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A VIDA ESPACIALIZADA DE BEBÊS E CRIANÇAS: LEGADOS PARA A PENSAR A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

THE SPATIALIZED LIFE OF BABIES AND CHILDREN: THOUGHTS ON TEACHING IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION

RESUMO

Nosso objetivo é refletir sobre a formação docente a partir da espacialidade das instituições de Educação Infantil. O caminho escolhido foi apresentar o espaço como uma categoria central da constituição do ser humano. Como resultado, defendemos que o espaço precisa ser problematizado pelos educadores e educadoras. Concluímos que são possíveis novas formas de se pensar a Educação Infantil, que permitam que as crianças e os bebês possam expressar suas lógicas e autorias e possam ser contempladas nas construções dos espaços, na construção de suas próprias existências e na construção do mundo.

Palavras-chave
Espaço; Vivência espacial; Giro espacial; Interseccionalidades

ABSTRACT

This paper aims to reflect on the teaching practices based on the spatiality of the Early Childhood Education institutions. This has been done through presenting space as central in the constitution of the human being. As a result, we argue that space needs to be problematized by the educators. We conclude that new ways of thinking about Early Childhood Education are possible, which allow children and babies to express their thoughts and agency and can help in thinking about the construction of spaces, the construction of their own existences and in the construction of the world.

Keywords
Space; Spatial experience; Spatial turn; Intersectionalities

A Casa Rosa, a Casa Abandonada e o Quintal da Escola: Narrativas que se Espacializam

Tome então [...] o trem de Londres para Milton Keynes. [...] você não está apenas viajando através ou cruzando o espaço. Na medida em que o espaço é produto de relações sociais, você também está ajudando, embora, neste caso, de maneira bem mais sutil, a alterar o espaço. Você é parte do processo constante de estabelecer e quebrar elos, que é um elemento na constituição de você mesmo [...], e, assim, do próprio espaço.

(MASSEY, 2013MASSEY, D. B. Pelo espaço: Uma nova política da espacialidade. 4. ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2013., p. 175)

Este texto tem como temática a espacialização da vida de bebês e crianças e suas interfaces para refletir sobre a docência na Educação Infantil. Para iniciar nossas argumentações, registramos três situações envolvendo as relações de algumas crianças com seus espaços de vivências. A primeira narrativa se espacializa na Comunidade Quilombola Colônia do Paiol, Minas Gerais, Brasil.

Havíamos saído pela comunidade com as crianças (Fig. 1). Uma das marcas da vivência das crianças nessa localidade é a liberdade e autonomia espacial. Circulam livremente pelas suas ruas e conhecem bem cada um de seus cantos. Nesse dia, foram nossas guias. Iam nos mostrando as casas dos moradores, os diferentes locais e os valores que cada um deles possuía nas relações socioespaciais que ali se estabeleciam, como uma casa rosa, abandonada e que não deveria ser visitada. Naquela paisagem, essa casa representava um espaço de medo por causa das muitas histórias que dela se narravam, envolvendo sons estranhos, imagens noturnas e outras situações. As crianças também tinham grande conhecimento sobre as plantas e as árvores dos quintais, não apenas quais eram comestíveis, mas também quais eram usadas para curar alguma enfermidade.

Fonte: Acervo GRUPEGI.
Figura 1

Nossa segunda narrativa acontece em uma residência urbana no município de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Em uma tarde, na casa de Daniel, conversávamos sobre os lugares de sua vida e ele nos disse alguns: “Casa, horta, casa abandonada...”. Silêncio. “Pracinha...” Perguntamos qual era o seu preferido: “A escola”. Ainda que não tivesse dito antes, confirmou-nos que, de todos os lugares, gostava mais da escola que era onde aprendia coisas, brincava e pintava. Além da escola, pedimos que escolhesse mais um lugar de sua vida para fazermos um mapa. Sugerimos que nos dissesse o lugar a que mais gostava de ir.

Como resposta, disse-nos o nome de uma rede internacional de supermercados que possuía uma filial na cidade. Contou-nos que ia lá “às vezes, sexta ou domingo. Sábado”. Perguntamos o que mais gostava naquele lugar. “Lá tem pizza, vejo máquina de lavar [...] Só olho como é. Não funciona lá não. Gosto de máquina de lavar roupa...” Perguntamos se poderíamos, então, fazer o mapa até o supermercado. “Como eu posso fazer? [...] não sei como eu vou fazer... é muito difícil. É muito longe”.

Então, demos a sugestão de fazer o mapa da casa abandonada, mas ele disse que “a casa abandonada é ali, naquela curva ali... muito perto, nem dá para fazer...” E o mapa da escola, talvez, já que era o lugar de que ele mais gostava. “Mas esse eu já fiz...” E disse que poderia nos mostrar. Saiu do quarto e voltou trazendo o mapa. “Já tá pronto...” E nos entregou (Fig. 2). Perguntamos por que tinha feito aquele mapa. “Eu que quis fazer, eu nem sabia o que eu queria e fiz [...]”.

Figura 2
Mapa da Escola

O mapa para a escola, então, já tinha sido feito. O supermercado era muito longe. Quanto à casa abandonada, por ser muito perto, disse que nem dava para fazer o mapa, optando por nos mostrá-la. Em menos de 2 minutos a pé, chegamos ao local. Não precisava de mapa para isso.

O terceiro relato ocorre em uma comunidade indígena em uma aldeia em Chhattisgarh, Índia. Na escola, na hora do almoço, enquanto as crianças brincavam, Mani cuidava das batatas que havia semeado no quintal da escola (Fig. 3). Olhando para o céu, comentamos que parecia que ia chover. Mani disse que não, que só choveria quando a colheita da lentilha terminasse. Questionamos se ainda não tinha terminado, ao que respondeu: “Minha família ainda está colhendo”. O entendimento de Mani sobre sazonalidade foi baseado nos ciclos de cultivo e colheita das safras. Em sua fala, a criança demonstra um conhecimento sólido sobre seus espaços físicos e sobre o meio ambiente na aldeia. Todas as crianças da aldeia demonstravam esse conhecimento sobre os arredores — incluindo nomes de plantas e árvores, as ervas e suas propriedades medicinais e como elas eram usadas em suas vidas diárias. Havia uma sensação de segurança e orgulho, ao falar sobre seu ambiente e sua relação simbiótica com ele. Estavam conscientes, conectados e iam construindo sua própria identidade em relação às tradições indígenas. O conhecimento indígena parecia ser uma fonte de empoderamento para as crianças da aldeia (CARRIN, 2015CARRIN, M. Adivasi children and the making of indigeneity in Jharkhand. South Asian History and Culture, v. 6, n. 3, p. 348-364, 2015. https://doi.org/10.1080/19472498.2015.1030872
https://doi.org/10.1080/19472498.2015.10...
).

Figura 3
Crianças no canteiro de batata.

Esses três relatos, vivenciados por crianças em paisagens geográficas muito diferenciadas, localizadas em espaços diversos na superfície terrestre, foram escolhidos porque possuem algo em comum: narram as suas afinidades com esses territórios e evidenciam, em suas diferentes escalas, a existência de uma linguagem espacial presente em suas existências.

Casas, escolas, plantios, ciclos naturais, saberes, emoções. São muitos os elementos que poderiam ser elencados a partir desses registros de campo. Em todos eles, as relações espaciais marcam as relações das crianças consigo mesmas, com os outros e com as paisagens em que vivem. São reveladores de autorias espaciais.

E esse é o argumento central deste texto. Partindo da concepção de espaço como superfície — cenário que gerou um conjunto de desdobramentos que envolvem esse vocábulo como extensão, localização, área — e dialogando com as concepções de virada espacial e de justiça espacial formuladas nas últimas décadas, buscaremos refletir como essas diferentes formas de imaginar o espaço (MASSEY, 2013MASSEY, D. B. Pelo espaço: Uma nova política da espacialidade. 4. ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2013.) reverberam na vida de bebês e crianças e nas formas de nos relacionarmos com elas, pois “o modo como imaginamos o espaço tem seus efeitos” (MASSEY, 2013MASSEY, D. B. Pelo espaço: Uma nova política da espacialidade. 4. ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2013., p. 22): efeitos políticos, sociais, econômicos, éticos e, acrescentaríamos, pedagógicos, pois constituem a mediação de nossas relações nas instituições de Educação Infantil.

Assim, refletir sobre os encontros que marcam a docência nas instituições que acolhem as muitas infâncias, entre crianças, bebês e adultos, mediados pela vivência espacial como uma das interseccionalidades do fazer pedagógico, será a nossa contribuição nesta escritura.

O Espaço como Marcador do Existir: Intersecções e Docências com as Infâncias do Mundo

En un ensayo sobre el proceso de diseño del legendario Sanatorio de Paimio (1929-32), Alvar Aalto nos dice que cuando comenzó a diseñar el hospital, él mismo cayó enfermo y, teniendo que guardar cama, se dio cuenta que la mayor parte del tiempo, los pacientes hospitalizados están forzados a observar el mundo desde una posición horizontal y, consecuentemente, una habitación de hospital debería diseñarse desde la perspectiva de un “hombre horizontal”. Tras comprender esto, Aalto diseñó la iluminación y los colores de la habitación de manera que fuera más estimulante y placentera para el paciente horizontal que para la persona de pie.

(WEST, 2012WEST, T. Prólogo: Orquestando los sentidos. In: VERA, M. D.; MAINO, C. M. (Orgs.). Espacialidad del niño que no ve. Santiago: Stoq, 2012., p. 14)

A narrativa da epígrafe aponta para o corpo em sua relação com os elementos que se constituem em formas que se fazem em paisagens no espaço. As paisagens não se reduzem somente às estruturas e à organização dos elementos em distribuições e localizações em um plano que se edifica, mas envolvem o conjunto dos sentidos humanos e também toda a semântica que faz desses espaços relações “intercorpóreas, interdiscursivas, intertemporais, onde o social e o pessoal se fazem em cultura” (LOPES, 2021LOPES, J. J. M. Terreno Baldio — Um livro para balbuciar e criançar os espaços para desacostumar geografias, por uma teoria sobre a espacialização da vida de bebês e crianças. São Carlos: Pedro e João Editores, 2021., p. 130). Por essa condição, assumimos que qualquer vivência espacial é sempre uma vivência interespacial (LOPES, 2020aLOPES, J. J. M. Um dinossauro faminto, um adulto e uma criança: O espaço e as geografias do viver. In: MORO, C.; BALDEZ, E. (Orgs.). EnLacES no debate sobre Infância e Educação Infantil. Curitiba: NEPIE/UFPR, 2020a., 2021LOPES, J. J. M. Terreno Baldio — Um livro para balbuciar e criançar os espaços para desacostumar geografias, por uma teoria sobre a espacialização da vida de bebês e crianças. São Carlos: Pedro e João Editores, 2021.), em que muitas condições da vida em sociedade se presentificam.

Portanto, devido à multiplicidade de dimensões em que as existências se materializam, explorar as complexidades das experiências das crianças através de uma única lente — como gênero ou etnia — não faria justiça às suas vidas. Muitas teóricas feministas argumentaram que as pessoas são simultaneamente submetidas a diferenças étnicas, de gênero, de classe e sociais. Dessa forma, essas diferenças devem ser vistas em conjunto (CRENSHAW, 1989CRENSHAW, K. Demarginalizing the intersection of race and sex: A black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum, Chicago, v. 1989, n. 1, p. 139-167, 1989. Disponível em: http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/vol1989/iss1/8. Acesso em: 2 ago. 2021.
http://chicagounbound.uchicago.edu/uclf/...
, MOHANTY et al., 1991MOHANTY, C. T.; RUSSO, A; TORRES, L (Orgs.). Third world women and the politics of feminism. Indianapolis: Indiana University Press, 1991., VALENTINE, 2007VALENTINE, G. Theorizing and researching intersectionality: a challenge for feminist geography. The Professional Geographer, Washington, D.C., v. 59, n. 1, p. 10-21, 2007. https://doi.org/10.1111/j.1467-9272.2007.00587.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-9272.2007...
).

Os estudos da infância, como uma disciplina, têm um interesse de longa data em questões em torno de múltiplas e complexas desigualdades sociais e identidades em diversos contextos socioespaciais e culturais (KONSTANTONI, 2012KONSTANTONI, K. Children’s peer relationships and social identities: Exploring cases of young children’s agency and complex interdependencies from the minority world. Children’s Geographies, v. 10, n. 3, p. 337-346, 2012. https://doi.org/10.1080/14733285.2012.693382
https://doi.org/10.1080/14733285.2012.69...
; MORROW; CONNOLLY, 2006MORROW, V; CONNOLLY, P. Gender and ethnicity in children’s everyday lives. Children and Society, v. 20, n. 2, p. 87-91, 2006.; THORNE, 1993THORNE, B. Gender play: Girls and boys in school. Nova Jersey: Rutgers, 1993.; TISDALL, 2012TISDALL, E. K. M. The challenge and challenging of childhood studies? Learning from disability studies and research with disabled children. Children and Society, Londres, v. 26, n. 3, p. 181-191, 2012. https://doi.org/10.1111/j.1099-0860.2012.00431.x
https://doi.org/10.1111/j.1099-0860.2012...
; VAN BLERK, 2006VAN BLERK, L. Diversity and difference in the everyday lives of Ugandan street children. Social Dynamics, Cidade do Cabo, v. 32, n. 1, p. 47-74, 2006. https://doi.org/10.1080/02533950608628719
https://doi.org/10.1080/0253395060862871...
). Ainda que a análise interseccional das identidades das crianças não seja nova no campo, a extensão em que é usada varia, tanto implícita quanto explicitamente, como uma estrutura teórica e política (KONSTANTONI; EMEJULU, 2017KONSTANTONI, K; EMEJULU, A. When intersectionality met childhood studies: The dilemmas of a travelling concept. Children’s Geographies, v. 15, n. 1, p. 6-22, 2017. https://doi.org/10.1080/14733285.2016.1249824
https://doi.org/10.1080/14733285.2016.12...
). Tradicionalmente focados na construção social da infância e na agência das crianças, os estudos da infância estão expandindo os limites da pesquisa da infância por meio de uma análise com mais nuances de “relations, relationships and reciprocity1 1 Em tradução livre: “relações, relacionamentos e reciprocidade”. (TISDALL; PUNCH, 2012TISDALL, E.K.M.; PUNCH, S. Not so ‘new’? Looking critically at childhood studies. Children’s Geographies, v. 10, n. 3, p. 249-264, 2012. https://doi.org/10.1080/14733285.2012.693376
https://doi.org/10.1080/14733285.2012.69...
, p. 249).

Uma lente espacial também ajuda a compreender a não-linearidade da vida das crianças (HACKETT; PROCTER; SEYMOUR, 2015HACKETT, A; PROCTER, L; SEYMOUR, J. Children’s spatialities: Embodiment, emotions and agency. Londres: Palgrave Macmillan, 2015.). A partir das relações entre gênero e casta em diferentes espaços na aldeia na Índia, discutimos as experiências de interseccionalidade e como essa análise é importante para auxiliar nas discussões educacionais, pois ajudam a compreender as identidades fluidas e múltiplas das crianças da aldeia.

Uma grande parte da vida das pessoas na aldeia é governada por sua etnia de casta, causando um impacto em sua interação social, educação e posição na sociedade (DESHPANDE, 2010DESHPANDE, M. S. History of the Indian caste system and its impact on India today. 2010. Tese (Doutorado) – College of Liberal Arts, California Polytechnic State University, San Luis Obispo, 2010.; RAO, 2010RAO, J. The caste system: Effects on poverty in India, Nepal and Sri Lanka. Global Majority E-Journal, v. 1, n. 2, p. 97-106, 2010.). Tanto os adultos quanto as crianças da comunidade têm uma forte associação com sua identidade indígena. Embora não seguissem o sistema de castas hindu, tinham seu próprio conjunto de práticas e hierarquias, separando e categorizando diferentes grupos dentro de uma região. Essas identidades étnicas são complexas, possuem muitas camadas e, em espaços como as escolas, influenciam a posição das crianças e suas relações com os professores e outras crianças. As crianças da comunidade indígena Pahari Korwa vivenciavam casos de bullying por parte das crianças de Oraon (outro grupo indígena) e atribuíam isso à sua etnia e posicionamento social. Os professores da escola discutiam as condições de pobreza das crianças e atribuíam, explicitamente, o desinteresse das crianças ou de suas famílias pela educação à sua identidade Pahari Korwa. As crianças eram constantemente conscientizadas sobre o impacto de sua identidade indígena.

Seu movimento nos espaços também era influenciado e determinado por sua etnia. A escola primária e secundária, localizada na aldeia Pahari Korwa, é frequentada por crianças de outras aldeias. Naquele espaço, as crianças da comunidade Pahari Korwa e Oraon brincavam juntas. Mas, fora do horário escolar, preferiam limitar seus movimentos em torno de suas aldeias. Nightingale (2003)NIGHTINGALE, A. Nature-Society and development: Social, cultural and ecological change in Nepal. Geoforum, v. 34, n. 4, p. 525-540, 2003. argumenta que a produção da diferença social e da identidade ocorre por meio de práticas espaciais contínuas e cotidianas. Os diferentes grupos étnicos da aldeia também seguiam restrições nas práticas alimentares, como não comer em uma casa de outra comunidade. Na escola, essas práticas relacionadas à alimentação, embora não se transformem totalmente, tornavam-se menos rígidas. Essas restrições sociais, em certa medida, aumentavam as limitações espaciais, ditando onde as crianças poderiam ir e quais lugares deveriam evitar, reforçando, assim, a ideia de Massey (2013)MASSEY, D. B. Pelo espaço: Uma nova política da espacialidade. 4. ed. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2013. de que os espaços não são inertes, mas feitos de práticas sociais.

As perspectivas espaciais nos estudos da infância também levantam outras questões importantes, como: quais são os diferentes tipos de espaços? Rasmussen (2004, p. 166, tradução nossa)RASMUSSEN, K. Places for children – children’s places. Childhood, v. 11, n. 2, p. 155-173, 2004. https://doi.org/10.1177%2F0907568204043053
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faz uma distinção entre “lugares para crianças” e “lugares das crianças”.2 2 No original, “places for children” e “children’s places”. Os lugares para crianças são os espaços projetados e designados por adultos para crianças, enquanto os lugares das crianças são aqueles que as crianças criam para si mesmas.

Compreender a espacialidade em suas interconexões, com as várias estruturas sociais, permite colocar em foco as experiências das crianças indígenas, o que ajuda a alinhar a educação com suas vidas e valores cotidianos, tornando a experiência escolar menos desconectada. Além disso, aprofunda nossa compreensão sobre como os espaços educacionais podem ser melhor desenvolvidos para facilitar o aprendizado e o cuidado.

Sobre uma compreensão mais profunda sobre os espaços, Soja (2014, p. 35)SOJA, E. W. En busca de la justicia espacial. Valência: Tirant Humanidades, 2014. aponta que “[...] una visión nueva y diferente de pensar el espacio y la espacialidad ha empezado a emerger junto con lo que se ha descrito como un giro espacial que afecta a casi todas las ciencias humanas”. Esse giro significou a busca de um rompimento com uma forma de conceber o espaço que emergiu a partir do projeto colonial europeu, iniciado em meados dos séculos XV e XI, e ganhou força nos séculos seguintes, constituindo uma perspectiva de se olhar para o espaço como uma grande extensão com pontos a serem localizados em linhas a serem percorridas.

A constituição daquilo que viria a ser a Modernidade — sobretudo a partir do século VII — encontra, nos princípios matemáticos e geométricos, a forja principal em que o espaço humano — e natural — se fundamenta. O desenvolvimento da Cartografia, como uma área de estudos, é um exemplo dessa condição: os mapas se limitam à busca da precisão de medidas possíveis de serem apreendidas em escalas, cuja planificação da curvatura terrestre se mostrava um grande desafio a ser vencido. Como encontrar a precisão de pontos a serem alcançados? Não bastava o registro dos locais e o achado — pelos europeus — de sua existência, mas há toda uma dimensão geopolítica — que não exclui a dimensão da linguagem, das nomeações dos lugares, dos caminhos e das direções — que entra em jogo. E, nesse jogo, outras cosmologias espaciais são invisibilizadas e eliminadas. O topocídio (PORTEOUS, 1988PORTEOUS, J. D. Topocide: The annihilation of place. In: EYLES, J.; SMITH, D. M. (Orgs.). Qualitative methods in human geography. Cambridge: Polity Press, 1988.) não se restringe somente à eliminação dos referenciais espaciais desses povos, mas também de seus saberes e de suas vivências espaciais. Com isso, a compreensão do espaço como planificação se torna hegemônica, enquanto o termo planisfério — usado para denominar o mapa-múndi — não é apenas um termo ou uma nomeação, mas toda uma concepção civilizatória, que deixou de fora as muitas vivências espaciais humanas.

Compreender essa característica da espacialização da vida (LOPES, 2021LOPES, J. J. M. Terreno Baldio — Um livro para balbuciar e criançar os espaços para desacostumar geografias, por uma teoria sobre a espacialização da vida de bebês e crianças. São Carlos: Pedro e João Editores, 2021.) é de grande valor, porque o espaço guarda expressões e desdobramentos diversos que fazem nossas mediações com o mundo, como os próprios conceitos de paisagem, de território, de região. Uma dessas expressões a ser considerada envolve a própria narrativa expressa na epígrafe, qual seja: a escala. Se a metrização do espaço se cunhou na busca de uma escala precisa, junto a ela temos outra perspectiva escalar que envolve a própria vivência humana. A grande escala busca se tornar hegemônica no grande tempo (BAKHTIN, 2014BAKHTIN, M. Questões de Literatura e de Estética: A teoria do romance. 7. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.), espacializando-se em muitas outras dimensões da vida cotidiana, constituindo muitas geografias que nos fundem ao nosso ser, como os territórios oficiais dos estados nações, das regiões, das cidades e bairros. Essa perspectiva espacial chega à escala do corpo e, com ele, faz-se uma forma de olhar para o viver no espaço que não foge a esse padrão universal.

Pensemos nas concepções que aportam nossas formas de olhar para as crianças pequenas, sobretudo para os bebês, no quanto concebemos suas existências espaciais como recortes que envolvem suas experiências sensório-motoras no espaço como uma das grandes marcas de seu desenvolvimento. Se essa experiência é fundamental, ela não pode ser compreendida de forma isolada, pois o que fica implícito nessa redução corpo-espaço-movimento-desenvolvimento é a própria redução espacial fruto dos processos coloniais, que eliminaram as outras cosmologias e, no caso dos bebês e crianças, o tecido semiótico e relacional que compõe a interespacialidade. Romper com essa perspectiva é o que fundamenta nossas premissas na formação docente para a infância, investindo em uma justiça espacial e em uma justiça existencial (LOPES, 2020aLOPES, J. J. M. Um dinossauro faminto, um adulto e uma criança: O espaço e as geografias do viver. In: MORO, C.; BALDEZ, E. (Orgs.). EnLacES no debate sobre Infância e Educação Infantil. Curitiba: NEPIE/UFPR, 2020a.; 2021LOPES, J. J. M. Terreno Baldio — Um livro para balbuciar e criançar os espaços para desacostumar geografias, por uma teoria sobre a espacialização da vida de bebês e crianças. São Carlos: Pedro e João Editores, 2021.) que reconheça a vivência social do humano.

Vigotski (2006)VIGOTSKI, L. S. Obras escogidas – Tomo IV. Madri: Macchado Libros, 2006., assim como outros autores (FICHTNER, 2010FICHTNER, B. Instrumento-signo-mímesis: O potencial de “representações simbólicas” na perspectiva da abordagem histórico-cultural. In: SILVA, L. S. P.; LOPES, J. J. M. (Orgs.). Diálogos sobre crianças e infâncias. Niterói: EDUFF, 2010.; TOMASELLO, 2003TOMASELLO, M. Origens culturais da aquisição do conhecimento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.), aponta para a condição social dos bebês humanos que, desde o nascimento, estão imersos em um mundo de signos, onde não apenas os objetos são artefatos culturais, mas também os gestos, as palavras, ou seja, todo um universo de linguagem se presentifica naquilo que chamamos de período pós-natal.

E, nesse universo, está presente também a vivência espacial desses bebês. Sua aparente imobilidade, fruto de uma precariedade biológica da espécie, rompe-se na relação que estabelecem com aqueles que estão em seu entorno. É no colo daqueles envolvidos nas relações de cuidado e educação — unidade indissociável no viver — que o movimento se faz: os bebês têm seu movimento ampliado e possibilitado pelo próprio movimento do outro. Assim, não vivem num espaço restrito à sua corporeidade, já que a relação intercorpórea permite esse alargamento.

Além disso, como já abordado em textos anteriores (LOPES, 2020bLOPES, J. J. M. As palavras são nossas primeiras formas de existir geograficamente no mundo: enunciações sobre amorosidade. In: DUARTE, A.; CONCENCIO, M. (Orgs.). Palavras Bakhtinianas para mudar o mundo. São Carlos: Pedro e João Editores, 2020b.), a palavra alheia constitui a vivência espacial: o ser humano é capaz de vivenciar os lugares sem ter um contato físico direto com eles. As palavras ditas dos lugares constituem nosso topos das muitas paisagens, dos muitos territórios e locais desse imenso planeta, de suas muitas escalas. Por isso, falar em uma topogênese (LOPES, 2020aLOPES, J. J. M. Um dinossauro faminto, um adulto e uma criança: O espaço e as geografias do viver. In: MORO, C.; BALDEZ, E. (Orgs.). EnLacES no debate sobre Infância e Educação Infantil. Curitiba: NEPIE/UFPR, 2020a.; 2021LOPES, J. J. M. Terreno Baldio — Um livro para balbuciar e criançar os espaços para desacostumar geografias, por uma teoria sobre a espacialização da vida de bebês e crianças. São Carlos: Pedro e João Editores, 2021.) significa olhar para essa virada espacial e reconhecer que a condição social, que abriga e faz do humano ser humano, não pode negligenciar o espaço, tampouco considerá-lo apenas em seu recorte de superfície.

Se essa é uma condição a ser levada em conta, há muitas outras que poderiam ser trazidas, mas o limite da escrita nos impede de abordar todas. Assim, elegemos mais um ponto que, a nosso ver, soma-se ao já expresso e que, também, é fundamental envolver na reflexão da formação docente: ao olharmos para a interespacialidade, o enraizamento do humano no espaço e do espaço no humano tem também uma dimensão de signo. Falemos disso.

Santos (1996)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/3...
3 3 Em 1996, Milton Santos escreveu um texto para a conferência de abertura do XVI Encontro Estadual de Professores de Geografia. defende que podemos pensar no ser humano a partir de três dimensões: corporeidade, individualidade e socialidade. A dimensão da corporeidade é a materialização do sujeito, sua realidade e sua forma, como se vê e como é visto. Para além dessa presentificação no mundo, o corpo contém, em potência, o futuro do sujeito, porque diz das “[...] virtualidades de educação, de riqueza, da [...] capacidade de mobilidade, da [...] localidade, [...] da lugaridade [...]” (SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/3...
, p. 10).

Embora a corporeidade, para Santos (1996)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, seja atravessada por muitas virtualidades, ela deve ser considerada uma dimensão objetiva. Esse não é o caso da individualidade que, para o autor, é uma dimensão subjetiva, mas que está diretamente ligada às “[...] relações entre indivíduos; relações que são uma parte das condições de produção da socialidade, isto é, do fenômeno de estar junto. Esse fenômeno de estar junto inclui o espaço e é incluído pelo espaço (SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/3...
, p. 10).

Essas três dimensões estão relacionadas e atravessam a vivência nos espaços. Santos (1996)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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diz como possuir um corpo negro é suficiente para influenciar a maneira como se é visto pelos outros e como isso influi na maneira de viver a corporeidade em relação à individualidade e à sociabilidade: cada um terá uma vivência diferente no mundo a partir de seu corpo e de sua individualidade, já que é a partir de nossa totalidade que habitamos e transitamos pelos espaços. Isso, consequentemente, perpassa e constitui as consciências. No entanto, ainda que influencie, não tem o poder de determinar as vidas de todos os sujeitos, porque “[...] há individualidade fortes, permitindo uma tomada de consciência mais ampla. É, desse modo, que há uma produção, dentro do homem, do princípio de liberdade” (SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, p. 10).

Para Santos (1996)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, as dimensões da corporeidade, da individualidade e da socialidade são necessárias para se pensar o cotidiano a partir da centralidade do espaço: “[...] o fato de estar juntos dentro de uma área contínua tem reflexos na maneira como a espacialidade se dá, como a individualidade evolui e como a corporeidade é sentida” (SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, p. 10). O espaço das instituições de Educação Infantil é também perpassado por essas dimensões. Como, então, não levar em consideração a dimensão da espacialidade para pensar as relações entre os bebês, as crianças pequenas e seus professores e professoras?

O cotidiano é uma dimensão do espaço, mas o espaço também é uma dimensão do cotidiano: “a dimensão espacial é a dimensão talvez central do cotidiano do mundo de hoje” (SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, p. 11). O autor reflete sobre os espaços das cidades, mas nos apropriamos de suas ideias para refletir sobre os espaços da Educação Infantil. Assim, ao tentar pensar “[...] geograficamente a questão do cotidiano” (SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, p. 13), entendemos que é no espaço contínuo da Educação Infantil que as negociações, as trocas, as relações e as vivências entre os sujeitos — adultos, bebês e crianças — se dão. Mas nessa relação com e no espaço — aqui, especificamente, o educacional — existem dimensões axiológicas e hierárquicas que instauram a diferença. Algumas positivas, porque cada sujeito, de fato, ocupa um lugar único no mundo. Outras perversas, frutos de preconceitos e exclusões. Assim, a vida que coletivamente se espacializa nas instituições de Educação Infantil, em que é preciso compartilhar o mesmo espaço e conviver junto, carrega as marcas da diferença.

Para Santos (1996)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, o cotidiano — e, como dito, estamos nos apropriando de seus argumentos para pensar as instituições de Educação Infantil, em cujo espaço o cotidiano compartilhado entre crianças e adultos se materializa nas relações de cuidar e educar — será sempre duplo: possui uma materialidade e uma imaterialidade, é fruto de um passado, mas se molda em direção ao futuro, é o lugar das regras, porém, também, da espontaneidade. Todos esses pares de dimensões dizem respeito ao espaço, como é constituído e como nos constitui como seres em convivência, seres que estão juntos num mesmo lugar. Ainda como dimensões opostas que partilham a constituição do cotidiano, Santos (1996, p. 11)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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nos diz do pragmatismo e da repetição que se opõem à “[...] originalidade, a inventividade [...]”: o cotidiano — que precisa do espaço para existir — também é o lugar da criação do novo, de novas formas de educar e de cuidar.

Acreditamos e defendemos que novas formas de pensar e de fazer Educação Infantil são possíveis. Novas maneiras de se relacionar, mais inclusivas, mais humanas, que permitam que as crianças e os bebês, a partir de seus lugares, de seus corpos, de seu ser inteiro, possam expressar suas lógicas e autorias e possam ser contempladas nas construções dos espaços, na construção de suas próprias existências, na construção do mundo. E é só entendendo como o espaço nos constitui profundamente é que vamos ser capazes, enquanto educadores e educadoras de bebês e de crianças, de forjar, juntos, novas relações de cuidado e de educação, porque é no espaço que o cotidiano e a vida acontecem.

Bebês e Crianças Espacializadas: as Infâncias são Geografias

Não esqueçamos esta verdade cristalina: o valor do homem depende do lugar onde está. Nossa dificuldade em relação às outras ciências sociais é exatamente esta, porque o lugar é praticamente desconhecido de disciplinas sociais, como a economia, a sociologia e outras. É que a noção de espaço praticamente escapa a estas disciplinas. O lugar deve ser considerado como um conjunto de objetos e, ao mesmo tempo, o receptáculo de um feixe de determinações, não apenas de algumas [...], mas de todas as determinações.

(SANTOS, 1996SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, p. 7)

A categoria central que escolhemos para refletir sobre a formação docente na Educação Infantil foi o espaço. Nossa intenção foi contribuir para as discussões sobre a formação docente a partir da espacialidade das instituições de Educação Infantil. Adultos, bebês e crianças, ao compartilharem o cotidiano educacional, muitas vezes são incapazes de perceber como este é engendrado num espaço comum e coletivo. Dessa forma, nosso desejo, assim como Santos (1996, p. 7)SANTOS, M. A. Por uma geografia cidadã: Por uma Epistemologia da existência. Boletim Gaúcho de Geografia, Porto Alegre, n. 21, p. 7-14, ago. 1996. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/bgg/article/view/38613. Acesso em: 3 ago. 2021.
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, é “[...] geografizar esta noção de cotidiano [...]”, buscar nela a importância do espaço para as vivências, para as relações, para as vidas que se espacializam nas instituições de Educação Infantil.

Essa, acreditamos, é uma das contribuições possíveis da Geografia — e especialmente da Geografia da Infância — para a Educação Infantil: trazer o espaço como uma categoria que precisa ser levada em conta nas relações humanas e isso inclui, claro, as relações educacionais.

Nas instituições de Educação Infantil, bebês, crianças e adultos, vindos de diferentes lugares, compartilham o cotidiano e, consequentemente, o espaço. Como uma categoria central da constituição do ser humano, o espaço precisa ser problematizado pelos educadores e educadoras. São geografias que se encontram, marcadas por suas diferenças, que devem promover o viver e o existir e não conter a vida, em experiências espaciais que reduzem, mas que alargam. Lembremos, os curtos deslocamentos dos bebês e das crianças são aparentemente breves instantes nos espaços, pois nesses minúsculos está toda a potência formadora das muitas geografias do mundo que ali se convergem. Todas as infâncias são geografias.

Notas

  • 1
    Em tradução livre: “relações, relacionamentos e reciprocidade”.
  • 2
    No original, “places for children” e “children’s places”.
  • 3
    Em 1996, Milton Santos escreveu um texto para a conferência de abertura do XVI Encontro Estadual de Professores de Geografia.

Agradecimentos

Não se aplica.

  • Número temático organizado por: Rodrigo Saballa de Carvalho, Bianca Salazar Guizzo e Arianna Lazzari
  • Financiamento

    Não se aplica.
  • Disponibilidade de Dados de Pesquisa

    Não se aplica.

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Editores Asociados:

Alessandra Arce Hai e Juan Manuel Sánchez

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2021
  • Aceito
    25 Mar 2022
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