas de incrível complexidade. Um determinado método de intervenção no ecossistema agrícola provoca uma cadeia de reações que traça de modo preciso toda uma série de problemas a serem resolvidos, os quais dão origem a uma sequência particular de inovações tecno-científicas. Para se compreender a dinâmica de introdução de inovações na agricultura, portanto, é necessário fazer um estudo mais aprofundado da evolução dos conhecimentos científicos aplicados na compreensão do ecossistema agrícola. Esta postura metodológica é fundamental também para resolver um problema crucial do debate ecológico na agricultura, que é a dificuldade de se avaliar corretamente a validade das críticas, muitas das quais não têm base científica séria.

O desenvolvimento da ciência e dos métodos de observação e medida só vieram confirmar a concepção científica do ecossistema agrícola, que emergira no início do século XX, contrária à visão estreita e reducionista que considerava o solo de um ponto de vista estritamente químico, como simples meio nutritivo para a planta. Entretanto, na prática, o solo vai continuar a ser assim considerado. Desse modo, as práticas agrícolas recomendadas com base na análise científica do complexo pedo-climático foram fundamentalmente distintas daquelas efetivamente adotadas. Este fato se traduziu numa clivagem entre pesquisadores no interior de instituições de pesquisa agropecuária. De um lado, situam-se aqueles que defendem o desenvolvimento de técnicas que são fruto de uma análise científica não reducionista do ecossistema agrícola; de outro, aqueles que se preocupam em propor soluções técnicas que atendam à demanda dos agentes interessados, agricultores e industriais independentemente dos problemas ecológicos que possam causar.

Segundo a análise científica do ecossistema agrícola, na natureza, diversidade é sinônimo de estabilidade, de modo que a necessária simplificação da cobertura vegetal deve ser compensada com práticas como as associações de culturas no espaço (culturas consorciadas) e/ou no tempo (rotações de culturas). Tais práticas são um notável meio de se manter a estabilidade do ecossistema agrícola, seja no que concerne ao controle de pragas ou no que diz respeito à manutenção de um bom estado estrutural do solo. Uma boa estrutura física do solo, por sua vez, é essencial a ela e ao resultado de sua história cultural. A prática de rotação de culturas tem precisamente como primeiro objetivo modelar esta história em um sentido favorável às culturas (condições de absorção de água e nutrientes pela planta, conservação a longo prazo da fertilidade do solo).

No caso de sistemas agrícolas muito simplificados sem rotação de culturas, sobretudo a monocultura de cereais, os fatores desestabilizadores ganham força, obrigando o agricultor a recorrer a técnicas intensivas em energia para obter as condições necessárias ao desenvolvimento vegetal, ao custo da degradação do ecossistema agrícola a longo prazo. Assim, é possível traçar sequências precisas de inovações químico-mecânicas no rastro da degradação progressiva das condições estruturais dos solos, especialmente nas regiões de monocultura cerealífera. Em outras palavras, não é possível compreender a emergência do atual padrão tecnológico de modernização agrícola sem levar em conta estes fatores tecno-ecológicos.

Por outro lado, é necessário também ter em conta os fatores econômicos - que não se encontram isolados de um dado contexto político/institucional - e que explicam a tendência histórica de simplificação excessiva do ecossistema agrícola. Na Europa, por exemplo, seria preciso explicar por que foram abandonadas as práticas agrícolas que se haviam difundido no século XIX, o sistema de rotações de tipo Norfolk (a cultura melhoradora), que eram extremamente equilibradas do ponto de vista ecológico, em benefício de sistemas agrícolas ultra simplificados (monoculturas). A lógica que preside a especialização excessiva é principalmente aquela da busca de rentabilidade máxima, produzindo somente o produto mais rentável. A estrutura fundiária tem, no entanto, um peso decisivo neste processo, dado que a rentabilidade de cada produto não depende somente dos preços de mercado. Depende também, evidentemente, das condições de produção. Estas, por sua vez, variam em função de inúmeros fatores, entre os quais o tamanho da exploração e as condições pedo-climáticas.

Na França, por exemplo, a especialização na produção de cereais pelos grandes agricultores de certas regiões lhes proporcionava substanciais rendas diferenciais e uma diminuição dos custos de organização e controle do processo de trabalho. As rendas diferenciais decorrentes das diferenças de qualidade entre os diversos tipos de solo são exacerbadas pela prática da monocultura, enquanto os sistemas de cultura mais complexos (envolvendo rotações culturais agronomicamente balanceadas) as reduzem, a ponto de eliminá-las em certos casos. Isto se deve ao fato de que a monocultura provoca um forte desgaste do solo. Somente solos muito bem estruturados, profundos, são capazes de suportá-la a custos razoáveis por longos períodos. Em solos mais frágeis, os custos se elevam rapidamente com os trabalhos de reestruturação e recomposição químico-mecânicas que se fazem necessários. Desse modo, para os agricultores cujas explorações se situam em regiões de bonnes terres a grain, os custos com a monocultura são muito inferiores à média, possibilitando-lhes, por conseguinte, apropriarem-se de substanciais rendas diferenciais.

Em países como o Brasil, a questão não está, evidentemente, em explicar o abandono de determinadas práticas agrícolas em benefício da monocultura. A agricultura no país já nasce monocultora por razões históricas bem conhecidas. O problema é explicar por que o processo de modernização tem início e se acelera enormemente a partir de certa época, em contradição com a disponibilidade relativa de fatores da economia (e também com as características pedo-climáticas do país). Neste ponto aparece clara a limitação do modelo de inovações induzidas. Os autores do modelo cometem o erro de identificar indevidamente grandeza como uma de suas medidas. A grandeza em questão é o custo do fator trabalho e uma de suas medidas, o salário. Não é considerado o fato de que uma parte importante do custo da força de trabalho está ligada à qualidade dó trabalho executado, a qual depende não somente do nível de qualificação e destreza do trabalhador, mas também das possibilidades de controle e organização eficazes do processo de trabalho. O grau de eficácia destes, por seu turno, depende de fatores institucionais, culturais etc., que não são devidamente considerados. Desse modo, a disponibilidade real do fator trabalho não se mede simplesmente pelo nível de salários, como é suposto.

Este equívoco levou os autores do modelo, e outros que estudaram o caso do Brasil, a enfrentarem sérias dificuldades para explicar o processo acelerado de mecanização labor-saving, em meio a mão-de-obra abundante e visível degradação das condições de vida dos trabalhadores rurais. Procurou-se demonstrar, apesar de tudo, que a mecanização poupadora de trabalho fora uma resposta racional dos fazendeiros à elevação dos salários dos trabalhadores rurais; estes, por sua vez, se teriam elevado devido ao aumento das oportunidades de emprego no setor urbano-industrial. Diante da amplitude do fenômeno se admitiu, entretanto, que possa ter havido excessos na mecanização poupadora de trabalho. Sanders e Ruttan (1978SANDERS, J.H. and RUTTAN, V.W. (1978). “Biased Choice of Technology in Brazilian Agriculture”. Induced Innovation, Technology, lnstitutions and Development, Org. by BISWANGER, H.P. e RUTTAN, V.W. The Johns Hopkins University Press, Baltimore.) apontam a existência de distorções no sistema de preços relativos provocadas pela política de subsídios aos insumos e equipamentos poupadores de mão-de-obra e pela elevação artificial dos salários através do estabelecimento do salário-mínimo legal.

Esta política de subsídios teria sido, por sua vez, influenciada por “pequenos” setores compostos de grandes proprietários localizados no centro-sul e nas regiões de fronteira agrícola. Nestas regiões ter-se-ia observado efetivamente uma escassez relativa de trabalho. Entretanto, supõe-se que, mesmo nestas regiões a instituição do salário-mínimo legal teria elevado o nível salarial acima do preço de mercado. Daí a razão da demanda por subsídios ao capital. Portanto, houve mecanização excessiva mesmo nas regiões de escassez relativa de trabalho, mas foram mais duramente afetadas as regiões menos dinâmicas, como o nordeste, com grande disponibilidade de mão-de-obra.

A solução para o problema seria, portanto, relativamente simples. Em primeiro lugar, devem-se eliminar as causas das distorções: reduzir os subsídios e não intervir no mercado de trabalho. Em segundo lugar, cabe dinamizar a pesquisa agrícola no sentido de se desenvolverem novas técnicas agrícolas e variedades vegetais que atendam também aos interesses dos pequenos produtores, localizados principalmente na região nordeste (resolvendo desse modo, ao mesmo tempo, o problema das disparidades regionais).

Estas soluções propostas revelam claramente o irrealismo da concepção mecanicista do tempo da economia neoclássica: a reversibilidade dos processos econômicos. Mueller (1983MUELLER, C.C. (1983). “Modernização Agrícola, Preços Relativos e Desemprego Rural - Um Exame Crítico de Abordagens Neoclássicas”, Apresentado no 5º. Congresso Brasileiro de Economistas, Curitiba. (Mimeografado)) já havia chamado a atenção para este fato, mostrando quão ilusório seria supor que a solução para o problema de desemprego rural poderia ser obtida através de manipulações de preços relativos. Assim, em lugar de reformas estruturais mais profundas, os autores do modelo de inovações induzidas opõem pesquisa científica e “verdade” nos preços relativos dos fatores de produção. O fato de que o “pequeno” setor composto por grandes proprietários representa 80% da área agrícola, enquanto a grande massa de pequenos produtores se concentra sobre apenas 2,5%, não tem grande importância.

Recentemente, no Brasil, um teste rigoroso da hipótese de inovações induzidas foi realizado por Santos (1986SANTOS, R.F. (1986). “Processo de Modernização da Agricultura Brasileira: um Teste da Hipótese da Inovação Induzida”. Anuais do XIV Encontro Nacional de Economia, Brasília, dezembro.) que utilizou o modelo de teste concebido e aperfeiçoado por um dos colaboradores de Hayami e Ruttan,3 3 Ver Biswanger, H.P. (1974 e 1978). não tendo encontrado nenhuma correlação significativa entre variação de preços relativos de fatores e mudança técnica na agricultura brasileira no período em questão. O que é coerente com a realidade observada de baixos salários recebidos pelos trabalhadores rurais.

Bacha (1979BACHA, E. (1979). “Crescimento Econômico, Salários Urbanos e Rurais: o caso do Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 9 (3), dezembro.) já havia mostrado que os salários dos trabalhadores rurais deflacionado pelo índice de preços recebidos pelos agricultores haviam permanecido constantes durante o período considerado. Como explicar, então, o fenômeno de introdução generalizada de progresso técnico poupador de trabalho? Resende (1985RESENDE, G.C. (1985). “Interação entre Mercados de Trabalho e Razão entre Salários Rurais e Urbanos no Brasil”, Estudos Econômicos, 15 (1), jan./abr.) sugere que este pode ter sido o resultado de transformações ocorridas nas relações sociais de produção. Com efeito, há evidências de que a substituição da mão-de-obra residente, com a qual o proprietário mantinha relações pessoais de caráter clientelista, por trabalhadores volantes, regidos por relações impessoais de trabalho assalariado, provocou problemas insuperáveis de organização e controle do processo de trabalho. Nos arranjos tradicionais, estes problemas são mínimos.

A partir do momento em que estas relações são substituídas por relações capitalistas de trabalho assalariado, a organização e o controle do processo de trabalho de um contingente numeroso de trabalhadores se tornam extremamente difíceis e conflituosos. Os custos de supervisão e controle sobem rapidamente ao mesmo tempo em que cai a qualidade do trabalho executado, mormente em tarefas mais delicadas, que exigem um mínimo de cuidados e savoir faire. Na agricultura, por suas especificidades naturais, não é possível organizar e controlar o processo de trabalho de um contingente numeroso de trabalhadores assalariados com métodos semelhantes aos empregados na indústria. Somam-se a isto os problemas de recrutamento que podem comprometer a produção, dado a relativa rigidez do calendário agrícola. Assim, o custo do trabalho se eleva, mesmo se seu preço, medido em salários, permanece constante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para os autores do modelo, em países como os EUA e o Japão teriam estado presentes as condições necessárias e suficientes para a geração da tecnologia agrícola mais eficaz em face do desafio do aumento dos rendimentos da terra e da elevação da produtividade do trabalho. Todas as possíveis distorções foram eliminadas pelo pleno funcionamento dos mecanismos de mercado. As próprias instituições destinadas a intervir no mercado para evitar ou corrigir as distorções foram induzidas em grande medida pelo “livre” funcionamento do mercado. Diante deste quadro analítico, a chamada questão ecológica aparece como bastante perturbadora. Em primeiro lugar, devido à constatação inevitável dos estragos provocados no ecossistema pela tecnologia agrícola considerada mais eficaz. A principal resposta dos autores do modelo de inovações induzidas a esta verificação consistiu em reconhecer o problema como sendo o resultado de um atraso do progresso técnico e institucional, no campo do tratamento de resíduos poluentes, relativamente ao progresso técnico e institucional responsável pelo aumento da produção agrícola. Ou seja, a tecnologia agrícola corrente é a mais eficaz, necessitando-se apenas contornar seus impactos ecológicos negativos.

Em segundo lugar, a crítica ecológica atinge diretamente a consistência interna do modelo, quando diz que não somente as práticas agrícolas ditas modernas degradam o ecossistema agrícola, o que é inegável, como também que elas não foram a única resposta técnica eficaz para aumentar os rendimentos da terra e a produtividade do trabalho na agricultura. A resposta a esta crítica consistiu menos numa tentativa séria de refutação científica, do que em acusações genéricas de radicalismo ideológico. Ruttan (1982RUTTAN, V. W. (1982). Agricultural Research Policy, Minneapolis, University of Minnesota Press., p. 334), por exemplo, afirma que este tipo de crítica resulta da vaga de ceticismo que emergiu nos anos 60 e 70 com relação aos benefícios do progresso científico e tecnológico. A agricultura moderna não escaparia a esta crítica, justamente porque ela teria sido um dos resultados mais notáveis da moderna fusão entre ciência e tecnologia. Segundo ele, o valor crescente que a sociedade atribui às “amenidades” ambientais, como “águas não poluídas ou ruas limpas”, implica demandas de controle social sobre o desenvolvimento científico e tecnológico da agricultura que vão além de considerações de viabilidade econômica, sendo “éticas e estéticas”.

Ou seja, a crítica ecológica é considerada a-científica e irresponsável; não teria existido outra via eficaz de modernização agrícola. O estilo de modernização agrícola que emergiu nos países desenvolvidos foi o filho único do casamento entre ciência e tecnologia, induzido eficazmente pela disponibilidade relativa de fatores de produção. Diante dos impactos socioeconômicos e ecológicos negativos da chamada agricultura moderna, as proposições de política agrícola inspiradas pelo modelo de inovações induzidas são fundamentalmente conservadoras, contrárias a toda e qualquer modificação efetiva do status quo. Em países como o Brasil, onde a estrutura agrária extremamente concentrada está na base de graves disparidades sociais, este modelo tem servido de apoio a políticas agrícolas conservadoras contra movimentos reformistas que questionam principalmente a estrutura fundiária dominante.

Em síntese, podemos dizer que o modelo de inovações induzidas em sua estrutura teórica é limitado a um postulado genérico e evidente sobre a racionalidade dos agentes socioeconômicos num contexto de livre atuação das forças de mercado. Para Lionel Robins,4 4 ROBINS, Lionel. Essay on the Nature and Significance of Economic Science. Citado por Koopmans, T. C. (1957, p.135). a principal qualidade dos postulados da teoria econômica é justamente sua quase imediata evidência (almost immediate obviousness), na medida em que eles dizem respeito a fatos que cada indivíduo tem oportunidade de observar cotidianamente. Assim, por exemplo, o principal postulado da teoria do valor (neoclássica) seria o fato de que os indivíduos hierarquizam de uma certa maneira suas preferências. No entanto, como observa Koopmans (1957KOOPMANS, T.C. (1957). Three Essays on the State of Economic Science, Mcgraw-Hill Book Company.), o que parece evidente não deixa de ser vago e pouco preciso. Seria temerário utilizar este postulado da teoria do valor como critério de alocação eficaz de recursos, quando se sabe que esta hierarquização é modulada pela publicidade e pelo modismo. Neste sentido, a economia neoclássica, segundo Hicks, ao não tratar ou tratar mal dos fatores que condicionam o comportamento de fatos evidentes por si mesmos, se transforma num mágico com uma “notável habilidade de tirar coelhos de uma cartola”.5 5 Hicks dizia que a teoria econômica pura; construída sobre alguns postulados genéricos e supostamente evidentes, “tem uma habilidade notável de tirar coelhos de uma cartola’. Citado por Koopmans, T.C. (1957, p. 136).

Ao nível de abstração em que foi formulado o modelo de inovações induzidas, seria possível explicar, como Hicks e os demais autores de modelos de crescimento, a evolução da distribuição de renda entre capital e trabalho; ou explicar, como fazem Hayami e Ruttan, por que o progresso técnico na agricultura tende a ser labor-saving onde o fator trabalho é escasso (EUA) e land-saving onde a terra é o fator escasso (Japão). Mas para explicar a emergência de um novo padrão tecnológico teria sido necessário tratar mais de perto as variáveis ecológicas, tecno-científicas, institucionais, culturais etc., que efetivamente intervêm no processo de geração de inovações. O tratamento insuficiente destas variáveis não somente dificulta a explicação da emergência de um novo padrão tecnológico, como também a explicação da difusão de um dado modelo de modernização agrícola em países, como o Brasil, onde o quadro socioeconômico, político, institucional etc. é distinto daqueles dos casos clássicos estudados.

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  • 1
    Ver Bíswanger, H.P. (1978BISWANGER, H.P. (1978.b). “The Microeconomics of Induced Technical Change”, Induced Innovation, Technology, lnstitutions and Development, Org. by BISWANGER, H.P. e RUTTAN, V.W. The Johns Hopkins University Press, Baltimore., p. 122). Estas modificações introduzidas no modelo de inovações induzidas mostram simplesmente que o esforço anterior de formalização é perfeitamente dispensável para exprimir seu postulado central. Nesse sentido, certas críticas, como a de Dall’Acqua (1983DALL’ACQUA, F .M. (1983). “O problema da agregação de capital: uma crítica ao modelo de inovações induzidas de Hayami e Ruttan”, Pesquisa e Planejamento Econômico, vol. 13, n 3, dezembro.), perdem a razão de ser. Ele procura mostrar que não é legítimo analisar o processo de desenvolvimento tecnológico como um problema de alocação eficiente de recursos escassos (isto é, com base no conceito de função de produção) em uma economia multisetorial onde o capital é heterogêneo. Nessas condições, é possível que uma maior taxa de salário (ou menor taxa de lucro) possa estar associada com alta ou baixa relação capital/trabalho. Em outras palavras, se os salários caem, a técnica com a mais alta taxa de lucro de equilíbrio pode ser tanto labour-saving quanto capital-saving. Sem dúvida, isto pode ocorrer. No entanto, como vimos, esta possibilidade foi considerada pelos autores do modelo de inovações induzidas. Trata-se de um viés que, a longo prazo, tende a ser eliminado.
  • 2
    Para um desenvolvimento mais completo destas ideias, ver Romeiro, A.R. (1986ROMEIRO, A.R. (1986). Agriculture et Progrès Technique: une etude sur la dynamique., des innovations. These de Doctorat de l’EHESS, Paris,).
  • 3
    Ver Biswanger, H.P. (1974 e 1978BISWANGER, H.P. (1978a). “Induced Technical Change: Evolution of Thought”, Induced Innovation, Technology, lnstitutions, e Development, BISWANGER H.P. e RUTTAN V.W. (org.), The Johns Hopkins Press, Baltimore).
  • 4
    ROBINS, Lionel. Essay on the Nature and Significance of Economic Science. Citado por Koopmans, T. C. (1957KOOPMANS, T.C. (1957). Three Essays on the State of Economic Science, Mcgraw-Hill Book Company., p.135).
  • 5
    Hicks dizia que a teoria econômica pura; construída sobre alguns postulados genéricos e supostamente evidentes, “tem uma habilidade notável de tirar coelhos de uma cartola’. Citado por Koopmans, T.C. (1957KOOPMANS, T.C. (1957). Three Essays on the State of Economic Science, Mcgraw-Hill Book Company., p. 136).
  • 6
    JEL Classification: Q16; Q18; O33

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1991
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