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A notícia e o diagrama: entrevista inédita com Amilcar de Castro

A notícia e o diagrama: entrevista inédita com Amilcar de Castro1 [1 ] Em respeito às peculiaridades da fala do artista e ao caráter histórico do registro, optou-se por preservar ao máximo as marcas de oralidade e as imprecisões presentes na transcrição original. Novos Estudos agradece ao presidente da ABI, Maurício Azêdo, pela colaboração e pelas informações prestadas. (N. E.)

RESUMO

Amilcar de Castro é figura-chave do processo que mudou de maneira radical a feição e o conteúdo editorial do Jornal do Brasil no fim dos anos 1950. Na entrevista a seguir, realizada em 1977 e nunca antes publicada, o artista discorre sobre as soluções adotadas para adequar a forma do JB ao novo conteúdo.

Palavras-chave: Amílcar de Castro; Jornal do Brasil; artes gráficas;design.

SUMMARY

Amilcar de Castro played a central role in the process that radically transformed the visual and editorial content of Jornal do Brasil in the late 50's. In the following interview, carried out in 1977 and never published before, the artist discusses the solutions adopted to adjust the form of the paper to the new content.

Keywords: Amílcar de Castro; Jornal do Brasil; visual arts; design.

A produção de Amilcar de Castro [1920-2002] não deve ser restringida apenas ao campo das artes visuais. Como outros artistas de sua geração, ele enveredou pelo universo do design gráfico. Sua atividade como designer foi longeva e mais expressiva que a de seus pares. Amilcar passou pela revista Manchete, Correio da Manhã, O Globo, Última Hora, A Província do Pará, O Estado de S. Paulo e pela Folha de S.Paulo. Mas foi com a reforma gráfica e editorial do Jornal do Brasil, realizada entre os anos de 1956 e 1961, que deixou sua principal marca.

Ao lado de Odylo Costa Filho, Reynaldo Jardim, Janio de Freitas e Ferreira Gullar, Amilcar é figura-chave do processo que mudou de maneira radical a feição e o conteúdo editorial do JB. A reforma transformou um jornal de classificados — de conteúdo editorial pífio e diagramação caótica — numa publicação audaciosa. Com o Suplemento Dominical, firmou-se como um campo de debates entre as correntes concretistas carioca e paulistana, desdobrando-se por fim na plataforma de lançamento do "Manifesto Neoconcreto". Ao fim de cinco anos, pouco sobrou do antigo JB.

A entrevista a seguir, realizada em 1977 pelo jornalista Eustáquio Augusto dos Santos, fornece uma entre as muitas (e por vezes conflitantes) versões da reforma. Idealizada como parte de um dossiê produzido pelo Centro de Pesquisa e Memória do Jornalismo Brasileiro da Associação Brasileira de Imprensa, a entrevista permanecia nos arquivos da associação e vem agora a público pela primeira vez.

No centro da conversa estão as soluções gráficas que nortearam a reforma. São soluções pragmáticas, um esforço para adequar a forma do JB ao novo conteúdo. Num jornal que pretende firmar-se como um veículo de notícias, a preocupação com a legibilidade e a clareza de informações é prioridade. Para isso, a reforma lança mão de uma série de recursos que a alinham aos cânones do design moderno.

O desenho prévio da página, descrito por Amilcar na entrevista, aponta nessa direção. A racionalização do espaço — dada a partir da criação de um diagrama — permite ao redator saber exatamente a quantidade de linhas que deve escrever para ocupar um determinado espaço. E a flexibilidade no uso desse sistema é uma das marcas da reforma gráfica. Mantida a estrutura, inúmeras páginas, de desenhos diversos, podem ser criadas.

A reforma também se empenha em simplificar formalmente as informações visuais do jornal. Os fios verticais, elementos fundamentais para a divisão de colunas no antigo JB, são dispensados. No novo diagrama, com um espaço maior entre as colunas, a divisão é dada pelo espaço branco, livre de impressão. O recurso é ainda fundamental para outra questão-chave da reforma: a redução na densidade da mancha gráfica. "Tudo que não era essencial à leitura, tirava pra clarear um pouco o jornal, pra dar mais força à matéria escrita", diz Amilcar.

O uso de uma única família tipográfica não apenas confirma a intenção de simplificar os elementos formais do jornal, mas também evidencia a preocupação em hierarquizar as informações impressas. Aos títulos, subtítulos, olhos, legendas e texto corrido é atribuído um peso específico de uma fonte da mesma família, a Bodoni. A sistematização garante a uniformidade visual — é gritante aqui o contraste em relação ao uso indiscriminado de diferentes tipos do JB pré-reforma.

A aposta nas informações visuais é, nesse momento, radicalizada. As fotos passam a ser utilizadas de maneira ostensiva e ganham importância estrutural para a construção da página. Servem também como elementos compositivos na criação de leiautes assimétricos, outra marca registrada da reforma.

Enquanto internamente as páginas sofrem mudanças severas, a capa mantém o emaranhado de anúncios classificados. A resistência às mudanças é grande — os classificados garantem boa parte da receita do jornal. Lentamente, porém, a reforma chega à primeira página. Após um embate longo, que de certa maneira ilustra a vagarosa cisão entre o velho JB e suas correntes reformistas, o conteúdo editorial ganha o espaço que era dos classificados. Ao fim da reforma, os anúncios passam a ser organizados numa coluna em "l", que se alinha à margem e repousa na porção inferior do diagrama. O desenho da coluna se transformou num elemento compositivo determinante para a identidade visual do jornal.

Se a reforma visual do JB foi uma das referências projetuais mais importantes daqueles anos para boa parte de uma geração de designers inspirados na sistematização e portadores de um discurso que poderíamos chamar de científico, não deixa de espantar a distância que Amilcar mantém tanto desse tipo de discurso quanto do método que naqueles anos era refinado em locais como a Escola de Ulm. A implantação das mudanças parece ter sido guiada por contingências óbvias e improvisada ao sabor das oportunidades políticas. Nada mistificado ou elevado. A defesa do ideal de um design sistemático ou do profissional do design em contraposição ao artista gráfico simplesmente não ocorrem. Na relação entre projeto e discurso, esta entrevista mostra, com todas as letras, que Amilcar "atirou no que viu e acertou no que não viu". (Daniel Trench e André Stolarski)2 [2 ] Daniel Trench é professor no curso de design visual da ESPM e mestrando na ECA-USP, com dissertação sobre a reforma gráfica do Jornal do Brasil. André Stolarski é designer gráfico, sócio-diretor da produtora de design Tecnopop, professor da ESDI/UERJ e da ESPM/RJ e diretor da Associação dos Designers Gráficos do Brasil (ADG Brasil).

Em que circunstância foi pra o JB e com que atribuições? Em que data foi chamado e quando iniciou efetivamente o trabalho?

Amilcar de Castro — Eu trabalhava na Manchete. A convite do Otto [Lara Resende] eu fui paginar a Manchete porque o paginador, que era alemão, voltou pra Alemanha. E ele me chamou então para substituir esse alemão e a Manchete tinha também já um paginador antigo, então fiquei lá com ele, trabalhei com ele. Depois, saí da Manchete e o Odylo me levou pro Jornal do Brasil. Agora, ele me chamou com atribuições de reformar o Jornal do Brasil. Não era bem reforma, porque o jornal só tinha anúncio, não tinha nada. Mas a atribuição foi dada desde o início. Então o cuidado dele inicial era de fazer o jornal conservando as características do jornal antigo. Quer dizer, características de falar de seriedade; essa observação tem importância porque o Diário Carioca era um jornal muito brincalhão, não levava nada a sério. Então o Jornal do Brasil tinha que ser moderno, novo, agressivo, mas severo, equilibrado, ponderado, inclusive na paginação. Então, essa foi a atribuição inicial.

Como era o antigo JB?

Era muito maior, a largura da coluna era muito maior.

Eram quantas páginas o JB?

Variava, porque a quantidade de anúncios determinava as páginas. O jornal não tinha matéria nenhuma, não. O jornal tinha a primeira página com manchetinhas; assim umas quinze manchetinhas no meio da página; você abria a primeira e dava na terceira, que era uma página de editoria chefiada pelo Aníbal Freire, que era ministro do Supremo Tribunal, aposentado, e que chefiava aquela página. Isso era todo o Jornal do Brasil vestido de jornal, o resto era anúncio. Hoje tinha seis, amanhã tinha oito, depois tinha doze, variava com a quantidade de anúncio. Então nós fomos ver o Jornal do Brasil antigo; como é que era, como é que não era, era assim, tinha isso aqui, até que é bom, até que não é bom, essa coisa e verificamos uma charge do Raul Pederneiras na primeira página dos jornais antigos. O que trouxe a idéia de botar uma foto na primeira página do jornal moderno. E isso foi feito pouco tempo depois. Agora, nesse início, a dificuldade não era de organização gráfica. A dificuldade era com pessoal. O mais novo tinha trinta anos de casa. Então pra botar na rua, pra despedir, ou conversar pra se adaptar à reforma e tal, é um negócio muito mais difícil que o Odylo tava pensando. E ele ficou meio perdido nisso aí, porque não é brincadeira não. O Jornal era escrito à mão, não era à máquina. Você não podia cortar as linhas, porque é muito irregular demais uma coisa escrita à mão. Então já havia essa dificuldade, era terrível.

Mas já havia paginador ou era direto?

Era direto. Tanto que era muito engraçado. O Odylo era o redator-chefe. Mas o secretário, que era lá um velho trabalhador do Jornal do Brasil, ia pegando as matérias, botando um título e botando na gaveta. Lá pra uma hora e tanto tirava aquele monte da gaveta e mandava pra oficina. Aí a oficina entalava porque ia tudo de uma vez. Ninguém sabia quanto foi, se não foi, sobrava matéria no dia seguinte. Porque não havia cálculo nenhum. E a dificuldade era mesmo com pessoal. E o Odylo foi então vagarosamente, conversar; o sujeito não concordava com aquilo, uma foto não podia ser de uma coluna, a matéria de três. Não pode, se a matéria é de três a foto tem que ser de três. Coisas assim. Então, esse pessoal foi sendo substituído e o Odylo teve grande trabalho com isso. Mas logo depois da chegada dele, o jornal tinha uma foto em cima e também outra foto embaixo, as manchetinhas no meio.

E a foto, foi você já que implantou?

Foi Odylo, eu, tal, dizendo que podia ser foto no lugar da charge, no meio de anúncios. Bom, então ele começou a chamar gente nova. Do próprio Diário Carioca ele chamou uma porção de gente; Ramos Tinhorão — José Ramos, Tinhorão é apelido — e outro sujeito chamou o Castelo Branco, Castelo não pôde ir, depois Wilson Figueiredo, e foi chamando gente, começou a escrever à máquina, fazer o jornal calculado, começaram a sair umas notícias no jornal mesmo, paginado, mal paginado, a oficina reclamava, às vezes, que não podia ser assim, tinha que ser de outro jeito; aquele negócio, briga de oficina com redação, essa luta foi grande. Demorou muito. Agora, enquanto isso eu estou pelejando que não podia ser assim, porque fazia a página assim, assim e foi o jornal sendo mudado vagarosamente. Muito devagar.

Você era amigo do Odylo?

Antes não. Conheci o Odylo na Manchete levando uma matéria sobre comida, receita de comida, macaco, tanajura, essas coisas do Nordeste, muito engraçada, e o Otto publicou na Manchete. E talvez por influência do Otto e etc., o Odylo me chamou pro Jornal do Brasil. E eu fiquei até muito amigo dele. E sou até hoje muito amigo e gosto muito dele. E ele criou — é um sujeito bom demais, inteligente, escreve bem — realmente um clima de reforma.

O Conde ainda era vivo?

Eu nem sei; o Brito, o genro da Condessa, é que chamou o Odylo. Começou a querer fazer do jornal um jornal mesmo. E acho que o Conde não era vivo não.

E era só você que tinha de paginador?

No início era só eu. Depois o Odylo chamou um outro lá, que acompanhava na oficina a diagramação feita na redação. Mas não tinha um método. Era mais ou menos calculada a matéria na página.

E não tinha divisão em editorias?

Não, não tinha muito não. Tava muito confuso, tava muito no início. Mas ele criou realmente um clima de reforma. Deu liberdade de pensar, de fazer, de propor. E o negócio foi pegando.

O JB já era ali na avenida Rio Branco?

Na Rio Branco. E aí, nesse momento e tal, não sei por que e tal, saí do Jornal do Brasil.

Você saiu quando?

Devo ter saído em 58, depois voltei em 59. Mas nesse período o Odylo saiu também do Jornal do Brasil. Ele — vamos dizer assim — fundou as possibilidades de reforma, botando gente nova e tal, Ferreira Gullar, Carlinhos Oliveira, Armando Nogueira, Janio de Freitas, Wilson Figueiredo, Lemos, e saiu do jornal. Depois que o jornal já estava tendo notícias, já ia indo firme. Depois em 59, voltei. Aí continuei a fazer os estudos de paginação. Já tinha começado, já tinha uma pilha de coisas desenhadas, riscadas e tal. E continuei essa reforma. Quando o Odylo sai, o Wilson Figueiredo vai pra chefia de redação. O Wilson Figueiredo chamou o Janio de Freitas pra secretário. Aí então — vamos dizer assim — a reforma real foi feita. Foi feita de uma vez, de um dia pro outro. Não foi devagar, não. Eu acho que isso foi 59.

Qual a tipologia usada?

Ainda hoje existe um Bodoni 24, e tinha corpo de caixa também, feito à mão, montado à mão. Esse 24 é linotipo. Agora, corpo maior que esse não tinha, tinha que ser feito manual. Montado manualmente. Eram umas coisas horríveis, cada um montado de um jeito; era uma salada. E também o seguinte: o Odylo comprou tipologia nova pro jornal; nós escolhemos e ele mandou buscar. O que sai hoje de tipo, tipografia, foi comprado nessa época do Odylo. Ele comprou na América do Norte.

E havia colunas?

Coluna que você está falando são seções? Havia sim. Mas havia toda enfeitada, com fio, todo aquele negócio de jornal daquele tempo.

Agora, o jornal era com fios, todo cercado?

Todo com fio, compacto. Tipologia usada é difícil de dizer. Porque tinha todos os tipos; tipologia de título. E era manual quando era de 24.

Qual a proposição para a reforma? Se possível, dar o número de páginas, o uso de claros e negros.

A impressão do Jornal do Brasil era péssima. Então, uma das providências que eu tomei foi tirar tudo que é negativo e fio. Tudo que não era essencial à leitura, tirava pra clarear um pouco o jornal, pra dar mais força à matéria escrita. Então, na reforma propunha tirar todos os fios, negativos, etc. Bom, a divisão por página, a coisa não foi feita de uma vez. Porque isso foi feito de acordo com a necessidade do que ia acontecendo. Por exemplo, uma coluna de assuntos políticos, então aí vamos botar numa página tal, assim, assim; uma coluna sobre esporte, então foi de acordo...

Mas você não sabe assim... A primeira página, anúncios...

Anúncios, dez manchetinhas...

Mas eu quero saber: qual a proposição da reforma?

A proposição da reforma era de que aquelas manchetinhas não podiam sair, aquela montoeira de manchetinha. Então, ia lá uma manchete maior.

Num corpo maior que o 24?

Não, é. Já ia um corpo lá, 48, 72. Mas tudo manual.

Então, a primeira página ficava: anúncios, foto, as manchetinhas e pronto.

Pronto. Depois passou: duas fotos, uma no alto, outra no rodapé, manchetinhas e pronto. Depois entrou uma manchete maior, uma matéria-manchete, uma foto e outra foto embaixo. E o anúncio. Essa coisa foi devagarzinho.

Isso na primeira página. E na segunda página?

Parece que anúncio só, no cantinho uma coluna não sei de quem. Agora a terceira, editorial.

Eram editoriais mais ou menos como o Estadão?

Mais ou menos isso aí.

O expediente entrava em qual página?

Acho que era a segunda.

E a página 4?

Ia assim: aqui é política, aqui não sei que, a última era esporte. Realmente não me lembro bem, não.

Então você queria clarear o jornal?

Queria clarear o jornal pela péssima impressão. Houve essa necessidade de tirar todo o fio, todo negativo. Mas isto foi feito antes da reforma mesmo. Antes de reformar totalmente o jornal, essas coisas foram feitas.

E ilustrações, além de fotos?

Não. Não tinha mais nada.

Você não propôs nada?

Não. Além de fotos, eu não propus pelo seguinte: se ele queria o jornal sério, severo, etc., ficava difícil entrar qualquer ilustração fora de charge. Então, a página do Aníbal Freire, que seria a página uma charge; o Aníbal Freire tinha um ciúme medonho da página, não ia deixar ninguém pôr desenhinho lá, não. E eu propus naquele tempo — o Borjalo era um grande chargista — que o Borjalo fizesse o desenho. Mas ficou em suspenso.

Qual a sua visão, na época, entre forma gráfica e conteúdo de jornal?

Bom, forma gráfica e conteúdo de jornal, aqui o que eu posso compreender é o seguinte: foi a recomendação do Odylo de fazer uma coisa severa, sem nenhuma brincadeira com a página no sentido gráfico. E foi isso no jornal inteiro; não foi só na página editorial, aqui ou ali, ou na política, todo ele foi feito nesse sentido.

Então, começou-se a dar manchetes de oito colunas? Não havia um critério como há hoje do JB ser igualzinho diariamente? Um dia tinha manchete outro dia não?

Hoje, igualzinho. Hoje, é porque a coisa que foi feita está sendo mais ou menos repetida. Que não há propriamente criação no Jornal do Brasil. Não há invenção, não há imaginação no Jornal do Brasil hoje. Já está tudo aí; é como fazer uma parede, os tijolos já estão prontos. Naquele tempo não. O jornal mesmo não sabia bem pra onde ia. Era imaginar todo dia. Apesar de haver um ponto de referência anterior que era o desenho de antes. Então, essa primeira página parou aí quando o Odylo saiu. E depois, então, eu fiz o desenho todo do jornal, desenhei milhares de primeira página, páginas internas, tamanho do título, a tipografia a ser usada, uma coluna, duas, três, quatro, cinco, seis, quantas linhas em cada coluna; duas colunas, três linhas. Três colunas já pode ser duas linhas. Cinco colunas já pode ser uma linha só, porque o espaço dá pra escrever. Isso tudo foi feito na segunda e o jornal propriamente saiu do desenho pro texto; ele não foi do texto pro desenho. Primeiro foi desenhado o jornal, depois preenchido com texto.

E você começou a jogar fotos nas páginas internas?

Fotos nas páginas internas. Futebol, foto pra burro. Aí a seção de esportes melhorou demais da conta, não só a fotografia, quanto à redação da coisa, ficou muito bom. Armando Nogueira trabalhando no esporte, um negócio bom demais.

A partir da reforma, você tirou vinheta, então, realmente, você só fazia o desenho e determinava o tamanho?

E pronto. Não havia enfeite de espécie nenhuma, nem fio, nem coisa nenhuma. Essa é que era a reforma.

Quem trabalhou nessa reforma?

Nessa reforma você conta: Odylo, eu, Wilson Figueiredo.

Que importância teve o time de diagramadores nesse tempo?

Quando a reforma partiu do desenho para o texto, a diagramação ficou tendo muita importância, quando o jornal saiu na rua. Porque antes, quem fazia o cálculo no jornal e tal era o servente; o sujeito varria a sala, sentava lá e fazia. E depois da reforma, a diagramação teve uma importância fundamental.

Quem trabalhou nessa reforma? Qual era o pessoal da diagramação principalmente os que começaram na paginação?

Aqui na paginação não tinha na redação. Tinha o Waldir Pereira que era paginador e fazia o trabalho lá em cima na redação. Mas os trabalhos eram feitos por mim anteriormente. E sobrava a primeira página que eu fazia. Então, ficou o Waldir, eu e tinha um secretário de oficina, que ia acompanhar esse desenho na oficina; não sei o nome dele. E muitas vezes, no princípio eu ia todo dia pra oficina inclusive pra ensinar — não é ensinar propriamente — mas pedir pro sujeito lá embaixo, na oficina, dar aquele claro em 24 pontos; ele achava que era um absurdo, não podia, separar uma matéria da outra, não botar fio. Isso aí foi uma batalha imensa na oficina também; a gente saía de lá, quatro, cinco horas da manhã. Da redação ninguém participou disso, não.

Você se lembra de nomes da turma da redação?

Odylo, Wilson Figueiredo, Carlos Lemos, Janio de Freitas, Carlinhos de Oliveira, Ferreira Gullar, Armando Nogueira. E depois vieram muitos outros como Nelson Pereira dos Santos — o cineasta. Então, foi muita gente boa de uma vez pro jornal.

Qual era a posição do paginador na imprensa carioca?

O paginador na imprensa carioca, era o servente que fazia paginação.

Em todos os jornais?

Em quase todos. Com exceção do Diário Carioca, que o Pompeu de Souza tinha grande prazer, grande alegria em fazer jornal. E ele mesmo dava umas formas ao jornal que eram até bonitas. O Diário Carioca era bem feito paca. E tinha o Última Hora, que tinha um paginador que veio da Argentina, não sei que e tal, fazia negócios de estardalhaços assim, uma foto no alto da página, uma seta azul pra página abaixo, foi assim um sucesso. Era paginador também. Agora, o resto, o Correio da Manhã, Diário de Notícias, Tribuna, não tinha nada.

E ganhava bem?

Ganhava mal. Servente era paginador, você está imaginando que não... O meu salário até que era muito bom. O Odylo me chamou lá pra ganhar, acho que naquele tempo, 15 contos.

E depois da reforma do JB, o paginador ficou mais...

Muito mais valorizado. Porque aí, a reforma do JB provocou reformas. Então, começaram a chamar gente daqui, dali. E o jornal começou a crescer pra burro, começou a vender, começou a ter um sucesso.

Quando foi reconhecida a reforma? Em 60 já estava implantada?

Já tava bom paca. Porque tinha também o suplemento literário do jornal que o Reynaldo fazia, depois eu fui também fazer com ele o suplemento, e esse suplemento começou a publicar esse negócio de poesia concreta, briga entre poetas, uma vez por semana; então teve também essa ajuda, porque ao mesmo tempo em que o jornal saiu reformado, o suplemento foi reformado.

Mas não havia suplemento na fase antiga?

Não. O suplemento veio em função da reforma.

E como é que você discutia a reforma e com quem?

Eu discutia a reforma com o próprio Odylo, com o Castelo Branco, Ferreira Gullar, Janio, Reynaldo. Mas não é assim na hora de fazer, não. Na hora de fazer eu não tinha discutido com ninguém. Fazia mesmo. Porque o negócio já veio desenhado. Eu desenhei umas trezentas primeiras páginas, pra ver as possibilidades de modificação. Desenhei todas as variações.

E o clima de trabalho?

Esse era muito bom. Aqui o clima de trabalho é muito bom. Do ponto de vista criativo.

Qual foi a reação do conjunto da redação diante da reforma?

Esse foi o melhor possível.

Então na reforma mesmo, 59-60, o chefe era o Wilson Figueiredo, que era redator-chefe, com o qual você discutia então?

Não porque ele não entrava muito nessa área não. Ficava com o Janio de Freitas, que era o secretário.

O jornal começou a vender mais?

Muito mais. O sujeito começou a esperar o jornal como uma novidade. Então isso deu ao jornal grande força. Então, não só o povo do jornal mesmo, da oficina inclusive, que começou a aderir o jornal novo e até o chefe da oficina mandou um pintor que era gráfico pintar uma página de dois metros na parede.

Logo depois você fez a reforma do Correio da Manhã, certo?

Mas aí tem uma coisa curiosa. Chamaram o Janio para o Correio da Manhã. E o Dines veio para o JB. Mas aí o Janio saiu meio brigado do jornal. Então ele foi pro Correio da Manhã pra fazer um "antijornal do Brasil". E aí é que o negócio não vai bem. Porque ele me pediu um negócio o contrário do Jornal do Brasil. Mas aí eu disse que fica muito difícil fazer um jornal antioutro. Não tem muito sentido. Vamos fazer este, apesar do outro. E depois do jornal desenhado, pronto e tal, não sei quem deu um palpite de botar dois fios em cada... Deixando um claro no meio. Ele aceitou a sugestão e fez, o que ficou fio demais. Bom, oito meses depois de ter feito a reforma do Correio da Manhã, o jornal acabou fechando, resultado de briga de família.

A reforma do Correio enriqueceu ou retificou a do Jornal do Brasil?

Não. O negócio seguinte: O Jornal do Brasil foi muito melhor, porque era livre a feitura do Jornal do Brasil, não tinha influência de ninguém.

Como é que surgiu o "L" de anúncio na primeira página do Jornal do Brasil?

Tava cheio de anúncio; então, eu ia tirar todos os anúncios pra fazer o jornal. Aí o Brito ficou com medo disso, porque o jornal perdia a característica dele de pequeno anúncio. Então, essa coluna de anúncio ia ficar e ele pediu pra botar o rodapé de anúncio. Eu coloquei uma coluna do lado e o rodapé de anúncio. E todo dia eu pedia pra oficina baixar um centímetro. Então foi baixando pouquinho, pouquinho, até que saísse todo. Quando a altura do rodapé ficou igual à largura da coluna eu mandei parar porque achei bonito e surgiu isso como característica.

Quais os jornais influenciados pela reforma do JB?

Isso tem desde... Não sei nem numerar. No Rio Grande do Sul tem, Belém, Manaus, na Bahia, no Rio mesmo tem vários, Minas tem o Estado de Minas. Agora, o Estado de Minas é engraçado: "Nós te chamamos aqui pra você fazer igualzinho ao Jornal do Brasil". Mas no Estado de Minas falta uma organização melhor pra fazer uma coisa severa. Inclusive esse negócio de claro. Isso também pra fazer não é assim tão simples. Porque requer um certo conhecimento de espaço de página de jornal, senão não faz. Fica um claro bobo, jogado fora.

Como vê graficamente a imprensa hoje?

Bom, hoje eu vejo o seguinte: apesar do Jornal do Brasil estar meio repetitivo, eu acho que ele, Jornal do Brasil, ainda tem caráter de organização gráfica, e o Jornal da Tarde, de São Paulo. O resto não tem grande importância.

Como é que você aprendeu a diagramar jornal?

Desenhar jornal e fazer desenho pra uma pintura, por exemplo, pode ser muito parecido, conforme a figura que você vai fazer. Então, quer dizer, o fato de saber desenhar, o fato de saber organizar o espaço num desenho, ou numa pintura ou num desenho pra escultura, essa experiência de organizar o espaço aqui no papel, é a mesma coisa que fazer jornal; não tem diferença, não. Em vez de você dar uma pincelada preta, você põe um título de cinco colunas. Eu comecei aqui a estudar arquitetura em 42, passei pra pintura, desenho, escultura, até que cheguei no jornal. Eu fazia escultura no Rio de Janeiro. Foi o Otto Lara Resende quem me levou pra Manchete, o meu primeiro emprego. Foi lá que eu aprendi a calcular, etc. Mas acontece que o espaço da revista é horizontal e você pagina de duas em duas páginas. E o espaço do jornal é vertical. Você pagina uma página com várias matérias, é completamente diferente; o raciocínio é diferente. A revista é uma matéria só, de duas em duas páginas. O espaço horizontal. No jornal tem o espaço vertical com várias matérias. É o contrário da revista.

Recebido para publicação em 12 de abril de 2007.

  • [1
    ] Em respeito às peculiaridades da fala do artista e ao caráter histórico do registro, optou-se por preservar ao máximo as marcas de oralidade e as imprecisões presentes na transcrição original.
    Novos Estudos agradece ao presidente da ABI, Maurício Azêdo, pela colaboração e pelas informações prestadas. (N. E.)
  • [2
    ] Daniel Trench é professor no curso de design visual da ESPM e mestrando na ECA-USP, com dissertação sobre a reforma gráfica do Jornal do Brasil. André Stolarski é designer gráfico, sócio-diretor da produtora de design Tecnopop, professor da ESDI/UERJ e da ESPM/RJ e diretor da Associação dos Designers Gráficos do Brasil (ADG Brasil).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Jul 2007
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