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Sistema Financeiro de Habitação: A questão do desequilíbrio do FCVS

Financial Housing System: The FCVS imbalance issue

RESUMO

O Sistema Financeiro de Habitação Brasileiro está à beira da insolvência virtual. A presença continuada de inflação, aliada a um sistema inconsistente de indexação da dívida (a chamada correção monetária), agravada ainda mais por uma infinidade de concessões concedidas aos mutuários e por alguns procedimentos mal concebidos impostos por uma sequência de planos de estabilização (Cruzado, Verão. e Collor) resultaram em um desequilíbrio potencial de US $ 20 bilhões para o Fun do de Compensação de Variações Salariais - FVCS (Fundo de Compensação de Variações Salariais). Discutindo a inconsistência básica do esquema de indexação da dívida que ainda está sendo usado, o artigo aponta a origem do problema e oferece algumas sugestões sobre como ele pode ser reduzido.

PALAVRAS-CHAVE:
Construção; inflação; política habitacional

ABSTRACT

The Brazilian Financial Housing System is on the verge of virtual insolvency. The continued presence of inflation, coupled with an inconsistent system of debt indexation (the so - called monetary correction), further aggravated both by a plethora of concessions given to the borrowers and by some ill-conceived procedures that were imposed by a sequence of stabilization plans (Cruzado, Summer .and Collor) has resulted in a potential imbalance of US$ 20 billions for the Fundo de Compensação de Variações Salariais - FVCS (Compensation Fund of Wage Variations). Discussing the basic inconsistency of the debt indexation scheme that is still being used, the paper points out the origin of the problem and offers some suggestions on how it could be reduced.

KEYWORDS:
Construction; inflation; housing policy

INTRODUÇÃO

Um dos problemas que mais vêm preocupando o governo é o do eventual colapso do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Tal possibilidade diz respeito à virtual insolvência do chamado Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), para o qual se estima um débito potencial da ordem de US$ 20 bilhões e cuja realização começará a se fazer mais intensa já a partir de 1991.

O propósito do presente trabalho é o de investigar as causas do desequilíbrio do FCVS, buscando apresentar algumas sugestões tanto para corrigir alguns desvios que têm sido observados, como para tentar amenizar o impacto negativo que se verificará quando das liquidações dos contratos de financiamento habitacional ora vigentes.

Como iremos mostrar, a fonte principal da questão é a presença da inflação, acoplada à criação de planos de financiamento financeiramente inconsistentes, cujos descompassos foram magnificados pela enxurrada de benesses concedidas aos mutuários. O estancamento do processo inflacionário, que ora não se afigura como tarefa promissora, certamente interromperia o aumento do problema. Entretanto, sua solução, mesmo com o fim da inflação, demanda a adoção de medidas heroicas e urgentes, pois que o tamanho do déficit já é assustador.

O ANTIGO PLANO “A”

Em agosto de 1964, através da Lei no. 4.380, foi instituído, juntamente com o princípio da correção monetária, o chamado Sistema Financeiro de Habitação, no qual o hoje extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) era o órgão central.1 1 Sua extinção foi efetuada por meio do Decreto-lei no. 2.291, de novembro de 1986, com todos os seus direitos e obrigações sendo transferidos para a Caixa Econômica Federal. Ao longo de sua relativamente curta existência, o BNH caracterizou-se por implementar uma sucessão de distintos planos de financiamento habitacional, alguns deles bastante exóticos.2 2 Para uma análise veja-se FARO, Clóvis de, Evolução dos Planos Básicos para Aquisição de Casa Própria do Banco Nacional de Habitação: 1964-1984, Ensaio Econômico da Escola de Pós-Graduação em Economia-EPGE no. 56, Fundação Getúlio Vargas, 1985.

Embora o FCVS tenha sido criado somente em junho de 1967 (através da RC no. 25/67 do BNH), juntamente com o chamado Plano “C”, podemos dizer que foi o Plano “A”, estabelecido em janeiro de 1966. (através da Instrução no. 5 do BNH), a origem do problema. Segundo este plano, enquanto o saldo devedor era reajustado monetariamente no início de cada trimestre civil, de acordo com o índice de variação do valor nominal das antigas Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN), as prestações eram monetariamente atualizadas anualmente, sessenta dias após a promulgação do novo valor anual do Salário-Mínimo (SM), e com base no índice de variação do valor do SM. Por força desta dualidade de índices de atualização monetária, acrescida do fato de que a política salarial então vigente implicava uma queda no valor da razão SM/ORTN, era já antecipado que os débitos contraídos segundo tal plano não seriam extintos no fim dos respectivos prazos originais. Para contemplar esta eventualidade, os prazos originais poderiam ser prolongados para perfazerem o total de até trezentos meses, sendo que, esgotada a prorrogação, as prestações passariam a ser corrigidas simultaneamente com os saldos devedores e de acordo com o mesmo índice de variação do valor nominal das ORTN. Tal plano, como veremos, poderia resultar na eternização dos débitos.

Para entendermos a possibilidade de eternização do débito, consideremos a situação seguinte. Seja o caso de um financiamento contratado no mês de junho de um dado ano, nas condições do Plano “A” e segundo o sistema de prestações constantes, à taxa efetiva mensal i e pelo prazo de n meses. Deste modo, sendo C o valor do financiamento, denotando-se por p, como expresso a preços da data de assinatura do contrato, o valor da prestação constante, tem-se que:

p = C . i / 1 - 1 + i : - n

Admitindo-se que o salário mínimo seja anualmente ajustado no mês de maio, de acordo com um certo coeficiente de correção monetária constante e igual a ex, segue-se que o valor a preços correntes da k-ésima prestação, denotado por P k,k ’ será dado por:

P k , k = p . α i n t k - 1 / 12 , k = 1 , 2 , . . .

Por outro lado, admita-se que a taxa trimestral de inflação, que é integralmente refletida na variação do valor nominal das ORTN, seja constante e igual a ().

Então, sendo D k,k o valor, a preços correntes, do estado da dívida logo após o pagamento da k-ésima prestação, tem-se que:

D 12 , 12 = C 1 + i 12 1 + θ 4 - p l + i 3 - 1 / i J 1 + i 9 1 + θ 3 + 1 + i 6 1 + θ 2 + 1 + i 3 1 + θ + 1

Portanto, sendo D¯ o valor, a preços correntes, do estado da dívida no final do e-ésimo ano, temos que:

D ¯ I = β . C - γ

onde

β = 1 + i 12 1 + θ 4

e

l = p l + i 3 - 1 / i β - 1 / β 1 / 4 - l

Como, ao longo do segundo ano do contrato, o valor das prestações fica igual a α2.p, segue-se que:

D ¯ 2 = β . D ¯ 1 - α . γ

ou

D ¯ 2 = β 2 . C - β . γ - α . γ

Similarmente, dado que ao longo do terceiro ano do contrato o valor das prestações passa a ser igual a α2 .p, tem-se:

D ¯ 3 = β . D ¯ 2 - α 2 . γ l

ou

D ¯ 3 = β 3 . C - β 2 . γ - β . α . γ - α 2 . γ

Procedendo-se por indução, e supondo que, caso o débito não seja extinto no fim dos n meses contratuais, o prazo seja prorrogado nas mesmas condições· iniciais quanto às correções monetárias de saldos devedores e prestações, segue-se que o valor, a preços correntes, do estado da dívida no fim de 𝓁 anos será igual a:

D ¯ l = β l C - γ / α k = 1 l α / β k , l

Temos dois casos de interesse a considerar:

a) α = b

Neste caso, que implica em dizer que o salário-mínimo sofre correção monetária integral, sendo ainda acrescido de um “fator de produtividade” igual a (1+i)12, tem-se que:

D ¯ l = α l C - l . γ / α

Por conseguinte, o débito será extinto no fim de um número finito de anos igual a:

𝓁 = α . C / γ

Assim, por exemplo, se o prazo contratual original for de quinze anos à taxa nominal anual de 10% com capitalização mensal, se a taxa anual de inflação se mantiver ao nível de 300%, com o salário mínimo crescente à taxa de 331,89% a.a., teremos 𝓁=17,89 anos. Ou seja, haveria a necessidade de uma prorrogação de mais de 19% do prazo contratual.

b) α < β

Frisando que este caso, que se afigura como o mais usual, não implica necessariamente em que o índice de correção anual do salário mínimo seja inferior ao correspondente à taxa anual de inflação, tem-se agora que:

D ¯ l = β l C - γ 1 - α / β l / β / α

Por conseguinte, a dívida será extinta no fim de um número i de anos dado pela expressão seguinte:

l = log 1 - C β - α / γ / log α / β

Logo, a dívida só será extinta em um número finito de anos se o valor de a for superior a um certo valor crítico o, que é dado por:

α ¯ = β - γ / C

ou

α ¯ = β - β - 1 1 + i 3 - 1 / β 1 / 4 - 0 1 - 1 + i - n

Ou seja, para que a dívida não seja eternizada, faz-se necessário que o coeficiente de reajuste anual do salário mínimo supere um certo valor crítico, que é função da taxa trimestral de inflação é, da taxa mensal efetiva contratual i e do número de meses n do prazo original.

Assim, a título de ilustração, no caso de um contrato com prazo de vinte anos à taxa de juros de 10% a.a. com capitalização mensal, se a taxa anual de inflação se mantiver ao nível de 500%, o débito só será extinto em um número finito de anos se a taxa de correção anual do salário-mínimo for superior a 535,65%. Por outro lado, se a for fixado em 6,4, por exemplo, a dívida só será liquidada no fim de 52,28 anos. Ou seja, mesmo com o reajuste anual do salário-mínimo superando a inflação no período, haveria a necessidade de uma prorrogação do prazo original que excederia a 160%.

A situação apresentada, embora dizendo respeito ao caso mais desfavorável, ilustra de maneira dramática as dificuldades associadas ao antigo Plano “A”.

A detecção das dificuldades apontadas, concomitantemente com a pressão da sociedade por planos de reajuste anual das prestações, fez com que fossem não só ampliados os limites de financiamento então vigentes, como simultaneamente criados, em junho de 1967, o chamado Plano “C” e o Fundo de Compensação de Variações Salariais. O Plano “C”, semelhantemente ao “A”, considerava o mesmo esquema de reajuste trimestral do saldo devedor e reajuste anual das prestações. A única diferença é que a data do reajuste das prestações, ao invés de sessenta dias após a promulgação dos novos valores do salário-mínimo, seria sempre um mês após o reajuste anual de salário da classe a que pertencesse o mutuário. Por outro lado, buscando limitar a prorrogação do prazo contratual ao máximo de 50%, foi criado o FCVS. Os mutuários dos Planos “A” e “C”, mediante uma contribuição cujo valor era igual ao de uma prestação inicial, teriam seus respectivos débitos assumidos pelo FCVS se estes não estivessem extintos ao fim da prorrogação máxima.

Dada a aceleração da inflação e a política salarial então vigente, é possível que o FCVS já tenha nascido fadado ao desequilíbrio.

O PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL

Através da RC no. 36/69, de novembro de 1969, atendendo a reclamações quanto à incerteza relativa ao número de prestações dos mutuários dos Planos “A” e “C”, o BNH resolveu criar o chamado Plano de Equivalência Salarial (PES). Por este novo plano, mantidas as sistemáticas de correção trimestral dos saldos devedores e de correção anual das prestações, o número de prestações, salvos os casos de liquidação antecipada e de amortizações extraordinárias, passou a ser fixo e igual ao número de meses do prazo contratual. Ficou estabelecido que os débitos porventura remanescentes, ao fim dos respectivos prazos contratuais, seriam absorvidos pelo FCVS. Em contrapartida, substituindo a contribuição no valor de uma prestação ao FCVS, foi instituído o chamado Coeficiente de Equiparação Salarial (CES), que passou a ser um multiplicador das prestações contratuais. Além do mais, caso o débito viesse a ser extinto antes do prazo contratual, as prestações em excesso seriam revertidas para o FCVS.

Para que se entenda o princípio do CES, cujo valor denotaremos por p, basta que seu valor seja determinado de tal modo que, com base nas estimativas do comportamento futuro das correções monetárias do saldo devedor e das prestações, seja feito nulo o estado da dívida no fim do prazo contratual. Deste modo, retomando a situação estudada na seção anterior, sendo m=n/12 o número de anos do prazo contratual, o valor de p deve ser tal que:

D ¯ m = β m C - p . γ / α k = 1 m α / β k = 0

Logo:

p = α 1 - 1 + i - n β 1 / 4 - 1 1 + i 3 - 1 β - 1 k = 1 m α / β k

Portanto, distinguindo-se as situações onde a=,B e a*,B, tem-se:

a) α = β

p = 12 α 1 - 1 + i - n α 1 / 4 - 1 n 1 + i 3 - 1 α - 1

Assim, por exemplo, no caso de um financiamento com prazo de quinze anos e taxa nominal de juros de 10% a.a. com capitalização mensal, se for estimado que a taxa anual de inflação se mantenha no nível de l00%, o que significa ter α=2,2094, o débito será extinto exatamente quando do pagamento da última prestação contratual, se o coeficiente de equiparação salarial for feito igual a 0,8212. Ou seja, observando que estamos tratando do caso em que a correção das prestações supera a inflação anual, as prestações contratuais deveriam ser reduzidas em quase 18%. Por outro lado, se a inflação anual for da ordem de 400%, o valor do CES deveria ser feito igual a 1,3348. Isto evidencia que uma subestimativa da taxa de inflação acarreta consequências funestas para o FCVS.

b) α β

Especializando-se para o caso onde a correção anual das prestações é igual à inflação acumulada no período, o que significa fazer a=(1+8)4, tem-se:

p = 1 + Θ 4 1 + i 12 - 1 1 + i 3 1 + Θ - 1 1 + i 3 - 1 1 + i 12 1 + Θ 4 - 1

Assim, observando que o prazo contratual passa a ser irrelevante, se a taxa de juros for de 10% a.a. com capitalização mensal e a taxa anual de inflação for estimada em l00%, deveremos ter p=1,5056. Por outro lado, indicando a grande sensibilidade a variações na taxa de inflação, se a taxa anual subir para 200% o valor de p deveria ser feito igual a 1,8807.

Em face da aceleração inflacionária que se observou nos anos recentes, e dado que os valores iniciais do CES, para os casos de contratos do tipo estudado, eram da ordem de 1,10 a 1,15, é fácil concluir que foram substancialmente subestimados. O resultado, por si só, terá sido o de contribuir sobremaneira para a insolvência do FCVS.

O CASO DE DEFASAGEM MÍNIMA

Uma vez que a situação estudada nas seções precedentes corresponde a um caso extremo, qual seja o de máxima (na situação então vigente) defasagem entre a data da primeira correção anual do valor da prestação e a data de assinatura do contrato, poderia ser alegado que nossas conclusões estariam excessivamente dramatizadas. Para mostrar que tal não procede, analisemos agora o caso de defasagem mínima.

Consideremos a situação em que o saldo devedor e as prestações são mensalmente corrigidos, sendo que a primeira correção de prestação só ocorre no fim do segundo mês. Neste caso, que, grosso modo, em face da lei salarial então em vigor, correspondia ao efetivamente observado no período compreendido entre os Planos Verão e Collor, se admitirmos que a taxa mensal de inflação permaneça constante e igual a Θ¯, teremos que:

P k , k = P 1 + Θ ¯ k - 1 , k = 1 , 2 , . . .

Nestas condições, é fácil ver que o débito residual, a preços correntes, no fim dos n meses do prazo contratual, será igual a:

D n , n = C . Θ ¯ 1 + i n 1 + Θ ¯ n - 1

Consequentemente, pode-se concluir que esta situação implica em que o débito residual seja a seguinte proporção do valor financiado C:

φ = Θ ¯ 1 + i n 1 + Θ ¯

Assim, por exemplo, se a taxa mensal se mantiver no módico, para nossa tradição, nível de 7%, o débito residual será de quase 30% do valor financiado, se o prazo contratual for de quinze anos à taxa de juros de 10% a.a. com capitalização mensal. Se a taxa mensal de inflação subir para 10%, o débito residual será já superior a 40% do valor do financiamento.

Podemos, pois, concluir que qualquer plano de correção monetária que não considere atualizações simultâneas, e segundo a variação de um mesmo indexador, de saldos devedores e prestações, propicia a possibilidade da presença de vultuosos débitos residuais.

A SUCESSÃO DE BENESSES

Por força da infelicidade da escolha do nome Plano de Equivalência Salarial, dando margem a que se interpretasse que o reajuste das prestações estivesse vinculado ao reajuste salarial do próprio mutuário (embora o contrato estipulasse reajuste anual pela variação do salário mínimo ou pela variação anual das ORTN), e motivada pela política salarial posta em prática a partir de outubro de 1979 (Lei n. 6.708), que passou a promover um achatamento dos salários mais altos (acima de dez salários mínimos), concomitantemente com uma rápida reaceleração da inflação, passou a haver forte grita por parte dos mutuários. Tais reclamações, que frequentemente ganhavam guarita por parte do Judiciário, levou a que o BNH viesse a conceder uma série de benefícios aos mutuários.

Assim, começando em 1983, foram concedidas as seguintes facilidades:

  • a) Renegociação dos contratos habitacionais com base no Decreto no. 88.371/83 (junho de 1983).

Como principal medida, o decreto estabeleceu que, mediante renegociação dos contratos, o reajuste de 130% das prestações fosse reduzido para até 98%. Sendo que, no caso dos funcionários públicos, a redução foi para 82%.

  • b) Renegociação dos contratos do SFH com base no Decreto-lei no. 2.045 (julho de 1983).

Os contratos seriam renegociados de modo a manter o encargo mensal do mutuário compatível com o seu nível de renda familiar. Em particular, o reajuste das prestações, no período de julho de 1983 a julho de 1985, ficava limitado a 80% da variação do INPC. Entretanto, o saldo residual resultante de tal medida seria de responsabilidade do mutuário.

  • c) Renegociação dos contratos do SFH com base no Decreto-lei no. 2.065/83 (outubro de 1983).

Como principal alteração, houve a troca do indexador das prestações. Este voltou a ser o salário-mínimo, e não mais a chamada Unidade Padrão de Capital (UPC), cujo valor no início de cada trimestre civil era igual ao de uma ORTN. Ainda mais, em havendo a troca de periodicidade do reajuste das prestações, passando de anual a semestral, o reajuste ficaria limitado a 80% da variação do salário-mínimo, até 30 de junho de 1985.

O resultado líquido das renegociações permitidas, foi uma redução, na taxa então vigente (em julho de 1983) para o reajuste das prestações, de 130% para a faixa de 87,51% a 109%.

  • d) Renegociação dos contratos do SFH com base na RC 4/84 do BNH (março de 1984).

Sem que houvesse a responsabilidade pelo débito residual resultante, nem havendo a obrigatoriedade de adotar-se a periodicidade semestral para o reajuste das prestações, o índice de correção monetária do valor das prestações ficou fixado em 80% da variação do salário-mínimo, no período de julho de 1984 ao fim de junho de 1985. Como consequência, os índices de reajuste relativos a julho de 1984 (191%) e julho de 1985 (246%), foram reduzidos para 143% e 194%, respectivamente.

  • e) Renegociação dos contratos do SFH com base nas RC 46/85, RD 47/85 e C. DESEG 12/85, do BNH.

Ficou estabelecido que os reajustamentos de prestações no ano de 1985 seriam efetuados com base no percentual de 112%, desde que fosse feita a opção pelo mutuário pelo Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, instituído pelos Decretos-leis nos 2.164/84 e 2.240/85. Neste caso, passando as prestações a serem corrigidas sessenta dias após os aumentos salariais das respectivas categorias profissionais dos mutuários, a correção monetária plena das prestações, em julho de 1985, foi reduzida do nível de 246% para 112%, sem que os mutuários ficassem obrigados a arcar com os débitos residuais resultantes.

A simples descrição dessas medidas, que se traduziram em verdadeiras benesses para os mutuários, acompanhada da análise apresentada nas seções anteriores, é suficiente para que se possa ter uma ideia do imenso impacto sobre o FCVS. Isto significa dizer que uns poucos privilegiados, os mutuários do BNH, irão impor um pesado ônus à sociedade como um todo.

OS EFEITOS DOS PLANOS DA ESTABILIZAÇÃO

Além do impacto negativo acarretado pela sucessão de benesses concedidas aos mutuários, o desequilíbrio do FCVS foi ainda magnificado pelas medidas adotadas quando das implementações de vários dos planos de estabilização econômica que, começando em 1986, vêm sendo monotonamente aplicados.

Em função do particular plano de estabilização adotado, tivemos as seguintes medidas:

  • a) Plano Cruzado

Quando da instituição do Cruzado como unidade monetária, pelos Decretos-leis nos 2.283 e 2.284, respectivamente de fevereiro e março de 1986, e conforme regulamentação através das RC 59/86 e RD 61/86 do BNH, a conversão das prestações foi efetuada com base na mesma sistemática que a adotada no caso dos salários. Ou seja, foi efetuada a partir da determinação do valor médio real das doze últimas prestações anteriores a março de 1986. A seguir, os valores foram congelados por um ano.

Por outro lado, quanto aos saldos devedores, estes foram corrigidos buscando-se contemplar a inflação observada nos meses de janeiro a março de 1986. A dualidade de critérios de correção monetária de saldos devedores e prestações acarretou um impacto negativo no FCVS, ainda mais que, em alguns casos, os novos valores das prestações passaram a ser menores dos que os que vigorariam na ausência do plano.

Além do mais, ainda no período de vigência do Plano Cruzado, os saldos devedores passaram a ser corrigidos de acordo com o mesmo indexador que o utilizado para as Cadernetas de Poupança. Assim, com a adoção das Letras do Banco Central (LBC), passou a ocorrer a possibilidade de correção superior à dada pela variação do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do FIBGE, que era o indexador dos salários e, assim, das prestações.

  • b) Plano Verão

De acordo com o chamado Plano Verão, instituído pela Lei no. 7. 730 de janeiro de 1989, e regulamentado pela Lei no. 7.738 de março do mesmo ano, as prestações dos contratos celebrados no âmbito do SFH, foram congeladas, no período de fevereiro a maio, nos seus respectivos valores relativos ao mês de janeiro de 1989. Os reajustes não aplicados naquele período seriam repassados, em três parcelas, após o período de congelamento.

Entretanto, os saldos devedores, no mesmo período de fevereiro a março de 1990, sofreram reajustes ao nível de 111%. Como consequência, verificou-se forte contribuição para aumento nos débitos residuais, desequilibrando ainda mais o FCVS.

  • c) Plano Collor

Finalmente (até quando?), nesta longa sucessão de medidas que vieram contribuir para o desequilíbrio do FCVS, temos que incluir o impacto negativo advindo da implementação do chamado Plano Collor, ou Brasil Novo, de março de 1990. De acordo com a Medida Provisória no. 191, ainda não convertida em lei, os saldos devedores dos contratos regidos pelas normas do SFH, sofreram correção monetária relativa à variação do IPC no mês de março (cujo valor foi da ordem de 84,32%), sendo que as prestações só vieram a incorporar a correção monetária relativa à variação do IPC até o mês de fevereiro. Como resultado, se a inflação fosse eliminada a partir de então, os saldos devedores residuais sofreriam um acréscimo de 84,32%, em termos reais.

SUGESTÕES PARA A REDUÇÃO DO PROBLEMA

A aceleração inflacionária, verificada principalmente a partir de 1974, por si só causadora de insuficiência nos valores previamente fixados para o CES, acompanhada da profusão de benesses que foram concedidas aos mutuários, tais como descritas na seção precedente, vieram comprometer, de maneira praticamente irreversível, mantida a sistemática atual, o equilíbrio do FCVS. Correntemente, como resultado líquido dos dois tipos de fenômenos apontados, estamos diante da situação insustentável em que uma parcela significativa dos contratos ora vigentes no âmbito do SFH é caracterizada pelo fato de que os valores de suas prestações são insuficientes para cobrir, de fato, os juros relativos aos respectivos saldos devedores. Isto significa que, em termos reais, os débitos residuais irão representar significativas proporções dos valores originalmente pactuados. Ainda, mais, em alguns casos extremos, os débitos residuais serão superiores aos valores financiados.

Como, por maior que seja o número dos mutuários beneficiados pela presença de débitos residuais, este número é relativamente insignificante em relação ao tamanho da população como um todo, segue-se que o impacto que será causado sobre o FCVS caracteriza uma injustiça social. Afinal de contas, serão os impostos cobrados sobre a sociedade como um todo que terão a tarefa de cobrir o desequilíbrio do FCVS. Isto é tanto mais injusto quando se leva em conta que impostos indiretos, que incidem também sobre as camadas mais pobres da população, irão servir, muitas vezes, para a quitação do débito relativo a financiamentos concedidos para a aquisição de imóveis de luxo.

Como resolver, ou mesmo tornar mais suportável o problema? A resposta deve ser dada com vistas a duas distintas perspectivas temporais. Para novos contratos, pelo menos para aqueles que não digam respeito a habitações efetivamente populares, para as quais algum tipo de subsídio parece ser imperativo, não mais deve haver o benefício da possível formação de débitos residuais. Isto poderia ser conseguido não só com a obrigatoriedade de prorrogação dos prazos contratuais originais, como também, subsidiariamente, por cláusula contratual que estipulasse, periodicamente, atualização dos valores reais das prestações. Neste sentido, por ser um plano de amortização que, comparativamente ao sistema de prestações constantes (Tabela Price), exige prestações iniciais maiores (em igualdade de condições quanto a prazos e taxa de juros), é interessante que seja efetuado o retorno da adoção do sistema de amortizações constantes. Obviamente, estas medidas ficarão supérfluas uma vez alcançado efetivo e duradouro sucesso no combate à inflação. Entretanto, é sempre melhor prevenir do que remediar.

E quanto aos contratos ora em vigor? Neste ponto, por questão de justiça social, sugere-se a adoção de medidas de caráter fiscal. Como a presença de débito residual constitui-se, em última análise, em ganho de capital por parte dos mutuários, parece ser justo que tais ganhos sejam tributados. Isto é como originalmente sugerido por Barbosa e de Faro3 3 BARBOSA, Fernando de H. e FARO, Clóvis de. “Uma proposta de justiça social para o BNH”, Folha de São Paulo, 24 de setembro de 1986. , uma vez deduzida a atualização do valor da contribuição ao FCVS, que tivesse sido efetuada pelo mutuário, o ganho de capital apurado seria taxado na declaração anual do imposto de renda, sempre que o débito residual superasse uma certa fração, a definir, do valor originalmente contratado.

Uma outra possibilidade é levar em conta que a quitação do débito, com a transferência do saldo residual para o FCVS, pode ser entendida como uma operação financeira. Como tal, estaria sujeita à incidência de IOF. Tal como no caso da adoção do princípio de ganho de capital acima mencionado, o tributo somente seria cobrado no caso de débitos residuais superiores a valores limites previamente especificados.

Finalmente, a par de medidas que dizem respeito a melhor gestão do FCVS, bem como da atribuição de encargos adicionais a uma outra parte integrante do problema, que é representada pelo conjunto dos agentes financeiros do SFH, cabe também a implementação de medidas policiais. Todos os mutuários que tenham mais de um imóvel no mesmo município, o que é ilegal, devem ser obrigados a liquidar seus respectivos débitos, imediatamente ou mediante recontratação, tais como apurados em termos reais.

CONCLUSÃO

Por serem baseados em sistemáticas de correção monetária de saldos devedores e de prestações que são inconsistentes, os antigos Planos “A” e “C” do extinto BNH, bem como seus sucessores, genericamente reunidos sobre o nome de Planos de Equivalência Salarial, embutem a possibilidade teórica da formação de vultuosos débitos residuais. Tendo tal possibilidade sido agravada pelo recrudescimento inflacionário e magnificada pelas inúmeras concessões feitas aos mutuários, fica patente que o Fundo de Compensação de Variações Salariais, precipuamente criado para absorver tais tipos de débitos residuais, terá que fazer face a compromissos que foram despropositadamente subestimados. Urge, pois, que medidas tais como as aqui sugeridas sejam rapidamente postas em prática.

  • 1
    Sua extinção foi efetuada por meio do Decreto-lei no. 2.291, de novembro de 1986, com todos os seus direitos e obrigações sendo transferidos para a Caixa Econômica Federal.
  • 2
    Para uma análise veja-se FARO, Clóvis de, Evolução dos Planos Básicos para Aquisição de Casa Própria do Banco Nacional de Habitação: 1964-1984, Ensaio Econômico da Escola de Pós-Graduação em Economia-EPGE no. 56, Fundação Getúlio Vargas, 1985.
  • 3
    BARBOSA, Fernando de H. e FARO, Clóvis de. “Uma proposta de justiça social para o BNH”, Folha de São Paulo, 24 de setembro de 1986.
  • 4
    JEL Classification: L74; L78; E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1991
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