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EDUCAÇÃO MUSICAL EM DIÁLOGO COM A PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

Como conteúdo obrigatório na educação básica, a música tem sido pauta de grandes reflexões no cenário brasileiro. Discute-se o que essa atividade significa para o ser humano e sobre como organizá-la como prática educativa. Entretanto, para entender a atividade musical como tal, há de se transformar todo um modo de concebê-la, já que a música é socialmente considerada, inclusive no espaço escolar, apenas como lazer, entretenimento, terapia, ou, no terreno educativo, como ferramenta organizadora de rotinas, de controle de comportamento e, ainda, como instrumento de memorização ou de auxílio para outras disciplinas (MARTINEZ, 2017MARTINEZ, A.P. de A. Infâncias musicais: o desenvolvimento da musicalidade dos bebês. 307 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.).

Para engendrar outros modos de considerar a música, essencialmente em contextos educativos, é necessário o entendimento da atividade musical enquanto movimento educativo (PEDERIVA, 2009PEDERIVA, P.L.M. A atividade musical e a consciência da particularidade. 207 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2009.), sua função enquanto tal, seus modos de organização como prática pedagógica, o papel do professor, a compreensão da pessoa que aprende em diferentes contextos educativos, entre outras variáveis que compõem esse cenário, bem como práticas que sejam organizadas como educação.

Compreende-se que a teoria histórico-cultural, cujas pesquisas no Brasil e no cenário internacional ainda tentam construir um diálogo entre música e educação, com uma epistemologia própria e singular dessa atividade humana, apresenta condições necessárias para fundar novas bases para a educação musical, entendida, de acordo com Gonçalves (2017GONÇALVES, A.C.A.B. Educação musical na perspectiva histórico-cultural de Vygotsky: a unidade educação-música. 277f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.), como necessária ao desenvolvimento humano de forma integral, por meio do desenvolvimento das musicalidades das pessoas.

Esta proposta, provavelmente o primeiro dossiê brasileiro em educação musical na perspectiva histórico-cultural, constitui um esforço para colaborar nessa direção. Assim, os artigos aqui presentes, advindos do trabalho de pesquisadores e educadores que muito têm se dedicado a essa área de estudo, de diferentes regiões do país bem como do cenário internacional, alicerçados nessa base, tratam de temáticas sobre música e educação no diálogo com essa perspectiva.

Os quatro primeiros textos que compõem este dossiê têm um caráter mais reflexivo sobre a música na educação, localizando e aprofundando o que seria uma educação musical de teoria histórico-cultural em suas bases filosóficas e epistemológicas. Os seis textos seguintes apresentam pesquisas em diferentes contextos, exemplificando possibilidades de atuação pedagógica sob as lentes dessa perspectiva.

O artigo “Imaginação musical na idade pré-escolar”, de Svetlana Petrenko, autora russa que desenvolve pesquisa na Orenburg State University, defende que a idade pré-escolar é um período sensível de desenvolvimento das funções mentais, em que a imaginação musical está intimamente relacionada com o significado musical, que é determinado pela atividade de vida e comunicação com os outros. Essas características determinam a existência da imagem musical e a percepção na música. A autora demonstra a importância de compreender esse processo nessas bases para organizar a música enquanto atividade educativa.

No texto de Augusto Charan Alves Barbosa Gonçalves (UnB) e Patrícia Lima Martins Pederiva (UnB), “A unidade educação-música: educação musical na teoria histórico-cultural”, aprofunda-se a discussão sobre o olhar e o papel da perspectiva histórico-cultural em educação musical. Nele, procura-se demonstrar que a essência da educação musical reside na indissociabilidade da unidade dialética educação-música.

Maria Flávia Silveira Barbosa (UFU) escreve o texto “Vygotsky e Psicologia da Arte: horizontes para a educação musical”. No trabalho, defende-se a importância da arte na formação dos indivíduos, em diálogo com o materialismo histórico e dialético. A autora trata de possíveis implicações para o ensino de música em escolas de educação básica, buscando lançar luz sobre o papel da música na formação do indivíduo e sobre como e quais conteúdos musicais devem ser trabalhados nesse contexto.

Andréia Pereira de Araújo Martinez (SEEDF), autora de “Naturalização da vida: uma crítica ao esforço em naturalizar a infância e a musicalidade das crianças”, problematiza discussões que permeiam a percepção de criança, suas infâncias e suas possibilidades de desenvolvimento musical. Busca-se realizar uma reflexão acerca das práticas educativas musicais voltadas para as crianças e para as infâncias na educação básica.

No artigo intitulado “Plunct plact zum: imaginação e criação artística na escola”, Luciane Maria Schlindwein (UFSC), Aline Santana Martins (UFSC) e Rafael Dias de Oliveira (UFSC), apoiados nas contribuições teóricas e metodológicas da perspectiva histórico-cultural, apresentam uma experiência propiciadora de relações estéticas com crianças no ambiente escolar em aulas de música e de teatro.

Em “A organização do meio social educativo para a criação musical na educação infantil”, de Sônia Regina dos Santos Teixeira (UFPA) e Ana Paula de Araújo (Barca, UFPA), discute-se a presença da música na educação infantil em uma escola ribeirinha da Amazônia enfocando como os professores dessa etapa da educação básica podem organizar o meio social educativo da escola da infância para que a atividade musical seja compreendida como um ato criativo (de significados), que contribui para a formação da personalidade da criança.

Laura Kemp de Mattos (UFSC), Andrea Vieira Zanella (UFSC) e Neiva de Assis (UFSC) apresentam o trabalho: “Crianças/jovens cegas e seus encontros com a cidade: educação musical em foco”. O artigo discute as possibilidades das sonoridades presentes na cidade para a educação musical de crianças e jovens, destacando a localidade como produto e produtora de subjetividades, com inúmeras possibilidades educativas nas múltiplas composições e arranjos de seus sons, ruídos e silêncios.

Maria Eliza Mattosinho Bernardes (USP) e Eliseu de Oliveira Filho (colaborador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Sociedade e Políticas Públicas/Laboratório de Educação e Desenvolvimento Psicológico - GEPESPP/LEDEP), em “O ensino da música para crianças em áreas de alta vulnerabilidade: um estudo de caso”, descrevem o trabalho realizado no Projeto Curso Livre de Música, que se fundamenta na psicologia histórico-cultural. Nele, entende-se que as relações de ensino e aprendizagem podem vir a ser promotoras do desenvolvimento do psiquismo e que a organização do ensino da música deve ser pensada para sujeitos que aprendem em atividade, promovendo transformação de si e da realidade à sua volta.

A pesquisa “Vamos brincar de compor? - Experiências com criação na educação musical formal”, de Kátia Maheirie (UFSC) e Fábio Ramos Barreto (PMF), analisa duas experiências no campo da prática docente no ensino fundamental na área da música em duas escolas da rede municipal de ensino no Sul do Brasil, compreendendo as práticas e os processos de criação como foco e condição para experiências no contexto da educação.

Encerrando a série, o artigo “Educação musical na escola: para valorizar o humano em cada um de nós”, de Olavo Pereira Soares (UNIFAL/MG), Rosimeire Bragança Cerveira (UNIFAL/MG) e Suely Amaral Mello (UNESP-Marília), analisa uma pesquisa desenvolvida com alunos em situação de vulnerabilidade social atendidos por um programa de escola pública em tempo integral, no qual foram propiciadas experiências que objetivavam desenvolver a escuta musical ativa e consciente dos estudantes.

Esperamos, com esta coletânea, contribuir para o debate sobre a importância da música na constituição humana e o papel da educação nesse processo. Que o mundo da música deixe de ser um mito, uma atividade para poucos e que se torne parte do cotidiano educativo. Uma educação musical voltada para o desenvolvimento de musicalidades, que é direito de todos os educandos e que está ao alcance de todos os educadores.

REFERÊNCIAS

  • GONÇALVES, A.C.A.B. Educação musical na perspectiva histórico-cultural de Vygotsky: a unidade educação-música 277f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
  • MARTINEZ, A.P. de A. Infâncias musicais: o desenvolvimento da musicalidade dos bebês 307 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
  • PEDERIVA, P.L.M. A atividade musical e a consciência da particularidade. 207 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2018
  • Aceito
    11 Dez 2018
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