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(Re)atualizações das relações de dependência com a neoliberalização do capital financeiro

(Re)updates of dependence relationships with the neoliberalization of financial capital

Resumo:

A Teoria Marxista da Dependência, formulada por Rui Mauro Marini e outros, vem sendo atualizada por novas análises do recente estágio do capitalismo. O objetivo deste artigo é, além de oferecer elementos para esse debate, abordar as velhas e as novas expressões da dependência, especialmente, no Brasil. Conclui-se que o atual estágio do capitalismo recria velhas e novas formas de expropriações ao apropriar-se de bens públicos não mercantilizados para sua reprodução ampliada.

Palavras-chave:
Capitalismo periférico; Financeirização; Neoliberalismo

Abstract:

The Marxist Theory of Dependency, formulated by Rui Mauro Marini and others, has been updated by new analyzes of the recent stage of capitalism. The objective of this article is, in addition to offering elements for this debate, it addresses the old and new expressions of dependence, especially in Brazil. It is concluded that the current stage of capitalism recreates old and new forms of expropriations by appropriating non-commodified public goods for their expanded reproduction.

Keywords:
Peripheral capitalism; Financialization; Neoliberalism

1. Introdução

Criada há mais de 50 anos, a teoria marxista da dependência contraria as teorias etapistas de desenvolvimento da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), pois apresenta uma análise da realidade da América Latina utilizando o método e as categorias marxianas, que aborda a relação entre singularidade, particularidade e totalidade, captam as particularidades explicativas e determinantes do capitalismo periférico, sua relação orgânica com o capitalismo central e as formas como a lei do valor se materializa na realidade.

Assim, nasce a teoria marxista da dependência, que analisou a formação social latino-americana e ofereceu subsídios para análises da realidade brasileira, desde a fase da colonização e do escravismo, com relações orgânicas: acumulação primitiva europeia, que possibilitou o capitalismo industrial no século XIX e, posteriormente, a transição para as relações capitalistas. Como nação formalmente independente, mas cuja inserção na divisão internacional do trabalho (DIT) ocorre de forma dependente, o Brasil é subordinado e inferiorizado em relação aos países centrais que dependem do sobretrabalho e do valor criado nesses espaços periféricos para se especializarem e atingirem o topo dos países industrializados.

Autores marxistas clássicos, como Lenin, Rosa Luxemburgo, e contemporâneos, como David Harvey, Klaus Dörre, trabalham com a dialética entre interno e externo no capitalismo. Segundo Dörre (2022DÖRRE, K. Teorema da expropriação capitalista. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 38), Luxemburgo mostrava, em suas análises, que “[...] apenas um volume limitado de valor do produto social total pode ser realizado no ‘trânsito interno’. Uma demanda estruturalmente restrita necessita que a realização de partes do mais-valor se dê ‘externamente’ [...]”, voltando-se para os setores e as regiões não mercantilizadas, via expropriações. Assim, interno/externo, moderno/arcaico formam uma dialética, são partes de um mesmo processo de reprodução do capital.

As relações centro/periferia, relações de dependência e expropriação assumem diferentes formas nos vários estágios do capitalismo. Diante disso, o objetivo do artigo é retratar, analisar e problematizar as velhas e novas formas de dependência, com a pretensão de atualizar a teoria marxista da dependência e retratar o atual estágio do capitalismo financeiro e neoliberal, e as novas relações de dependência na América Latina, especialmente, no Brasil.

O artigo é resultante de pesquisa teórica e bibliográfica, com aplicação de metodologia qualitativa, uma vez que as referências bibliográficas foram escolhidas intencionalmente, com vista a atender ao objetivo deste estudo. Para expor o resultado da pesquisa, o artigo está organizado em duas seções principais: 1. introdução do debate da teoria da dependência na perspectiva de Rui Marini; 2. discussão sobre o capitalismo financeiro e neoliberal, e as formas atuais de dependência no atual estágio da divisão internacional do trabalho.

2. As relações de dependência entre países do centro e da periferia capitalista

Do século XV ao XIX, o Brasil e muitos países latino-americanos, na condição de colônias, tinham a economia ainda não capitalista, ou seja, diretamente relacionada ao capitalismo europeu. Nações que participavam ativamente do período da acumulação primitiva, colaborando para a emergência do capitalismo industrial na Europa.

Assim destaca Marini (2005MARINI, R. M. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005., p. 140):

Forjada no calor da expansão comercial promovida no século 16 pelo capitalismo nascente, a América Latina se desenvolve em estreita consonância com a dinâmica do capitalismo internacional. Colônia produtora de metais preciosos e gênero exóticos, a América Latina contribuiu em primeiro momento com o aumento do fluxo de mercadorias e a expansão dos meios de pagamento, que, ao mesmo tempo que permitiam o desenvolvimento do capital comercial e bancário na Europa, sustentavam o sistema manufatureiro europeu e propiciavam o caminho para a criação da grande indústria.

O capitalismo industrial europeu criou também o mercado mundial, emergindo a necessidade de mercado de consumidores de mercadorias, fornecedores de matérias-primas e alimentos, além de importadores de tecnologias e de capitais. Isso implicou o incentivo de muitas colônias tornarem-se nações independentes e desenvolverem as relações produtivas capitalistas.

A inserção das antigas colônias como nações independentes, na divisão internacional do trabalho, deu-se de forma subordinada, dependente em relação aos países do centro, que necessitavam de matérias-primas e alimentos de baixo custo, para que pudessem se dedicar ao desenvolvimento industrial. Por isso que, segundo Marini (2005MARINI, R. M. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005.), o trabalho assalariado na América Latina começou na produção dedicada à exportação de matérias-primas e alimentos.

Conforme Santos (1978 apudMartins, 2011MARTINS, C. E. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011., p. 284): “A dependência representa uma situação onde a estrutura socioeconômica e o crescimento econômico de uma região são determinados, em sua maior parte, pelo desenvolvimento das relações comerciais, financeiras e tecnológicas de outras regiões”. Isso ocorre na fase inicial do capitalismo monopolista ou imperialista. Ou seja: “A dependência é gerada e reproduzida a partir da internacionalização capitalista e de sua tendência a concentrar e centralizar os excedentes que resultam da acumulação mundial nos centros dinâmicos do sistema mundial” (Martins, 2011MARTINS, C. E. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011., p. 284).

Essa internacionalização capitalista é conduzida pelo capital monopolista e imperialista,1 1 “O imperialismo é o capitalismo no estágio de desenvolvimento em que se formou a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capital, deu-se início à partilha do mundo pelos trustes internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os grandes países capitalistas” (Lenin, 2021, p. 114). por isso destaca Lenin (2021LENIN, V. I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 99): “[...] as associações de capitalistas estão tomando forma de determinadas relações com base na partilha econômica do mundo [...]”, não apenas colônias, mas também nações formalmente independentes, sob relações de dependência.

Para Martins (2011MARTINS, C. E. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011.), a integração dos países dependentes na DIT é constantemente redefinida pelo centro, segundo as necessidades do crescimento mundial da composição técnica e orgânica do capital, mantendo a hierarquia entre os países industrializados e os exportadores com reduzido desenvolvimento do capital constante. Os desníveis tecnológicos, na balança comercial das trocas, e a apropriação de parte da mais-valia produzida fazem com que esses países não respondam com inovações, recorrendo à superexploração do trabalhador.

Segundo Marini (2005MARINI, R. M. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005.), para compensar as perdas no mercado mundial e as desigualdades dos termos de troca, os países latino-americanos ampliam a exploração do trabalhador, que, segundo o autor, é uma superexploração, um mecanismo de compensações para as burguesias nacionais.

De acordo com Marini (2005MARINI, R. M. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005., p. 153), “[...] para aumentar a massa de valor produzida, o capitalista deve necessariamente lançar mão de uma maior exploração da força de trabalho [...]”, que, segundo o autor, envolve três elementos: i) aumento de intensidade do trabalho; ii) prorrogação da jornada de trabalho; iii) rebaixamento salarial, podendo combinar os três procedimentos:

[...] nos três mecanismos considerados, a característica essencial está dada pelo fato de que são negadas ao trabalhador as condições necessárias para repor o desgaste de sua força de trabalho: nos dois primeiros casos, porque lhe é obrigado um dispêndio de força de trabalho superior ao que deveria proporcionar normalmente, provocando assim seu esgotamento prematuro; no último, porque lhe é retirada inclusive a possibilidade de consumo do estritamente indispensável para conservar sua força de trabalho em estado normal (Marini, 2005MARINI, R. M. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005., p. 156-157).

Assim, ao rebaixar o salário do trabalhador, a burguesia nacional utiliza o fundo que garante a reprodução da força de trabalho como mecanismo de acumulação e compensações. Esse rebaixamento significa diferença entre o preço e o valor da força de trabalho.

Para pressionar os trabalhadores da periferia do sistema a aceitar os baixos salários e a superexploração, é fundamental haver um enorme exército industrial de reserva, ou seja, uma elevada força de trabalho excedente. Foi assim na transição da economia exportadora para a indústria por substituição de importações, posteriormente, nos anos de 1960, com a nova etapa de desenvolvimento associado ao capital internacional, e, a partir dos anos de 1990, com o ajuste estrutural neoliberal com novas mudanças na divisão internacional do trabalho, na etapa do capitalismo financeiro nos anos subsequentes a 2016.

Essa etapa acentuou o monopolismo imperialista, uma vez que Lenin (2021LENIN, V. I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 116) já assinalava que a característica do imperialismo “[...] não é justamente o capital industrial, mas o capital financeiro [...]”, a exportação de capitais. As atuais transformações capitalistas tornaram o capital financeiro hegemônico com a instauração de um novo modelo de acumulação e legitimação desde os anos de 1980. Harvey (2014HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2014.) denomina a atual etapa de novo imperialismo, que se ancora num modelo de acumulação via espoliação, expropriação dos bens públicos, como o fundo público e as políticas sociais, terras indígenas, florestas, água via privatizações, mercantilização, degradações ambientais, expropriação de direitos trabalhistas e sociais, espaços de reprodução ampliada, entre outros.

A forte onda de financeirização, domínio do capital financeiro, que se estabeleceu a partir de 1973 foi em tudo espetacular por seu estilo especulativo e predatório. Valorizações fraudulentas, falsos esquemas de enriquecimento imediato, a destruição estruturada de ativos por meio da inflação, a dilapidação de ativos mediante fusões e aquisições e a promoção de níveis de encargos de dívidas que reduzem populações inteiras, mesmo nos países capitalistas avançados, a prisioneiros da dívida, para não dizer nada da fraude corporativa e do desvio de fundos [...] (Harvey, 2014HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 122-123).

Merece destaque o ataque feito pelo autor: “[...] regressão dos estatutos regulatórios destinados a proteger o trabalho e o ambiente da degradação tem envolvido a perda de direitos [...]”, além de outros direitos sociais, como as contrarreformas resultantes “[...] das mais flagrantes políticas de espoliação implantadas em nome da ortodoxia neoliberal” (Harvey, 2014HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 123).

O longo processo de associação e fusão do capital bancário com o capital industrial tem nova etapa desde 1970, em razão da ascensão e hegemonia do capital financeiro nos dias atuais e das redefinições das formas de dependência nos países periféricos.

3. Capitalismo financeiro, retração de direitos e novas formas de dependências

A crise sistêmica do capital, na década de 1970, impulsionou as burguesias a buscar saídas, pois elas não se mantêm sem revolucionar constantemente suas formas de dominação e acumulação. As saídas implicaram formas de produções inovadoras de baixo custo, como estratégias de redução do potencial conflitivo da classe trabalhadora, diminuição do capital variável empregado e ampliação do capital constante para aumentar a produtividade, o que gera novas geopolítica e geoeconomia de dominação do mercado mundial, além de formas de regulação social favorável ao Estado enxuto, forte para estabelecer parcerias e conduzir as “reformas” necessárias para a desregulamentação financeira.

Harvey (1992HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992.), nos anos 1990, analisando as mudanças societárias no capitalismo pós-década de 1970, cunhou como flexível o novo modelo de acumulação, sendo este o responsável por promover processos de trabalho baseados na flexibilidade das contratações de mão de obra, nas formas de produção em rede, por meio da terceirização de novos métodos de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados, mudanças tecnológicas e organizacionais, em que se operam a reestruturação produtiva do capital industrial e sua associação ao capital financeiro, levando à etapa superior do capitalismo imperialista.

Esse modelo de acumulação não se expandiria rapidamente sem a regulação social - estrutura política da burguesia. O Estado é reformulado para atender às novas necessidades e às demandas do capitalismo globalizado, ganhando terreno os ideais neoliberais de abertura econômica, privatizações, desregulamentação financeira e reformulações do Estado de bem-estar social. Depois de três décadas de políticas neoliberais nos principais países capitalistas centrais e periféricos, o resultado foi o predomínio do capital financeiro e de processos de expropriações em escala global.

Após a primeira grande crise do capital financeiro, em 2008, acirrou-se ainda mais a lógica de que a única saída é o neoliberalismo, o qual se tornou não apenas uma ideologia ou política econômica, mas também uma superestrutura (jurídica, política, ideológica e cultural) do modelo de acumulação financeirizado, globalizado e neoliberal.

O ajuste estrutural dos países periféricos à nova etapa do capitalismo, desde os anos de 1990, redefiniu a DIT, mantendo sob novas determinações as relações de dependência, agora atualizadas e renovadas, sendo responsável pela imposição ou adesão de medidas - como a abertura comercial e a desregulamentação financeira dos mercados -, que geraram processos de desindustrialização e (re)primarização de suas economias, como as economias de commodities, com preços definidos no mercado financeiro mundial.

O Brasil, desde 1964, adota um modelo de desenvolvimento do capital nacional associado ao estrangeiro, abrindo sua economia, exportando capital, tecnologia e criando espaços para as empresas transnacionais. Mas a nova etapa, que se iniciou nos anos de 1990, foi ainda mais devastadora e expropriadora das riquezas nacionais, com a política neoliberal posta em prática.

Como destaca Martins (1990MARTINS, J. de S. O cativeiro da terra. São Paulo: Cabral, 1990.), para alcançar o capital necessário para grandes investimentos no Brasil, tornou-se imprescindível a modificação comportamental da sociedade, induzida pelo Estado, para atrair investimentos externos, assim, criaram-se condições que fazem com que esse capital seja bem-vindo no país, em especial por meio de mudanças da taxa de câmbio, política de juros altos, de superávit primário, bem como o compromisso com as contrarreformas trabalhistas, previdenciárias, administrativas, entre outras.

Com as mudanças na formação econômica do país, sob a doutrina neoliberal, criam-se as condições ideais para a desregulamentação dos mercados financeiros, de produtos e do trabalho. É com base nisso que a esfera financeira passa a gerir as deliberações das empresas (compra de ações) e do Estado (compra de títulos de dívida pública), mediante dominação de bloco de países centrais do capitalismo, à medida que os países periféricos, como é o caso do Brasil, são subordinados cada vez mais, apresentando dificuldades em sua capacidade de pagamentos, investimentos e empréstimos externos. Acontece que os países periféricos se subordinam aos princípios dos países centrais, os quais determinam “[...] a circulação do capital, sobretudo a partir das decisões das matrizes das empresas transnacionais” (Salvador, 2010SALVADOR, E. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010., p. 105).

A abertura comercial e a desregulamentação financeira tornam o parque industrial nacional sujeito a decisões de acionistas financeiristas, uma vez que se reduz sua capacidade competitiva em razão do baixo nível de desenvolvimento de tecnologia de ponta no país, sem contar o interesse dos países centrais de continuar a fornecer matérias-primas e alimentos e exportar capitais.

Assim, fortalece-se a economia voltada a atender à demanda externa por bens primários e, em conjunturas de exceção, amplia-se a capacidade para exportar manufaturas. O país comunga com os preceitos da financeirização, cujo padrão neoliberal é imperativo, e, mesmo não tendo um núcleo industrial tão relevante e autônomo, com padrão tecnológico elevado e inovador, sofre revés, culminando em processos crescentes de desindustrialização.

De acordo com Martins (2011MARTINS, C. E. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2011.), a participação da indústria no produto interno bruto (PIB), no Brasil, nos anos de 1980, era de 36,6 do PIB, em 1990, decresceu para 28,4% e, em 2000, atingiu 19,8%. Os dados de 2021 mostram que esse percentual subiu para 22,2%. As exportações de manufaturas caíram (2002-2009) de 58,9% para 47,1%, e as de produtos primários passaram de 41,1% para 52,9%. Atualmente, o percentual é de 48,1%.

Ao ancorar o desenvolvimento econômico do Brasil aos ditames do neoliberalismo, desde a década de 1990, o sistema econômico implantou o ideário de um projeto societário, que favoreceu os blocos de países capitalistas centrais na sua busca pelo crescimento estável. Têm-se, no capital financeiro mundializado, na privatização acelerada, nas políticas fiscais e monetárias impostas pelos organismos mundiais de hegemonia do capital, o desmonte da economia industrial “autônoma” e a subtração de direitos trabalhistas e sociais.

Na perspectiva de Falleiros, Pronko e Oliveira (2010FALLEIROS, I.; PRONKO, M. A.; OLIVEIRA, M. T. C. Fundamentos históricos da formação/atuação dos intelectuais da nova pedagogia da hegemonia. In: NEVES, Lucia Maria Wanderley (org.). Direita para o social e esquerda para o capital: intelectuais da nova pedagogia da hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010.), a chamada neoliberalização do capital financeiro, ao ocasionar expressivas transformações na esfera econômica, sobretudo quanto aos aspectos monetários e financeiros e à expansão das finanças, afeta a economia mundial. Os autores citam que uma importante mudança e consequência dessa transformação se deram em relação ao mundo do trabalho, uma vez que aumentou o desemprego e adotou-se o processo de reestruturação produtiva, ancorado em novas formas de extração do sobretrabalho, da exploração, com o crescimento do trabalho precarizado, flexível e terceirizado.

Harvey (2008HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008.), ao analisar a atual etapa do capitalismo e o sistema financeiro, associa-os à restauração do poder das elites econômicas, ao aumento da concentração de renda e ao recrudescimento da desigualdade social, tendo como braço forte desse processo os organismos multilaterais, apregoando e inserindo o fundamentalismo do livre mercado e da ortodoxia neoliberal da austeridade fiscal, e a redução de gasto social público, uma ofensiva contra o Estado de bem-estar social.

Desse modo, os países periféricos endividados, a exemplo do Brasil, foram induzidos a implementar reformas institucionais de ajuste estrutural, principalmente direcionadas à abertura de suas economias, à adoção de políticas de juros altos e à desregulamentação financeira, comprometer-se e efetivar as privatizações, os cortes nos gastos sociais e a modernização da legislação trabalhista para tornarem flexíveis e favorecerem as novas formas de contratações, a redução do Estado, entre outras.

Concordamos com Maranhão (2006MARANHÃO, C. H. Acumulação, trabalho e superpopulação: crítica ao conceito de exclusão social. In: MOTA, A. E. (org.). O mito da assistência social: ensaios sobre Estado, política e sociedade. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006.) quando ele cita que a nova fase do capitalismo é predatória, pois, ao permanecer acumulando por meio de altas taxas de lucros, gera o capital fictício alimentado pela especulação, na busca de construir continuadamente mecanismos de expansão financeira e de expropriação do trabalho e dos bens públicos. Nessa perspectiva, a hegemonia do capital financeiro ocasiona mudanças profundas e concretas, não somente na base de lucro, alimentando-se dos mecanismos tradicionais de geração e apropriação de sobretrabalho, mas também nas novas formas violentas de expropriação, desvalorização e crise financeira, o que alimenta as saídas neoliberais como as únicas possíveis diante das constantes crises econômicas, políticas e sociais.

Na situação atual da mundialização do capital financeiro, a economia brasileira, que se consolida largamente como dependente dos desígnios dos especuladores internacionais, está fadada a causar altas taxas de desemprego, subemprego, precarização das relações salariais, com ataques conservadores aos aspectos cultural, político e social, como ocorre com as estruturas democráticas deliberativas. E convém ressaltar que o modelo hegemônico neoliberal busca atender aos interesses da classe dominante globalizada, com um modelo financeiro que traça também, como principais objetivos, a redução do tamanho do Estado, a abertura às importações, o endividamento interno e a dependência do capital externo, as políticas fiscais favoráveis às multinacionais e aos investidores estrangeiros e nacionais, a redução de salários, a fragmentação dos sindicatos, entre outras consequências.

As empresas globalizadas pressionam o Estado para garantir a flexibilização, derrubar as políticas protecionistas, manter o superávit fiscal, ainda que tenha que retirar os recursos das políticas sociais para assegurá-lo, para elevar ao máximo seus lucros e a competitividade. Nesse contexto, as consequências mais imediatas são taxas de exploração da força de trabalho, desigualdades sociais e econômicas cada vez maiores, precarização das relações políticas, sociais, culturais e democráticas (Dardot; Laval, 2016DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.). Nessa conjuntura, a principal contradição visível reside entre a crescente acumulação de riquezas e o empobrecimento cada vez maior de grande parte da população, além da redução dos direitos e do incentivo à terceirização, em que a incongruência entre progresso e deterioração, entre inserção e exclusão, está cada vez mais presente nos dias atuais.

Interessante citar que os defensores dos princípios neoliberais resguardam e valorizam a desigualdade econômica de renda, defendendo o discurso de isso ser funcional à sociedade “livre”, mas que, na verdade, só atende aos interesses dos mercados. Isso porque, na lógica do capital, as desigualdades incitam os talentos e as inovações pela competição, a produtividade do trabalho e a geração de riquezas, que parece se tornar superior a qualquer outro modelo de acumulação, todavia, cada vez mais concentrada e centralizada nas mãos de poucos capitalistas que dominam o mercado mundial.

Esse novo modelo de acumulação financeirizada reatualiza o imperialismo sob formas degradantes de expropriações, como acumulação por espoliação, à semelhança da fase primária da acumulação, que beira à barbárie social ao desmantelar os direitos sociais e os sistemas de proteção social públicos.

A expropriação contemporânea - também chamada de secundária por Fontes (2010FONTES, V. O Brasil e o capital imperialismo: teoria e história. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.) e Boschetti (2018BOSCHETTI, I. S. Expropriação de direitos e reprodução da força de trabalho. In: BOSCHETTI, I. (org.). Expropriação e direitos no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2018.) - refere-se a processos sociais e econômicos que intensificam a disponibilização do trabalhador para o mercado, portanto tem aproximações e diferenciações com a expropriações primárias realizadas no estágio de acumulação primitiva, cercamento de terras comuns, apropriação da riquezas nativas do novo mundo, comércio de escravos, opressão colonial, roubo dos bens da Igreja e formação coercitiva e violenta da classe trabalhadora, como as legislações inglesas do século XIX, entre outras.

Segundo Vilione (2022VILIONE, G. C. C. O sistema do capital e o fenômeno da violência estrutural contra os velhos e velhas da classe trabalhadora: um estudo analítico acerca da (des)proteção social no cenário pandêmico. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Unesp, Franca, 2022.), essa expropriação secundária se fundamenta:

  1. na cronofagia (Scaffidi, 2020 apudVilione, 2022VILIONE, G. C. C. O sistema do capital e o fenômeno da violência estrutural contra os velhos e velhas da classe trabalhadora: um estudo analítico acerca da (des)proteção social no cenário pandêmico. 2022. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Unesp, Franca, 2022., p. 82 ): “[...] é o apetite voraz ‘cronófago’ da produção capitalista a agir sobre a esfera do tempo livre, metamorfoseando tempo improdutivo/inativo em tempo produtivo/rentável [...]”, como os processos de contratação e pagamento por atividade/tarefa, por atendimentos, por demanda que deixa o trabalhador aguardando ser chamado a qualquer momento para realizar a atividade; atividades de atendimento on-line, fora do expediente normal de trabalho; trabalho em domicílio, entre outras formas que utilizam o tempo de vida do trabalhador para convertê-lo em tempo de trabalho ou disponibilidade integral para o trabalho;

  2. na subtração de direitos, que, segundo Boschetti (2018BOSCHETTI, I. S. Expropriação de direitos e reprodução da força de trabalho. In: BOSCHETTI, I. (org.). Expropriação e direitos no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2018., p. 157), ancora-se nas “[...] supressões ou reduções de direitos do trabalho associadas diretamente à produção de valor: a precarização, a terceirização, a realização de trabalhos desprovidos de direitos, por meio de ‘bolsas’ de estágios, os contratos intermitentes de curta duração [...]”, logo, algumas dessas formas de expropriações “[...] correspondem à destruição de direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora e concretizados no Estado Social Capitalista” (Boschetti, 2018BOSCHETTI, I. S. Expropriação de direitos e reprodução da força de trabalho. In: BOSCHETTI, I. (org.). Expropriação e direitos no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2018., p. 157);

  3. na escalada de destruição dos recursos ambientais globais (terra/florestas, ar, água), que, segundo Harvey (2014HARVEY, D. O novo imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 123), inclui “[...] degradações proliferantes de habitats que impedem tudo exceto formas capital-intensivas de produção agrícola, também resultaram na mercadificação por atacado da natureza em todas as suas formas”. O autor destaca ainda a mercantilização de atividades culturais, a corporativização e a privatização de bens até agora públicos, como universidades, água, luz elétrica e todos os bens e serviços de utilidade pública, incluindo os sistemas de proteção social públicos, como formas de domínio do privado, como uma das principais e flagrantes políticas de espoliação implantadas em nome da ortodoxia neoliberal;

  4. na expropriação pela mercantilização dos meios de sobrevivência; na diminuição dos salários, especialmente via terceirização; no aumento da dependência da classe trabalhadora em relação ao mercado (contrariamente à etapa anterior de desmercadorização e desfamilização das políticas sociais); no endividamento das famílias (acesso ao crédito e dificuldade de pagamento de juros) (Dörre, 2022DÖRRE, K. Teorema da expropriação capitalista. São Paulo: Boitempo, 2022.).

Para Dörre (2022DÖRRE, K. Teorema da expropriação capitalista. São Paulo: Boitempo, 2022.), a expropriação não é exclusividade da etapa primitiva da acumulação de capital, uma vez que assume formas e dimensões diferenciadas em cada estágio do capitalismo e se trata, como definiu Marx, de tomada violenta de espaços não mercantilizados já existentes ou criados por inovações tecnológicas e sociais, como ocorreu na fase do monopolismo imperialista e na atual fase do capitalismo financeirizado. A tese do autor é de que, no capitalismo, há a dialética entre o interno e o externo para favorecer a acumulação e a reprodução ampliada do lucro. Esse externo, ou o chamado ‘outro’, consiste nas colônias, nos países formalmente independentes governados por relações capitalistas periféricas e dependentes, e, agora, com base nos estudos de Harvey, nas políticas econômicas de espoliação dos bens públicos e coletivos, como a apropriação de fatias cada vez maiores do fundo público, do fundo de reprodução do trabalhador, de seus instrumentos de trabalho, entre outros.

Em todas as etapas, o Estado tem um papel importantíssimo na expropriação, pois a precarização do trabalho é a versão contemporânea desse processo. A mercantilização de espaços ainda não mercantilizados é o alvo do capital e do Estado, como as políticas sociais do Estado de bem-estar social.

Nessa lógica de análise, o externo é relativo às políticas sociais: fundo público destinado a elas; tempo livre do trabalhador; formas atuais de contratação e de trabalho, ancoradas na precarização; desregulamentação dos mercados de trabalho para mercantilizar o tempo do ócio. E tudo antes com parca mercantilização. Para Dörre (2022DÖRRE, K. Teorema da expropriação capitalista. São Paulo: Boitempo, 2022., p. 52): “A precarização é consequência de um regime de expropriação capitalista com motivações financeiras que deforma, prejudica e enfraquece instituições e sistemas de regulação do mercado [...]”, por isso o alvo é o desmonte dos estatutos regulatórios do trabalho, a legislação trabalhista e a privatização das políticas sociais, cuja demanda pode ser individualizada e comprada no mercado.

Assim, no plano político, o modelo neoliberal é expropriador, uma vez que atinge os direitos e as políticas sociais. No capitalismo financeiro e neoliberal, a política social é remodelada pelas contrarreformas favorecedoras do mercado, do privado e da mercantilização das formas de resposta às expressões da questão social. Elas promovem: i) a precarização das políticas sociais estatais, especialmente as de seguridade social e redistributivistas, mudando o foco para o atendimento aos indivíduos mais vulneráveis; ii) a mercantilização dos serviços sociais, os quais são transferidos para o mercado e comercializados pelo consumidor individualizado; iii) a refilantropização das respostas à questão social, observando a face do privado na oferta de serviços para os mais vulneráveis, que confere à sociedade civil organizada a responsabilidade de parte considerável dos serviços de assistência social, especialmente os de alta complexidade, (re)atualizando as práticas filantrópicas e de caridade.

O conjunto articulado desses elementos reflete o ideário neoliberal para as seguintes políticas sociais: privatização, focalização e descentralização. Por consequência disso, o acesso a políticas sociais passa a se fundamentar na meritocracia ou nos estritamente pobres e não mais na condição de cidadania, mas de “privilégios”, com critérios de focalização e seletividade cada vez mais prevalecentes.

Os efeitos do neoliberalismo na periferia do sistema capitalista são nefastos, porque, historicamente ancorados na superexploração para compensar a apropriação de parte da mais-valia produzida nesses países pelos países centrais, eles ampliaram as formas de exclusão de parte considerável da força de trabalho, que vive do desemprego, da precariedade do mercado informal e das atividades autônomas, e quem vive na pobreza absoluta, em situação de miséria, uma vez que as atuais formas de acumulação financeirizada e de capital industrial reestruturado ampliaram ainda mais a população excedente, fundamental para impor a aceitação de formas terceirizadas, quarteirizadas, trabalho precário, trabalho superexplorado pelo uso dos recursos do trabalhador para a acumulação ampliada, como nos casos da uberização e dos entregadores que utilizam seus transportes para obter renda, sem direitos trabalhistas e sociais garantidos.

Mas, conforme Mauriel (2018MAURIEL, A. P. Estado e expropriações no capitalismo dependente. In: BOSCHETTI, I. (org.). Expropriação e direitos no capitalismo. São Paulo: Cortez, 2018., p. 262), as “[...] expropriações que não são exclusivas do capitalismo dependente, mas ganham nele particularidade ao constituir o binômio superexploração-expropriação [...]”, e a superexploração adentram ao capitalismo central, como forma típica da acumulação que assume dimensões conservadoras, quando comparada à etapa do reformismo do Estado de bem-estar social.

Mas não restam dúvidas de que, na periferia, com mercados com baixa capacidade de incluir a força de trabalho no mercado formal e de Estados com políticas com baixo potencial protetivo, sob a lógica dos direitos de cidadania, as transformações societárias atuais da etapa do capitalismo financeiro deixam os países periféricos ainda mais dependentes, desmantelam seus parques industriais, geram desempregos massivos, queda de níveis de vida, ampliação da pobreza e da miséria.

Nesses países, a questão de classe se soma à questão racial e de gênero como mecanismos geradores de desigualdades sociais, e utilizados para superexplorar a força de trabalho e tornar uma parte significativa dela excedente, compondo a superpopulação relativa, da força de trabalho colocada no excedente ou excluída por discriminação e pobreza absoluta.

Assim, o sexismo - entendido como atitude preconceituosa que ocasiona a discriminação fundamentada nas diferenças de sexo - comumente gera uma reação de ideias milenares e estereotipadas do que seriam o feminino e o masculino em nossa sociedade (Albernaz; Longhi, 2009ALBERNAZ, L. S. F.; LONGHI, M. Para compreender gênero: uma ponte para relações igualitárias entre homens e mulheres. In: SCOTT, P.; LEWIS, L.; QUADROS, M. T. de (org.). Gênero, diversidade e desigualdades na educação: interpretações e reflexões para formação docente. Recife: Editora Universitária. 2009. p. 75-96.). Além disso, é reproduzido nas sociedades capitalistas periféricas e se expressa na superexploração da força de trabalho feminina, manifestada nas desigualdades salariais, presentes também nas sociedades europeias. Na União Europeia (UE), as mulheres ganham 16% a menos que os homens, em alguns países isso chega a 25%, como na Alemanha, no Reino Unido e em outros. Sem contar a violência contra a mulher e os índices de feminicídio, as jornadas estendidas, os trabalhos reprodutivos, precários, informais e de autoconsumo, e os maiores índices de pobreza.

Por sua vez o racismo, “[...] crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural” (Munanga, 2003MUNANGA, K. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida no 3o Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ, 2003. Disponível em: Disponível em: http://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf . Acesso em: 2 dez. 2022.
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, p. 24), na crença na superioridade branca e na inferioridade negra como construção histórico-social e cultural ancorada na supremacia de uma determinada raça/etnia sobre outras, também conjuga situações de discriminação e reprodução de desigualdades sociais. A questão racial se manifesta, quanto à inserção dos negros na classe trabalhadora, como escória, classe perigosa, grande parte no excedente pelo preconceito da cor ou “defeito de cor”, que, somado ao precário acesso às políticas públicas e aos bens e serviços produzidos socialmente, estão entre os que sofrem discriminação, preconceito e que estão, em grande parte, nos trabalhos precários, informais e sem proteção social.

Exploração (ou superexploração) e opressões são criadas, reproduzidas ou agudizadas no capitalismo periférico, e a classe trabalhadora é bastante heterogênea, desde a sua formação até os dias atuais, estando ainda mais fragmentada hoje em dia e afetada em seus mecanismos organizativos. As lutas trabalhistas têm centralidade, mas se somam às de reconhecimento, de respeito às diferenças e de redução das desigualdades, opressões e explorações.

4. Considerações finais

A inserção dos países periféricos na atual divisão internacional do trabalho, decorrente do ajuste estrutural de suas economias à globalização e à financeirização, tem recriado novas relações de dependência, que têm promovido: i) ampliação da dependência, com a especialização da economia de commodities (reprimarização); ii) espoliações ampliadas, atingindo os direitos dos trabalhadores; iii) ampliação da precarização do trabalho nesses países e sua introdução nos países centrais.

Os nichos do atual modelo de acumulação ocasionaram a superexploração e as expropriações, uma verdadeira acumulação por espoliação, cujas expropriações contemporâneas são a expressão material e, sobretudo, política, do processo de usurpação do fundo público, dos bens públicos, das “terras comuns”, além de incidir subtraindo as conquistas civilizatórias e democráticas quanto ao atendimento das necessidades sociais e de reprodução social, material, cultural, política da classe trabalhadora, tornadas inviáveis de serem materializadas no capitalismo financeiro do século XXI.

Sinteticamente, as expressões da dependência, a partir do capitalismo financeiro e neoliberal, estão associadas diretamente aos processos de desindustrialização, à ampliação do desemprego e da população excedente, à crescente subtração de direitos, à cassação das liberdades e à perda das conquistas civilizatórias, que têm levado a classe trabalhadora e a sociedade ao avanço da precariedade de suas condições de vida e de trabalho. A “nova” fase comunga o fechamento de fronteiras, a construção de muros, a negação de direitos, a opressão social, o empobrecimento do sujeito, a retaliação à classe trabalhadora e às instituições públicas, o que configura uma ofensiva declarada contra os direitos humanos e as resistências.

O principal instrumento de espoliação de direitos foram as contrarreformas neoliberais, que, em todo o ocidente, ampliam a desproteção social, a regressão de direitos sociais e trabalhistas. O enfrentamento do Estado mediante as exigências da globalização capitalista em conceder as responsabilidades e as decisões dele para o mercado tem sido a desresponsabilização, a redução de seu papel de ofertante de serviços sociais e o estabelecimento de parcerias público-privadas na administração dos serviços. Logo, o verdadeiro “comitê executivo” das burguesias internacionais e transnacionais.

Referências

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    “O imperialismo é o capitalismo no estágio de desenvolvimento em que se formou a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capital, deu-se início à partilha do mundo pelos trustes internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os grandes países capitalistas” (Lenin, 2021LENIN, V. I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 114).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2023
  • Aceito
    27 Out 2023
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