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Política de estabilização mexicana: 1982-1989

Mexican stabilization plan: 1982-1989

RESUMO

O artigo analisa medidas de política econômica relacionadas ao plano de estabilização mexicano de 1982-1989. Isso mostra que a primeira fase foi predominantemente ortodoxa. Em uma segunda etapa, seguiu-se uma política de desindexação, que manteve preços e salários praticamente constantes durante aproximadamente dois anos. Os resultados até agora foram uma redução significativa das taxas de inflação, sendo o principal custo a perda de reservas cambiais e uma redução substancial dos salários reais. O experimento de estabilização mexicano é geralmente apresentado como um caso bem-sucedido de ajuste à crise do setor externo e redução da inflação. Um teste decisivo do programa, no entanto, ocorrerá quando os preços e salários forem liberalizados.

PALAVRAS-CHAVE:
Inflação; estabilização

ABSTRACT

The paper analyses economic policy measures related to the 1982-89 Mexican stabilization plan. It shows that the first phase was predominantly orthodox. In a second step, a deindexation policy was followed, which kept prices and wages virtually constant during approximately two years. The results so far have been significant reduction of inflation rates, the main cost being a loss of foreign exchange reserves and a substantial decrease of real wages. The Mexican stabilization experiment is usually presented as a successful case of adjustment to the external sector crisis and inflation reduction. A decisive test of the program, however, will take place when prices and wages were liberalized.

KEYWORDS:
Inflation; stabilization

I. INTRODUÇÃO

O acordo da dívida externa mexicana, firmado em julho de 1989 com os bancos credores, foi o primeiro negociado no contexto do Plano Brady e significou um reconhecimento do notável ajustamento interno e externo da economia mexicana promovido pelo governo La Madrid a partir de 1982.

A política de estabilização mexicana compreendeu três fases distintas. A primeira, iniciada em agosto de 1982 com a suspensão do pagamento do serviço da dívida externa, estendeu-se até dezembro de 1987. Caracterizou-se pela reordenação das contas externas e das contas do setor público. Em dezembro de 1987 iniciou-se a segunda fase, cujo objetivo primordial era o controle do processo inflacionário. A política anti-inflacionária baseou-se no Pacto de Solidariedade Econômica (PSE) negociado entre governo, empresários e trabalhadores. A partir da posse do novo presidente, Carlos Salinas, em dezembro de 1988, foi negociado um novo Pacto para a Estabilidade e o Crescimento Econômico (PECE). Além do objetivo de garantir a estabilidade de preços, tem preocupações claras com a recuperação do crescimento econômico e com a renegociação da dívida externa. As seções a seguir tratam dessas três fases separadamente, após uma breve análise do padrão de crescimento adotado pelo México desde o pós-guerra até a crise de 1982.

II. ANTECEDENTES

O ano de 1982 e a crise da dívida marcaram a reversão de uma trajetória de rápido crescimento que a economia mexicana vinha apresentando desde o início da década de 50. A taxa média de crescimento anual do produto, para os 25 anos que antecederam a crise da dívida externa, foi superior a 6%, sendo que em termos per capita o crescimento anual foi próximo de 3%. Ao longo de todos esses anos (1956-1981) apenas em três momentos houve redução no ritmo de crescimento: em 1959, 1962-1963 e 1976-1977. Ainda assim, com taxas de crescimento do PIB positivas.

O período do pós-guerra, entretanto, deve ser dividido em duas etapas distintas de acordo com o padrão de crescimento, as formas de financiamento e a evolução do processo inflacionário. A primeira etapa, de 1956 a 1972, com crescimento elevado e taxas de inflação reduzidas. A partir do primeiro choque do petróleo, o crescimento da economia mexicana continuou, embora acompanhado de elevação das taxas de inflação anuais, padrão que se acentuou a partir de 1977. Outro aspecto negativo da segunda etapa é que o déficit público como proporção do PIB atingiu percentuais bem elevados, principalmente a partir de 1977, apesar de a receita com o petróleo começar a aparecer como importante fonte de recursos para o setor público.

O padrão de desenvolvimento mexicano seguiu, em linhas gerais, o da maioria dos países latino-americanos: um longo período de crescimento com base na substituição de importações - financiado em grande parte por poupança externa, principalmente na década de 70 - interrompido em 1982 pela crise do sistema financeiro internacional. Deve-se destacar, contudo, que o processo inflacionário não atingiu as proporções observadas para alguns países latino-americanos, como o caso do Brasil.

Como consequência do processo de substituição de importações, que sustentou o desenvolvimento industrial mexicano após a Segunda Guerra Mundial, a participação da indústria no PIB passou de 21,0%, em 1950, para 30,1%, em 1970. Em contrapartida, o setor agrícola teve sua participação reduzida de 19,1% para 8,2% do PIB, no mesmo período. Acompanhando a mudança da estrutura produtiva, houve um processo de urbanização, com alterações importantes na estrutura do mercado de trabalho, tendo a indústria e os serviços absorvido a queda do emprego no setor agrícola.

A política fiscal no período foi cautelosa e o investimento financiado basicamente por poupança externa, sem grande participação do setor público. Os fluxos de capitais entraram no país principalmente na forma de investimentos diretos, sendo a fuga de capital praticamente nula.

A ausência de choques externos, a credibilidade na política do governo, o crescimento da economia e as baixas taxas de inflação do período permitiram que o câmbio se mantivesse fixo de 1954 a meados da década de 70; a taxa de câmbio permaneceu, ao longo de todos esses anos, em 12,50 pesos por dólar.

É importante observar que a estabilidade da moeda ocorreu apesar do processo de industrialização e das mudanças estruturais dele decorrentes, algo que, para outros países da América Latina, terminou por gerar grandes pressões inflacionárias.

A década de 70 marcou um corte profundo nesse padrão de crescimento, com o governo adotando uma política fiscal fortemente expansionista: na primeira metade da década o déficit público já atingia 8% do PIB. O desequilíbrio das contas do governo foi financiado por empréstimos externos, o que levou a dívida externa de responsabilidade do setor público a crescer de US$ 6,5 bilhões em 1971 para US$ 15,7 bilhões em 1975.

A combinação dessa política fiscal com o choque do petróleo fez a taxa de inflação anual média no período 1973-1976 subir para 16,75%, com significativa valorização cambial. O fato, associado à grande mudança no ambiente econômico, levou à perda de confiança do setor financeiro e à fuga de capitais para o exterior. Assim, em agosto de 1976 o peso foi desvalorizado em 100%, após 22 anos de estabilidade. O México começou a viver, então, uma crise semelhante às dos demais países latino-americanos: crise cambial com inflação e diminuição do ritmo de crescimento.

A descoberta de importantes reservas de petróleo1 1 Em 1975 as reservas de petróleo consistiam em apenas seis bilhões de barris. Em 1978, entretanto, já atingiam quarenta bilhões, chegando, em 1982, a setenta bilhões de barris. interrompeu essa tendência e, no período do segundo choque do petróleo, o crescimento da economia mexicana foi notável, superando 8% ao ano. Por outro lado, a taxa de inflação continuou a se elevar, chegando, em 1981, a 28,7% ao ano.

Com base na sua riqueza em petróleo, o México continuou seguindo uma política fiscal fortemente expansionista. Entre 1978 e 1981, o déficit do setor público elevou-se de 5,7% para 9,8% do PIB; o saldo negativo da balança comercial cresceu de US$ 500 milhões para US$ 5,3 bilhões e a dívida externa do setor público se elevou de US$ 26,4 bilhões para US$ 52,5 bilhões em apenas três anos. Esses resultados não eram preocupantes até 1981, quando o preço do petróleo começou a cair significativamente.

A crise que se seguiu foi semelhante à de 1976, só que em escala muito superior e muito mais duradoura. Paradoxalmente, os recursos gerados pelo boom do petróleo levaram a esse desfecho, na medida em que criaram a ilusão de que a política fiscal expansionista e o superendividamento externo eram inofensivos a curto prazo, em função da riqueza de recursos naturais do país.

III. POLÍTICA DE ESTABILIZAÇÃO

A) Primeira fase: 1982-1987

A suspensão do pagamento do serviço da dívida em agosto de 1982 foi o desfecho de um período caracterizado por forte endividamento externo e por uma política fiscal extremamente expansionista. Entre 1980 e 1982 a dívida externa mexicana passou de US$ 40 bilhões para US$ 90 bilhões, ao mesmo tempo que o déficit do setor público crescia de 8% para 18% do PIB, apesar de no mesmo período ter ocorrido uma grande elevação do preço real do petróleo - importante fonte de recursos do setor público mexicano.

A política econômica do governo La Madrid (1982-1987) empenhou-se em reverter a situação com a reorganização das contas externas e o reequilíbrio fiscal. Entre 1982 e 1987 houve significativa recuperação do saldo em conta corrente: de um déficit de cerca de 5 bilhões de dólares em 1982, chegou-se a um superávit de 3,9 bilhões de dólares em 1987, a despeito da forte redução da receita com as exportações de petróleo. Em consequência da queda do preço real do petróleo, a receita caiu de US$ 16 bilhões em 1982 para US$ 8,6 bilhões em 1987. Ao mesmo tempo, as exportações não-petróleo praticamente duplicaram, o que permitiu que as exportações totais superassem novamente, em 1987, a casa dos 20 bilhões de dólares. As importações caíram fortemente entre 1982 e 1983 (de US$ 14,4 bilhões para US$ 8,6 bilhões), recuperando-se continuamente a partir de então (principalmente as importações do setor privado, em função da política de liberalização comercial),2 2 Os bens sujeitos a autorização prévia reduziram-se de 100% das importações totais em 1982 para 27% em novembro de 1987. No mesmo período, a tarifa média caiu de 16,4% para 11,1%. o que terminou por reduzir a queda do valor das importações a apenas US$ 2,2 bilhões entre 1982 e 1987.

Com a significativa reversão no saldo de transações corrente elevou-se o nível de reservas. Estas, que em dezembro de 1982 eram de apenas US$ 1,8 bilhão, atingiram US$ 13,7 bilhões cinco anos depois (Tabela 1). O ajuste externo e a consequente elevação das reservas aparecem como importantes precondições para o sucesso do plano anti-inflacionário do ano seguinte, ao permitirem que o aumento do volume de bens de consumo importados funcionasse como mais um elemento de controle do abastecimento e dos preços ao longo do pacto de solidariedade econômica.

Tabela 1:
México: indicadores econômicos externos

Em relação às contas do setor público, a recuperação também foi notável. O déficit primário do setor público (diferença entre gastos totais e receitas totais sem incluir o pagamento de juros) passou de 3,9% do PIB em 1982 para um superávit de 4,7% em 1987. O déficit operacional, que chegara a 8,8% do PIB em 1981, também se transformou em um superávit de l,2% do PIB em 1987. Boa parte das receitas do setor público foram provenientes das exportações de petróleo, o que valoriza ainda mais esse resultado, já que a partir de 1983 o preço do petróleo caiu sensivelmente, chegando a registrar, em meados de 1986, uma perda real de 65% em relação ao pico observado em 1980. Como se observa na Tabela 2, o déficit primário não-petróleo diminuiu de 15,5% do PIB para 8,1% nesse período. A reorganização das contas públicas foi resultado da combinação da redução do gasto orçamentário com a privatização de várias empresas estatais, a reestruturação de empresas públicas e a recuperação das tarifas (Tabela 2).

Tabela 2:
México: alguns indicadores de performance do setor público

A recomposição tarifária ocorreu no contexto de uma correção mais ampla de preços relativos, que procurou reduzir a sobrevalorização do câmbio - entre 1979 e 1981 o câmbio acumulou um atraso de cerca de 25% - e elevar as taxas de juros em termos reais, o que sem dúvida contribuiu para reduzir a fuga de capital.3 3 Algumas estimativas para a fuga de capitais mexicanos indicam valores próximos de US$ 10 bilhões em 1981. Este índice se reduz substancialmente a partir de 1982, chegando a registrar, em 1986, entrada de capitais de cerca de US$ 1 bilhão (Dornbusch, (1988), p. 14c, fig. 8).

O ajuste da economia mexicana não foi, é certo, conseguido sem custos ele­vados em termos de crescimento, emprego e salários reais, que comprometeram a capacidade de crescimento futuro do país. Entre 1982 e 1987, a taxa de cresci­mento do PIB per capita foi negativa em 2,6% ao ano em média e a redução do salário real atingiu cerca de 60% no período. Esses custos elevadíssimos, por sua vez, não impediram que a inflação subisse (Tabela 3). De qualquer forma, a política de estabilização do período, principalmente o ajuste fiscal, criou pre-condições para a implementação de um pacto social negociado entre governo, empresários e trabalhadores.

Tabela 3:
Indicadores do desempenho da economia mexicana

B) Segunda fase: Pacto de Solidariedade Econômica (dez. 87-dez. 88)

Até a década de 80, o México conviveu com baixas taxas de inflação. De 1958 a 1971, a inflação média anual foi de apenas 3,5%. A partir de 1972, as taxas anuais começaram a se elevar, registrando, ainda assim, uma taxa média relativamente baixa entre 1972 e 1981 (21%). Em consequência da crise fiscal e cambial de 1982, entretanto, a taxa de dezembro daquele ano atingiu 10,7%, iniciando um período em que a inflação se tornou um problema crônico para a economia mexicana. No biênio 1986-1987, a taxa média mensal situou-se em 7%, ficando praticamente estabilizada neste patamar até que, em dezembro de 1987, a inflação atingiu 14,8%, elevando a taxa anual para 160%.4 4 Dada a falta de informações mais detalhadas sobre o período de coleta para o cálculo da inflação, é difícil dizer se esta aceleração foi provocada pelo realinhamento de preços embutido no plano de estabilização (e que se refletiu ainda no mês de janeiro, pois não houve mudança no cálculo do índice de preços) ou se o pacto foi negociado exatamente por causa da aceleração inflacionária. Neste último caso, o PSE viria impedir a perpetuação de um novo patamar inflacionário.

No mesmo mês, para conter o processo inflacionário, foi negociado o Pacto de Solidariedade Econômica entre empresários, trabalhadores e governo. Os principais elementos do pacto foram:

  • a) política de rendas que, após significativo realinhamento de preços relativos, envolvia o congelamento de preços, salários e tarifas;

  • b) continuidade da política de austeridade fiscal;

  • c) política monetária restritiva; e

  • d) liberalização do comércio exterior.

Política salarial

Acompanhando a política de realinhamento de preços relativos, o salário-mínimo foi aumentado em 15% em 16 de dezembro e em 20% em 1º. de janeiro de 1988, para compensar parte das perdas sofridas no período 82/87.

Reajustes salariais. Seriam feitos com periodicidade mensal, com base na evolução prevista de uma cesta básica, incluindo preços de itens selecionados, inclusive tarifas do setor público.

Controle de preços e abastecimento. Foi implementado um rigoroso controle dos preços dos produtos da cesta básica. Para evitar movimentos especulativos, foi feito antes do choque um realinhamento dos preços desses produtos combinado a uma ativa política de abastecimento que impedisse a escassez e o racionamento.

Política fiscal

O objetivo da política fiscal para 1988 era elevar o superávit primário de 4,7% para 8,4% do PIB e reduzir o déficit financeiro do setor público de 15,8% para 9,9% do PIB. Esses ganhos seriam obtidos com a redução de 1,5% do PIB dos gastos orçamentários e mais 1,4% do PIB de receitas decorrentes da elevação das tarifas públicas.

Em linhas gerais, as principais medidas adotadas foram:

Despesa

  • 1. corte seletivo evitando prejudicar a área social;

  • 2. aceleração do processo de redução de subsídios;

  • 3. continuação da reforma administrativa; e

  • 4. ampliação do processo de privatização.5 5 Em quatro meses foram privatizadas 22 empresas e foi autorizada a transferência de mais 65; 694 empresas foram privatizadas na administração La Madrid, sendo concluídos 391 processos.

Receita

  • 1. realinhamento das tarifas públicas nos seguintes termos: derivados de petróleo, 85%; serviço telefônico local, 85%, e longa distância, 55%; energia elétrica, 84%; açúcar, 81%; fertilizantes, 79%, e ferrovias, 17%. Esses reajustes permitiram que as tarifas mantivessem uma margem real nos meses seguintes ao programa, de tal forma que em maio o preço da gasolina em termos reais era 13% acima da média do período 1970-1987, o das tarifas de energia elétrica 10% e o preço do gás natural 144%. O impacto previsto sobre o déficit era de 1% do PIB (Tabela 4);

  • 2. eliminação de incentivos fiscais, com exceção do setor agropecuário;

  • 3. suspensão do incentivo da depreciação acelerada; e

  • 4. intensificação do combate à evasão fiscal.

Tabela 4:
Tarifas públicas Reajustes de preços públicos selecionados (%)

Política monetária

Para acompanhar o controle de preços e salários foi implementada uma política creditícia restritiva visando a evitar a estocagem especulativa e pressões de demanda causadas por eventuais excessos de liquidez.

Crédito. Restrição do limite de crédito dos bancos comerciais a 90% do volume de recursos de dezembro de 1987. Em fevereiro o limite foi reduzido a 85%. As medidas restritivas implicaram redução do financiamento do Banco do México ao setor público (resultado que reflete também a queda na necessidade de financiamento do setor público e opção por financiamento via títulos públicos). Reduções mais significativas ocorreram no financiamento ao setor privado; em maio de 1988 o volume de empréstimos era 19% inferior ao de dezembro de 1987.

Juros. A combinação de uma política monetária restritiva com a fixação da taxa de câmbio nominal permitiu que apesar da redução das taxas nominais - em função da queda da inflação - se mantivesse elevada a taxa de juros reais. As taxas de juros nominais subiram em dezembro para 160% ao ano em janeiro, caíram em abril para 100% e terminaram o ano em 45%. Apesar disso, as taxas reais, negativas por ocasião do pacto (cerca de 3%), elevaram-se para 4,5% positivas em janeiro, estabilizando-se em 1,5% nos meses seguintes.

Setor externo

As principais medidas foram o realinhamento do câmbio e a maior liberalização do comércio exterior, para compensar o aumento do custo de bens importados em consequência da desvalorização do peso.

Câmbio. Desvalorização de 22% da taxa de câmbio em 16 de dezembro de 1987, que significou a eliminação do ágio no mercado livre.

Comércio. Redução das tarifas aduaneiras. As medidas incluíram redução da tarifa máxima (de 40% para 20%), retirada do imposto adicional sobre as importações (5%); eliminação dos pedidos de licença para importar (exceto para o setor agrícola, farmacêutico e automóveis).

Resultados

Apesar do forte reajuste de preços relativos na decretação do Pacto de Solidariedade Econômica, não houve mudança na base de cálculo do índice de inflação como ocorreu, por exemplo, no Plano Cruzado. Por isso, a taxa de inflação de janeiro foi muito elevada, mesmo com os preços-chave da economia congelados. Os efeitos do PSE, todavia, se fizeram sentir já na segunda quinzena de janeiro, quando a taxa quinzenal do IPC registrou aumento de apenas 3,5%. Observa-se na Tabela 5, que traz a evolução mensal (e quinzenal) do índice de preços ao consumidor, rápida redução da taxa de inflação e a estabilização no segundo semestre, com taxas mensais abaixo de um ponto percentual. A taxa anual ficou em 51,7%, inferior à estimativa oficial (55% a 60%).

Tabela 5:
Índice de preços ao consumidor

A Tabela 6 mostra o resultado desagregado do índice de preços ao consumidor. O grupo que registrou maior variação anual foi o de Habitação (84,2%), ficando a menor variação por conta do grupo Vestuário (30,6%). O item Alimentação, apesar da redução do Imposto sobre Valor Agregado sobre alimentos processados, registrou uma variação anual de 57,8%.

Tabela 6:
Índice nacional de preços ao consumidor % México 1988

A desagregação do IPA (por destino) mostra que os bens de consumo foram os que tiveram maior taxa de crescimento (43%). Por origem, destaca-se o desempenho negativo da agricultura com uma variação de 65,9%.

Preços e salários deveriam, em princípio, seguir a evolução de uma cesta básica. As poucas informações disponíveis indicam que a taxa de variação de preços da cesta básica foi inferior à do IPC. Isso significa que os preços reajustados com base nesse indexador acumularam perdas em relação ao índice de preços ao consumidor. Apesar de o Pacto ter introduzido a indexação mensal dos salários, ela não se efetivou na prática.6 6 De qualquer forma, o Pacto de Solidariedade deixou a economia mexicana mais indexada que antes, o que pode dificultar a saída do congelamento para uma fase de maior flexibilização de preços. Em todas as fases do PSE foi negociado o prolongamento do controle dos preços-chave, o que implicou que no ano de 1988 não ocorressem importantes reajustes de tarifas, preços, salários e câmbio e, portanto, nenhuma recomposição de perdas ocorridas ao longo do ano. O fato contribuiu fortemente para a reversão do processo de aceleração inflacionária. Não se deve, contudo, subestimar o papel do ajuste fiscal e monetário e da política comercial.

A política fiscal do Pacto significou uma confirmação do ajuste iniciado com a posse do presidente De La Madrid. As medidas de ajuste do setor público devem ser entendidas dentro de um objetivo maior, que é a própria redefinição do papel do Estado na economia mexicana. Além de um significativo corte de gastos orçamentários, da diminuição dos incentivos fiscais e subsídios e da redução da participação do setor público em atividades não prioritárias, a reforma administrativa e o processo de privatização contribuíram para o reequilíbrio das contas do governo. O processo de privatização foi aprofundado no ano de 1988. Em 1982, o número de empresas estatais chegara a 1.155 e foi reduzido a 511 até 1987. No ano de 1988, a privatização foi ampliada e esse número foi reduzido para 405.7 7 Neste processo incluem-se não só a privatização de empresas propriamente dita, mas também transferências para governos estaduais, fusões e incorporações e liquidações. Em termos de recursos gerados, o aumento foi muito mais significativo; cerca de US$ 500 milhões, quatro vezes e meia a soma do ano anterior.

Os resultados das contas do governo para o ano de 1988 foram ligeiramente inferiores aos projetados, mas confirmaram o acerto e a continuidade do ajuste do setor público. O déficit financeiro foi de 10,8% do PIB e o superávit primário atingiu 7,4% do PIB. A despeito do resultado positivo, o déficit operacional voltou a crescer, atingindo 2,8% do PIB, como consequência das elevadas taxas de juros reais que vigoraram no período. Esses resultados foram obtidos apesar da queda do preço do petróleo, que afetou negativamente as receitas do governo em cerca de 2% do PIB.

A política fiscal restritiva afetou negativamente o nível de atividade, em função da redução do investimento do setor público. No ano de 1988, o PIB cresceu 1,1%, ligeiramente abaixo da taxa observada no ano anterior (1,5%). Este resultado positivo ocorreu apesar da forte política fiscal e restritiva que, juntamente com o acordo de preços, levou à redução da inflação de 160% em 1987 para 52% em 1988.

O crescimento verificado foi fortemente influenciado pela elevação das exportações de manufaturados e pela expansão do investimento privado. Contribuiu para estes resultados a significativa redução de custos de produção, obtida por meio da queda do salário real e da redução dos preços dos insumos domésticos e importados. As matérias-primas importadas ficaram mais acessíveis em virtude da redução das tarifas aduaneiras e da sobrevalorização do câmbio.

Tabela 7:
Índice nacional de preços por atacado % México 1988

Em dezembro de 1987 o peso foi desvalorizado em 22%; em consequência, o câmbio naquele mês era 5,7% superior à média de 1982-1987. Durante 1988, entretanto, essa margem diminuiu consideravelmente, chegando a acumular, já no mês de abril, uma sobrevalorização de 10%. As frequentes prorrogações dos acordos de preços e salários ampliaram a defasagem cambial, na medida em que ocorreram ao longo do ano duas desvalorizações de apenas 2%, mesmo tendo a inflação anual do índice de preços por atacado atingido 37,5%.8 8 A taxa de câmbio média em dezembro de 1988 era 2.257 pesos por dólar, apenas 11,5% acima da observada em dezembro de 1987 (2.023,42 pesos por dólar). A política monetária restritiva e a consequente elevação das taxas de juros reais, além de cumprir um papel importante na política anti-inflacionária, contribuiu para que, a despeito de atraso cambial, não ocorresse fuga de capitais,9 9 O ágio no mercado de divisas ficou estacionado, ao longo do ano, em torno de 1,5%. assegurando um confortável nível de reservas nos primeiros meses do plano.

Ao longo do segundo semestre, todavia, o nível de reservas cambiais diminuiu sensivelmente, chegando no final do ano a apenas US$ 6,6 bilhões, metade do valor registrado por ocasião da implementação do pacto. A grande elevação das importações - decorrente do atraso cambial e da reforma tarifária10 10 No ano de 1988, mais de metade das importações (55,1%) entraram no país livre de impostos. O restante estava sujeito a tarifas que variaram entre 5% e 20%. - foi responsável pelo resultado.

Em 1988 ocorreu um aumento de 55% das importações totais, sendo que o aumento das compras externas de bens de consumo atingiu 150,3%; de bens de capital, 53,2%; e de bens intermediários, 46,8%.

Tabela 8:
Comércio exterior - México janeiro-dezembro

A importação de bens de consumo - principalmente não-duráveis - cumpriu um papel muito importante na política anti-inflacionária durante o ano de 1988, impedindo que o congelamento da cesta básica gerasse graves problemas de abastecimento. Observa-se na Tabela 9 que, em apenas um ano, Pecuária, Produtos Alimentícios e Têxtil cresceram, respectivamente, 175%, 167,8% e 161,9%.

Tabela 9:
Importações mexicanas por setor de origem

O custo dessa política foi a perda de US$ 7 bilhões de reservas, na medida em que o saldo comercial foi cinco vezes menor do que o registrado em 1987, em função da estagnação das exportações. O total das vendas externas não registrou queda porque as exportações não-petróleo aumentaram 16% no ano, compensando a taxa de crescimento negativa das exportações petróleo (-25,3%). O crescimento do comércio mundial e o desaquecimento da demanda doméstica contribuíram para a elevação das vendas externas, compensando, inclusive, o efeito negativo da sobrevalorização do peso.

A desagregação setorial da produção da indústria de transformação mostra a influência do dinamismo das exportações na sustentação do ritmo de atividade. Na média, a indústria de transformação cresceu 2,3%, mas nos setores onde a participação das exportações no valor da produção é elevada o crescimento foi muito superior. Para a média da indústria esta participação foi 12% em 1988, sendo que para os setores de Material de Transporte, Siderurgia, Química e Fibras Sintéticas a participação das exportações na produção atingiu, respectivamente, 40%, 13%, 30% e 20%; e o crescimento da produção foi de 24,7%, 7,3%, 3,6% e 10,2% respectivamente. Para a maioria dos setores com pequena participação das exportações, o crescimento foi negativo. Estima-se que metade do crescimento da indústria de transformação pode ser explicada pela expansão das exportações11 11 Banco de México, The Mexican Economy - 1989, p. 49. , compensando o menor crescimento da demanda interna.

Apesar do forte crescimento das exportações de manufaturas, a exportação de bens e serviços - enquanto componente da demanda agregada - registrou um crescimento real, em 1988, de apenas 1,5%. Isto ocorreu porque a queda do preço do petróleo compensou em boa parte o crescimento das exportações não-petróleo.

Tabela 10:
Exportações mexicanas por setor de origem

A demanda interna foi sustentada pelo aumento do investimento privado e pelo consumo, graças à liberalização comercial que reduziu os preços dos bens de capital e dos bens de consumo importados. O investimento privado cresceu 10% em termos reais, crescimento ainda insuficiente para recuperar o mesmo nível observado em 1981. O investimento privado em 1988 estava ainda 21% abaixo, em termos reais, dos valores alcançados antes do programa de estabilização do governo De la Madrid. No mesmo período, o investimento público também apresentou taxas de crescimento negativas, em consequência da política fiscal fortemente restritiva. Os custos do programa em termos de comprometimento do potencial de crescimento podem ser avaliados pela Tabela 11. Nela observa-se a significativa queda da taxa de investimento na economia mexicana. A relação dessa queda com o comportamento do investimento privado e com a elevação das transferências de recursos reais para o exterior é clara, reproduzindo o mesmo padrão de ajustamento à crise financeira internacional observado nos demais países latino-americanos endividados.

Tabela 11:
Desempenho macroeconômico - México

A despeito da queda do salário real, o consumo privado cresceu 2,1%, sendo em bens de consumo duráveis o maior crescimento observado (8,8%). O crescimento de consumo decorreu da política de liberalização comercial que, ao baratear os produtos importados, permitiu que a importação de bens de consumo cumprisse importante papel na política de abastecimento (em 1988, a importação de bens de consumo foi duas vezes e meia maior que no ano anterior).

C) Terceira fase: o governo Salinas: 1989

Uma das características marcantes da economia mexicana em 1988 foi ter controlado o processo inflacionário via negociação entre os diversos setores produtivos, assim como ter mantido ajustadas as contas do setor público. No início de 1989, entretanto, era claro que havia sérias questões macroeconômicas a serem resolvidas. Um dos principais obstáculos era o de retomar o crescimento econômico sem afetar a estabilidade de preços. Após o longo período de estagnação que marcara a administração anterior, o presidente Carlos Salinas preocupou-se em estimular o crescimento econômico. Com sua posse se iniciou a terceira fase de ajuste da economia mexicana, cujas diretrizes básicas estão traçadas no Pacto para la Estabilidad y el Crecimiento Económico (PECE), válido de janeiro a julho de 1989 e, posteriormente, renovado até março de 1990.

A outra grande preocupação do novo presidente era em relação à dívida externa, para a qual buscou nova estratégia de renegociação. Reconhece-se que as transformações internas e externas da economia mexicana, que levaram ao ajuste do setor público e do setor externo, também provocaram restrições ao investimento e ao crescimento. O novo governo desde o início manifesta a intenção de reduzir as transferências líquidas de recursos ao exterior. Também se incluem na nova estratégia de renegociação os objetivos de reduzir o valor da dívida acumulada, reduzindo a dívida como proporção do PIB, e garantir a entrada de novos recursos no médio e longo prazos, de modo a evitar as incertezas envolvidas em cada negociação anual. O acordo de julho veio nessa direção. O montante de recursos obtidos não indica, entretanto, que haverá reduções significativas nas transferências de recursos reais para o exterior a médio prazo.

A política macroeconômica em 1989 continuou baseada no acordo de preços-chave e salários, bem como na política fiscal.

Em 1º. de janeiro desse ano, foi concedido um reajuste salarial de 8%, o que significa que decorrido um ano os salários subiram apenas 11% contra 51,7% da inflação. Apesar da queda em termos reais observada, não estavam previstos novos reajustes salariais no âmbito do PECE.

Além dos salários, houve outros reajustes de preços relativos na economia. Os principais aumentos ocorreram nos preços dos serviços públicos, além de uma mudança no câmbio. A preocupação com a deterioração do nível de reservas cambiais e seus efeitos sobre as expectativas levou a que o PECE explicitasse uma política de desvalorização nominal de 1 (um) peso diário entre 1º. de janeiro e 31 de julho, o que significaria um ajuste de 9%. É claro que esta política tem mais efeito nos primeiros meses, na medida em que a desvalorização nominal de um peso vai se reduzindo com a elevação da taxa de câmbio.

Os dados de comércio exterior para o primeiro quadrimestre desse ano sugerem que a mudança da política cambial aparentemente não foi suficiente para reverter a tendência observada no ano anterior. As exportações totais entre janeiro e abril de 1989 foram 4,2% acima do observado no mesmo período do ano anterior. Apesar do melhor desempenho do setor exportador, o saldo comercial foi muito inferior ao observado entre janeiro e abril de 1988 (US$ 245 milhões contra US$ 1.910 bilhões), em função do crescimento expressivo das importações no período (40%). A desagregação por categoria de uso confirma a importância da importação de bens de consumo na estratégia anti-inflacionária mexicana. No período em questão, a taxa de crescimento das importações foi de 153,3%, destacando-se novamente a compra de Produtos Agrícolas e Pecuária (89,6%), Produtos Alimentícios (178,7%) e Têxtil (188,8%).

Não resta dúvida de que a estabilidade do câmbio funcionou como âncora nominal na economia e cumpriu importante papel na política anti-inflacionária. Entretanto, a política cambial enfrentou um impasse, na medida em que a substancial queda observada no saldo comercial e ausência de grandes avanços na negociação da dívida tiveram efeito negativo sobre as reservas cambiais, já substancialmente reduzidas em 1988.

Os reajustes dos preços públicos foram seletivos, em função da preocupação com a estabilidade dos preços. Só foram ajustadas tarifas cujo aumento não provocasse efeitos significativos sobre o gasto do consumidor, como, por exemplo, gasolina, gás doméstico e diesel. As tarifas de energia industrial, por sua vez, sofreram reajustes entre 29% e 50%. Os preços dos demais derivados de petróleo e produtos petroquímicas também aumentaram em até 51%. As tarifas telefônicas residenciais permaneceram congeladas, enquanto as chamadas interurbanas subiram 50%. A política de recomposição tarifária teve por fim elevar os recursos do setor público e repetir em 1989 os resultados favoráveis dos anos anteriores em relação às contas do governo.

A previsão para as contas do setor público em 1989 era a seguinte: diminuição do déficit financeiro e operacional de 10,8% e 2,8%, respectivamente, em 1988, para 6,4% e 1,6% em 1989. O superávit primário esperado era ligeiramente inferior ao de 1988 (6,7% do PIB), em virtude da redução das receitas com exportação de petróleo.

Apesar da recuperação orçamentária do governo, a reativação do crescimento econômico deveria ocorrer em função do crescimento do investimento privado. Esperava-se que o investimento do setor público continuasse a diminuir, apesar da taxa de crescimento anual passar de -6,9% em 1988 para -5,2% em 1989.

As receitas do governo deveriam constituir-se em parte de receitas tributárias, cuja participação no PIB deveria se elevar de 9,2% em 1988 para 10,3% em 1989. A política de recomposição tarifária deveria compensar parte da queda do preço do petróleo e contribuir com cerca de 20% das receitas totais do governo. Quase metade dos recursos, no entanto, não eram receitas orçamentárias, mas de financiamento externo e interno. Apesar do esforço de elevação das receitas orçamentárias, as previsões oficiais eram de que essas receitas em proporção do PIB cairiam dos 27,5%, obtidos em 1988, para 25,6%, em 1989, devido à queda do preço do petróleo e da estratégia anti-inflacionária que impôs limite aos reajustes tarifários.12 12 Não estão disponíveis ainda dados que possam confirmar estas previsões.

Após dois anos de acordo entre os agentes econômicos, que permitiu o congelamento de preços e salários, o pacto inaugurou uma etapa perigosa: a liberalização, ainda que não necessariamente autorizada pelo governo, de uma série de preços de produtos básicos. Neste grupo destacam-se arroz, feijão, carne, ovos, café solúvel e material escolar. A estes aumentos juntaram-se os reajustes autorizados pelo governo - aço, energia elétrica, remédios e refrigerantes. Apesar do início de liberalização de preços, os salários, que só foram reajustados duas vezes ao longo desses meses, deveriam continuar congelados até março de 1990. Entretanto, a renegociação dos acordos de preço e a verificação de importantes perdas salariais implicaram um aumento de 10% em dezembro de 1989, seguido de novo prolongamento do controle de salários e preços até o primeiro semestre de 1990. A esta altura, a perda do poder de compra dos salários era estimada em 40%.

A atual revisão do pacto procura contornar o problema de desabastecimento - na medida em que a escassez de alguns produtos já é visível - e ao mesmo tempo conciliar as demandas dos empresários e dos sindicatos, sem que se perca o controle da inflação.

Apesar das dificuldades por que passou o pacto anti-inflacionário no final de 1989, pode-se dizer que a previsão oficial de inflação foi cumprida (19,8% efetivamente observados contra 19% de previsão). Entretanto, os resultados de dezembro (3,4%) e de janeiro (4,8%) mostram significativa elevação na taxa de inflação mensal que, a persistir neste patamar, pode elevar a taxa anual para cerca de 50%. Isto demonstra que a luta contra a inflação não está vencida. A médio prazo, a conciliação das demandas por recomposições de rendas reais, na maioria das vezes incompatíveis, e a redução no nível de reservas internacionais podem comprometer o sucesso do plano de estabilização mexicano.

Tabela 12:
Salário real e emprego

Gráfico 1:
Índice de preço ao consumidor Variação anual

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira etapa do programa de estabilização da economia mexicana, iniciada em 1982, caracterizou-se por um significativo ajuste fiscal que, apesar de proporcionar o equilíbrio das contas do governo, não impediu a aceleração da taxa de inflação. Esta chegou, no final de 1987, a 160%. O ajuste, entretanto, significou importante precondição para o sucesso do Pacto de Solidariedade implementado em dezembro de 1987. Em primeiro lugar, ao conferir ao governo a credibilidade necessária à aplicação de uma política de rendas. Em segundo lugar, por permitir, juntamente com o ajuste das contas externas, a elevação das reservas cambiais, utilizadas para a importação de bens de consumo, evitando que o prolongamento do congelamento gerasse graves crises de abastecimento.

A política anti-inflacionária propriamente dita foi iniciada com o Pacto de Solidariedade Econômica, com virtual congelamento de preços e salários. A peculiaridade do programa de desindexação mexicano - que explica parte do seu sucesso - é que o controle de preços e salários foi resultado de um acordo negociado entre governo, trabalhadores e empresários, sem dúvida facilitado pelas características político-institucionais do México. Os principais custos dessa política de rendas foram a significativa queda dos salários reais e a redução das reservas cambiais.

A terceira etapa do programa de estabilização, iniciada com o governo de Carlos Salinas, dá continuidade ao programa anterior, ao mesmo tempo que se preocupa com a retomada do crescimento econômico; aprofunda reformas estruturais para redução do papel do Estado na economia; promove a diminuição do grau de proteção da economia e, no marco do Plano Brady, fecha um acordo para a dívida externa, com o objetivo de reduzir o volume de transferências de recursos para o exterior. Na realidade, a maioria das medidas implementadas desde 1982 apontam para maior desregulamentação da economia, tendo seu contraponto no congelamento dos preços-chave.

Os resultados, em termos de inflação, foram significativos. Em quase dois anos, os pactos permitiram a redução da inflação anual de 160% para 20%, isto é, queda das taxas mensais de 15% para cerca de 1%.

Apesar de esses resultados terem transformado o México em exemplo de sucesso de políticas de ajustamento, persistem desequilíbrios associados à extensão do acordo de preços e salários, que geram ainda incertezas quanto à trajetória futura da inflação. O vigoroso ajuste fiscal, as reformas estruturais no setor público e na política comercial e dois anos de virtual congelamento não foram ainda suficientes para consagrar o retorno do México a um regime permanente de inflação baixa. O teste decisivo da experiência mexicana de estabilização ocorrerá no momento da flexibilização do acordo de preços e salários.

Pelos resultados obtidos até hoje, a política de estabilização mexicana se transformou em exemplo de sucesso de ajustamento à crise externa e de combate à inflação. O conhecimento do leque de medidas adotado no México pode ser elucidativo para orientar a atuação da política econômica no Brasil. Lembre-se, porém, que o plano de estabilização mexicano foi aplicado em um contexto de inflação crônica, com taxas médias mensais de 7%, e não de inflação aberta, ou hiperinflação, como no caso do Brasil.

A experiência mexicana, além de sugestões de política econômica, permite duas importantes conclusões. Em primeiro lugar, a necessidade da aplicação imediata de políticas restritivas coerentes com a gravidade dos choques externos.

O vigoroso ajuste fiscal mexicano foi implementado pelo presidente De la Madrid ainda em 1982 e permitiu que em cinco anos as contas do setor público sofressem significativa reversão. O superávit primário, por exemplo, registrou um ganho de 7,6% do PIB entre 1982 e 1987. Mesmo que o ajuste fiscal não tenha sido por si só suficiente para controlar o processo inflacionário, certamente ampliou as chances de sucesso da política de desindexação. O acordo de preços e salários no México só foi negociado após a obtenção de resultados positivos nas contas públicas. No Brasil, as experiências heterodoxas de combate à inflação começaram pela política de rendas, deixando a política fiscal para uma segunda etapa. Hoje, apesar do consenso quanto à necessidade de equilibrar as contas do setor público, após o fracasso daquelas experiências, enfrenta-se um problema de inconsistência temporal de difícil solução, na medida em que, por mais rigoroso que seja o ajuste fiscal, seus resultados não são percebidos no curto prazo, afetando as expectativas dos agentes econômicos e diminuindo o fôlego da política de desindexação.

Uma segunda lição que se tira da experiência mexicana é que o sucesso da política de estabilização não pode ser alcançado sem custos para a sociedade: a estagnação econômica no período, a queda do salário real em torno de 40%, a perda de metade das reservas cambiais em apenas um ano e a distorção da estrutura de preços relativos em função do prolongado congelamento de preços.

Não resta dúvida, porém, de que a relativa estabilidade macroeconômica alcançada, após sete anos de ajuste, criou ambiente propício para a recuperação dos investimentos e a retomada do crescimento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • CONFEDERACIÓN DE CÁMARAS INDUSTRIALES DE LOS ESTADOS UNIDOS MEXICANOS, México. Posibles impactos de las leyes de ingreso y egreso en el sector productivo en 1989. Indústria, México, 1 (8): sl8-s32, fev. 1989.
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  • THE MEXICAN ECONOMY 1989, México, Banco de México, 1989.
  • SIEP REPORTE TRIMESTRAL. Avance del pacto de estabilidad y crecimiento económico. Análisis de la deuda. México, Consultores Internacionales, S.C., abr. 1989.
  • 1
    Em 1975 as reservas de petróleo consistiam em apenas seis bilhões de barris. Em 1978, entretanto, já atingiam quarenta bilhões, chegando, em 1982, a setenta bilhões de barris.
  • 2
    Os bens sujeitos a autorização prévia reduziram-se de 100% das importações totais em 1982 para 27% em novembro de 1987. No mesmo período, a tarifa média caiu de 16,4% para 11,1%.
  • 3
    Algumas estimativas para a fuga de capitais mexicanos indicam valores próximos de US$ 10 bilhões em 1981. Este índice se reduz substancialmente a partir de 1982, chegando a registrar, em 1986, entrada de capitais de cerca de US$ 1 bilhão (Dornbusch, (1988DORNBUSCH, Rudiger. México: Stabilization, Debt and Growth [Massachusetts, MIT] maio 1988. ), p. 14c, fig. 8).
  • 4
    Dada a falta de informações mais detalhadas sobre o período de coleta para o cálculo da inflação, é difícil dizer se esta aceleração foi provocada pelo realinhamento de preços embutido no plano de estabilização (e que se refletiu ainda no mês de janeiro, pois não houve mudança no cálculo do índice de preços) ou se o pacto foi negociado exatamente por causa da aceleração inflacionária. Neste último caso, o PSE viria impedir a perpetuação de um novo patamar inflacionário.
  • 5
    Em quatro meses foram privatizadas 22 empresas e foi autorizada a transferência de mais 65; 694 empresas foram privatizadas na administração La Madrid, sendo concluídos 391 processos.
  • 6
    De qualquer forma, o Pacto de Solidariedade deixou a economia mexicana mais indexada que antes, o que pode dificultar a saída do congelamento para uma fase de maior flexibilização de preços.
  • 7
    Neste processo incluem-se não só a privatização de empresas propriamente dita, mas também transferências para governos estaduais, fusões e incorporações e liquidações.
  • 8
    A taxa de câmbio média em dezembro de 1988 era 2.257 pesos por dólar, apenas 11,5% acima da observada em dezembro de 1987 (2.023,42 pesos por dólar).
  • 9
    O ágio no mercado de divisas ficou estacionado, ao longo do ano, em torno de 1,5%.
  • 10
    No ano de 1988, mais de metade das importações (55,1%) entraram no país livre de impostos. O restante estava sujeito a tarifas que variaram entre 5% e 20%.
  • 11
    Banco de México, The Mexican Economy - 1989THE MEXICAN ECONOMY 1989, México, Banco de México, 1989. , p. 49.
  • 12
    Não estão disponíveis ainda dados que possam confirmar estas previsões.
  • **
    A autora agradece os comentários de Regis Bonelli, dos colegas do Departamento Econômico da CNI e de dois leitores anônimos. As qualificações usuais se aplicam.
  • 14
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1991
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