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Uma interpretação da equação de preços de Kalecki

An interpretation of the Kalecki price equation

RESUMO

O objetivo desta nota é discutir a versão linear da equação de preços de Kalecki. Primeiro, a pertinência das restrições impostas por Kalecki ao valor dos parâmetros da equação é examinada. Então, o significado econômico desses parâmetros é explicitado. Finalmente, à luz da discussão anterior, é sugerida uma reinterpretação da equação de preço de Kaleck.

PALAVRAS-CHAVE:
Formação de preços; mark-up

ABSTRACT

The purpose of this note is to discuss the linear version of Kalecki’s price equation. First, the pertinence of the restrictions imposed by Kalecki to the value of the parameters of the equation is examined. Then, the economic meaning of these parameters is made explicit. Finally, in the light of the previous discussion, a reinterpretation of the Kaleckian price equation is suggested.

KEYWORDS:
Price composition; mark-up

Pretende-se discutir nesta-nota a equação de preços de Kalecki, especificamente a versão linear desta equação. A intenção é tornar mais explícita a lógica subjacente à concepção kaleckiana do processo de formação de preços.

A equação de preços de Kalecki é bastante conhec­da e pode, assim, ser desde logo apresentada:

(1) p=mu+np¯, onde p é o preço fixado pela firma, u é o custo direto por unidade produzida p¯ é o preço médio da indústria e m e n são coeficientes com valor positivo

A equação (1) pode ser tomada como a versão (especificação) linear, isto é, um caso especial da função:

(2) p = f u , p ¯ , δp δu > 0 , δp δ p ¯ > 0

onde p é uma função crescente (não específica) do custo direto unitário da firma e do preço médio da indústria (Basile e Salvadori, 1984BASILE, L. E SALVADORI, N. (1984). “Kalecki’s Pricing Theory”. Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 7, pp. 249-262. , p. 235).

Nosso interesse estará voltado apenas para a versão linear desta função, tal como especificada por Kalecki em Teoria da Dinâmica Econômica.

O significado da equação (1) foi explicitado por Kalecki da seguinte forma:

“Ao fixar seu preço, a firma toma em consideração seu custo direto unitário e os preços das outras firmas produzindo artigos similares. A firma deve evitar que seu preço se torne muito elevado em relação aos preços das outras firmas, pois isso reduzirá drasticamente suas vendas, assim como deve evitar que seu preço se torne muito baixo em relação ao custo direto unitário, pois isso reduziria sua margem de lucro. Assim, ao fixar o preço p em relação ao custo direto unitário u, a firma cuida em que a relação entre p e o preço médio ponderado de todas as firmas não se torne muito alta” (Kalecki, 1965KALECKI, M. (1965). Theory of Economic Dynamics. Nova York: Monthly Review Press. , p. 12).

Em resumo, de acordo com o argumento de Kalecki, o processo de fixação de preços pela firma se desdobra em dois passos distintos: primeiro, a firma determina seu preço em relação ao custo direto unitário u e, a seguir, ajusta este preço, de modo a tomar em conta as condições de mercado indicadas por p, que corresponde a uma média dos preços de todas as firmas que constituem a indústria, ponderados pela respectiva produção ou parcelas de mercado.1 1 Em relação a esse ponto, uma alternativa interessante é sugerida por Kriesler: uma vez que se admita a ocorrência de diferenciação de produtos na indústria, “os pesos apropriados para o cálculo de p deveriam estar relacionados com a medida em que cada firma é encarada como uma concorrente. ( ... ) Firmas que estão ‘mais próximas’ da firma em questão em termos de competição deveriam ter um peso maior que firmas que estão ‘mais distantes’. Apenas raramente tal sistema de ponderação seria equivalente àquele proposto por Kalecki, que baseia a ponderação principalmente na produção [de cada firma ]” (Kriesler, 1987, p. 66).

Kalecki supõe que todas as firmas adotam esse mesmo procedimento ao fixar seus preços, o que o leva a uma interessante conclusão:

“A influência do surgimento de firmas representando uma parcela substancial da produção de uma indústria pode ser imediatamente entendida, à luz das considerações acima. Tais firmas sabem que seu preço p influencia de maneira apreciável o preço médio p e que, mais ainda, as outras firmas serão compelidas na mesma direção porque seus preços dependem do preço médio p. Assim, a firma pode fixar seu preço em um nível mais elevado do que seria o caso em outras circunstâncias” (Kalecki, 1971KALECKI, M. (1971). Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy. Nova York: Cambridge University Press. , p. 50).

Kalecki, assim, distingue sua teoria de preços do “princípio do custo total” e da noção de curva de demanda quebrada (Azimakopulos, 1975AZIMAKOPULOS, A. (1975). “A Kaleckian Theory of Income Distribution”. Canadian Journal of Economics, vol 8, pp. 313-333. , p. 318). Pelo menos para as maiores firmas na indústria, os preços não são rígidos para cima, já que essas firmas podem esperar que aumentos nos seus preços serão seguidos por seus competidores. Desde que suas parcelas de mercado sejam grandes o bastante, de maneira que mudanças em seus preços afetem significativamente o preço médio, e desde que o valor do coeficiente n seja elevado para todas as firmas na indústria, as grandes firmas se comportarão, num certo sentido e numa certa medida, como líderes de preços, dado que suas políticas de preços terão um forte impacto sobre as decisões de suas rivais. Na ausência de acordos de preços, uma racionalização para tal comportamento poderia ser encontrada na prevalência de uma visão similar, partilhada por todas as firmas, do potencial de lucratividade implícito em preços mais elevados ou no temor de desencadear uma guerra de preços (Azimakopulos, 1975AZIMAKOPULOS, A. (1975). “A Kaleckian Theory of Income Distribution”. Canadian Journal of Economics, vol 8, pp. 313-333. , p. 317).

Kalecki impôs aos parâmetros m e n as restrições m > 0 e 0 < n < 1. Estes parâmetros refletiriam “o que pode ser chamado de grau de monopólio da firma em questão” (Kalecki, 1965KALECKI, M. (1965). Theory of Economic Dynamics. Nova York: Monthly Review Press. , p. 13).

A restrição n < 1 envolve alguns problemas. Antes de mais nada, para compreender por que Kalecki considerou que tal restrição seria necessária, suponha-se que, na equação (1), p = p. Neste caso, teríamos que:

(3) p = mu + np p = m 1 - n u

Com base na equação (3), Kalecki supôs que a restrição n < 1 era necessária para assegurar um valor de p definido e positivo, isto é, era necessária para que a equação (1) contivesse algum sentido, do ponto de vista econômico.

Entretanto, é possível mostrar que, para qualquer firma cujo preço seja maior que o preço médio da indústria, é matematicamente possível que n seja maior que 1. De fato, reescrevendo a equação (1) da seguinte maneira:

(4) p = m 1 - n p / p ¯ u

pode-se constatar que, se p>p¯, o preço da firma pode ser definido e positivo, mesmo para valores de n maiores que 1, desde que np¯/p<1 ou n<p p¯. Entretanto, conforme apontado por Kriesler, embora matematicamente possível, “do ponto de vista econômico isto é improvável, já que implica que a firma sob consideração é extremamente influenciada por outras firmas [dado que n > 1] - sendo, neste caso, pouco provável que cobre tão alto preço” (Kriesler, 1987KRIESLER, P. (1987). Kalecki’s Microanalysis. Nova York: Cambridge University Press. , p. 68).

Há, portanto, algum fundamento teórico para que se exclua a possibilidade de que n seja maior que 1, quando p>p¯. No que toca ao caso p<p¯, entretanto, essa restrição é puramente arbitrária (ad hoc).

Outra objeção relevante em relação às restrições impostas por Kalecki ao valor dos parâmetros m e n é feita por Azimakopulos:

“Em situações em que o preço é fixado por uma firma líder de preços e seguido pelas outras, n seria igual a um para as firmas seguidoras (price followers) e, assim, m seria igual a zero ( ... ) Para a firma líder de preços, por outro lado, n seria igual a zero e o valor de m dependeria de muitos fatores interdependentes, tais como sua visão acerca do que seria uma taxa adequada de retorno sobre o capital ao longo do tempo, pressões de outras firmas na indústria e de entrantes potenciais, impostos sobre lucros etc.” (Azimakopulos, 1975AZIMAKOPULOS, A. (1975). “A Kaleckian Theory of Income Distribution”. Canadian Journal of Economics, vol 8, pp. 313-333. , pp. 318-19).

Esta objeção levou à sugestão de Basile e Salvadori de que se substituísse a restrição kaleckiana

0 < n < 1

por

0 ≤ n ≤ 1, m ≥ 0 para todas as firmas

0 < n < 1, m > 0 para algumas firmas

0 < n < 1, m >0 onde fi corresponde à média de todos os n, ponderados pela produção das firmas respectivas, e m corresponde à média de todos os m, ponderados pelos respectivos custos unitários.

Portanto, não se requer que n < 1 e m > 0 para todas as firmas na indústria, mas apenas para algumas. Esta hipótese é consistente com o caso de liderança de preços, como reclamado por Azimakopulos, ao mesmo tempo em que exclui os casos de competição perfeita (em que todas as firmas são price-takers e, portanto, n = 1 e m = 0 para todas elas) e monopólio puro (em que todas as firmas são price-makers e, portanto, n = 0 e m > 1 para todas elas), o que pode ser justificado pelo fato de que ambos os casos não são ‘’realistas’’, pelo menos no que diz respeito ao funcionamento do setor industrial das modernas economias capitalistas (Basile e Salvadori, 1984BASILE, L. E SALVADORI, N. (1984). “Kalecki’s Pricing Theory”. Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 7, pp. 249-262. , p. 255).

Embora seja consistente com o caso de liderança de preços e, desse modo, amplie o âmbito de aplicação da equação (1), a solução proposta por Basile e Salva­dori não é completamente satisfatória. Com efeito, desde que requer n¯1 e m¯0, esta solução (tanto quanto a solução originalmente proposta por Kalecki) implica que não apenas o caso de competição perfeita, mas também as situações de oligopólio homogêneo e acordos de preços (cartéis), nas quais p=p¯ para todas as firmas, não são contempladas pela equação (1), limitando a validade daquela equação aos casos de concorrência monopolística, oligopólio diferenciado e liderança de preços.

Kalecki mesmo reconheceu este problema e, tentando refutar as críticas de que sua equação era aplicável a apenas alguns casos especiais, argumentou que, “à exceção das matérias-primas básicas, produzidas frequentemente em condições que se aproximam da concorrência perfeita, a maioria dos produtos tem preços diferenciados” (Kalecki, 1971KALECKI, M. (1971). Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy. Nova York: Cambridge University Press. , p. 161).

À parte este problema de generalidade, a ambígua definição do sentido dos parâmetros m e n constitui-se também numa fonte de dificuldades.

O parâmetro n pode ser tomado como refletindo o grau de interdependência no interior da indústria.

Sawyer argumentou que

“Quanto menores em número e maiores em tamanho forem as firmas, maior será o valor de n, [porque] acordos tácitos de preços entre firmas podem ser tanto mais facilmente mantidos quanto menos firmas houver” (Sawyer , 1985SAWYER, M. (1985). The Economics of Michal Kalecki. Nova York: Sharpe., p. 25).

Sawyer, entretanto, não se dá conta de um ponto relevante: um aumento do número de firmas pode também levar a um valor de n mais alto, entre outros motivos porque a competição entre as firmas será intensificada. Em outras palavras, um valor elevado de n é consistente tanto com um baixo (competição perfeita, concorrência monopolística) como com um alto (oligopólio homogêneo, liderança de preços e colusão de preços em oligopólio) grau de concentração da indústria2 2 Como se apontou há pouco, Kalecki limitou o âmbito de aplicação de sua equação de preços a situações em que o produto tem “preços diferenciados”. Entretanto, a noção de interdependência é aplicável a todas as estruturas de mercado e, assim, é legítimo examinar, como se fez agora, de que modo o grau de interdependência varia com o tipo de indústria. e, assim, não está relacionado com o grau de concentração per se, mas, antes, com a existência de acordos (implícitos ou explícitos) de preços, de um lado, e com o grau de diferenciação de produtos, de outro.

Nesse contexto, um grau de interdependência elevado implica, de fato, nada mais que uma reduzida dispersão dos preços individuais em torno do preço médio da indústria, uma situação típica não apenas de mercados “competitivos”, mas também de alguns mercados oligopolizados.

Se a interpretação proposta acima para o significado do coeficiente n é correta, como o valor de n está relacionado com o grau de monopólio?

Kalecki postulou que um aumento do grau de monopólio se refletiria num aumento do valor da expressão m/(1 - n) e vice-versa (Kalecki, 1965KALECKI, M. (1965). Theory of Economic Dynamics. Nova York: Monthly Review Press. , p. 14), assumindo, assim, que um valor de n mais elevado “refletiria” um aumento do grau de monopólio.

À luz da discussão anterior, entretanto, parece óbvio que isso não é necessa­riamente assim, desde que, como argumentado previamente, um aumento do número de firmas ou um decréscimo do grau de diferenciação de produtos na indústria, elevaria o valor de n e, ao mesmo tempo, reduziria o grau de monopólio. Dito de outra forma, quando a interdependência no interior da indústria aumenta, o preço cobrado pela firma estará mais próximo do preço médio da indústria do que antes. Isto significa que, dependendo da relação prévia entre p e p¯, a firma terá uma oportunidade de elevar seu preço ou será forçada a reduzi-lo. Se p>p¯, a firma reduzirá p; se p<p¯, a firma elevará p, quando n aumenta. O primeiro caso implica um decréscimo e o segundo, um aumento do grau de monopólio.

Determinar o preciso significado econômico do coeficiente m é ainda mais problemático. Está na própria lógica da equação (1) que o valor de m varia inversamente com n. Quando n = O, m deve ser maior que 1, se se espera que a firma cubra seus custos e obtenha algum lucro. Por outro lado, quando o valor de n se aproxima de 1, isto é, no caso de um elevado grau de interdependência, desde que o preço da firma deve estar bastante próximo do preço médio da indústria, m deve se aproximar de zero. Portanto, na equação de Kalecki, o valor de m aparece como uma função decrescente do grau de interdependência.

Na tentativa de extrair algum sentido dessa “relação”, somos levados a concluir que o coeficiente m, juntamente com n, também reflete o grau de interdependência na indústria.

A passagem seguinte, extraída de Kriesler, deixa evidente que esse ponto não é inteiramente óbvio para todos os comentadores da obra de Kalecki:

“Os parâmetros m e n refletem diferentes influências sobre o preço: m reflete o ‘mark-up ‘, que é um indicador daquelas influências sobre o preço resultantes de considerações de competitividade em geral, com a importante exceção de interdependência entre as firmas na indústria; n reflete a influência sobre o preço da interdependência entre as firmas na indústria” (grifo meu) (Kriesler, 1987KRIESLER, P. (1987). Kalecki’s Microanalysis. Nova York: Cambridge University Press. , p. 68).

Entretanto, um exame mais cuidadoso da equação (1) claramente revela que os coeficientes m e n constituem, de fato, medidas do grau em que o preço da firma é influenciado por seu custo unitário de produção, de um lado, e pelo preço médio da indústria, de outro, isto é, medidas da influência relativa dos determinantes “internos” (custos) e “externos” (preço médio da indústria) do preço:

  • quando o grau de interdependência é elevado, os preços das firmas individuais devem estar bastante próximos do preço médio da indústria, ou seja, dependerão mais de condições “externas” do que “internas”; portanto, um alto grau de interdependência implica um valor elevado para n e reduzido para m;

  • quando o grau de interdependência é reduzido, o preço da firma será influenciado mais por seus custos, isto é, por condições que são ‘’internas’’ à firma, do que pelo preço médio da indústria e, consequentemente, teremos um valor elevado para m e reduzido para n.

Assim, pode-se explicar a relação inversa, que antes se constatou existir, entre os valores de m e n.

O coeficiente m é um coeficiente que mede a influência dos custos da firma na decisão sobre preços, da mesma forma que n é um coeficiente que mede a influência do preço médio da indústria nesta decisão.3 3 Vale notar que, se a equação (1) é reescrita em forma logarítmica, m e n corresponderão a medidas da elasticidade do preço em relação ao custo direto unitário e em relação ao preço médio da indústria respectivamente. Conjuntamente, ambos refletem o grau de interdependência na indústria.4 4 O coeficiente m está relacionado não apenas com o grau de interdependência na indústria, mas também com um mark-up, de uma maneira que será esclarecida adiante.

Parece possível evitar boa parte destas ambiguidades e inconsistências, se a equação (1) é reformulada de acordo com as seguintes hipóteses:

  • a firma estabelece um preço-alvo (target price) ou desejado m*u, onde m*, o mark-up planejado ou desejado, é fixado tendo em conta “overheads”, algum nível “normal” de lucros e/ou a necessidade de fundos internos para financiar despesas de investimentos, assim como outros fatores, tais como aqueles mencionados por Azimakopulos (ver página 20), o poder dos sindicatos, como sugerido por Kalecki etc.; isto implica que m* > 1 para todas as firmas;5 5 Para comprovar esse ponto, defina-se o mark-up planejado na forma usual, isto é: k=p*-uu onde p* é o preço planejado Dado que p* = m*u, teríamos: k = m * - 1 , m * = k + 1 Desde que, por definição, k > 0, segue-se que m* > 1.

  • este preço-alvo ou desejado é, então, ajustado, de modo a tomar em conta as condições de mercado: se m*u>p¯, o preço médio da indústria, a firma ajustará seu preço desejado para baixo; se m*u<p¯, a firma ajustará seu preço desejado para cima; a extensão em que tais ajustamentos serão feitos dependerá do grau de interdependência: quanto maior n, menor será a diferença entre p e p¯ e vice-versa.6 6 Essas hipóteses e sua tradução na equação (4) são inteiramente consistentes com a concepção de Kalecki acerca do processo de decisão sobre preços, como se pode verificar pela passagem a seguir: “Cada firma na indústria chega ao preço de seu produto lançando um mark-up sobre o custo direto unitário, consistente em salários e custos de matérias-primas, de modo a cobrir overheads e obter um lucro. Mas este mark-up depende da [concorrência ], isto é, da relação entre o preço decorrente e o preço médio ponderado da indústria como um todo” (Kalecki, 1971, p. 160).

Essa concepção bastante simples do processo de formação de preços pode ser traduzida numa equação igualmente simples:

(4) p = m * u + n ( p ¯ m * u )

A equação (4) sugere que:

  • se n = 1, o preço da firma será igual ao preço médio p¯;

  • se n = 0, o preço da firma será igual ao preço-alvo m*u e o preço médio da indústria não terá qualquer influência na decisão da firma quanto ao preço a ser cobrado por seu produto;

  • se 0 < n < 1, o preço da firma pode ser menor ou maior do que o preço desejado (e maior ou menor do que o preço médio da indústria), a extensão de tal diferença dependendo do valor de n.

Note-se que a equação (4) pode ser reescrita da seguinte forma:

(5) p = ( 1 n ) m * u + n p ¯

Portanto, temos que o preço p corresponde a uma média ponderada entre o preço desejado e o preço médio da indústria.

O valor de n está agora compreendido no intervalo [0, 1], isto é, 0 ≤ n ≤ 1. Vale observar que esta não é uma restrição arbitrária: n = 1 representa o grau máximo de interdependência - neste caso, a firma seria uma price-taker, isto é, o preço da firma seria igual ao preço médio da indústria; n = 0 representa o menor grau de interdependência concebível, uma situação em que a firma seria uma price-maker.

Convém notar ainda que nas equações (4) e (5) o preço efetivo ou ajustado pode ser maior ou menor do que o preço planejado ou desejado pela firma. De fato, temos três possibilidades:

  • se m*u>p¯, o preço ajustado p será menor que o preço planejado m*u

  • se m*u<p¯, o preço ajustado p será maior que o preço planejado m*u

  • se m*u=p¯, o preço ajustado p será igual ao preço planejado m*u

A equação (5) preserva as propriedades básicas da equação (1): a função preço p é não-decrescente e homogênea de grau um em u e p¯. Além disso, como postulado por Kalecki, na equação (5) temos também que:

“Se u aumenta, p pode aumentar na mesma proporção apenas se p¯ aumenta também nesta mesma proporção. Se p¯ aumenta menos que u, o aumento do preço da firma será menor do que o aumento em u” (Kalecki, 1965KALECKI, M. (1965). Theory of Economic Dynamics. Nova York: Monthly Review Press. , p. 12).

Como talvez já tenha ficado claro a essa altura, o significado econômico das equações (1) e (5) é rigorosamente o mesmo. De fato, não precisamos mais do que escrever

(6) m = ( 1 n ) m *

para reduzir a equação (5) à equação (1). Mas agora a relação entre m e n aparece de forma clara, assim como fica claro o sentido em quem pode ser relacionado como um mark-up.

Na equação (5), muitas das ambiguidades da equação (1) são evitadas, dado que os valores de m* e n são determinados independentemente. O parâmetro m* é definido, de forma explícita, como um mark-up planejado, cujo valor, sempre maior do que 1 (ver nota 4), é fixado tendo em conta os “overheads” e os lucros planejados pela firma. O parâmetro n sozinho reflete o grau de interdependência. O termo m*u reflete decisões que são internas à firma, enquanto p reflete restrições “ambientais’” ou externas. O peso relativo desses elementos na decisão sobre preços é determinado por n: quanto maior o grau de interdependência medido por n, menor o preço será influenciado por decisões internas à firma (custos e lucros planejados) e mais dependerá de condições externas (mais próximo estará de p) e vice-versa.7 7 Em vista da nossa discussão anterior, é de algum interesse verificar qual o efeito de um aumento no valor do parâmetro n nas equações (4) e (5). Se o valor de n aumenta de n1 para n2, a consequente modificação no preço pode ser estimada a partir de: ∆ p = 1 - n 2 m * u + n 2 p ¯ - 1 - n 1 m * u + n 1 p ¯ Esta expressão pode ser simplificada para ∆p=n2-n1p¯-m*u or ∆p=∆np¯-m*u Dado que estamos supondo que ∆n > 0, o aumento em n induziria um aumento em p apenas se p¯>m*u. Neste caso, o aumento em n reflete um aumento no grau de monopólio. Mas se m*u>p¯, a firma será forçada a reduzir seu preço e o aumento do grau de interdependência implicará uma redução do grau de monopólio.

Resumindo o argumento apresentado nesta nota, a ambígua definição do significado dos parâmetros m e n na equação de Kalecki torna algo obscura a lógica dessa equação. Buscando explicitar completamente essa lógica, supôs-se, primeiro, que a decisão da firma em relação ao preço é baseada em dois conjuntos de fatores: decisões que são “internas” à firma (custos e lucros planejados) e condições “ambientais” ou externas (representadas pelo preço médio da indústria). Mostrou-se, então, que o peso relativo dessas distintas influências sobre a decisão quanto ao preço a ser cobrado depende do grau de interdependência na indústria, que é refletido tanto por n como por m. O valor do coeficiente m também depende do mark-up planejado. O preço da firma corresponde a uma média ponderada do preço planejado e do preço médio da indústria. Essa lógica implícita na concepção kaleckiana do processo de formação de preços é explicitada pela equação (5), cujo significado econômico é o mesmo da equação (1).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AZIMAKOPULOS, A. (1975). “A Kaleckian Theory of Income Distribution”. Canadian Journal of Economics, vol 8, pp. 313-333.
  • BASILE, L. E SALVADORI, N. (1984). “Kalecki’s Pricing Theory”. Journal of Post-Keynesian Economics, vol. 7, pp. 249-262.
  • KALECKI, M. (1965). Theory of Economic Dynamics. Nova York: Monthly Review Press.
  • KALECKI, M. (1971). Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy. Nova York: Cambridge University Press.
  • KRIESLER, P. (1987). Kalecki’s Microanalysis. Nova York: Cambridge University Press.
  • SAWYER, M. (1985). The Economics of Michal Kalecki. Nova York: Sharpe.
  • 1
    Em relação a esse ponto, uma alternativa interessante é sugerida por Kriesler: uma vez que se admita a ocorrência de diferenciação de produtos na indústria, “os pesos apropriados para o cálculo de p deveriam estar relacionados com a medida em que cada firma é encarada como uma concorrente. ( ... ) Firmas que estão ‘mais próximas’ da firma em questão em termos de competição deveriam ter um peso maior que firmas que estão ‘mais distantes’. Apenas raramente tal sistema de ponderação seria equivalente àquele proposto por Kalecki, que baseia a ponderação principalmente na produção [de cada firma ]” (Kriesler, 1987KRIESLER, P. (1987). Kalecki’s Microanalysis. Nova York: Cambridge University Press. , p. 66).
  • 2
    Como se apontou há pouco, Kalecki limitou o âmbito de aplicação de sua equação de preços a situações em que o produto tem “preços diferenciados”. Entretanto, a noção de interdependência é aplicável a todas as estruturas de mercado e, assim, é legítimo examinar, como se fez agora, de que modo o grau de interdependência varia com o tipo de indústria.
  • 3
    Vale notar que, se a equação (1) é reescrita em forma logarítmica, m e n corresponderão a medidas da elasticidade do preço em relação ao custo direto unitário e em relação ao preço médio da indústria respectivamente.
  • 4
    O coeficiente m está relacionado não apenas com o grau de interdependência na indústria, mas também com um mark-up, de uma maneira que será esclarecida adiante.
  • 5
    Para comprovar esse ponto, defina-se o mark-up planejado na forma usual, isto é:
    k=p*-uu onde p* é o preço planejado
    Dado que p* = m*u, teríamos:
    k = m * - 1 , m * = k + 1
    Desde que, por definição, k > 0, segue-se que m* > 1.
  • 6
    Essas hipóteses e sua tradução na equação (4) são inteiramente consistentes com a concepção de Kalecki acerca do processo de decisão sobre preços, como se pode verificar pela passagem a seguir:
    “Cada firma na indústria chega ao preço de seu produto lançando um mark-up sobre o custo direto unitário, consistente em salários e custos de matérias-primas, de modo a cobrir overheads e obter um lucro. Mas este mark-up depende da [concorrência ], isto é, da relação entre o preço decorrente e o preço médio ponderado da indústria como um todo” (Kalecki, 1971KALECKI, M. (1971). Selected Essays on the Dynamics of the Capitalist Economy. Nova York: Cambridge University Press. , p. 160).
  • 7
    Em vista da nossa discussão anterior, é de algum interesse verificar qual o efeito de um aumento no valor do parâmetro n nas equações (4) e (5). Se o valor de n aumenta de n1 para n2, a consequente modificação no preço pode ser estimada a partir de:
    p = 1 - n 2 m * u + n 2 p ¯ - 1 - n 1 m * u + n 1 p ¯
    Esta expressão pode ser simplificada para
    p=n2-n1p¯-m*u or p=np¯-m*u
    Dado que estamos supondo que ∆n > 0, o aumento em n induziria um aumento em p apenas se p¯>m*u. Neste caso, o aumento em n reflete um aumento no grau de monopólio. Mas se m*u>p¯, a firma será forçada a reduzir seu preço e o aumento do grau de interdependência implicará uma redução do grau de monopólio.
  • 8
    JEL Classification: D40; D47.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1991
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