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Aplausos eternos à Myrian Veras Baptista

Eternal applause to Myrian Veras Baptista

Viver e não ter a vergonha de ser feliz, Cantar a beleza de ser um eterno aprendiz Eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, Mas isso não impede que eu repita: É bonita, é bonita e é bonita! Eu fico com a pureza das respostas das crianças: É a vida! É bonita e é bonita!1 1 Gonzaguinha. Música “O que é, o que é”.

A querida mestra Myrian Veras Baptista - assistente social, professora, intelectual, pesquisadora e militante - partiu serenamente no dia 19/9/2015, deixando-nos um vasto legado como ser humano e como profissional. Suas marcas históricas no âmbito da formação e do exercício da profissão espelharam uma trajetória comprometida com a intervenção da/o assistente social na busca pela justiça social.

Quem teve o privilégio de conhecê-la, sabe que não é possível registrar aqui, nesta homenagem, seu significado e importância para a área sociojurídica, sua contribuição histórica para a graduação/pós-graduação, para o trabalho cotidiano do Serviço Social, para a pesquisa acadêmica e para a produção e avanço do conhecimento e de lutas sociais em prol dos direitos humanos, especialmente para a promoção e proteção de direitos de crianças e adolescentes, dentre tantas outras contribuições. Devemos à Myrian Veras Baptista a fundação da revista Serviço Social & Sociedade, que, juntamente com outras professoras da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a conceberam e a estruturaram, em tempos tão difíceis da ditadura militar e civil, germinando uma produção crítica que refletisse a indissociável relação sociedade e Serviço Social.

A história profissional da professora Myrian compõe as histórias do Serviço Social brasileiro, latino-americano e português por toda dimensão de sua ação político-profissional efetivada para consolidação da profissão, pelo movimento de renovação na área e no desejado reconhecimento como área de conhecimento, pela insistência na unidade da relação teoria e prática, pela mediação Serviço Social e políticas sociais na implementação dos direitos sociais; fez história no Serviço Social no movimento pela busca do acesso e efetivação de direitos de crianças e de adolescentes e pela organicidade nas lutas sociais na defesa do projeto ético-político da profissão. Uma mulher intelectual que sempre acreditou, como diz a canção, "amanhã há de ser outro dia"...,2 2 Chico Buarque. Música “Apesar de você”. nunca perdeu a esperança e a utopia da história da classe trabalhadora, da gente brasileira; sempre foi à luta, apesar dos pesares; e uma mulher que mesmo tendo muito a ensinar foi uma "eterna aprendiz".

Em sua trajetória pessoal montou e levantou acampamento em tantas cidades deste país para acompanhar o esposo Milton Pizante Baptista, engenheiro de estradas, com quem teve três filhos: Renato, Celso e Plínio, e uma filha: Helena, um a cada ano, seguidamente, como ela contava!

Como estudante foi aluna das pioneiras do Serviço Social, e buscava trazer ao debate da história da profissão, dentre outros, o que considerava como ação política importante por parte delas na contribuição para a inserção e ampliação do Serviço Social no Brasil, numa perspectiva da "consciência possível" ao momento histórico em que viveram. Atuou e desenvolveu metodologias de trabalho com organização de comunidades, quando, nos anos 1960/1970, segmentos da sociedade acreditavam que essa metodologia, por si só, iria desenvolver o país. Especializou-se em planejamento e é inegavelmente referência de estudos nessa área.

Abriu-se aos avanços do Serviço Social na perspectiva crítica, primeiramente por meio de referencial de Lucien Goldmann3 3 Lucien Goldmann, filósofo e sociólogo francês, discípulo de Lukács. , e, posteriormente, buscou conhecimentos na própria fonte marxiana. Investiu durante todo seu percurso profissional na formação profissional, no fortalecimento da intervenção e da pesquisa sobre a prática profissional do/a assistente social no cotidiano, na perspectiva "de subsidiar e instrumentalizar a prática e/ou construir conhecimento científico".4 4 Baptista, M. V. O que particulariza a investigação na prática profissional do assistente social? In: ______. A investigação em Serviço Social. São Paulo: Veras; Lisboa [Portugal], CPIHTS, 2006. p. 30.

Sua relevante produção acadêmica e protagonismo nacional e internacional fizeram com que a categoria profissional a elegesse - juntamente com a professora Nobuco Kameyama - como as primeiras representantes da área de Serviço Social no Conselho de Desenvolvimento Científico e ­Tecnológico (CNPq), iniciando-se desse modo, desde a segunda metade dos anos 1980, uma nova fase promissora para a pesquisa e produção de conhecimento em Serviço Social brasileiro, constituindo-se e galgando respeito como área de conhecimento. Teve também forte participação junto à Abess (Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social), hoje, Abepss (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social), e no Cedepss (Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social), órgão acadêmico de articulação da pós-graduação em Serviço Social.

A professora Myrian sempre teve a ousadia para o novo em toda a sua trajetória profissional. Graduada em Serviço Social em 1954, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, retorna para esta universidade em 1974, a convite, para lecionar na graduação e na pós-graduação.5 5 No site www.promenino.org.br pode ser acessado o texto de Celso Veras Baptista, com a colaboração da professora Odária Battini, parceira de trabalho de Myrian por 48 anos, com base em seu depoimento a Alcina Martins (Instituto Miguel Torga, Coimbra, Portugal) em 1999, que traz com mais detalhes sua trajetória profissional.

Na PUC-SP, os principais sujeitos de direito de sua trajetória de intervenção profissional foram a criança e o adolescente. A retomada do processo democrático no Brasil, com a Constituição Federal de 1988 e sua correspondente regulamentação para esse segmento pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a levou, em 1992, à criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Crianças e Adolescentes (NCA) no Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social dessa universidade. Esse Núcleo tornou-se uma referência nacional e, seguramente, um de seus maiores legados de espaço coletivo de luta política, ambiente de reflexão e ação e porta de entrada para pesquisas e participação de muitos profissionais que vieram do trabalho cotidiano e das lutas sociais - brasileiros, latino-americanos e portugueses. Foram muitos e diversos os estudos, intervenções e pesquisas voltadas para esse segmento e fortalecimento da sociedade civil, nos idos de 1992 (com a criação do NCA) até os dias de hoje.

Incansável nos seus projetos, em 1998 criou a Veras Editora, atualmente denominada Centro de Estudos e Editora Myrian Veras Baptista. Em 2005, criou a Associação de Pesquisadores e Núcleos de Pesquisa da Criança e do Adolescente (Neca), juntamente com pesquisadores dessa área e suas colegas da PUC e de outras universidades e instituições.

Na PUC-SP lecionou na graduação e na pós-graduação de 1974 a 2014 e, ao longo desse período, na pós-graduação orientou 116 dissertações de mestrado (a primeira foi de Aldaíza Sposati, em 1976), 42 teses de doutorado e 3 supervisões de pós-doutorado (a última, de Ana Rojas Acosta, em 2015), somando 161 orientações e supervisões. Possivelmente foi a professora Myrian que mais orientou dissertações e teses no âmbito da temática infância e adolescência, além da realização de diversas pesquisas coletivas articuladas a outras universidades e organizações governamentais e não governamentais.

Uma mulher que soube ser do seu tempo e avante dele, a professora Myrian foi de uma essência comunitária e libertária sem igual. Acolheu e contribuiu com os estudantes brasileiros e estrangeiros, de presença firme e generosa, com postura ética ilibada, de muitos projetos realizados, de muitas lutas sociais e contra qualquer forma de violação de direitos humanos. Uma verdadeira pedra angular da profissão na luta contra a desigualdade social.

Mais do que uma homenagem - por todas as referências/deferências que aprendemos com a professora Myrian, pois nessa relação nos constituímos como profissionais e como pessoas e seguimos nessa permanente aprendizagem por meio de seu legado e de sua história - queremos expressar nossa gratidão por sempre ter estado com as portas de sua casa, da academia e do seu coração, abertas para receber todos/todas nós, e nos ensinar a difícil lição: de que na vida devemos ser eternos aprendizes.

Realizada, viveu uma vida plena e produtiva; foi feliz e nos fez felizes com seus encantos, ensinamentos, sabedoria, praticidade, docilidade e protagonismo. Partiu com a consciência de dever cumprido, de que produziu história, conhecimento, reconhecimento, legitimidade e que sua partida também faz parte da totalidade e da natureza da vida humana. Uma mulher iluminada e com sua luz nos orienta e ilumina sempre. Está e estará presente nas nossas histórias, nas memórias e nos corações. Respeitada e amada eternamente por todos nós. A nossa homenagem e gratidão à professora Myrian, que vive em cada um de nós e no Serviço Social.

Aplausos eternos à professora Myrian Veras Baptista!

  • 1
    Gonzaguinha. Música “O que é, o que é”.
  • 2
    Chico Buarque. Música “Apesar de você”.
  • 3
    Lucien Goldmann, filósofo e sociólogo francês, discípulo de Lukács.
  • 4
    Baptista, M. V. O que particulariza a investigação na prática profissional do assistente social? In: ______. A investigação em Serviço Social. São Paulo: Veras; Lisboa [Portugal], CPIHTS, 2006. p. 30.
  • 5
    No site www.promenino.org.br pode ser acessado o texto de Celso Veras Baptista, com a colaboração da professora Odária Battini, parceira de trabalho de Myrian por 48 anos, com base em seu depoimento a Alcina Martins (Instituto Miguel Torga, Coimbra, Portugal) em 1999, que traz com mais detalhes sua trajetória profissional.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2015
  • Aceito
    28 Out 2015
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