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Comentário a “A brief discussion of the empirical plausibility of the Reflective Epistemic Agency”

A noção de agência epistêmica relevante no trabalho de Sosa é aquela que envolve a existência de conhecimento reflexivo. Sosa (2009SOSA, E. Reflective Knowledge: apt belief and reflective knowledge, v. II. Oxford: Oxford University Press, 2009., p.138) afirma:

Of course one knows plenty through one’s animal nature, sans rational agency; which is how we know some of the things we know best. Even when one could take charge, finally, as a deliberative rational agent, it may be best to proceed on automatic pilot. But we do often take pride in grasping the truth through its deliberate pursuit, which hence is valued as a positive accomplishment.

É importante frisar que a agência epistêmica relevante para Sosa é exibida quando temos conhecimento reflexivo. Não é o único tipo de agência epistêmica que ele alega (ou precisa alegar) que existe. A passagem citada sugere que Sosa não chamaria de “agência epistêmica” (ou “agência racional”) algo que envolvesse apenas conhecimento animal ou que, de qualquer forma, ficasse aquém do que Sosa classifica como conhecimento reflexivo. Mas isso seria detalhe verbal. O fato é que nada na teoria de Sosa permite alegar que, segundo ele, não exista qualquer metacognição (entendida como a capacidade de um sujeito de pensar sobre seus próprios pensamentos, bem como de controlar e monitorar sua atividade cognitiva) que não envolva agência epistêmica ou conhecimento reflexivo, tal como Sosa entende as duas últimas noções. Talvez exista, é uma questão empírica aberta. Isso não significa que a teoria de Sosa seja imune aos achados empíricos envolvendo a metacognição. Porém, significa que, para ameaçar a teoria de Sosa, esses achados precisam ser evidência de que o conhecimento reflexivo que Sosa descreve não existe de fato, embora exista aquilo que ele entende como agência epistêmica ou, então, minimamente, precisam ser evidência de que não há a agência epistêmica descrita por Sosa. A abordagem de Proust (2010PROUST, J. Metacognition. Philosophy Compass, v. 11, n. 5, p. 989-998, 2010., 2013PROUST, J. The Philosophy of Metacognition: mental agency and self-awareness. Oxford: Oxford University Press, 2013.) tem ou fornece evidências dessa natureza?

Em seus trabalhos mais recentes, Sosa (2015SOSA, E. Judgement and Agency. Oxford: Oxford University Press, 2015., cap. 3) concebe o conhecimento reflexivo como tendo dois componentes. O primeiro é o conhecimento animal, pelo qual um sujeito tem conhecimento animal sobre alguma proposição qualquer, p, quando tem crença apta de que p. O segundo componente é a condição de que o conhecimento animal de que p seja guiado por um conhecimento animal (de segunda ordem) de que a crença em p resulta de competência. Note-se que não é mero conhecimento animal de segunda ordem que está em jogo: é preciso que a crença de que p seja formada, porque o sujeito tem uma competência (de segunda ordem) em virtude da qual avalia sua competência ao crer que p.

É preciso que a reflexão guie o processo, não podendo ser uma crença induzida artificialmente por alguma terapia ou resposta automática, por exemplo. Para haver conhecimento reflexivo de que p, é preciso que a competência que a crença apta em p manifesta seja reconhecida como tal por uma segunda competência, capaz de detectar a competência que gera a crença apta em p, e que esse processo seja parte do que faz a crença em p ser formada. Isso é um caso sofisticado de metacognição, no qual o sujeito precisa ser capaz de identificar e avaliar competentemente os modos pelos quais forma suas crenças. Contudo, embora seja um caso sofisticado de metacognição, Sosa não sustenta que seja o único caso possível de metacognição. Conhecimento animal de segunda ordem também pode ser metacognição: só não será, ao menos não necessariamente, conhecimento reflexivo.

A abordagem de Proust, na medida em que toma a metacognição como algo menos exigente para as capacidades do sujeito (de tal maneira que estaria presente em animais não-humanos), sem envolver conhecimento reflexivo (e, portanto, sem envolver agência epistêmica), indica somente que não precisamos restringir a metacognição ao que Sosa teoriza como sendo conhecimento reflexivo. Não é uma abordagem que por si só mostre empiricamente que é implausível que exista o que Sosa descreve como conhecimento reflexivo (para mais discussão sobre dificuldades para a teoria de Sosa do conhecimento reflexivo, cf. Carter & McKenna (2018CARTER, J. A., MCKENNA, R. Kornblith versus Sosa on grades of knowledge. Synthese, n.196, p. 4989-5007, 2019.)).

A abordagem de Proust tem ou fornece evidência de que não há agência epistêmica? Ela não elimina a noção de agência epistêmica - diferentemente do que Kornblith (2012KORNBLITH, H. On Reflection. Oxford: Oxford University Press, 2012., cap. 3) propõe - o que faz é redefinir essa noção. Ainda assim, fica em aberto se a redefinição de Proust é um primeiro passo promissor na direção de encontrar uma explicação, talvez reducionista ou mais austera, do que é agência epistêmica reflexiva. Como Neta (2015NETA, R. Review of Judgment and Agency. Notre Dame Philosophical Reviews. Disponível em: Disponível em: https://ndpr.nd.edu/news/judgment-and-agency/ . Acesso em: 22 out. 2020.
https://ndpr.nd.edu/news/judgment-and-ag...
) observa, embora Sosa pareça assumir que a agência epistêmica seja algo irredutível, essa é uma questão para a qual ele ainda não deu o devido tratamento. Logo, se há um caminho pelo qual a abordagem de Proust e suas evidências empíricas podem ameaçar a teoria de Sosa, é esse. Talvez a abordagem de Proust explique completamente o que constitui a agência epistêmica e isso mostre que o conhecimento reflexivo suposto por Sosa é uma espécie de ilusão.

Pode ser que a agência epistêmica reflexiva de humanos e animais não-humanos difira apenas em grau de complexidade, uma possibilidade que aparentemente seria incompatível com a explicação da agência que Sosa nos deve. Contudo, essa é uma ameaça que ainda exige desenvolvimento e amparo evidencial, para se concretizar. No momento, não é mais do que a promessa de um desafio. Agradecemos a Freitas e Santos (2021FREITAS, A. M. B. de; SANTOS, F. R. L. A brief discussion of the empirical plausibility of the Reflective Epistemic Agency. Trans/Form/Ação: Revista de Filosofia da Unesp, v. 44, Especial Ernest Sosa, p. 173-184, 2021.) pela oportunidade de comentário de seu texto, que resultou nesta reflexão.

Referências

  • CARTER, J. A., MCKENNA, R. Kornblith versus Sosa on grades of knowledge. Synthese, n.196, p. 4989-5007, 2019.
  • FREITAS, A. M. B. de; SANTOS, F. R. L. A brief discussion of the empirical plausibility of the Reflective Epistemic Agency. Trans/Form/Ação: Revista de Filosofia da Unesp, v. 44, Especial Ernest Sosa, p. 173-184, 2021.
  • KORNBLITH, H. On Reflection. Oxford: Oxford University Press, 2012.
  • NETA, R. Review of Judgment and Agency. Notre Dame Philosophical Reviews. Disponível em: Disponível em: https://ndpr.nd.edu/news/judgment-and-agency/ Acesso em: 22 out. 2020.
    » https://ndpr.nd.edu/news/judgment-and-agency/
  • PROUST, J. Metacognition. Philosophy Compass, v. 11, n. 5, p. 989-998, 2010.
  • PROUST, J. The Philosophy of Metacognition: mental agency and self-awareness. Oxford: Oxford University Press, 2013.
  • SOSA, E. Reflective Knowledge: apt belief and reflective knowledge, v. II. Oxford: Oxford University Press, 2009.
  • SOSA, E. Judgement and Agency. Oxford: Oxford University Press, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Aceito
    15 Maio 2021
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