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Convergência entre as rendas per capita estaduais no Brasil

Convergence between state per capita incomes in Brazil

RESUMO

Este artigo apresenta, em sua primeira seção, as evidências disponíveis sobre a evolução da distribuição interestadual e inter-regional de renda no Brasil, entre os anos de 1970 e 1985. A principal conclusão é que uma clara tendência à convergência do estado e as rendas regionais por capital prevaleceram no período mencionado. Na seção 2, são apresentadas algumas explicações para a tendência observada, enquanto, na seção final, são discutidas as perspectivas de que a convergência da renda per capita tenha sido mantida no período pós-1985, para o qual não há dados disponíveis, e continuará a prevalecer no futuro.

PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimento econômico; convergência de renda; desenvolvimento regional

ABSTRACT

This paper presents, in its first section, the available evidence regarding the evolution of the inter-state and inter-regional distribution of income in Brazil, between the years 1970 and 1985. The main conclusion is that a clear trend towards convergence of the state and regional per capital incomes prevailed in the aforementioned period. In section 2, some explanations are advanced for the observed trend, whereas, in the final section, a discussion is made of the prospects that the convergence of per capita incomes has been maintained in the post-1985 period, for which data are not available, and will continue to prevail in the future.

KEYWORDS:
Economic development; income convergence; regional development

1. INTRODUÇÃO

A partir de meados da década de 50, começou a ganhar importância, no âmbito dos estudos sobre tendências espaciais ou regionais do desenvolvimento econômico, o debate sobre a relação entre as etapas do desenvolvimento e a tendência divergente ou convergente das rendas absoluta e per capita de diferentes regiões. Postulando a preponderância de uma tendência à divergência, embora com enfoques e instrumentais distintos, alinham-se, entre os principais autores, Myrdal, 1958, Hirschman, 1958HIRSCHMAN, A. (1958). The Strategy of Economic Development. New Haven, Yale University Press. , e Kaldor, 1970KALDOR, N. (1970). “The case for regional policies”. Scottish Journal of Political Economy 17. . Buscando demonstrar a existência de uma tendência à convergência, pelo menos a partir de certa etapa do processo de desenvolvimento, destacam-se Kuznetz, 1955KUZNETZ, S. (1955). “Economic growth and income inequality”. American Economic Review 45. , Williamson, 1965WILLIAMSON, J. G. (1965). “Regional inequality and the process of national development: a description of the patterns”. Economic Development and Cultural Change 13(2)., e Richardson, 1980RICHARDSON, H. (1980). “Polarization reversal in developing countries”. Papers of the Regional Science Association 45. .

No caso do Brasil, como se encontra analisado em uma ampla literatura (Furtado, 1961FURTADO, C. (1961). Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Cia Editora Nacional. ; Cano, 1977CANO, W. (1977). Desequilíbrios Regionais e Concentração Industrial no Brasil. São Paulo, Global. e 1985CANO, W. (1985). Raízes da Concentração Industrial em São Paulo. São Paulo, Difel. ; Singer, 1977SINGER, P. (1977). Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo, Cia. Editora Nacional. ), o crescimento econômico, desde meados do século XIX e até recentemente, se fez acompanhar de uma grande concentração das atividades produtivas em um número restrito de estados e regiões, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.1 1 Os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, cobrindo 3,4% da área geográfica do País, concentravam, em 1970, 29% da população, 74% da produção industrial e 56% do PIB brasileiro. Embora esse processo tenha provocado uma forte corrente migratória das regiões de ocupação antiga e de menor dinamismo, vale dizer, do Nordeste brasileiro e de Minas Gerais, para as regiões dinâmicas, o movimento migratório não foi suficiente para compensar as diferenças nas taxas de crescimento econômico, gerando um processo de divergência interestadual e inter-regional das rendas absoluta e per capita e uma marcante desigualdade regional no Brasil.

Nas duas últimas décadas, no entanto, observa-se uma significativa alteração no padrão regional brasileiro, com a unificação do mercado nacional, uma relativa desconcentração geográfica da produção e um melhor desempenho relativo das regiões com menor nível de renda. Como consequência, ocorreu uma inversão da tendência histórica de divergência interestadual e inter-regional das rendas per capita.

Indicadores quantitativos da evolução da distribuição interestadual e inter-regional da renda no Brasil, neste último período, bem como as principais explicações para essa inversão de tendência serão apresentados a seguir.

2. EVOLUÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO INTERESTADUAL E INTER-REGIONAL DA RENDA NO BRASIL

2.1 A evidência empírica

Uma grande variedade de estatísticas voltadas para mensurar o grau de desigualdade na distribuição da renda de um país entre as suas regiões ou estados pode ser encontrada na literatura econômica.2 2 Além daquela utilizada neste trabalho, pode-se mencionar, entre outras medidas, os coeficientes do tipo Gini, o coeficiente de variação de Williamson e o índice de entropia de Theil. Para referências mais detalhadas, consulte-se Nissan & Carter (1993, p. 305). Estimativas do coeficiente de variação de Williamson, baseadas nos dados mais recentes disponíveis para o Brasil, são apresentadas em Souza (1993).

A medida de desigualdade adotada neste artigo baseia-se na noção de que uma distribuição de renda igualitária entre os estados requereria que a cada estado correspondesse uma proporção da renda interna equivalente a sua participação relativa na população do país.3 3 Ver, a respeito, Nissan & Carter (1993). Nesse caso, obviamente, as rendas per capita estaduais seriam iguais.

Assim, de início, para implementar esse indicador, construiu-se, para cada estado brasileiro, o índice dado por j; = P/Y;, em que P; = participação da população do estado i na população. do Brasil e Y; = participação da renda do estado i na renda interna. Obviamente, uma distribuição de renda perfeitamente igualitária, de acordo com a definição aqui adotada, implicaria valores dos índices j; iguais a 1 para todos os estados. Em termos desse indicador, um estado se encontrará numa situação tanto mais privilegiada quanto mais próximo de zero for o valor de j para ele encontrado, e numa situação tanto mais desfavorável quanto mais acima de 1 se encontrar o valor daquele índice.

Valores do índice para os estados brasileiros relativos aos anos de 1970, 1975, 1980 e 1985 são mostrados na Tabela 1. As Tabelas 2 e 3 resumem esses resultados e permitem avaliar a evolução dos índices j; no período considerado.

Tabela 1:
Estimativas dos índices J,

Tabela 2:
Distribuição de frequência dos índices J,

Tabela 3:
Convergência segundo os índices J,

São Paulo, na década de 70, é o estado com menor índice j. Em 1985, entretanto, essa posição passou a caber ao Distrito Federal. Seis estados (São Paulo, Rio de Janeiro, os três estados da Região Sul - Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul - e o Amazonas), além do Distrito Federal, apresentavam, em 1985, índices ji de valor inferior a 1.

No outro extremo da distribuição, também em 1985, seis estados, todos situados na Região Nordeste, apresentavam índices ji de valor superior a 2, sendo que, para três desses estados (Piauí, Maranhão e Paraíba), esse índice superava o valor 3.

Embora essa extrema desigualdade entre estados ainda prevalecesse em 1985, o grau de desigualdade claramente se reduziu ao longo do período considerado, com a maioria dos índices ji tendendo a convergir para o valor 1.

A Tabela 3 descreve essa tendência.4 4 Procedimento semelhante ao empregado na construção da Tabela 3 foi adotado por Maxwell & Hite (1992), em seu estudo do caso australiano. Nela, aqueles índices são classificados como convergentes ou divergentes, conforme tenham, respectivamente, se movido na direção do valor 1 ou na direção contrária à desse valor. Em ambos os casos, a tabela aponta ainda se tal movimento se fez a partir de valores inferiores a 1 (convergência para cima e divergência para baixo) ou superiores a 1 (convergência para baixo e divergência para cima). Os índices que, no período sob exame, passaram de valores superiores para valores inferiores a 1 (ou vice-versa) foram classificados como tendo sofrido “mudança de sinal”.

Examinando-se a Tabela 3, constata-se que, enquanto entre 1970 e 1975, isto é, durante o período do chamado “Milagre Econômico”, 13 estados ainda apresentaram índices divergindo do valor 1, na década seguinte uma tendência clara à convergência se estabeleceu. O número de índices estaduais convergentes, de fato, cresceu de 11, entre 1970 e 1975, para 18, entre 1975 e 1980, e 19, entre 1980 e 1985. No conjunto do período, isto é, entre 1970 e 1985, 16 índices j, convergiram para 1, enquanto seis índices divergiram e três índices se moveram de valores superiores para valores inferiores a 1.

Dos 25 estados considerados, apenas seis experimentaram piora de sua posição relativa entre 1970 e 1985 (Rondônia, Acre, Amapá, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo). Essa tendência, entretanto, no que diz respeito aos três estados da Região Norte citados, esteve circunscrita à primeira metade da década de 70, embora seus efeitos ainda se fizessem sentir nos anos 80. O valor dos índices ji para esses estados, de fato, aumentou entre 1970 e 1975, mas passou a se reduzir a partir de 1975, não o bastante, porém, para fazê-los recuperar seu valor de 1970. No que toca aos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco, por outro lado, a piora observada em sua posição relativa se constituiu claramente numa tendência de longo prazo, persistindo ao longo de todos os três quinquênios considerados.

É possível resumir as informações reproduzidas na Tabela 1 numa medida única do grau de desigualdade na distribuição de renda entre estados: o índice, devido a Bourguignon, dado por:

J i = 1 25 = Σ p i ln j i

em que ln é o logaritmo natural e as demais variáveis foram definidas previamente.5 5 Esse índice foi utilizado por Ram (1992) em seu estudo sobre a evolução da distribuição interestadual da renda nos Estados Unidos. Note-se que, para uma distribuição de renda perfeitamente igualitária, o índice J será igual a zero, sendo este o valor mínimo que pode ser assumido pelo índice.

Os valores do índice J para os quatro anos considerados encontram-se reproduzidos na Tabela 4. Conforme era de esperar, à vista dos resultados mostrados anteriormente, o índice J aponta para uma redução da desigualdade na distribuição interestadual da renda durante o período sob exame.

Tabela 4:
Estimativas do índice II

Essa tendência prevaleceu até mesmo na primeira metade da década de 70, com o índice J se reduzindo de 0,216 para 0,202, embora os índices j. correspondentes a mais da metade dos estados tenham apresentado um comportamento divergente nesse período. Para tal resultado, certamente contribuiu o fato de que os índices para os três estados mais populosos (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro), que juntos concentravam, à época, mais de 40% da população do País, estavam convergindo para 1 nesse período.

A tendência à convergência claramente se intensifica a partir de 1975: o valor do índice J passa de 0,202, naquele ano, para 0,163, em 1980, e para 0,123, em 1985.6 6 Para que se forme uma ideia mais clara do significado desses números, pode ser útil mencionar que, nos Estados Unidos, onde não se observam discrepâncias significativas na distribuição de renda entre estados, o valor desse mesmo índice era de 0,008, em 1975, tendo se elevado para 0,010 em 1985 (Ram, 1992).

A Tabela 4 também mostra estimativas do índice J quando se excluem dos cálculos os estados do Nordeste. Tal exercício foi sugerido pelo exame da Tabela 1, que identificou seis estados da região com valores do índice j bastante elevados (superiores a 2). Como era de esperar, o valor do índice J, nesse caso, se reduz substancialmente, correspondendo, em 1985, a cerca de um terço do valor estimado para o conjunto do País.

A Tabela 5 proporciona informações acerca das desigualdades intra-regionais e inter-regional na distribuição da renda. Os índices J,, reproduzidos nas cinco primeiras linhas da Tabela 5, constituem a contrapartida, ao nível regional, do índice J, tendo sido estimados com base nas participações relativas dos estados na renda e população da região a que pertencem e medindo, portanto, a desigualdade na distribuição intra-regional da renda. O índice para o Brasil, que aparece na última linha da Tabela 5, mede a desigualdade na distribuição inter-regional da renda, sendo calculado de forma análoga aos índices J e J,, a partir da participação de cada região na renda interna e população residente do País.

Tabela 5:
Estimativas dos índices II1

Do exame dessa tabela resulta, primeiro, a observação de que todos os índices regionais de desigualdade apresentam valores significativamente menores do que o valor do índice nacional. A desigualdade entre regiões é, assim, bem mais acentuada do qw equitativa entre os estados de uma dada região do que entre as regiões do País.

Em todos os anos considerados, a Região Sul aparece como a região em que é menor a desigualdade na distribuição de renda entre os estados. A Região Sudeste, por outro lado, apresenta a desigualdade mais acentuada nos anos de 1970 e 1975. A rápida convergência das rendas per capita dos estados do Sudeste, ao longo do período considerado, levou, entretanto, a uma significativa redução do índice de desigualdade estimado para a região, a ponto de, em 1985, ser este índice superior apenas ao da Região Sul. A partir de 1980, a região do País com índice de desigualdade mais elevado passa a ser a Região Centro-Oeste.

Além da Região Sudeste, a Região Sul também apresenta, no período, uma clara tendência à convergência das rendas per capita estaduais. Na Região Nordeste, ao contrário, observa-se uma tendência inequívoca à divergência das rendas per capita. Nas outras duas regiões, a tendência é menos definida. Na Região Norte, o índice de desigualdade elevou-se ligeiramente (de 0,021 para 0,030) entre 1970 e 1975, e permaneceu mais ou menos inalterado nos dois outros anos para os quais se dispõe de informações. Na Região Centro-Oeste, o índice de desigualdade reduziu-se de forma significativa entre 1970 e 1980 (de 0,096 para 0,065), mas voltou a se elevar em 1985 (para 0,081).

Se, ao longo de determinado período, as rendas per capita estaduais tendem a convergir, é de esperar, então, que o crescimento da renda per capita de um estado qualquer, naquele período, seja tanto menor quanto maior seu valor no início do período. Uma regressão que relacione as variações reais das rendas per capita estaduais, no período analisado, aos seus níveis no ano inicial do período deverá, portanto, apresentar um coeficiente angular com sinal negativo e estatisticamente significativo, se a convergência de rendas per capita efetivamente se verifica (ver a respeito, entre outros, Baumol, 1986BAUMOL, W. (1986). “Productivity growth, convergence and welfare”. American Economic Review 76 (5) p: 1072-85. ).

Esse é precisamente o resultado que se obtém quando uma regressão como essa é estimada, usando-se dados para os estados brasileiros cobrindo o período 1970-1985. A equação obtida nesse exercício, com efeito, foi:

d y 70 / 85 = 2 , 785 15 , 57 - 12 , 614 y 1970 - 2 , 70 R 2 = 0 , 24 n = 25

em que, d (y70/85) = y1985/y1970, yk = renda per capita estadual no ano k e os números entre parênteses correspondem às estatísticas t.

A Figura 1 mostra o diagrama de dispersão e a reta estimada com base na regressão anterior. Um exame dos resíduos dessa regressão permite identificar, no contexto da tendência geral à convergência, os estados que apresentaram os melhores e piores desempenhos em termos de evolução da renda per capita no período considerado.

Figura 1:
Renda per capitados estados brasileiros. Valor em 1970 e crescimento entre 1970 e 1985

Assim, claramente, os estados que apresentaram os maiores desvios positivos em relação aos valores esperados para o crescimento da renda per capita, dada sua renda por habitante no início do período, foram Rio Grande do Norte, Amazonas e Sergipe. Nesse grupo de bons desempenhos, deve-se ainda incluir os estados do Paraná, Espírito Santo, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso e Bahia, assim como o Distrito Federal. Os estados com desempenho particularmente insatisfatório, isto é, com crescimento da renda per capita significativamente inferior ao previsto pela equação de convergência, foram, por outro lado, Amapá, Pernambuco, Acre e Maranhão.

2.2 Uma interpretação

A tendência à convergência, documentada na seção anterior, decorreu de um conjunto de fatores relacionados com a ação da política econômica e com a lógica econômica da competição e da localização. Entre eles, cabe destacar: (i) o desenvolvimento e a ampliação da infraestrutura básica; (ii) o movimento das fronteiras agrícola e mineral; (iii) a ação direta do Estado em termos de investimentos e concessão de subsídios e incentivos fiscais; (iv) a crise econômica e política do Rio de Janeiro; (v) a reversão da polarização industrial da área metropolitana de São Paulo; e (vi) os movimentos migratórios e as alterações na distribuição regional da população (Diniz, 1993DINIZ, C. C. & OLIVEIRA, F. (1993). “Federalismo, sistema tributário e questão regional no Brasil”. Cedeplar-UFMG, Belo Horizonte , mimeo. ).

O desenvolvimento e a ampliação da infraestrutura básica

À vista do diagnóstico de que a falta de infraestrutura era o maior obstáculo ao desenvolvimento econômico do País, foi feito, a partir da década de 50, um grande esforço para a expansão da infraestrutura básica no Brasil.

No que se refere aos transportes, a malha ferroviária brasileira, além de ser de pequena dimensão7 7 A malha ferroviária, no Brasil, atingiu a extensão máxima de 36 000 km, contra 600 000 km nos Estados Unidos. , não era integrada. A maioria das ferrovias ligava cada região exportadora ao respectivo porto e elas eram, muitas vezes, de bitolas diferentes. A navegação fluvial não se desenvolveu, até porque os principais rios estavam fora das regiões de maior importância econômica. A navegação de cabotagem, embora importante, atendia apenas ao litoral (Diniz, 1987DINIZ, C. C. (1987). “Capitalismo, recursos naturais e espaço”. Tese de Doutorado, Unicamp, Campinas, mimeo. ).

Após várias tentativas fracassadas de ampliação do sistema ferroviário, e em vista da pressão dos interesses econômicos vinculados à indústria automobilística, passou-se a dar prioridade ao transporte rodoviário. Ampliou-se a construção de rodovias, com recursos do governo federal e dos governos estaduais e municipais, especialmente após a aprovação do Plano Rodoviário Nacional, em 1944, e a criação do Fundo Rodoviário Nacional, em 1945. Essa orientação seria reforçada, no contexto do Plano de Metas do governo Kubitschek, não só em termos da opção pelo transporte rodoviário, como também pela decisão de se implantar a indústria automobilística no País.

A malha rodoviária, a partir de então, expandiu-se de maneira significativa, tendo a malha pavimentada crescido de 2 000 km, em 1955, para 50 000 km, em 1970, e 130 000 km, em 1990, cabendo destacar aqui a implantação dos grandes eixos de integração nacional, que viabilizaram a ampliação do comércio inter-regional e a unificação do mercado nacional.

Simultaneamente à ampliação da malha rodoviária seria, primeiro, aumentada a importação de veículos rodoviários, dificultada antes pelos efeitos da crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial, e, a partir da segunda metade da década de 50, seria implantada e desenvolvida a indústria automobilística no País. A frota de veículos subiu de cerca de 1 milhão de unidades, em 1960, para 3 milhões, em 1970, atingindo 10 milhões em 1980 e aproximadamente 16 milhões em 1990, ao mesmo tempo em que a capacidade de carga dos veículos aumentava e as estradas melhoravam, o que ampliou a capacidade de transporte rodoviário.

A capacidade instalada de geração de energia elétrica, estimada em 1 milhão de kW em 1955, subiu para 11 milhões de kW em 1970, para 37 milhões em 1980, e para 60 milhões em 1990, com construção de linhas de transmissão a longa distância e interligação dos sistemas na maior parte do território brasileiro.

O sistema de telecomunicações, até então sob controle do capital privado, que operava em condições de grande ineficiência, foi estatizado, ampliado e modernizado, a partir da década de 70, o que permitiu integrar por telefone praticamente todas as cidades brasileiras, inclusive regiões distantes, como a Amazônia. O número de terminais instalados subiu de 1,4 milhões, em 1972, para 5,1 milhões em 1980, e 9,3 milhões em 1990 (Villela, 1992VILLELA, A. (1992). “Infraestrutura econômica e competitividade industrial: problemas e necessidades”. Unicamp, Campinas, mimeo. ).

Como consequência da ampliação da infraestrutura de transportes, energia elétrica e telecomunicações, promoveu-se a unificação do mercado brasileiro e criaram-se condições para o surgimento de outras alternativas locacionais para as atividades industriais e para a expansão da fronteira agrícola, neste último caso especialmente em direção ao Centro-Oeste do País.

O movimento das fronteiras agrícola e mineral

A produção agrícola, especialmente de grãos, a partir da década de 70 encontrou no Sul e no Centro-Oeste suas áreas de expansão por excelência.

No Sul do Brasil, a produção de grãos, especialmente milho e soja, expandiu-se a partir do final da década de 60, sendo parte dessa produção voltada para a exportação. Essa fronteira incorporou uma vasta região, que vai do Paraná ao planalto gaúcho, passando por Santa Catarina, onde ocorreu uma forte integração com a avicultura e a suinocultura, evidenciada pela presença ali do maior parque frigorífico do País.

No que toca ao Centro-Oeste, o crescimento da produção agrícola e pecuária foi viabilizado: (i) pelo avanço tecnológico que possibilitou a incorporação produtiva dos cerrados, com terras planas e mais baratas e maior produtividade física por área; (ii) pelo desenvolvimento da infraestrutura; e (iii) pelo crédito agrícola subsidiado, concedido especialmente através do Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro e Prodecer), ampliando a participação da região na produção nacional e exercendo forte efeito dinamizador sobre as atividades urbanas.

O movimento de expansão da fronteira agrícola atingiu, nos últimos anos, o estado de Tocantins e as áreas de cerrados da Bahia, Piauí e Maranhão, transformando-as em uma das bifurcações da fronteira dos cerrados. A produção nessas áreas foi estimulada pela possibilidade de escoamento através do Maranhão, utilizando-se trechos das ferrovias Norte-Sul e Carajás, induzindo à decisão de implantação do Prodecer III naquela região.

Tabela 6:
Brasil - produção dos principais grãos (arroz, milho, soja, trigo, feijão) e efetivo bovino em estados e regiões selecionadas

Adicionalmente, a emergência da agricultura irrigada no Vale do São Francisco, no Norte de Minas, na Bahia e no Sudoeste de Pernambuco promoveu um significativo crescimento da produção agrícola, especialmente de frutas, nessa região. As condições climáticas dessa área permitem a obtenção de várias safras por ano, atraindo agroindústrias e contribuindo para o abastecimento das grandes cidades brasileiras e para a exportação, exercendo significativo efeito multiplicador de renda, em uma das regiões mais atrasadas do Brasil.

Tendência semelhante à da agricultura vem sendo observada para a produção mineral. Até recentemente, à exceção dos energéticos petróleo e carvão, cuja produção estava concentrada, respectivamente, na costa nordestina e no Sul do País, o grosso da produção mineral do país provinha do estado de Minas Gerais. A partir da década de 70, essa produção vem-se ampliando e diversificando em outras regiões, especialmente no Norte, Centro-Oeste e no próprio Nordeste.8 8 Podem-se citar como exemplos: a extração de ferro, manganês, bauxita, amianto e ouro na Região Norte; de ferro, amianto, estanho, fosfato e nióbio, na Região Centro-Oeste; e de potássio, sal-gema, ouro, cobre, mármore e granito, na Região Nordeste. Para parte dessa produção, imposições de ordem técnica, relacionadas com a alta relação peso das matérias-primas/peso do produto acabado, ou da infraestrutura de transporte induzem a localização de indústrias transformadoras nas próprias regiões de produção mineral. Nesse particular, destacam-se o complexo mineral exportador de Carajás e o sistema ferroviário e portuário correspondente.

A par dos seus efeitos dinamizadores sobre as atividades urbanas em geral, a agropecuária e a mineração têm induzido, nas áreas novas em que vêm se expandindo, o estabelecimento de um conjunto de atividades a elas relacionadas, sejam atividades de transformação das matérias-primas originadas daqueles dois setores, sejam atividades voltadas para o fornecimento de máquinas, equipamentos e insumos.

A ação direta do Estado em termos de investimentos e concessão de subsídios e incentivos fiscais

A partir da década de 70, com a implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento, um volume expressivo de investimentos industriais foi levado a efeito pelas empresas controladas pelo governo federal, as denominadas “empresas estatais”. Seja por razões técnicas, seja por motivações de ordem política, a maioria dos investimentos foi distribuída entre vários estados brasileiros, o que também contribuiu para a desconcentração relativa da produção.9 9 A esse respeito, cabe destacar, entre outros, investimentos no setor siderúrgico (Minas Gerais e Espírito Santo); na refinação de petróleo (Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Bahia); no setor petroquímico (Bahia e Rio Grande do Sul); na produção de papel (Minas Gerais e Espírito Santo); na produção cloroquímica (Alagoas e Sergipe); na extração de fosfato (Minas Gerais e Goiás) e potássio (Sergipe); na mineração de ferro e infraestrutura de exportação (Pará e Maranhão); e na extração de titânio (Minas Gerais e Goiás) e cobre (Bahia).

Embora a crise fiscal e as mudanças na concepção do papel do Estado, ocorridas a partir da década de 80, tenham freado a criação de novas empresas estatais e a expansão daquelas já existentes, havendo mesmo a inversão do processo pelo início das privatizações, não resta nenhuma dúvida de que, nas décadas anteriores, os investimentos das “estatais” contribuíram significativamente para o processo de desconcentração produtiva no País.

Quanto à questão dos incentivos fiscais, existentes há décadas, estes foram ampliados e generalizados a partir da década de 60. Além dos incentivos para o Nordeste, canalizados através da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), e para a Amazônia, canalizados através da Superintendência de Desenvolvimento da Região Amazônica (Sudam) e da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), podem ser mencionados subsídios e incentivos para as atividades agrícola, de reflorestamento, turismo e exportação, assim como as políticas de preços mínimos para os produtos agrícolas e de equalização dos preços dos combustíveis (Diniz & Oliveira, 1993DINIZ, C. C. & OLIVEIRA, F. (1993). “Federalismo, sistema tributário e questão regional no Brasil”. Cedeplar-UFMG, Belo Horizonte , mimeo. ).

Estima-se que somente os recursos canalizados através do Fundo de Financiamento do Nordeste (Finor), do Fundo de Financiamento da Região Amazônica (Finam), do Programa de Integração Nacional (PIN) e do Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra), fundos que começaram a operar nas décadas de 60 e 70, tenham somado US$ 40 bilhões (quarenta bilhões de dólares), desde o início da operação desses programas.

Ademais, a sistemática de transferências de recursos do governo federal para estados e municípios teve efeito relevante para as regiões menos desenvolvidas. Estimam-se em aproximadamente 4% do PIB anual as transferências mencionadas, das quais 50% se destinaram às regiões Norte e Nordeste. Considerando que, em conjunto, essas regiões participavam com menos de 15% do PIB brasileiro, em 1985, as transferências referidas tiveram certamente um impacto importante para essas regiões.

Em complemento à sistemática de incentivos e subsídios do governo federal, generalizaram-se, a partir do final da década de 60, os incentivos estaduais (isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias ou seu diferimento no tempo, doações de terrenos e até mesmo participação acionária em empreendimentos), em vários estados que não se beneficiavam dos incentivos federais destinados às regiões Norte e Nordeste do País.

Tomados em conjunto, os incentivos e subsídios baratearam a formação de capital, viabilizando investimentos em regiões mais atrasadas, inclusive a fronteira agrícola.

A crise econômica e política do Rio de Janeiro

O interior do atual estado do Rio de Janeiro vem sofrendo um processo de esvaziamento econômico desde o final do século passado, determinado, de início, pela crise da cafeicultura, que, em contraste, passou a se expandir nos estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná, com melhores terras, base empresarial mais moderna e relações de trabalho assalariadas; e pela crise da atividade açucareira, assentada no Norte do estado.

A cidade do Rio de Janeiro, no entanto, continuou, até recentemente, a atrair população e atividades econômicas. Afinal de contas, a cidade era a capital da República e dispunha de grandes atrações e infraestrutura turísticas.

Dessa forma, não obstante a força do processo de concentração industrial em São Paulo, o estado do Rio se manteve, até a década de 60, como importante centro econômico, atraindo população de outras regiões.

A partir da década de 60, no entanto, vários fatores contribuiriam para alterar a posição relativa desse estado no conjunto da economia do País. Embora a cidade do Rio de Janeiro tenha se mantido como importante centro de serviços públicos e sede de grandes empresas estatais, a transferência da capital federal para Brasília, ocorrida em 1960, paulatinamente foi drenando essas atividades, reduzindo sua importância como centro administrativo. Em segundo lugar, a par da concorrência do estado de São Paulo no que se refere à produção industrial, vários outros estados e regiões, nas últimas décadas, passaram a se apresentar como alternativas mais atraentes para a localização industrial, especialmente com o sistema de incentivos e subsídios por eles oferecidos. Conjugada ao esvaziamento econômico, uma profunda crise social vem se avolumando e afugentando atividades econômicas, pela inexistência de “clima de negócios”, para usar expressão consagrada na literatura internacional. A esse desarranjo perverso ainda se soma a emergência de novas alternativas turísticas, especialmente no Nordeste e no Sul do País, afora o chamado “turismo ecológico” da Amazônia e do Pantanal Matogrossense.

Assim, nas últimas décadas, assiste-se à decadência econômica do estado e, em especial, da cidade do Rio de Janeiro. A participação relativa do estado na produção industrial brasileira continuou caindo, agora de forma acelerada, reduzindo-se de 16% para 11% na década de 70, período de grande crescimento industrial no Brasil. Na década seguinte, embora a taxa de crescimento industrial no conjunto do País tenha caído, o Rio de Janeiro continuou perdendo posição relativa, embora em menor ritmo.

A reversão da polarização industrial da área metropolitana de São Paulo

A área metropolitana de São Paulo veio a se constituir, ao longo deste século, na maior concentração de atividades industriais e urbanas e de população do País. Em 1970, sua participação na produção e no emprego industriais do Brasil atingiu, respectivamente, 44% e 34%. Essa participação, entretanto, caiu para 26% e 25% em 1990, numa das mais rápidas reversões de polarização de que se tem notícia na experiência mundial.10 10 Sobre o conceito de reversão da polarização, consulte-se Richardson (1980). Para a análise do caso brasileiro, consulte-se Townroe & Keen (1984), Azzoni (1985), Storper (1991) e Diniz (1993).

Essas alterações estão relacionadas com fatores internos e externos à área metropolitana de São Paulo. Do ponto de vista interno, a concentração provocou o aumento dos custos dos terrenos, dos serviços sociais básicos e da infraestrutura, dos aluguéis e dos salários relativos, entre outros. A Sabesp (1987SABESP (1987). “A interiorização da indústria no estado de São Paulo”. São Paulo, mimeo. ) estimou que os custos na região metropolitana de São Paulo, em relação às cidades do interior do estado, eram maiores em 20% para abastecimento de água, 17% para esgoto, 28% a 52% para saúde e 9% para construção de escolas. Azzoni (1988AZZONI, C. (1988). Rentabilidade da Indústria no Interior de São Paulo. IPE-USP, São Paulo, mimeo. ), por sua vez, estimou que os salários industriais em São Paulo eram 30% superiores à média nacional.

Ademais, foram intensificados, na década de 80, em São Paulo, o controle da poluição e as reivindicações sindicais, ampliando a pressão sobre os custos. Pesquisas diretas, realizadas junto a várias indústrias que construíram novas plantas no Sul de Minas Gerais, confirmaram ter sido essas as duas principais razões para a “fuga” da região metropolitana de São Paulo, com ênfase para a questão sindical, à semelhança das experiências de desindustrialização do Norte da Inglaterra e Nordeste dos Estados Unidos (Bluestone Harrison, 1982BLUESTONE, B. & HARRISON, B. (1982). The Deindustrialization of America: Plant Closing, Community Abandonment and the Desmantling of Basic Industry. Nova York, Basic Books. ; Carney et al., 1980CARNEY, J. et al;. (1980). Regions in Crisis. Nova York, St. Martin Press. ).

A pressão sindical e o controle da poluição, conjugados com o aumento de custos na área metropolitana de São Paulo, com o desenvolvimento da infraestrutura em outras regiões do País, com a expansão das fronteiras agrícola e mineral, com os investimentos estatais diretos e os incentivos oficiais, agiram no sentido de atrair atividades econômicas para outros estados e regiões. Assim, ao mesmo tempo em que ocorriam deseconomias de urbanização na área metropolitana de São Paulo, economias de urbanização estavam sendo criadas em várias outras regiões ou cidades, pela melhoria dos serviços, relacionada com o seu crescimento urbano, pela ampliação da renda e seus efeitos sobre a demanda de serviços, pelo desenvolvimento da infraestrutura, pelo impacto das novas tecnologias das comunicações etc.

Os movimentos migratórios e a alteração na distribuição regional da população

Ao longo do processo histórico de concentração econômica nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, estabeleceu-se um fluxo migratório de várias regiões brasileiras para aqueles estados, especialmente de Minas Gerais e de todos os estados nordestinos, regiões de ocupação antiga e com grandes contingentes populacionais, menor nível de desenvolvimento e pouco dinamismo econômico.

Tabela 7:
Brasil - participação relativa no valor da transformação industrial das regiões e principais estados

Tomando apenas as três últimas décadas, o conjunto dos estados nordestinos e Minas Gerais tiveram um saldo migratório negativo de 12,1 milhões de pessoas (7,7 milhões do Nordeste e 4,4 milhões de Minas Gerais), enquanto o estado de São Paulo teve um saldo migratório positivo de 7 milhões de pessoas. O comportamento migratório não foi, no entanto, uniforme para todo o período e para todos os estados e regiões.11 11 Estimativas dos saldos migratórios, no período aqui considerado, podem ser encontradas em Carvalho & Fernandes (1992). Nem sempre é apropriado periodizar por décadas o movimento migratório. No entanto, como os censos demográficos seguem essa periodização, não há como estimá-lo para outros períodos. Entende-se que essa periodização, assim, mede apenas as grandes tendências.

A Região Norte, que teve um saldo migratório negativo na década de 60, em função da crise da economia da borracha, reverteu essa tendência a partir da década de 70, quando teve curso um novo processo de ocupação da Amazônia, através dos investimentos em infraestrutura, da ampliação dos incentivos fiscais - inclusive aqueles relacionados com a Zona Franca de Manaus-, e da descoberta e exploração de reservas minerais, além da expansão da frente agropecuária.

Todos os estados do Nordeste apareceram sempre como grandes expulsores de população, ao longo do período sob análise, principalmente na década de 70, quando a força de atração do Centro-Sul, especialmente de São Paulo, ainda continuava forte. Na última década, essa expulsão se reduziu, não só em decorrência das menores oportunidades de trabalho nas regiões tradicionalmente receptoras (Rio de Janeiro e São Paulo), como também pela emergência de oportunidades no próprio Nordeste, em função do crescimento industrial, dos projetos de irrigação do Vale do São Francisco e da expansão da fronteira agrícola dos cerrados nordestinos.

Na Região Sudeste, Minas Gerais seguiu comportamento semelhante. Tradicional expulsor de população, o estado vem reduzindo seus saldos negativos, especialmente com as oportunidades geradas pelo melhor desempenho relativo de sua economia nas últimas décadas.

O estado do Espírito Santo, com saldo migratório negativo nas décadas de 60 e 70, passou a atrair população na última década, o que também se explica pelo melhor desempenho de sua economia, em função da expansão das atividades industrial, agrícola e turística.

Quanto ao estado do Rio de Janeiro, que historicamente recebia grandes levas de migrantes, foi reduzindo sua capacidade de atração, tendo, na última década, em vista da profunda crise econômica e social vivida pelo estado, passado a ter saldo negativo.

A migração para São Paulo, que se iniciou no século passado, teve seu pico na década de 70, reduzindo-se na década seguinte, especialmente em função da crise econômica e da contração das oportunidades de emprego no estado.

Os estados da Região Sul têm comportamento diferenciado. O Paraná, grande receptor de população em décadas anteriores e que na década de 60 ainda teve um saldo positivo de quase 1 milhão de migrantes, passou a expulsor de população quando sua agricultura foi transformada, com a redução do plantio de café e a introdução de culturas mecanizadas e com menor demanda de trabalho, como a da soja e de outros grãos. Santa Catarina, que vinha apresentando saldo migratório negativo, passou, na última década, a receber população em termos líquidos, em função do desempenho da indústria estadual e da integração agricultura-indústria relacionada com os complexos frigoríficos de suínos e aves. O Rio Grande do Sul, que historicamente perdia população, também passou à condição de receptor líquido na última década, com o crescimento industrial, especialmente do complexo de couro (calçados), e a incorporação agrícola do planalto e da serra, com a expansão das culturas da soja e da uva.

Na Região Centro-Oeste, o estado de Mato Grosso, importante fronteira agrícola, e o Distrito Federal têm também recebido grandes contingentes de migrantes. Goiás, por seu turno, antes receptor líquido, passou a perder população em função das mudanças estruturais de sua agricultura, em especial o processo de mecanização.

Em síntese, o processo migratório, estabelecendo fluxos demográficos das regiões populosas, de ocupação antiga e de menor nível de desenvolvimento para as regiões de maior dinamismo econômico, incluída a fronteira agrícola, contribuiu também para reduzir as diferenças regionais de renda per capita.

Tabela 8:
Brasil - população residente e taxa de crescimento demográfico por regiões e estados selecionados

3. CONCLUSÃO

A análise desenvolvida na seção anterior, do impacto regional das mudanças estruturais que vêm ocorrendo na economia brasileira, sugere uma tendência à continuação da convergência entre as rendas per capita estaduais.

Embora não se tenha informações confiáveis sobre a distribuição da renda entre os estados brasileiros para anos posteriores a 1985, especialmente devido à não-realização de censos econômicos, a análise do comportamento setorial da produção e dos movimentos migratórios sugere que a tendência convergente se manteve, podendo, inclusive, ter se acentuado no período recente.

Em primeiro lugar, os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que ainda apresentavam, em 1985, renda per capita significativamente superior à média do País, devem ter mantido a tendência à convergência para a média nacional: o estado do Rio, por sua perda de importância relativa na produção industrial, por sua inexpressiva produção agropecuária e pela crise econômica e social que vem atingindo o estado; e São Paulo, por sua perda de posição na produção industrial e por ter ainda mantido um saldo migratório positivo expressivo na última década.

Por outro lado, vários estados nordestinos com rendas per capita reduzidas, como Maranhão, Piauí e Ceará, vêm apresentando taxas de crescimento econômico acima da média brasileira: o estado do Maranhão, devido aos efeitos do complexo exportador de Carajás, à implantação da indústria de alumínio em São Luís e à produção de grãos em suas áreas de cerrados; o estado do Piauí, também pela expansão da agricultura de cerrados; e o estado do Ceará, pela recuperação industrial, especialmente dos setores têxtil e de confecções, e pelo “clima de negócios” favorável, relacionado com a boa imagem das administrações estaduais no período recente. O estado da Bahia também ampliou sua participação na produção industrial e agrícola do País, no período mais recente (no caso do setor agrícola, devido à expansão da fronteira dos cerrados e da agricultura irrigada no Vale do São Francisco). Ao mesmo tempo, esses estados continuaram expulsando população, como indicam seus expressivos saldos migratórios negativos na última década, o que deve ter contribuído para que se reduzisse a distância que separava as rendas per capita estaduais da média brasileira.

Para os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe não há indicadores que permitam extrair conclusões seguras, embora esses estados tenham recebido alguns projetos econômicos de expressão, na última década - a exemplo dos polos cloroquímicos de Alagoas e Sergipe-, e os movimentos emigratórios tenham prosseguido.

O estado de Pernambuco constitui-se num caso particular. Se, por um lado, sua economia continua perdendo posição relativa, especialmente na produção industrial, o saldo migratório negativo apresentado pelo estado manteve-se, por outro lado, expressivo, na última década, o que pode ter levado à convergência da renda per capita estadual para a média nacional.

Na Região Norte, a situação dos estados é bastante diferenciada. O estado do Pará seguramente manterá a tendência convergente, devido à importância dos projetos de investimento implantados no estado, a exemplo do complexo exportador de Carajás e de outros grandes projetos articulados com a base de recursos naturais (amianto, alumínio, madeira, pecuária). O estado do Amazonas, cuja renda per capita já era superior à média nacional em 1985, terá seu desempenho determinado fundamentalmente pelo da Zona Franca de Manaus, o qual, por sua vez, estará condicionado pelos efeitos do processo de abertura da economia brasileira para o exterior.

Quanto ao desempenho do estado de Rondônia, extensão da fronteira agrícola do Mato Grosso, estará na dependência de uma ampliação da infraestrutura que viabilize o escoamento de suas safras agrícolas.

Para os demais estados da Região Norte, é difícil discernir uma tendência definida, porém o peso relativo deles é pequeno.

Os estados de Minas Gerais e Espírito Santo seguramente manterão a tendência de crescimento da renda per capita a um ritmo mais rápido que o da média nacional, especialmente pelo seu bom desempenho econômico, em termos tanto da produção industrial como da produção agrícola.

O mesmo se pode esperar em relação aos estados da Região Centro-Oeste, dado o dinamismo da fronteira agrícola nesses estados e os efeitos dinamizadores da expansão desta sobre as atividades industriais e urbanas.

Quanto aos estados da Região Sul, provavelmente continuarão a apresentar tendência divergente. O desempenho da indústria e os efeitos da criação do Mercosul poderão fortalecer a economia desses estados, aumentando a distância que separa suas rendas per capita da média nacional, tendência que, no caso do Paraná, deve ter sido reforçada pela expulsão de um grande contingente populacional na última década.

O Distrito Federal, por fim, também configura uma situação particular. Como sede da capital da República, mantém uma massa de servidores públicos com padrão salarial significativamente acima da média brasileira, o que explica a tendência à divergência de sua renda per capita.

Em síntese, apesar das diferenças regionais da economia brasileira, as alterações estruturais do padrão locacional das atividades industriais, extrativas e agropecuárias e seus efeitos sobre os serviços urbanos, conjugados com os movimentos migratórios, sugerem que a tendência à convergência das rendas per capita estaduais e regionais deve manter-se, em que pese as brutais diferenças na distribuição interpessoal da renda no Brasil, em todas as regiões.

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  • 1
    Os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, cobrindo 3,4% da área geográfica do País, concentravam, em 1970, 29% da população, 74% da produção industrial e 56% do PIB brasileiro.
  • 2
    Além daquela utilizada neste trabalho, pode-se mencionar, entre outras medidas, os coeficientes do tipo Gini, o coeficiente de variação de Williamson e o índice de entropia de Theil. Para referências mais detalhadas, consulte-se Nissan & Carter (1993NISSAN, E. & CARTER, G. (1993). “Income inequality across regions over time”. Growth and Change 24(3). , p. 305). Estimativas do coeficiente de variação de Williamson, baseadas nos dados mais recentes disponíveis para o Brasil, são apresentadas em Souza (1993SOUZA, N. (1993). “Desenvolvimento polarizado e desequilíbrios regionais no Brsl”. Análise Econômica 19. ).
  • 3
    Ver, a respeito, Nissan & Carter (1993NISSAN, E. & CARTER, G. (1993). “Income inequality across regions over time”. Growth and Change 24(3). ). Nesse caso, obviamente, as rendas per capita estaduais seriam iguais.
  • 4
    Procedimento semelhante ao empregado na construção da Tabela 3 foi adotado por Maxwell & Hite (1992MAXWELL, P. & HITE, J. (1992). “The recent divergence of regional per capita incomes: some evidence from Australia”. Growth and Change 23. ), em seu estudo do caso australiano.
  • 5
    Esse índice foi utilizado por Ram (1992RAM, R. (1992). “Interstate income inequality in the United States: measurement, modelling and some characteristics”. Review of Income and Wealth 38, pp. 39-48. ) em seu estudo sobre a evolução da distribuição interestadual da renda nos Estados Unidos.
  • 6
    Para que se forme uma ideia mais clara do significado desses números, pode ser útil mencionar que, nos Estados Unidos, onde não se observam discrepâncias significativas na distribuição de renda entre estados, o valor desse mesmo índice era de 0,008, em 1975, tendo se elevado para 0,010 em 1985 (Ram, 1992RAM, R. (1992). “Interstate income inequality in the United States: measurement, modelling and some characteristics”. Review of Income and Wealth 38, pp. 39-48. ).
  • 7
    A malha ferroviária, no Brasil, atingiu a extensão máxima de 36 000 km, contra 600 000 km nos Estados Unidos.
  • 8
    Podem-se citar como exemplos: a extração de ferro, manganês, bauxita, amianto e ouro na Região Norte; de ferro, amianto, estanho, fosfato e nióbio, na Região Centro-Oeste; e de potássio, sal-gema, ouro, cobre, mármore e granito, na Região Nordeste.
  • 9
    A esse respeito, cabe destacar, entre outros, investimentos no setor siderúrgico (Minas Gerais e Espírito Santo); na refinação de petróleo (Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Bahia); no setor petroquímico (Bahia e Rio Grande do Sul); na produção de papel (Minas Gerais e Espírito Santo); na produção cloroquímica (Alagoas e Sergipe); na extração de fosfato (Minas Gerais e Goiás) e potássio (Sergipe); na mineração de ferro e infraestrutura de exportação (Pará e Maranhão); e na extração de titânio (Minas Gerais e Goiás) e cobre (Bahia).
  • 10
    Sobre o conceito de reversão da polarização, consulte-se Richardson (1980RICHARDSON, H. (1980). “Polarization reversal in developing countries”. Papers of the Regional Science Association 45. ). Para a análise do caso brasileiro, consulte-se Townroe & Keen (1984TOWNROE, P. & KEEN, D. (1984). “Polarisation reversal in the state of São Paulo”. Regional Studies 18(1). ), Azzoni (1985AZZONI, C. (1985). “Indústria e reversão da polarização no Brasil”. Ensaios Econômicos 58, IPE-USP. ), Storper (1991STORPER, M. (1991) Economic Development and the Regional Question in the Third World: from Import Substitution to Flexible Production. London, Pion. ) e Diniz (1993DINIZ, C. C. (1993). “Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização”. Nova Economia 3(1), pp. 35-64. ).
  • 11
    Estimativas dos saldos migratórios, no período aqui considerado, podem ser encontradas em Carvalho & Fernandes (1992CARVALHO, J. A. & FERNANDES, F. (1992). “Estimativas de saldos migratórios e taxas líquidas de migração para as grandes regiões e unidades da federação”. Cedeplar-UFMG, Belo Horizonte, mimeo. ). Nem sempre é apropriado periodizar por décadas o movimento migratório. No entanto, como os censos demográficos seguem essa periodização, não há como estimá-lo para outros períodos. Entende-se que essa periodização, assim, mede apenas as grandes tendências.
  • 12
    JEL Classification: O47; R10.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1995
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