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Uma "nova questão social"?: raízes materiais e humano-sociais do pauperismo de ontem e de hoje

A "new social issue"?: material and human-social roots of yesterday and today´s pauperism

RESENHA

Elida Janaina Barbosa Rodrigues

Assistente social e mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Maceió/AL, Brasil. Membro do grupo de pesquisa "Lukács e Mészáros: fundamentos ontológicos da sociabilidade burguesa". E-mail: elidajanaina@bol.com.br

Edlene Pimentel São Paulo, Instituto Lukács, 2012, 167 p.

O fenômeno do pauperismo é um tema recorrente e ineliminável dos debates no interior do Serviço Social. Seus reflexos iniciais, explicitados na Europa ocidental a partir dos rebatimentos da primeira onda industrializante do final do século XVIII, deram origem à expressão questão social, cujo conteúdo abarca o depauperamento das condições materiais de existência do operariado no contexto da produção capitalista, bem como os reflexos desse fenômeno na esfera política.

Longe de assemelhar-se à pobreza oriunda da escassez existente até meados do século XVIII, a industrialização e sua consequente elevação das forças produtivas sociais do trabalho impingiram à classe proletária uma miséria socialmente produzida. Este quadro advertiu a ordem burguesa, demandando respostas. Dentre inúmeras outras profissões surgiu o Serviço Social, "com a tarefa de amenizar os conflitos existentes na classe operária pauperizada, com vistas à manutenção da ordem socioeconômica". Por esse motivo, "a gênese histórica do Serviço Social está embrionariamente vinculada à processualidade sócio-histórica na qual se põe a 'questão social', embora não se esgote nela". É nesse contexto de aprofundamento das bases materiais da questão social que se insere o livro de Edlene Pimentel - Uma "nova questão social"? Raízes materiais e humano-sociais do pauperismo de ontem e de hoje.

Esta obra versa sobre os fundamentos da questão social, resgatando a origem da relação capital-trabalho, que determina as condições materiais de existência da classe trabalhadora. De posse desses argumentos, a autora analisa a impossibilidade objetiva de perpetuação do modelo vigente durante os trinta anos dourados do Welfare State, bem como os reflexos da subsequente crise estrutural do capital sobre a reprodução da sociedade. Além disso, realiza uma análise crítica das obras de Robert Castel e Pierre Rosanvallon, fato que a impulsiona para além da mera caracterização histórica do tema, superando ainda a análise comumente vigente de enfrentamento da questão social via medidas interventivas propostas pelo Estado através das políticas públicas. Por fim, nega a existência de uma "nova questão social", conforme postulam Castel e Rosanvallon, situando-a na atualidade como expressões da crise estrutural manifesta a partir dos anos 1970.

Pimentel busca desvelar as bases materiais do pauperismo por intermédio dos apontamentos marxianos contidos na lei geral da acumulação capitalista. A autora argumenta que a lógica do sistema do capital consiste em acumular privadamente as riquezas socialmente produzidas, enquanto a outra fração da sociedade padece no mais puro pauperismo. Por este motivo, situa "o sistema de causalidades do pauperismo nos modos de expansão e acumulação do capital", destacando o caráter inevitavelmente antagônico do modo de produção capitalista.

Em seu segundo capítulo, Pimentel remete a análise da natureza e dos limites do sistema do capital à atualidade. Para tanto, apoia-se na produção de Mészáros, compartilhando da ideia de que o capital funciona como um círculo vicioso, do qual só se pode desvencilhar a partir da compreensão dos fundamentos do sistema em sua fase plenamente desenvolvida. Vislumbra, assim, o alcance dos limites absolutos do capital, manifestos em todos os aspectos da sociedade e abarcados sob o estigma de uma crise estrutural.

No terceiro capítulo a autora dá sequência à análise dos escritos de Mészáros, destacando as características, formas de articulação e desdobramentos da crise estrutural do capital na atualidade. Aborda aspectos como "o antagonismo estrutural entre o capital transnacional em expansão e os Estados nacionais; a destruição e devastação do meio ambiente; a liberação das mulheres e o desemprego crônico". Mostra que esses aspectos não podem ser tratados isoladamente, pois todos eles fazem parte das lutas não integráveis à lógica do capital. Isto significa dizer que todas as formas de manifestação da questão social em tempos de crise estrutural são agravadas, pois "o capital jamais resolveu ao menos a menor de suas contradições".

No quarto e último capítulo, após ter desenvolvido a base teórica para a leitura do fenômeno do pauperismo, Pimentel volta-se para as teorias que afirmam ser possível minorar as sequelas da questão social, reavendo "a coesão e o equilíbrio da estrutura social". Assim, surgiram assertivas que dão conta de uma "nova questão social", a partir do fenecimento do Welfare State. E a solução para tal problema seria, evidentemente, o retorno aos velhos padrões do Estado-providência. Dando especial atenção à teoria de Robert Castel e Pierre Rosanvallon, a autora chega à conclusão de que ambos almejavam "corrigir as distorções que levam às formas mais desumanas da organização dessa sociedade, mantendo sua estrutura intocada".

Para a autora, Castel e Rosanvallon defendem uma perspectiva conservadora porque se preocupam em evitar uma "insurreição dos trabalhadores e, assim, contribuir na manutenção e reprodução da ordem sociometabólica estabelecida". Analisam os fenômenos sociais de forma superficial, sem procurar identificar as raízes socioeconômicas do problema. Abrem espaço para a mística em torno das políticas públicas como solução para as sequelas da questão social. E, além disso, expressam erroneamente a ideia de uma "nova questão social" quando, "na verdade, essas mudanças são novas formas de expressão da denominada 'questão social', ocasionadas pela crise estrutural do capital dos anos 1970".

O livro de Pimentel coloca em bases claras o fato de que a emancipação do trabalho e a supressão das mazelas que o atingem desde a sua gênese histórica não serão possíveis sem haver, simultaneamente, a superação do capital e do Estado. Isto porque "o sustentáculo material do capital é o trabalho", bem como porque "reestruturar o Estado nos termos propostos não vai eliminar a precariedade do emprego, o desemprego em massa, a desfiliação, a exclusão social, como sugerem Castel e Rosanvallon". Eis o mérito desse belo estudo, tese de doutorado de Edlene Pimentel, que se faz fundamental para compreender as bases materiais da questão social e seus reflexos na atualidade.

Recebido em 21/10/2013

Aprovado em 2/12/2013

  • Uma "nova questão social"? Raízes materiais e humano-sociais do pauperismo de ontem e de hoje

    A "new social issue"? Material and human-social roots of yesterday and today´s pauperism
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Mar 2014
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