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A Ética Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável

Environmental Ethics and Sustainable Development

RESUMO

Este artigo trata de alguns princípios da ética ambiental e discrepâncias conceituais na aplicação de teorias clássicas sobre taxa de desconto e eficiência econômica no contexto do desenvolvimento sustentável. A inconsistência da taxa de desconto, no contexto ambiental, é entendida como um elemento essencial para a argumentação deontológica e ambiental. O objetivo é apresentar uma explicação para esse problema, com base no desenvolvimento teórico recente dos recursos naturais e em algumas técnicas de avaliação ambiental, visando o desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE:
Ética; desenvolvimento sustentável; meio ambiente

ABSTRACT

This article is about some principles on environmental ethics and conceptual discrepancies in the application of classical theories on discount rate and the economic efficiency in the context of sustainable development. The inconsistency of discount rate, in the environmental context, is understood as an essential element for deontological and environmental argumentation. The objective is to present an explanation about this problem, based on recent theoretical development of economic of natural resources and some environmental valuation techniques, aiming at sustainable development.

KEYWORDS:
Ethics; sustainable development; environment

1. INTRODUÇÃO

A ética é o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana. Implica no entendimento do que deve ser socialmente correto e justo para a geração presente e sustentável, no longo prazo. No plano ambiental, a ética deve ser entendida como um pressuposto fundamental do comportamento humano, sob o qual as decisões de gestão dos recursos naturais devem visar ao consumo presente, sem prejuízo para as gerações futuras. Já no plano econômico, admite-se que as implicações de dado fluxo de custos e benefícios das atividades produtivas devam ser avaliadas com base em ganhos e perdas reais no período presente, em relação ao tempo futuro.

Tem sido um hábito na literatura tratar preferência temporal como equivalente ao desconto, mas essa suposição somente é válida para certos casos em que a utilidade assume valores reais. Entretanto, resultados eficientes são dificilmente obtidos, por causa das distorções de natureza pecuniária e de percepções e incidências de benefícios e custos atribuídas a medidas de políticas no processo de escolha.

As abordagens conceptuais de utilidade e das preferências dos agentes econômicos, e suas decisões de escolha e obtenção do lucro em qualquer processo de produção e consumo são determinadas na literatura clássica, como desconto ou juro alternativo, inerentes ao melhor custo de oportunidade. Portanto, desconto relacionase à idéia da intertemporalidade do comportamento dos agentes econômicos em relação à suas preferências entre o presente e o futuro (Pearce e Turner, 1990PEARCE, D. W. & TURNER, R. K. (1990) Economics of Natural Resources and the Environment. The John Hopkins University Press, Baltimore, 378p.). No caso concreto da economia de recursos naturais, a questão ética prende-se às formas de consumo tecnológica e ambientalmente concebidas para o estoque de capital natural, porque dependendo das diversas formas e natureza do processo de escolha para o consumo, o sistema econômico pode ser levado à exaustão, com o comprometimento da capacidade futura de reprodução.

Podem-se observar, porém, duas características essenciais na análise econômica moderna; a fundamentada numa base predominantemente não-ética, e sustentada na razão ou na racionalidade de tomada de decisão, e o próprio fato de a economia em si ter evoluído historicamente de uma derivação ética, e por motivações morais. Sen (1992SEN, A. K. (1992) “Comportamento econômico e sentimentos morais”. Lua Nova, n. 25: 103-30.), chama a atenção para o fato de Adam Smith, considerado o precursor da economia moderna, ter sua própria origem na Filosofia Moral da Escola de Glasgow.

No presente artigo, procuraremos desenvolver uma explanação descritiva e crítica sobre o processo analítico atual em torno dos instrumentos econômicos clássicos na análise de utilização dos recursos ambientais, à luz dos objetivos de desenvolvimento sustentável, procurando enaltecer alguns princípios éticos e comportamentais na tomada de decisão. Para isso, faremos uma rápida exposição e análise do conceito clássico de eficiência e as dificuldades inerentes ao seu tratamento, quando está em jogo a questão da sustentabilidade ambiental, na perspectiva de desenvolvimento econômico. Estarão implícitos à discussão aspectos de natureza deontológica e comportamental, porque o conceito de eficiência econômica, conforme rege a decisão de consumo e produção, baseia-se nos fundamentos da análise benefício-custo, numa evidente contraposição aos objetivos da sustentabilidade, pois não importa a natureza e as condições ambientais prevalecentes desde que os benefícios superem os custos, tanto na vertente social, quanto na privada. Nessa perspectiva, questionam-se as implicações temporais e espaciais da taxa de desconto como principal instrumento analítico e a visão moral que, em princípio, não deveriam estar dissociados da economia e da filosofia política, devido ao problema sempre inerente à motivação humana. Com base nesses pressupostos e em suas premissas, analisam-se os pontos de conflito e as principais barreiras ao desenvolvimento econômico com eqüidade e equilíbrio ambiental e intergeracional.

2. MERCADO E MEIO AMBIENTE

Na verdade, o principal problema da valoração dos recursos naturais e meio ambiente tem sido o seu tratamento com base no “mainstream” econômico. O “mainstream” econômico tem sido dominantemente clássico e, como tal, é essencialmente uma economia de mecanismos de mercado e de finalidade alocativa. Nessa contingência, o processo alocativo esbarra em elementos intangíveis, sem valor monetário determinado, porque não pode assegurar a alocação eficiente das intangibilidades.

Gustafsson (1998GUSTAFSSON, B. (1998) “Scope and Limits of the Market Mechanism in Environmental Management”. Ecological Economics 24, 259-274.) enfatizou que, para sermos capazes de delimitar o escopo e os limites do mecanismo de mercado na gestão de recursos naturais e ambientais devemos considerar, em primeiro lugar, a função e os valores ambientais e, em segundo lugar, as condições e as propriedades institucionais de mercado, observando a extensão com que essas propriedades se compatibilizam entre si. Ele sistematizou o ambiente natural em quatro tipos de atividades que determinam a existência humana, quais sejam, regulação, carga, produção e informação, num complexo processo de agregação em componentes que determinam valores ecológicos, sociais e econômicos. Nesse caso, os valores de mercado são considerados subclasses dos valores econômicos, sendo alguns quantificáveis e outros, não. Para que um valor econômico seja qualificado de valor de mercado, ele deve originar-se de um processo alocativo espontâneo, em que a escolha e a informação sejam livres aos consumidores, a competição seja extensiva entre produtores e haja ausência de externalidades.

Segundo Pearce (1993PEARCE, D. W. (1993) Economic Value and the Natural World. The MIT Press, Cambridge, Massachusetts, 129p.), o conceito de valoração reflete a disposição a pagar por um benefício ou a disposição a evitar determinado custo ambiental e a conseqüente avaliação de suas implicações intergeracionais. A literatura define o valor econômico do meio ambiente como o somatório de valor de uso, valor de opção e valor de existência, distinguindo-se duas técnicas de valoração com base em mercados de recorrência e em mercados hipotético ou contingencial.

Mercados de recorrência são definidos como mercados de bens substitutos ou complementares aos bens ambientais. As técnicas de mercado hipotético ou de avaliação por contingente são aquelas em que se pesquisam as preferências individuais e a disposição a pagar na provisão de bens ambientais (Serôa da Motta, 1992SERÔA DA MOTTA, R. (1992) “Internacionalização de Custos sociais e Ambientais nos Projetos de Desenvolvimento”. IPEA, 22p. (mimeo)).

O valor de uso é aquele que se refere ao uso direto e indireto do meio ambiente, isto é, quando se configura um fluxo de bens e serviços ambientais associado a uma atividade de produção ou de consumo. Por exemplo, uso direto, como pesca, caça e recreação, ou indireto, como observação de pássaros ou de uma queda de água. O valor de opção pode ser interpretado de duas formas - uma associada à expectativa que os indivíduos têm de possíveis usos, que farão no futuro, de certos bens ambientais; ou seja, as pessoas estariam dispostas a pagar, hoje, alguma coisa pela opção de uso futuro. A outra refere-se à incerteza a respeito do meio ambiente em risco, razão por que se assinala um valor positivo para que a preservação exista, até que se conheça com maior segurança um valor de uso preciso. Essa segunda concepção tem sido denominada valor de quase-opção.

A terceira parcela deriva da satisfação de pagar algo pela preservação dos recursos naturais somente por causa de motivos altruístas, como a benevolência em relação a pessoas ou espécies animais e botânicas afetadas pela não-preservação de certo sítio natural. O valor de existência está dissociado de qualquer fluxo de bens e serviços ambientais consumidos pelo indivíduo. Serão esses motivos altruístas que comporão basicamente os nossos argumentos contrários aos instrumentos clássicos na economia dos recursos naturais.

A grande dificuldade no tratamento de questões sobre a gestão e a valoração ambiental reside na falta de um mercado convencional que reflita as curvas de demanda como sendo a disposição marginal a pagar dos consumidores e o conseqüente excedente do consumidor. Para Serôa da Motta (1992SERÔA DA MOTTA, R. (1992) “Internacionalização de Custos sociais e Ambientais nos Projetos de Desenvolvimento”. IPEA, 22p. (mimeo)), há duas formas de valoração do excedente do consumidor para recursos ambientais - a gerada pela variação no preço transacionado num mercado, devido à degradação ou à exaustão de recursos, e a que se refere aos bens e serviços públicos de consumo coletivo e simultâneo, não-exclusivo ou não-rival. A redução na provisão desse tipo de recurso ambiental não pode ser compensada mediante elevação de preços e aumento dos custos de produção. Nessas situações, o excedente seria toda a área abaixo da curva de demanda. As dificuldades de caracterização da curva de demanda levaram ao desenvolvimento de métodos baseados em mercados de recorrência e em mercados hipotético ou contingencial, já descritos.

A gestão sustentável de recursos naturais passa pela compreensão desses mecanismos e também dos próprios mecanismos de mercado. Entretanto, normalmente, a teoria microeconômica define mercado como instituição com fins de alocação eficiente. Tendo em vista a complexidade de processos e valores, os recursos ambientais tornam-se incompatíveis com as propriedades clássicas dos mecanismos de mercado, porque, conforme Gustafsson (1998GUSTAFSSON, B. (1998) “Scope and Limits of the Market Mechanism in Environmental Management”. Ecological Economics 24, 259-274.), seus custos de transação são elevados, em virtude dos critérios de definição de direitos de propriedade e das dificuldades de internalização dos benefícios e custos, já que os ativos ambientais são freqüentemente públicos e de elevados custos de informação. Segundo Gustafsson, esses problemas se devem, fundamentalmente, à propriedade das funções ambientais e às diferenças na forma de operação dos mecanismos ecológicos e de mercado. O objetivo da natureza é a preservação da estabilidade do sistema no sentido cibernético, enquanto a atividade econômica é a permanente transformação da fronteira ambiental, de forma que as leis ambientais e os mecanismos de mercado sejam incompatíveis, pelo menos, dentro dos limites tecnológicos existentes.

Finalmente, a mecânica racional e funcional de mercado assegura a eficiência, sendo esta, por sua vez, determinada por níveis cada vez maiores da produtividade. A literatura crítica assinala que, embora tenham enorme fundamentação na teoria de desenvolvimento econômico, esses pressupostos contradizem uma orientação do ponto de vista da sustentabilidade. A produtividade advém de uma forte especialização do capital, importante fator a influenciar o alargamento dos mercados. A própria especialização, como tal, é efeito de aumento na divisão de trabalho. Esses postulados clássicos, quando analisados na perspectiva da sustentabilidade, geram novas formas de direitos e de propriedade ineficientes. Gustafsson (1998GUSTAFSSON, B. (1998) “Scope and Limits of the Market Mechanism in Environmental Management”. Ecological Economics 24, 259-274.) argumenta que os aumentos na divisão de trabalho, resultantes da mecânica da especialização do mercado, ampliam o “gap” entre o consumo e a produção.

2.1. Critérios da eficiência e bem-estar

Para Obermiller (1989OBERMILLER, F. W. (1989) “Natural Resource Economics: a primer”. Oregon State University, 60p. (mimeo).), o manejo dos recursos naturais é, simultaneamente, ciência e arte, visto que uma vez realizado corretamente, permite ganhos substanciais ao bem-estar social. Recursos naturais são assim designados porque seus processos de repovoamento são determinados por leis naturais. Quando a taxa de exploração exceder, a taxa de reposição natural evolui no sentido da exaustão; no entanto, se o nível de exploração for igual aos de reposição natural, respeitando-se os ciclos de reposição, garante-se a sustentabilidade. Essa é a chamada abordagem de produção máxima sustentável na economia de recursos naturais, em que o desafio de gestão pressupõe a utilização com previdência, de tal forma que níveis de exaustão não sejam atingidos e que se garanta a justiça o quanto possível, para que seja permitida a manutenção permanente dos estoques.

O conceito de recursos naturais não-renováveis está associado à existência de um estoque, que, se utilizado sem o devido planejamento, conduz, inevitavelmente, à exaustão, posto que se desconhecem as taxas de reposição natural para fins de planejamento econômico sustentável. O tratamento e a alocação eficiente desses estoques, de forma eqüitativa, traduzem-se na regulação da oferta entre diferentes gerações. No caso de se verificar a necessidade de intensificação do uso atual dos recursos não-renováveis com a redução de seus estoques remanescentes, a solução alternativa seria o desenvolvimento de substitutos tecnológicos no processo de produção e consumo.

A elevação dos preços estimula a exploração e o aumento da oferta no período presente, enquanto que a previdência e a ética aconselham a diminuição da oferta, para permitir eqüidade e justiça para com as gerações futuras. Por outro lado, o aumento no preço também estimula o desenvolvimento de tecnologias que levam à redução dos custos de produção, forçando a explorabilidade e a redução dos estoques ou, quando associados ao progresso tecnológico, aos processos de reciclagem e à busca de substitutos. Do exposto, pode-se concluir que o problema de sustentabilidade dos estoques dos recursos ambientais prende-se ao problema da eficiência alocativa, eqüitabilidade e tecnologia. Os preços são eficientes se, e somente se, representam totalmente o custo de oportunidade associado ao uso e à troca.

No entanto, como a maioria dos recursos é transacionada e avaliada em mercados imperfeitos, os preços de mercado não refletem critérios de eficiência. Observando-se que as decisões de mercado mostram-se incapazes de sinalizar, adequadamente, os critérios de eficiência, devido às suas imperfeições, e pelo fato de nem todos os ativos serem detentores de preço de mercado, desenvolveu-se na economia de recursos o critério da compensação.

O princípio da compensação ou “critério de Kaldor-Hicks” baseia-se nas decisões de investimento, e pode ser aplicado em matéria de gestão ambiental. Com base nesse critério, presume-se que haveria melhoria de bem-estar social se os beneficiados pudessem compensar totalmente os prejudicados e, ainda assim, acabassem em situação econômica melhor (proposição de Kaldor), ou, de outra forma, se os ganhos dos beneficiados fossem suficientes para compensar aqueles que se opusessem às mudanças de uma situação econômica (proposição de Hicks). Existe ainda o critério de compensação de Scitovsky que diz, entre dois processos alocativos, que uma alocação A é socialmente preferível a B se os que ganham puderem pagar aos que perdem para aceitar a mudança, e, simultaneamente, os que perdem não puderem pagar aos que ganham para não realizar a mudança. Esses critérios se fundamentam no mesmo princípio de bem-estar, ou seja, na teoria de Pareto Ótimo. Mas o Ótimo de Pareto não é a única exigência para a otimização de bem-estar, na medida em que uma função de bem-estar social depende de juízos de valores e da utilidade agregada de todos os indivíduos. São esses juízos de valores a expressão importante que deve equilibrar as abordagens clássicas de alocação eficiente.

Toda a dificuldade metodológica gira em torno da formulação de uma macrofunção de bem-estar que depende de juízos de valores que a sociedade tem sobre problemas de gestão e uso dos estoques naturais. O conjunto desses juízos, embora subjetivos, é que vai determinar os pressupostos de ética ambiental, já que, sem que se conheça a função social de bem-estar, torna-se difícil conhecer as condições de equilíbrio paretiano real da economia.

2.2. A taxa de desconto e a análise de custo-benefício

A taxa de desconto é uma vertente de juros. Desconto é um juro alternativo, tido como um termo de comparação de qualquer medida de valor no tempo. O desconto é também um referencial da produtividade de capital, o termo de remuneração em geral ou preço de capital, de maneira que, se se destinar algum recurso à formação de capital na forma de investimento em detrimento do consumo presente, esse recurso deverá ser capaz de gerar um alto nível de consumo futuro em relação à sua capacidade de satisfação presente. Para que se assegure a escolha da alternativa de possível consumo no futuro, medidas compensatórias em termos de riscos e incertezas devem ser consideradas. Estamos, assim, diante de um processo de escolha, apoiado no conceito clássico de preferência intertemporal que se associa à produtividade de capital.

Segundo Lumley (1997LUMLEY, S. (1997) “The environmental and ethics of discounting: an empirical analysis”. Ecological Economics 20, 71-82.), se uma única taxa de desconto for aplicada, no caso da utilização de recursos ambientais, as implicações não-monetárias dos elementos ambientais intangíveis que a eles estão associadas ficam, freqüentemente, ignoradas. Essa brecha constitui uma das bases críticas da dimensão ética sobre o uso da taxa de desconto. A adoção de diferentes perspectivas sobre o desconto, a qual permite considerações mais incisivas sobre os aspectos éticos, pode ajudar a garantir que as conseqüências futuras de atividades presentes sejam melhor conciliadas com a estrutura de decisão dos “policy makers”. Considerações de natureza intergeracional, quando se discutem aspectos éticos sobre a utilização da taxa de desconto, tendem a enfocar questões de eqüidade, porque a prática de desconto significa sobrevalorizar os recursos no presente em detrimento do futuro. Altas taxas de desconto privilegiam horizontes curtos de tempo, ao contrário do que ocorre com taxas baixas. A eqüidade intergeracional constitui uma preocupação ética fundamental, razão por que deve ser levada em conta quando da aplicação dos instrumentos clássicos nas decisões de investimento e poupança e na utilização dos recursos naturais. Não serão somente questões de riscos e incertezas e a geração de expectativas a nortearem a escolha. A lógica da racionalidade que está por detrás da taxa de desconto em análises e avaliações técnicas e econômicas, como instrumental de manutenção da equivalência temporal de valores em diferentes períodos, pressupõe o máximo retorno, no sentido clássico. Desse modo, a eficiência econômica fundamentada no desconto dos fluxos de benefícios e custos pode conduzir à destruição dos estoques dos recursos naturais para o consumo presente, em detrimento de sua sustentabilidade para as gerações futuras.

Entretanto, a literatura tem ignorado a argumentação de Farzin (1984FARZIN, Y. H. (1984) “The effect of the discount rate on depletion of exhaustible resources”. Journal of Political Economy, v. 92, n. 5: 841-51.), segundo a qual, a despeito da larga aceitação, a proposição básica de que uma redução na taxa de desconto leva à maior conservação dos recursos, não é geralmente válida. O efeito da taxa de desconto sobre a destruição dos recursos depende dos requerimentos de capital para a produção de substitutos, da taxa de extração de recursos e do tamanho dos estoques dos recursos existentes, ao contrário da proposição central da economia de recursos naturais, de que um aumento na taxa de desconto leva a destruição mais rápida dos recursos e do meio ambiente, e que um decréscimo desta taxa conduz a uma menor degradação do meio ambiente. A intensidade de capital joga papel fundamental na determinação da taxa de desconto e seu efeito sobre a alocação intertemporal dos recursos. Assim, existe a proposição segundo a qual uma redução na taxa de desconto tem impactos ambientais negativos, na medida em que a soma do valor presente dos requerimentos em capital para substitutos exceder o valor presente de estoque de recursos.

A discussão também prende-se em conhecer a dimensão da taxa de desconto do ponto de vista social e seu efeito sobre o nível de exploração dos recursos e do meio ambiente. A análise do desconto do ponto de vista social pressupõe a existência de distorções de mercado e isenção de quaisquer efeitos externos. Mirrlees citado por Farzin (1984FARZIN, Y. H. (1984) “The effect of the discount rate on depletion of exhaustible resources”. Journal of Political Economy, v. 92, n. 5: 841-51.), argumenta que a falha geral do mercado em estabelecer o equilíbrio social entre o consumo e a poupança reflete-se na taxa de juros, e esta falha tem sido preponderante na destruição dos recursos.

Uma redução na taxa de juros de mercado propicia cenário favorável aos investimentos setoriais em medidas de conservação ambiental e estimula a diminuição na intensidade de uso dos recursos naturais. Essa proposição defende a tese de que reduções na taxa de desconto têm impactos ambientais negativos.

Em conclusão, a proposição de que um decréscimo na taxa de desconto leva a uma redução no nível de destruição ambiental e vice-versa não é totalmente válida. A queda na taxa de desconto pode ter dois efeitos distintos - um efeito de conservação devido à baixa taxa de desconto, em que o consumo futuro e obviamente a poupança tornam mais atrativos, e o segundo efeito de desinvestimento, pois a menor taxa de desconto reduz os custos de exploração dos recursos e encoraja o processo de destruição ambiental.

Nossa abordagem prende-se à insuficiência do desconto e à necessidade de se incorporar à análise alguns pressupostos comportamentais sobre as decisões de escolha social e nas teorias de preferências. Esse é o aspecto fundamental, que convém ser analisado em termos éticos, sobre a utilização “rationale” dos recursos, pois mesmo diante de impactos ambientais positivos ou negativos o desconto caracteriza-se pela eficiência econômica. A dimensão ética deve estar acima ou conjugar-se à eficiência e à rentabilidade como requisitos à prudência, à persistência ambiental e ao desenvolvimento sustentável. A abordagem não deve se inserir somente no contexto analítico paretiano, compatível com as condições de equilíbrio competitivo tradicional do tipo marshalliano, por causa das dificuldades na identificação de uma relação de preços relativos justa e socialmente ética para determinados serviços não-transacionados.

Na análise de custo-benefício, a medida de benefício líquido seria dada pelo excedente do consumidor, ou seja, a diferença entre a soma máxima que o consumidor estaria disposto a pagar e o que realmente paga. Tendo em vista que nesse tipo de análise procura-se comparar benefícios e custos de dimensões mensuráveis, é fácil compreender a dificuldade na determinação desses parâmetros quando aspectos ambientais são considerados. Se a sociedade atribuísse pesos iguais ao consumo presente e ao consumo futuro, isto é, taxa de desconto nula no processo alocativo temporal, então não haveria possibilidade de as gerações futuras serem sacrificadas. A discussão suscita inúmeras críticas, como um pretexto deontológico para a defesa do bem-estar de gerações vindouras. Sinteticamente, essas críticas consideram a questão da preferência temporal das pessoas - argumenta-se que o grau de parcimônia não é, necessariamente, consistente com o problema de maximização de bem-estar individual e que o excesso de desconto, devido à parcimônia, pode levar a decisões incompatíveis com a natureza de bem-estar social e de longo prazo, no caso dos ativos ambientais.

Quanto à questão de riscos e incertezas, alega-se que determinado benefício ou custo seja avaliado em função da incerteza que está associada à sua ocorrência. Essa forma de avaliação também é feita para uma maior taxa de desconto, pois, quanto maior o tempo, maior a incerteza, e o desconto atua como um fator de compensação ao risco e à incerteza. Pearce e Turner (1990PEARCE, D. W. & TURNER, R. K. (1990) Economics of Natural Resources and the Environment. The John Hopkins University Press, Baltimore, 378p.) consideraram que, com incerteza, geralmente leva-se em conta possibilidade ou não de o indivíduo permanecer vivo no futuro e o que iria acontecer até lá. Na falta de certeza sobre o comportamento do indivíduo, mesmo quando ele permanece vivo, há incertezas sobre a disponibilidade dos benefícios e seus custos. O alicerce analítico dessa argumentação apóia-se num espírito essencialmente individualista, ignorando novamente o comportamento altruísta e cooperativista do “homem econômico” nas suas decisões de escolha. Não se considera o aspecto normativo da economia e desprezam-se as considerações de natureza ética que caracterizam o comportamento humano real nas suas realizações sociais. Para Lindbeck & Weibull (1988LINDBECK, A. & WEIBULL, J. W. (1988) “Altruism and time consistency: The economics of fait accompli”. Journal of Political Economy, v. 96, n. 6: 1165-82.), a interação estratégica e intertemporal entre dois agentes econômicos com preocupações altruístas em relação ao bem-estar pode conduzir a resultados socialmente ineficientes, com um agente econômico relaxando diante da preocupação do outro. Entretanto, esse tipo de comportamento social é bastante complexo para que se infira em termos de eficiência econômica, pois a preocupação moral para com a preservação dos recursos, em vista de sua sustentabilidade, distingue-se do egoísmo cooperativo como uma estratégia social.

Dessa forma, são várias as objeções à utilização da taxa de desconto porque também não é rigorosa a teoria do consumidor sobre a utilidade. A utilidade marginal é decrescente no consumo e associa-se ao problema da parcimônia e da impaciência relativa. Cada indivíduo experimenta diferentes níveis de utilidade, embora se reconheça sua tendência marginal decrescente. Esses fundamentos pressupõem coerência nas decisões de escolha individual e nas preferências, uma vez que a racionalidade define o comportamento humano dentro da atual estrutura teórica da economia.

Segundo Sen (1992SEN, A. K. (1992) “Comportamento econômico e sentimentos morais”. Lua Nova, n. 25: 103-30.), a própria idéia de coerência puramente interna na economia, que advém da teoria de preferência revelada, não é convincente, pois o que consideramos coerente num conjunto de escolhas observáveis depende da interpretação dessas escolhas e de algumas características externas a essas escolhas, tais como a natureza das preferências, objetivos, valores e motivações. Mas essa racionalidade não reside unicamente na busca da maximização de utilidade e interesse próprio, como pressupõe a “rationale” clássica, em detrimento das demais. O nosso protesto em defesa dos pressupostos éticos insere-se na perspectiva de que o enfoque do interesse próprio envolve uma forte rejeição da motivação ética e, por conseguinte, determina invariavelmente o egoísmo nas decisões intertemporais de consumo como um resultado eficiente.

Com relação ao problema do custo de oportunidade - em citação de Pearce e Turner (1990PEARCE, D. W. & TURNER, R. K. (1990) Economics of Natural Resources and the Environment. The John Hopkins University Press, Baltimore, 378p.), afirma-se que a economia de recursos naturais e ambientais tenha feito algumas tentativas, embora limitadas, de desacreditar o argumento do custo de oportunidade, porque esse valor alternativo, baseado no conceito de juros, gera inconsistência no sentido moral para com o futuro.

Observa-se que projetos com custos e benefícios sociais que se dissipariam muito bem ao longo do tempo teriam de passar pelo crivo padronizado da análise custobenefício, com base na taxa de desconto, fazendo com que as gerações futuras suportassem carga total dos custos do projeto. Por conseguinte, projetos com benefícios sociais favoráveis no futuro seriam discriminados com descontos elevados. Outro aspecto importante é que, com taxas de desconto elevadas, seriam reduzidos os níveis de investimentos presentes, o que levaria à formação de baixo nível de acumulação de capital para as gerações futuras.

O comportamento moral da geração presente resume-se no seguinte: pensar hoje em levar em consideração as nossas preferências individuais e as preferências e os interesses de futuras gerações em conjunto. Isso seria a expressão conjunta de uma preferência coletiva, pública ou social, em contraposição ao interesse individual; significaria a inclusão na nossa função de utilidade da utilidade esperada para as futuras gerações.

Na abordagem de Pearce e Turner (1990PEARCE, D. W. & TURNER, R. K. (1990) Economics of Natural Resources and the Environment. The John Hopkins University Press, Baltimore, 378p.), se i for a nossa geração, j a próxima geração e k uma geração qualquer, então teríamos o seguinte modelo funcional que expressa a macrofunção de utilidade geral: Ui = UiCi, Uj, Uk, em que U é a utilidade e C, o consumo. O problema de gerações futuras seria automaticamente incorporado dentro das preferências contemporâneas.

Até aqui, o que está sendo analisado nesse processo é o julgamento contemporâneo do que a futura geração pensará ser importante para si. Talvez não seja tão ético desejar-se o mesmo nível de bem-estar aos nossos descendentes, tampouco desejar que tenham nível de consumo superior.

Na realidade, a ética deveria pressupor a garantia de igualdade de condições de oportunidade e de sobrevivência. O que caracterizamos como antiética inerente à taxa de desconto fica sem consistência temporal, com base nessa argumentação. Destes fundamentos, nota-se que não é a taxa de desconto que reflete os direitos das gerações futuras, mas sim uma distinção essencial entre o julgamento subjetivo da atual geração i e o que gerações futuras j e k desejariam. Desde já, a geração i engajar-se-ia em investimentos que levassem a geração j a maximizar a sua escolha e esta, em cadeia, determinar o ambiente à geração k.

Uma dificuldade na operacionalização dos argumentos da economia moderna seria ditada pelo fato de os indivíduos manifestarem, dentro de certos limites, certos conflitos de interesses individuais e que podem ser corrigidos. Podemos considerar duas vertentes na análise de desconto: a taxa de desconto de mercado, que reflete esses interesses individuais e a taxa social de desconto, que reflete os interesses da sociedade como um todo. Nesse caso, o Estado nacional teria a responsabilidade de assegurar o bem-estar das gerações futuras e definir, na base ética, a taxa social de desconto relevante. Por outro lado, admitindo-se que o mercado, por si só, é incapaz de garantir a alocação de recursos compatível com os princípios da justiça e sustentabilidade, tornam-se necessárias intervenções de forças de regulação. A correção dessas distorções de mercado exigem a presença de um Estado institucional, regulador, planejador e, sobretudo, ético e moralizador, segundo as perspectivas de longo prazo. Todavia, o próprio setor público do qual o Estado é o representante natural, em razão de sua composição, está sempre imbuído de inúmeras falhas que podem piorar as condições distributivas e de equilíbrio vigentes.

Devido à existência desses sinais no próprio setor público, o Estado, como agente coordenador e regulador das atividades econômicas, deve promover a educação e a formação ambiental, ética e moral em diferentes níveis sociais, visando preparar, pelo menos, a geração futura para estabelecer critérios de sustentabilidade na tomada de decisão econômica. Os setores público e privado devem envidar esforços no desenvolvimento de estudos multidisciplinares em matéria ambiental, enfatizando a sociologia na gestão dos recursos naturais e ambientais, dada a sua importância para a continuidade do processo de reprodução econômica. O próprio desenvolvimento de conceitos éticos constitui importante linha de pesquisa, fundamental à visão de uma economia sustentável.

O projeto de desenvolvimento sustentável deve ser dirigido a componentes educacionais da análise dos recursos sociais e ambientais, da observação do nível de riscos à qualidade de vida e ao meio ambiente, e da organização social em face do uso e da degradação ambiental.

2.3. Alternativa para a taxa de desconto

Nas discussões precedentes foram observadas as dificuldades da aplicabilidade da taxa de desconto quando se preconiza o desenvolvimento sustentável e a eficiência econômica não se consubstancia com alguns preceitos da filosofia social e moral. Observou-se como as suposições éticas são importantes diante dos critérios clássicos das preferências, tidos como instrumentos de medida de utilidade das pessoas. O ajustamento alternativo da taxa de desconto passa por uma maior contextualização e entendimento dos efeitos psicossociais e ambientais no âmbito da avaliação econômica. Isso significaria o aprofundamento da compreensão da interdependência entre os sistemas econômico e ambiental e a avaliação dos efeitos ambientais na base do conceito de valoração total com base no valor de opção e de existência. Para isso, são necessárias a integração e a internalização dos requerimentos de sustentabilidade na análise, na medida em que buscamos a conservação do estoque de capital natural em nível constante, no processo de crescimento e desenvolvimento econômico.

Outra alternativa correlata à análise anterior, que se insere na abordagem de Tietenberg (1994TIETENBERG, T. H. (1994) “Administrando a Transição para um Desenvolvimento Sustentável: o papel dos incentivos econômicos”. In: Herman May, P. & Serôa da Motta, R. Valorando a Natureza: análise econômica para o desenvolvimento sustentável. Ed. Campus. Rio de Janeiro, 195 p.), poderia ser a aplicação do princípio do “custo integral” (“full cost”), segundo o qual todos os usuários dos recursos devem pagar seu custo completo. A aplicação desse princípio alerta a sociedade para o fato de que o capital natural é um recurso escasso e elimina as distorções causadas pelos subsídios implícitos ignorados pelo sistema econômico, valorizando-se mais os recursos naturais e ambientais.

Dasgupta e Pearce (1972DASGUPTA, A. K. & PEARCE, D. W. (1974) Cost-Benefit Analysis: Theory and Practice. London, Macmillan.) mostram que o “gap” existente entre a teoria de bemestar e a sua aplicação à análise de custo-benefício está baseada nas relações existentes entre as preferências, utilidade cardinal e ordinal e na “disposição a pagar”, entre outros problemas da operacionalização de uma função de utilidade social. Ele concluiu que a análise benefício-custo é essencialmente inconsistente, por causa de sua medida agregada de preferência. A análise deve servir somente como um instrumento de subsídio nas tomadas de decisões políticas.

Finalmente, outro instrumento de política refere-se à eliminação dos subsídios que estimulam o tipo de comportamento que encoraja ganhos de curto prazo, à custa dos ganhos de longo prazo.

3. O REDUCIONISMO CLÁSSICO E A PERSPECTIVA ÉTICA

Existem várias abordagens sobre o desenvolvimento sustentável, principalmente quando vistas sob argumentação política e econômica, embora Stuart Mill e Malthus, no século XIX, tenham ressaltado o problema demográfico e de distribuição como fatores decisivos para harmonizar o desenvolvimento que se observava naquela época.

Köhn (1998KÖHN, J. (1998) “Thinking in terms of system hierarchies and velocities. What makes development sustainable?” Ecological Economics 26, 173-187.) cita, em linhas recentes, o conceito de Máxima Produção Sustentável (MPS) na gestão de recursos naturais. Esse conceito, já bastante usado, é mais uma tentativa de se buscar, na economia, o equilíbrio por meio de mercado. Contudo, o conceito é extremamente reducionista ao tratar a variabilidade que está associada aos recursos ambientais, por não considerar os efeitos externos resultantes de se considerar determinado recurso isoladamente e numa abordagem de “commodity”. Conseqüentemente, conforme defende Pindyck (1978PINDYCK, R. S. (1978) “The optimal exploration and production of nonrenewable resources”. Journal of Political Economy, v. 86, n. 5: 841-61.), a definição oferece apenas um componente do conceito de sustentabilidade, a associada à capacidade de carga e aos níveis de exploração ótima de recursos.

Dando seqüência à exposição anterior, a ilustração convencional do desenvolvimento tratou a ciência, os valores e os recursos naturais como fatores exógenos dentro de um sistema de organização social. Dessa forma, a organização e a eficiência na utilização dos recursos permitiram o desenvolvimento econômico de maneira linear, progressiva e autônoma. Uma visão ambiental mais realística não trataria tais fatores como exógenos; valores, conhecimento científico, cultura e prudência, assim como a organização social e tecnológica, devem ser vistos como subsistemas inter-relacionados e de influência mútua no ambiente natural. O desenvolvimento seria assim definido como um processo qualitativo e quantitativo que aumenta o padrão de bem-estar, de maneira a não coexistir o sacrifício da sociedade na determinação do equilíbrio social e ambiental (Jenkins, 1998JENKINS, T. N. (1998) “Economics and the environment: a case of Ethical neglect”. Ecological Economics 26, 151-163.).

A ética e o desenvolvimento sustentável passam a despertar interesse quando se vislumbram riscos potenciais para a sobrevivência humana, resultantes de sistemas de desenvolvimento pautados na eficiência e na “rationale” tradicional e no distanciamento entre os postulados reducionistas da engenharia econômica moderna e a filosofia moral. Trata-se da consistência com que se deve questionar os critérios da avaliação econômica para com a preservação das espécies e dos recursos naturais em termos dos custos e dos benefícios.

Esses atributos devem ser consistentes com as leis naturais que governam a natureza, a manutenção e a conservação dos recursos naturais, enquanto o desenvolvimento sustentável deve constituir o objetivo fundamental da política macroeconômica, em qualquer sistema de mercado.

3.1. A importância da preservação das espécies e da biodiversidade

A questão da ética ambiental coloca-se, fundamentalmente, em razão da necessidade de preservação das espécies e da biodiversidade. Nesse sentido, as regras éticas são novamente necessárias para coibir o comportamento humano no gerenciamento dos recursos naturais. Por isso, devem ser adotados mecanismos de regulação que permitam um equilíbrio entre exploração e a capacidade de regeneração natural dos ativos ambientais. O critério de equilíbrio nos moldes atuais é conflitante com duas posições éticas sobre a forma de se atingirem os objetivos da sustentabilidade. Por um lado, existe a visão essencialmente da sustentabilidade econômica, que apregoa a necessidade de determinação de uma taxa de poupança ótima que beneficie as gerações futuras, legando-lhes a garantia da reprodução econômica potencial; por outro lado, há os ambientalistas e eco-preservacionistas que nutrem a idéia de um processo de crescimento econômico restrito ao critério de sustentabilidade na produtividade dos recursos naturais em si, numa visão mais afinada com a economia ecológica. Combinando os dois pressupostos éticos, o desenvolvimento sustentável implicaria, deste modo, a determinação de um nível consistente de poupança e expansão da produção potencial da economia e, ao mesmo tempo, a garantia de que o progresso será indefinidamente sustentável.

Na realidade, a discussão e a polêmica em torno do tema não parecem de entendimento geral e consensual. Na medida em que a discussão vai se tornando mais profunda, e os horizontes, delineados, ela permite reflexões consistentes no sentido do arranjo de um consenso universal, como tem sido evidente a desfuncionalidade do paradigma básico da teoria de bem-estar de ótimo de Pareto e de equilíbrio geral, sem considerar as falhas na alocação distributiva.

Mostrou-se que não é justa a exploração dos recursos naturais e ambientais às expensas das gerações futuras, nem que tenhamos de decidir o que é ou não bom para elas, apenas que a releguemos um ambiente pelo menos tão bom quanto o nosso. A economia paretiana domina a escola moderna e mostra que se pode explorar hoje, às expensas das gerações vindouras, somente enquanto elas não forem feitas piores que a nossa geração. O problema que se levanta, entretanto, prende-se ao nosso desconhecimento da forma de mensuração e avaliação do bem-estar para futuras gerações. A argumentação preservacionista da necessidade de se impor um padrão de conservação dos recursos ambientais e ecossistemas em conjunto, com o fim de proteção à diversidade e à atividade biótica, para só depois permitir a aplicabilidade dos métodos econômicos de custo-benefício e o uso da taxa de desconto na avaliação de políticas e projetos, não parece ser consistente com a necessidade de desenvolvimento dos países pobres e menos desenvolvidos. Por conseguinte, isso constitui outro legado ético que deve ser discutido, contrapondo os princípios de padronização comportamental.

4. ÉTICA AMBIENTAL E PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS: BREVE OBSERVAÇÃO CRÍTICA

Parece não haver mais dúvidas sobre a necessidade de se permitir e adotar um patamar de crescimento econômico que resulte no desenvolvimento econômico e social sustentável. Sustentabilidade no sentido moral pressupõe também a distribuição.

As regras de ética no tratamento de recursos devem garantir a persistência desejada dos estoques, em nível constante, assim como aspectos distributivos também devem ser considerados. Pressupõe-se que deva existir um nível de equilíbrio no qual os estoques dos recursos naturais devam permanecer constantes, ou seja, um nível que garanta a auto-reprodução equilibrada do sistema ao longo do tempo. Isso não quer dizer que tenhamos de adotar um conceito reducionista, como o de produção máxima sustentável, que oferece apenas a idéia da sustentabilidade dada pela capacidade de carga, e algumas regras para deter a “sobre-exploração”, sem considerar a importância da biodiversidade ambiental e sua interdependência, tratando componentes ambientais desejáveis ao consumo como “commodities”.

A questão ética superior deve ser colocada em termos de eqüidade e justiçadistributiva entre países e regiões, admitindo-se que é a classificação social e ambiental que guarda associação forte com a sustentabilidade. Ao globalizar os efeitos da degradação ambiental, a ética do desenvolvimento econômico deve pautar-se no melhoramento tecnológico e no aumento dos níveis de investimento de capital por parte das nações mais ricas, para compensar os impactos da depleção ambiental e da acumulação histórica desses países em detrimento das nações mais pobres. Não se faz aqui qualquer ressalva sobre como se deu aquele processo acumulativo.

O problema ambiental ganha dimensão internacional porque muitas atividades suscetíveis de danos ambientais e de geração de resíduos extremamente tóxicos à reprodução natural dos recursos resultam da transferência produtiva dos países desenvolvidos aos menos desenvolvidos, em razão da forte pressão regulatória naqueles países e de políticas de controle baseadas em esquemas tarifários e nãotarifários desfavoráveis aos menos desenvolvidos.

Não será apenas uma questão de vantagem comparativa à luz das teorias clássicas de comércio internacional, mas a alocação das atividades produtivas de forte impacto ambiental e sua inserção num novo contexto globalizante e ético no mundo moderno. Tem-se observado que grande parte dos investimentos potencialmente impactantes ao meio ambiente é alocada nas regiões com grande déficit em investimento de capital, onde existem vantagens de recursos naturais. Por outro lado, essas atividades não encontram possibilidades de inversão em países com disponibilidade de capital, devido aos altos custos, principalmente por parte de pressões éticas regulatórias do ponto de vista ambiental, dada a maior preponderância do fator educacional nesses países.

O desenvolvimento sustentável, nesta perspectiva da internacionalização da produção e de capital deve, portanto, passar por uma contabilidade paralela à análise que se observa nos países desenvolvidos e que restringe e discrimina ações produtivas de efeitos nocivos noutros países, onde há oportunidades de investimentos lucrativos, sujeitando-os à necessidade de níveis de crescimento com maiores impactos ambientais. Em outras palavras, os países desenvolvidos que tiveram um crescimento acelerado em período anterior recente e que não consideraram corretamente seus valores de opção ambiental, preservando melhor o ambiente, devem compensar agora os países menos desenvolvidos e em desenvolvimento, em razão das restrições ao crescimento acelerado e dos efeitos dos impactos ambientais além-fronteiras.

CONCLUSÃO

A sustentabilidade na tradição ocidental é utilitarista e reducionista. Em razãodisso, não considera o processo de interdependência que caracteriza os agentes econômicos e ambientais. Portanto, é necessário um grande suporte ético adicional para consubstanciar a tradição de mercado, que pouco se presta à solução do conflito intergeracional.

No contexto político, o desenvolvimento sustentável é um conjunto de ações políticas que objetivam reunir e sintetizar o vetor dos objetivos presentes sem comprometer e destruir o vetor dos objetivos futuros. Isso implica a identificação de outros vetores-alvo, além da simples manutenção, ou não, do estoque de capital natural, em dado nível ótimo. Significa ética, significa eqüidade ambiental, significa prudência social e intrageracional e significa conservação e respeito pela diversidade cultural e biodiversidade.

Do ponto de vista econômico, a abordagem clássica permite analisar a escassez intertemporal dos recursos e considera que apenas o nível de preços é consistente com uma modificação apropriada no comportamento dos agentes na gestão da escassez. No plano da escassez dos ativos ambientais, esse procedimento se mostra em grande parte inconsistente e pode conduzir à destruição do ambiente natural. Ao lado da tomada de decisão racional, os instrumentos clássicos admitem que os agentes econômicos possuem completo conhecimento dos recursos, da tecnologia e de seus substitutos e perfeito domínio de suas preferências. Assim, os agentes são capazes de maximizar o uso dos recursos dentro de dada estrutura em que se encontram.

Entretanto, ao admitir um domínio social imperfeito e desigual, em que o conhecimento é incompleto e a racionalidade, limitada, o modelo não é capaz de sustentar a sustentabilidade. As limitações expostas podem ser contornadas pela adoção de outros pressupostos, de natureza filosófica, moral e regulatórias ou em futuros desenvolvimentos de técnicas de internalização dos ativos ambientais ao sistema de mercado e de contas nacionais.

Nenhum mecanismo garante que a gestão sustentável dos recursos naturais se ajuste com base na praxe econômica do comportamento otimizador do consumidor. A grande limitação fundamenta-se na impossibilidade de se obterem todas as informações necessárias sobre o complexo de inter-relacionamento dos mecanismos econômico-ambientais. Em vista das inconsistências inerentes ao pleno funcionamento dos mecanismos de mercado para os objetivos da sustentabilidade, a ética deve prevalecer no fortalecimento de mecanismos político-administrativos e institucionais na gestão dos recursos naturais e ambientais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2002
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