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Muitos Métodos é o Método: A Respeito do Pluralismo

Many Methods is the Method: Regarding Pluralism

RESUMO

Este artigo enfoca a tese do pluralismo, proposta por Caldwell como uma metodologia adequada para a Economia. Ele compara o pluralismo e a posição defendida por Neville Keynes há 100 anos, quando a Economia passava por um período igualmente difícil de sua história, caracterizado por um conflito entre linhas de pensamento antagônicas.

PALAVRAS-CHAVE:
Metodologia da economia; pluralismo; história do pensamento econômico; Neville Keynes; Caldwell.

ABSTRACT

This paper focuses on the thesis of pluralism, proposed by Caldwell as an adequate methodology for Economics. It compares pluralism and the position advocated by Neville Keynes 100 years ago, when Economics was passing through a similarly difficult period of its history, characterized by a conflict between antagonistic lines of thought.

KEYWORDS:
Economic methodology; pluralism; history of economic thought; Neville Keynes; Caldwell

Há 100 anos, a ciência econômica vivia um momento particularmente conturbado de sua história, marcado pelo conflito aberto entre duas correntes de pensamento antagônicas. Esse conflito expunha profundas divergências metodológicas que se vinham configurando durante o último quartel do século XIX. Incomodado pela virulência das críticas disparadas de lado a lado, John Neville Keynes escreveu um ensaio - infelizmente ainda não traduzido no Brasil - que, em nome do desenvolvimento da economia, propunha uma conciliação e procurava estancar a querela sobre método antes que esta prejudicasse o bom nome da ciência.

No momento em que se vive um novo período conturbado da história da ciência econômica, parece interessante focalizar o episódio que converge para a tese do “pluralismo”, defendida por Bruce J. Caldwell em seu Beyond Positivism, de 1982. O livro de Caldwell encerra uma proposta conciliatória para as persistentes discordâncias que, quase um século após o artigo de Neville Keynes, ainda assolam a economia.

É interessante notar que as controvérsias sobre método, embora relegadas a um segundo plano pelo chamado modelo hard science da história do pensamento econômico, vêm à tona de tempos em tempos com nova roupagem e parecem voltar sempre às mesmas questões.1 1 Alguns episódios mais conhecidos, além do focalizado neste artigo, são: 1) O embate entre Ricardo e Malthus; 2) a Methodenstreit entre austríacos e alemães; 3) a controvérsia de Cambridge, sobre a medida do capital; 4) o debate sobre teoria da firma, que dividiu adeptos da concorrência perfeita e imperfeita. Vale a pena fazer aqui uma breve reconstituição do episódio testemunhado e arbitrado por Neville Keynes, antes de focalizar a proposta de Caldwell, com a qual guarda óbvia semelhança.

I. NEVILLE KEYNES E A FALÁCIA DO MÉTODO EXCLUSIVO

Para que a polêmica sobre método não levasse de roldão tudo aquilo que se conquistara no campo da ciência econômica, Neville Keynes adota uma atitude de contemporização entre duas correntes de pensamento:

1. De um lado, coloca a economia clássica inglesa, na tradição Smith-Ricardo-Mill-Senior-Cairnes-Bagehot, que encontraria em 1890, nos Principles de Marshall, um tratado antológico. O método preconizado pelos ingleses definia-se como positivo, abstrato e dedutivo, ou seja, a construção teórica assentava-se em princípios a priori, considerados auto evidentes, que supostamente mostraram a realidade como ela realmente era. Dentre estes, o da racionalidade econômica sobressaía-se. Em torno de tais princípios, a teoria articulava-se de forma lógica, permitindo a dedução de leis passíveis de aplicação à realidade empírica. A comparação com os fatos era encarada como um momento posterior do trabalho científico, complementar ao raciocínio dedutivo.

2. Do outro lado, colocava-se a escola histórica alemã, crítica e contestatória em relação ao domínio inglês, a que N. Keynes se refere às vezes como “escola nova”. Seus adeptos propunham um método fortemente assentado no raciocínio indutivo, bastante influenciado pela história e com um enfoque interdisciplinar. Outra característica marcante desta escola era o compromisso com uma ciência ética, pois reconhecia-se e advogava-se a impossibilidade de separar o que é do que deve ser, a neutralidade axiológica em suma. Assim, o ideal de desenvolvimento econômico era abertamente colocado como tarefa primordial da economia. Finalmente, a escola histórica contrasta com a escola inglesa clássica pela ênfase dada ao Estado na condução dos negócios da economia.

Na verdade, a polêmica entre essas duas correntes de pensamento reacendia um velho objeto de disputa: a pendência entre dedução e indução como fonte de conhecimento científico, entre o chamado método a priori e o método a posteriori. A questão complicava-se, no seio de uma das mais conceituadas universidades britânicas, pelo fato de os alemães terem conquistado adesões entre os próprios ingleses. Richard Jones e Cliffe Leslie, na Grã-Bretanha, e os institucionalistas norte-americanos, de seu lado, mostravam-se particularmente entusiasmados pelas posições da escola histórica alemã (Katouzian, 1980KATOUZIAN, Homa (1980) Ideology and Method in Economics. Nova York: New York University Press. ).

O que parece incomodar de perto Neville Keynes são os estragos que o embate aberto e radicalizado de ideias poderia ocasionar entre estudantes de economia confundidos pelos ânimos exaltados com que seus mestres vociferavam suas divergências. Em termos kuhnianos, parecia faltar então uma condição plena de vigência de uma ciência normal, no sentido de um paradigma amplamente compartilhado pela comunidade de economistas.

O ensaio de Keynes é, em poucas palavras, uma condenação àquilo que denomina de “falácia do método exclusivo”. Desde o prefácio, ele revela a preocupação de evitar o tom partidário e representar com imparcialidade os lados em contenda. O autor exorta os economistas a respeitarem a diversidade e desistirem da busca de um método infalível, pois o método correto para a economia, adverte, não pode ser representado por uma única frase.

Aquele que viria a ser conhecido como “pai de Keynes” pede de início aos economistas que moderem a impaciência com que a discussão metodológica é frequentemente encarada, pois ‘’pertence ao domínio da filosofia ou da lógica da Economia Política” e, como tal, “não avança diretamente nosso conhecimento dos fenômenos econômicos propriamente ditos” (N. Keynes, 1917KEYNES, John Neville (1917) The Scope and Method of Political Economy. Nova York: Kelley & Millman. : 3). A influência de Stuart Mill, em particular de conceitos como o da pluralidade de causas dos fenômenos econômicos, expressos em seu Sistema de Lógica, é bastante visível ao longo do texto.

Ao deplorar o nível de conflito entre as duas escolas, cujo dogmatismo estreito “complicou desnecessariamente todo o problema” (ibidem: 8), o autor localiza o pomo de discórdia na postura metodológica de cada uma delas. Tendo elegido distintas maneiras de aproximação dos problemas, os dois grupos desenvolvem teorias cujo enfoque é substancialmente diferente.

A preocupação conciliatória de N. Keynes revela-se a cada momento. A despeito desses diferentes enfoques, destaca, não conviria uma atitude de radicalização, que exagera a oposição entre as partes. “Se a pura indução é inadequada, a pura dedução é igualmente inadequada. O erro de colocar esses métodos em oposição mútua, como se o emprego de qualquer um deles excluísse o emprego do outro, é infelizmente muito comum” (ibidem: 172). Defende o autor que apenas uma “combinação não preconceituosa de ambos” permite o desenvolvimento da ciência.

O ponto de vista ganha força adicional a partir de exemplos da história da ciência econômica, desde seus precursores. Quando se compara o procedimento efetivo que os melhores economistas do passado adotam, diz N. Keynes, as diferenças metodológicas se diluem e perdem visibilidade. O primeiro e principal exemplo escolhido para ilustrar esse ponto de vista é justamente o de Adam Smith. Como bom economista, ele consegue conciliar os dois métodos. Ao investigar o fenômeno da riqueza, Smith partiu de considerações gerais a priori para montar uma teoria abstrata. Mas jamais se descuidou da tarefa de observar os fatos históricos.

Depois de alinhavar exemplos, N. Keynes sente-se capacitado a generalizar a respeito dos economistas clássicos. De resto, diz ele em defesa de seus conterrâneos, nenhum economista constrói sua teoria no ar, sem qualquer respaldo da observação empírica. Nos clássicos, o raciocínio indutivo desempenha um papel importante como complementação do raciocínio dedutivo.

Parte em seguida o autor à crítica da escola histórica. O mero indutivismo desta coloca sérios entraves à construção de um conhecimento capaz de ir além do nível rasteiro dos fatos. À escola histórica, N. Keynes reprova a tendência a superestimar a relatividade das doutrinas econômicas. Empenhada em se contrapor a alguns dos economistas mais velhos, que encaravam a economia política como um sistema de doutrinas de validade universal, essa escola teria acabado por incidir no erro inverso. N. Keynes reprova-lhe, igualmente, a tendência a considerar a economia como ciência histórica. Reage com ironia à perspectiva, às vezes sustentada por aqueles que apregoam a relatividade das doutrinas econômicas, de se postergarem as considerações teóricas até que os fatos tenham sido coletados. Em suas próprias palavras:

Além e acima de qualquer disputa, porém, como na mais frutífera direção da investigação no estágio particular de desenvolvimento que a Economia Política agora atingiu, está envolvida na visão ultra-histórica uma ideia exagerada da suficiência da parte que o material histórico pode jamais assumir na construção da ciência, e da extensão em que, sem a ajuda da teoria explícita, o historiador pode atribuir aos fenômenos suas conexões causais. Já se mostrou que a própria história econômica deve ser interpretada pela teoria. (Ibidem: 325)

O tom geral do ensaio de N. Keynes é dado pela exportação contida no final de seu primeiro capítulo, no sentido de que nenhum método seja defendido em detrimento de todos os demais. O método apropriado à economia pode ser abstrato ou realista, dedutivo ou indutivo, matemático ou estatístico, hipotético ou histórico, diz ele. Cada um deles tem seus méritos e suas limitações, e a habilidade do cientista é revelada precisamente na sabedoria com que combina os méritos e se precavê contra as limitações.

II. A IDÉIA DE PLURALISMO

No início da década de 1960, a metodologia popperiana parecia ser a chave das respostas às perplexidades dos economistas quanto às credenciais de sua ciência. O entusiasmo pela mesma, que se manifestara desde o livro de Hutchison, em 1938, e transparecia nos textos clássicos de metodologia desde então lançados, cedeu lugar, no período recente, a uma atitude mais realista. Eventualmente cansados de eleger um método impróprio, valendo-lhes a pecha de “falsificacionistas inócuos” (Blaug, 1980BLAUG, Mark (1980) The Methodology of Economics. Cambridge: CUP. ), os economistas partem para uma atitude mais cautelosa em relação a questões de método.

Caldwell discorre sobre uma série de condições que tornam impraticável a adoção do falsificacionismo na economia: 1) número excessivo de condições iniciais no teste de teorias; 2) impossibilidade de algumas destas condições iniciais serem testadas isoladamente (estado da informação, gostos, preferências); 3) ausência de leis gerais falseáveis; 4) impossibilidade de um ajuste perfeito entre dados empíricos e construções teóricas (Caldwell, 1984CALDWELL, Bruce (1984) Beyond Positivism: Economic Methodology in the Twentieth Century (2a. ed.). Londres: Allen & Unwin. : 238-242).

Assim, é num contexto em que as discussões metodológicas ganham força, sem uma definição clara do método mais adequado à economia, que Calwell introduz a proposta do pluralismo. A partir da tese de superação do positivismo como método, o autor reflete sobre a dificuldade implícita na montagem de um algoritmo de escolha de teorias. Quais os critérios consensuais para a escolha entre teorias rivais e, mais ainda, como montar um algoritmo com os mesmos? Essa é a indagação lançada por ele, em cuja resposta desemboca a questão do pluralismo metodológico, posteriormente rebatizado de pluralismo crítico.

Antes de apresentar essa proposta, porém, convém fazer uma pequena digressão sobre o significado de pluralismo. O termo evoca um vasto conjunto de significados, consagrados pelas melhores enciclopédias. Na filosofia, pluralismo contrapõe-se a monismo, que atribui ao ser um único princípio final. A doutrina monista, na metafísica, prega que toda a realidade pode ser reduzida a um único princípio constitutivo ou a uma única substância, como o espírito (no caso do idealismo) ou a matéria (no caso do materialismo) (v. Dicionário de Ciências Sociais, 1987Dicionário de Ciências Sociais (1987) 2 vols., 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. ).

No campo jurídico, os monistas defendem a necessidade de um poder supremo ou autoridade superior, conferidos ao Estado, que se torna soberano tanto internamente quanto no campo das relações internacionais. Os pluralistas, ao contrário, sustentam que nem o Estado nem qualquer outra instituição possuem um tal poder absoluto, mas que o mesmo se reparte entre os vários grupos que integram a sociedade.

Assim, no plano das relações sociais em geral, pluralismo constitui uma doutrina cujos defensores combatem a segregação de qualquer espécie, o sectarismo e as práticas discriminatórias em geral.

Um outro significado interessante do termo é encontrado no campo das relações internacionais. Na América Latina da década de 1970, pluralismo designava autonomia na condução do desenvolvimento econômico e político de países como o Chile de Allende, o México de Luiz Echevarria, o Peru etc. Allende seguidamente usava a expressão pluralismo em seus discursos, no sentido de reivindicar respeito à autonomia nacional na escolha de um projeto de desenvolvimento.

Na política, pluralismo tem sido sinônimo de liberdade de expressão, direito de discordar da opinião dominante, respeito à divergência, em suma.

De um modo geral, a ideia de pluralismo, parente próxima do liberalismo político, assenta-se na concepção da validade moral da autonomia e multiplicidade dos grupos sociais, ou seja, nos méritos de uma sociedade dinâmica e diversificada. Quando se fala em pluralismo, entende-se uma doutrina que é, por sua própria natureza, avessa ao totalitarismo e ao dogmatismo dos modelos únicos.

III. CALDWELL E O PLURALISMO

Esta última dimensão do termo pluralismo é justamente aquela realçada por Caldwell, numa postura que parece bastante adequada ao particular (e conturbado) momento da história da ciência econômica que vivemos. Quando Caldwell apresenta o pluralismo como um “preconceito”, logo no início de sua obra, quer condenar o dogmatismo e enfatizar que, assim como há muitas tarefas a serem desenvolvidas pela teoria econômica, há muitos métodos de avaliação e crítica desta teoria. As metas do estudo metodológico não consistem em traçar um caminho obrigatório ou encontrar o método infalível (fullproof). Esse método não existe, ou, mesmo que exista, nunca podemos ter certeza de tê-lo encontrado. As metas de metodologia são muito mais modestas, porque, como se trata de um simples instrumental, não substitui o trabalho substantivo.

É importante registrar que, ao ser prescritivo num sentido amplo, o método de Caldwell vem justamente atenuar o caráter prescritivo da tradição metodológica popperiana. Acrescente-se que a proposta de pluralismo surge no âmago de um movimento que se estende além das fronteiras da economia ou de qualquer ciência particular, alicerçado na ideia de superação do positivismo como método. Não por acaso, o livro de Caldwell traz o título de Beyond Positivism,

A vasta bibliografia (164 títulos) resenhada pelo autor no campo da metodologia da ciência em geral e no da metodologia econômica em particular é indicativa do leque de alternativas em que se apoia para sugerir a adoção do pluralismo por parte daqueles que se dedicam ao trabalho metodológico. Os economistas, diz ele, devem escolher uma estrutura teórica para trabalhar e ter consciência da opção feita, embora não precisem, no início de cada artigo que escrevem, ficar obcecados pela definição de sua metodologia.

As vantagens do pluralismo seriam basicamente três:

  1. Promover a novidade na ciência - Tem-se aqui reiterado o princípio de proliferação de teorias. Seu objetivo explícito é conseguir espaço de respiração para teorias novas, fundadas em visões metodológicas eventualmente antagônicas. Além disso, ampliar o número e o tipo de métodos de investigação representa um estímulo ao trabalho interdisciplinar.

  2. Estimular a crítica não dogmática - O pluralismo preocupa-se em mostrar a crítica como aspecto crucial do trabalho científico, mesmo que se reconheça como quixotesca a busca de um aparato crítico universalmente aplicável. Ele privilegia a crítica interna como a mais efetiva, preferindo-a à crítica externa. A primeira é considerada cabível e oportuna em todos os momentos da ciência, posto que o dogmatismo é uma atitude anticientífica por excelência. Ainda que não diminua as disputas dentro da comunidade científica, aumenta a capacidade de comunicação na mesma. Permite assim que economistas de diferentes correntes conversem um com o outro, em vez de falar além um do outro. A crítica interna torna-se particularmente útil nos momentos de transição, quando a insegurança profissional se acentua. Permite que teorias não sejam sumariamente descartadas à primeira evidência negativa, obedecendo assim ao princípio de tenacidade, que resiste ao falsificacionismo ingênuo.

  3. Diminuir a incomensurabilidade entre teorias e promover o diálogo entre diferentes programas de pesquisa - Ao aderir ao pluralismo, a questão da incomensurabilidade de paradigmas colocada por Kuhn fica consideravelmente atenuada. Digamos que uma determinada controvérsia - a controvérsia de Cambridge - tenha origem num ponto cego, no entrechoque de duas visões de mundo à primeira vista incompatíveis. Pois bem: há aspectos que podem ser objeto de debate e, uma vez promovido este, ambos os lados em contenda beneficiar-se-iam do mesmo, embora mantendo sua posição própria. Entender os austríacos em seus próprios termos evita que os debates se tornem meramente semânticos e ajuda austríacos e não-austríacos a fundamentarem melhor suas teorias.

Em artigo de 1985, Caldwell retoma o tema, com o intuito de rebater algumas críticas que haviam sido endereçadas a seu trabalho anterior. Posiciona-se claramente contra o monismo, com sua “insustentável” posição de aderência a um conjunto único de padrões. Em poucas palavras, o autor ressalta o aspecto de crítica embutido na proposta do pluralismo, por simplicidade abandonando o adjetivo “metodológico” com que o havia cunhado anteriormente. O mote que exprimiria o cerne do pluralismo como princípio metodológico seria: “Buscar a novidade e procurar permanentemente reduzi-la pela crítica”. Nesse sentido, o pluralismo estaria se recusando a confiar à filosofia a tarefa de propor critérios de demarcação para a ciência.

O papel do metodólogo, diz Caldwell2 2 Este é mais um ponto de identidade com N. Keynes, que defende a ideia de que o método adequado só pode ser definido “de acordo com o especial departamento ou aspecto da ciência que está sob investigação” (ibidem: 30). , não é o de guardião da ciência. Estudar metodologia não ensina como fazer economia. A verdadeira tarefa do metodólogo é avaliar teorias à luz dos próprios problemas que se dispõem a solucionar. Daí que a metodologia é problem-dependent, pois a escolha dos instrumentos de avaliação depende da natureza dos problemas focalizados pelo cientista.

IV. QUESTÕES E CRÍTICAS

Exposta sinteticamente a proposta de Caldwell, que, à semelhança de N. Keynes, exorta os economistas ao pluralismo, pelo menos duas questões se colocam. A primeira delas é: o pluralismo aplica-se a cada economista em particular, ou à comunidade como um todo?

Essa não é uma pergunta fácil de responder, como pode parecer à primeira vista. Dizer que o pluralismo se aplica ao conjunto implica pisar num terreno onde se espera razoável consenso, mais ou menos como uma proposta de paz. Afinal, é um ganho, e não uma perda, o fato de uma comunidade científica complexa ser eclética e comportar diferentes correntes. Até aí, o conselho de Caldwell soa um pouco acaciano.

Dizer, porém, que o pluralismo se aplica a cada economista em particular é uma prescrição controvertida. Caldwell diz apenas que seus insights são úteis a qualquer economista, mas que, como programa, o pluralismo se aplica ao metodólogo (ibidem: 251).

Em que sentido seria possível preconizar que todos os economistas adotem o pluralismo como método? Claramente, não se trata de sugerir que se postem eternamente em cima do muro, para presenciarem o embate de ideias alheias. O muro é uma posição, respeitável até, se quiserem. O importante, porém, é treinar os economistas para conviver proveitosamente com opiniões divergentes. O importante é estimulá-los a enxergar a controvérsia como inerente à ciência, fator de (e não empecilho a) seu progresso. É só nesse sentido que se pode propugnar que o pluralismo se aplique a cada economista em particular.

A segunda questão refere-se à possibilidade de o pluralismo ser um método historicamente datado, conveniente para períodos de transição revolucionária, em que não há clareza quanto ao conjunto de teorias capazes de ocupar uma posição paradigmática. Há indícios de que períodos de transição favorecem a discussão metodológica e, nesse sentido, a prudência recomenda o pluralismo; quanto mais não seja, acrescente-se, para diminuir o risco de uma opção equivocada. Caldwell parece atentar para essa característica, quando define o pluralismo como uma ‘’posição interina’’.

Em períodos de transição, o pluralismo é uma opção metodológica conveniente, pois é:

  1. suficientemente modesta para respeitar a prática efetiva dos cientistas, a ciência econômica como tem sido feita pelos economistas, sem tolher seu desenvolvimento substantivo em nome de deficiências de natureza metodológica;

  2. suficientemente ambiciosa para permitir o desenvolvimento de novas teorias, capazes de oferecer alternativas à teoria mainstream e competir com a mesma em condições de maior igualdade; e

  3. suficientemente esperta para possibilitar que a disputa sucessória ocorra sem maiores desperdícios de esforços, nos limites do razoável para o fortalecimento da ciência.

Ultrapassado o período de transição, porém, será o pluralismo ainda recomendável? Não seria melhor deixar que os economistas se devotassem aos quebra-cabeças da ciência normal, sem aprofundar divergências? São questões que ficam para posterior reflexão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BLAUG, Mark (1980) The Methodology of Economics. Cambridge: CUP.
  • CALDWELL, Bruce (1984) Beyond Positivism: Economic Methodology in the Twentieth Century (2a. ed.). Londres: Allen & Unwin.
  • CALDWELL, Bruce (1984) “Economic methodology in the post-positivist era”, Research in the History of Economic Thought and Methodology, vol. 2, pp. 195-205.
  • Dicionário de Ciências Sociais (1987) 2 vols., 2ª. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas.
  • KATOUZIAN, Homa (1980) Ideology and Method in Economics. Nova York: New York University Press.
  • KEYNES, John Neville (1917) The Scope and Method of Political Economy. Nova York: Kelley & Millman.
  • 1
    Alguns episódios mais conhecidos, além do focalizado neste artigo, são: 1) O embate entre Ricardo e Malthus; 2) a Methodenstreit entre austríacos e alemães; 3) a controvérsia de Cambridge, sobre a medida do capital; 4) o debate sobre teoria da firma, que dividiu adeptos da concorrência perfeita e imperfeita.
  • 2
    Este é mais um ponto de identidade com N. Keynes, que defende a ideia de que o método adequado só pode ser definido “de acordo com o especial departamento ou aspecto da ciência que está sob investigação” (ibidem: 30).
  • JEL Classification: B41; B20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1992
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