RESUMO
O presente artigo tem como objetivo lançar luz sobre a composição das bancadas mineiras na Câmara dos Deputados da 1ª (1826-1829) e 2ª (1830-1833) legislaturas do Império. Partindo do princípio de que ambas não constituíam um conjunto homogêneo, mas sim um locus de enfrentamento político em constante mudança, pretende-se analisar a maneira como setores provinciais se projetaram dentro do cenário político da Corte durante o Primeiro Reinado. Ao verificar que a montagem dessas bancadas derivou de uma confluência de elementos - entendimentos diversos sobre representação e organização do Estado, questões eleitorais e institucionais, alianças provinciais e interprovinciais, disputas entre grupos adversários, conflitos envolvendo perspectivas de negócios, mercado e ocupação de espaços na administração pública -, o artigo propõe, a um só tempo, realçar o caráter multifacetado desses agrupamentos políticos e questionar a ideia de “elites provinciais” indistintas, conflitantes tão somente na disputa por cargos e poder.
Palavras-chave
Minas Gerais; Primeiro Reinado; Câmara dos Deputados
ABSTRACT
This article aims to shed light on the composition of Minas Gerais deputies in the Chamber of Deputies elected to the 1st (1826-1829) and 2nd (1830-1833) legislatures of the Brazilian Empire. Assuming that these groups were not a homogeneous set of men chosen by vote, but a locus of political confrontation in constant change, we intend to analyze here how provincial sectors were projected within the political scenario of the Court during the First Reign. When verifying the assembly of these benches came from a confluence of elements - diverse understandings about representation and organization of the State, electoral and institutional issues, provincial and interprovincial alliances, disputes between opposing groups, conflicts involving business prospects, market and occupation of spaces in the public administration - the article proposes, at the same time, to emphasize the multifaceted character of these political groupings and to question the idea of indifferent “elites provinciais”, conflicting only in the contest for positions and power.
Keywords
Minas Gerais; First Reign; Chamber of Deputies
Introdução
A atuação dos deputados mineiros durante o Primeiro Reinado não passou despercebida pelos estudos tradicionais sobre a história do Império. Quase sempre de modo genérico, personagens como Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Custódio Dias e José Bento Ferreira de Melo foram citadas por suas respectivas performances na Câmara dos Deputados, quer como proponentes de projetos de lei, quer como defensores da causa liberal, por vezes entrando em choque com o Senado e o Ministério, o que configuraria uma das mais contundentes manifestações de oposição ao governo de d. Pedro. Por trás do realce à memória de alguns nomes e períodos que esses textos carregam, reside certo traço teleológico, como se as querelas travadas nos recintos parlamentares já preconizassem, desde o início do Primeiro Reinado, a derrocada do governo de d. Pedro. Já durante o início da Regência, as mesmas figuras emergem como baluartes da renovação do Estado como aqueles que pensaram a reforma constitucional e venceram as forças restauradoras (ARMITAGE, 1972; IGLÉSIAS, 1978; MONTEIRO, 1982; SOUSA, 1957; OLIVEIRA LIMA, 1962OLIVEIRA LIMA, Manuel de. O movimento da Independência: o Império brasileiro. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1962. ; SILVA, 1875).
Pesquisas recentes sobre Minas Gerais no Primeiro Reinado têm ampliado significativamente o entendimento a respeito da atuação política de mineiros no Parlamento e sua relação com a construção do Estado nacional brasileiro (LENHARO, 1993; MOREIRA, 2011MOREIRA, Luciano da Silva. Imprensa e opinião pública no Brasil Império: Minas Gerais e São Paulo (1826-1842). 2011. 264 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.; PASCHOAL, 2000; REZENDE, 2008REZENDE, Irene Nogueira de. Negócios e participação política: fazendeiros da Zona da Mata de Minas Gerais (1821-1841). 2008. 248 f. Tese (Doutorado em História Social) - Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. ; RODARTE, 2011RODARTE, Claus Rommel. Partidos políticos, poderes constitucionais e representação regional na 1ª legislatura da assembleia geral do império do Brasil: Minas Gerais (1826-1829). 2011. 514 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.; SILVA, 2005SILVA, Ana Rosa Cloclet da. De comunidade a nação. Regionalização do poder, localismos e construções identitárias em Minas Gerais (1821-1831). Almanack brasiliense [on-line], São Paulo, n. 2, p. 43-63, nov. 2005.; SILVA, 2009). No entanto, pouca ênfase vem sendo conferida à maneira como as bancadas mineiras foram compostas.1 1 O trabalho de Clauss Rodarte (2011) constitui exceção. Porém, o foco do autor recai sobre os resultados eleitorais e não propriamente sobre os aspectos que nortearam a formação das bancadas mineiras. Qual o perfil dos políticos eleitos deputados? Quais setores da sociedade representavam? É possível falarmos em uma bancada mineira em termos de unidade? Esses homens eram representantes da nação ou da sua província de origem? Indagações como essas nos parecem fundamentais porque ajudam a mapear de que forma os grupos provinciais se lançaram no cenário político da Corte no decurso do Primeiro Reinado. O objetivo deste artigo não é, portanto, analisar a atuação política em si dos deputados mineiros durante as duas primeiras legislaturas - as únicas que funcionaram sob o governo pedrino -, mas sim examinar, preliminarmente, aspectos que nortearam a formação das bancadas mineiras, vistas aqui não como um conjunto estanque de políticos eleitos, mas como um espaço de enfrentamento político em constante remodelação.
A Câmara dos Deputados como palco de disputas
Estudos consagrados sobre o Primeiro Reinado tenderam a enquadrar o enfrentamento sucedido no Parlamento - e, mais especificamente, entre Câmara dos Deputados e Senado - como uma luta entre dois polos opostos, herdeiros de um suposto conflito entre “portugueses” e “brasileiros” que havia pautado a Independência (MARSON, 2009MARSON, Izabel. Do império das “revoluções” ao império da escravidão: temas, argumentos e interpretações da história do Império (1822-1950). História: Questões & Debates, Curitiba, n. 50, p. 126-173, jan.-jun. 2009.). John Armitage observou a existência de um duelo entre “liberais” e “realistas”; Tobias Monteiro, entre “liberais” e a “Coroa”; Otávio Tarquínio, entre “liberais” e “partidários do ministério”.2 2 Ver obras já citadas desses autores. Diferenças à parte entre os autores - dentre os quais também podemos mencionar Oliveira Lima, Oliveira Viana e Caio Prado Jr. -, essas obras reiteram a ideia de que a Câmara dos Deputados, durante o Primeiro Reinado, caracterizou-se por apresentar uma “oposição liberal” mais ou menos homogênea contra o governo pedrino que se veria cindida somente após a Abdicação (OLIVEIRA LIMA, 1962OLIVEIRA LIMA, Manuel de. O movimento da Independência: o Império brasileiro. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1962. ; PRADO Jr., 1933; VIANA, 1959VIANA, Francisco de Oliveira. O ocaso do Império. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959. ).
Em trabalho recente, Christian Edward Cyril Lynch propõe uma visão mais matizada sobre os grupos que se digladiaram na Câmara dos Deputados durante o Primeiro Reinado, observando que as disputas ali travadas não significaram mera continuidade dos embates travados na ocasião do fechamento da Constituinte. O autor toma emprestado de Armitage o vocábulo “realistas” para designar aqueles homens que, na passagem do século XVIII para o XIX, haviam fomentado a ideia de instaurar um Império português com sede na América, incentivando inclusive a elevação do Brasil a Reino (1815), mas que no decorrer do triênio de 1821-1823 passaram a apostar na alternativa de visibilizar um novo Estado, independente de Portugal e centrado no Rio de Janeiro. Por conseguinte, constituíram ao longo do Primeiro Reinado a base de sustentação de d. Pedro na Câmara dos Deputados e, sobretudo, no Senado, nos ministérios e no Conselho de Estado. O que os aproximava era um entendimento mais ou menos afinado sobre como deveria se constituir o regime representativo: interpretar a Carta de 1824 a partir de um viés liberal, porém monarquiano, colocando a Coroa no centro de gravidade do governo e do Estado, afastando-se assim de uma perspectiva de inclinação parlamentarista. Com isso, achava-se poder garantir um governo forte e unitário, cuja expansão da capilaridade do Estado a partir da Corte inscreveria o novo Império dentro de um cenário mundial de expansão do capital, além de servir para conter as oposições e assegurar governabilidade, haja vista os inúmeros focos de resistência ao projeto pedrino que eclodiram no início da década de 1820, sobretudo nas províncias nortistas (LYNCH, 2009LYNCH, Christian Edward Cyril. Para além da historiografia Luzia: o debate político-constitucional do Primeiro Reinado e o conceito de governo representativo (1826-1831). In: MOURA, Fátima; NEVES, Edson Alvisi; RIBEIRO, Gladys Sabina (Orgs.). Diálogos entre direito e história: cidadania e justiça. Niterói: EDUFF, 2009. p. 81-108., p. 85-86).
Apesar de serem frequentemente associados pelos seus adversários ao absolutismo monárquico, os grupos que apoiavam o imperador não rejeitavam as doutrinas liberais. Este ponto é fundamental porque relativiza a versão consagrada pela bibliografia de que o epicentro da política no Primeiro Reinado - a luta entre a oposição liberal e o governo de d. Pedro - foi senão o embate entre liberalismo e despotismo, entre uma corrente constitucionalista e um governo que sob o manto liberal ocultava suas verdadeiras tendências retrógradas. Havia, em vez disso, um quadro mais complexo em que o liberalismo lastreava o debate político e econômico, pautando discursos e ações. Ou seja, o embate entre opostos inconciliáveis no Primeiro Reinado é, antes de tudo, uma formulação historicamente forjada pela oposição liberal e posteriormente incorporada pela bibliografia, o que não significa que a luta fosse inexistente. O cerne da discussão estava em como viabilizar um governo constitucional, não na possibilidade de ele existir ou não.
Dado importante, porém não esmiuçado por Lynch, é o de que a base governista na Câmara dos Deputados não era composta exatamente por homens do porte de um visconde de Cairu, alocados preferencialmente no Senado, Ministério e Conselho de Estado. Em Minas Gerais, os deputados que apoiariam o imperador eram figuras menores na política imperial, a exemplo de Francisco Correia Vidigal, Manoel Rodrigues da Costa e Francisco das Chagas Santos. Nomes de peso como Estevão Ribeiro de Rezende não chegaram a tomar posse como deputados por terem sido escolhidos senadores pelo monarca, o que em termos mais amplos acabou esvaziando a câmara baixa dos principais nomes próximos ao círculo do monarca. Tal lacuna poderia ter sido evitada pelo governo, sobretudo na 1ª legislatura, quando as senatoriais ainda estavam sendo definidas. Além da preferência pelo Senado, talvez existissem expectativas sobre o futuro próximo do cenário político. É admissível que d. Pedro apostasse que conseguiria enfrentar a Câmara como em 1823, ou até mesmo que não se formaria uma oposição ao governo consistente entre os deputados. Projeções que não se confirmaram, tanto que uma das saídas encontradas pelo governo a fim de aumentar sua influência no Legislativo foi cooptar membros da Câmara para o Ministério, estabelecendo a figura do ministro-deputado, conforme será tratado neste artigo.
A oposição engendrada na Câmara dos Deputados durante o Primeiro Reinado era formada, segundo Lynch, por dois grupos. De um lado, estavam negociantes e/ou proprietários de terras como Diogo Antonio Feijó, José Bento Ferreira de Melo, Martiniano de Alencar - poderíamos acrescentar ainda, para Minas Gerais, Custódio Dias, Batista Caetano de Almeida e Manoel Inácio de Melo e Sousa -, homens que se destacavam na economia e política locais, mas que até então não haviam ocupado nenhum cargo de prestígio em nível nacional, tampouco possuíam relações estreitas com a Coroa ou com os principais setores econômicos instalados no Rio de Janeiro. A maioria deles havia aderido ao movimento vintista em 1821, período em que cultivaram a expectativa de que o constitucionalismo luso-brasileiro franqueasse o autogoverno e a ampliação dos poderes provinciais, bem como garantisse a inserção desses setores nas redes de mercado da Corte. Muitos deram suporte ao Fico e ao governo de d. Pedro, na esperança de que futuramente poderiam ter suas aspirações atendidas; porém, viram seus interesses contemplados de forma limitada pela Carta de 1824 (LYNCH, 2009LYNCH, Christian Edward Cyril. Para além da historiografia Luzia: o debate político-constitucional do Primeiro Reinado e o conceito de governo representativo (1826-1831). In: MOURA, Fátima; NEVES, Edson Alvisi; RIBEIRO, Gladys Sabina (Orgs.). Diálogos entre direito e história: cidadania e justiça. Niterói: EDUFF, 2009. p. 81-108., p. 89-90).
Completava a oposição um grupo composto em sua maioria por magistrados formados em Coimbra, como Bernardo Pereira de Vasconcelos e Honório Hermeto Carneiro Leão, em média vinte anos mais jovens do que aqueles que constituíam o círculo do monarca e no mínimo 10 anos menos que seus companheiros opositores. Aos poucos, passaram a ocupar postos na magistratura, mas sem gozar do prestígio da burocracia gestada no período joanino e incorporada por d. Pedro ao seu governo. Ao mesmo tempo em que refutavam a linguagem dos vintistas, que lhes parecia ultrapassada e politicamente datada, lançavam mão de um aporte teórico que se ancorava em autores franceses e ingleses do pós-Revolução Francesa, tendo assim como mote de discussão não o constitucionalismo em si, mas o liberalismo propriamente dito e as propriedades do governo parlamentar. Se a ideia central era pressionar a Coroa para que considerasse os anseios da maioria parlamentar, atenuava-se a separação entre os poderes e abria-se espaço para atacar o governo, sem deixar de respeitar a inviolabilidade do monarca garantida pelo texto constitucional (LYNCH, 2009LYNCH, Christian Edward Cyril. Para além da historiografia Luzia: o debate político-constitucional do Primeiro Reinado e o conceito de governo representativo (1826-1831). In: MOURA, Fátima; NEVES, Edson Alvisi; RIBEIRO, Gladys Sabina (Orgs.). Diálogos entre direito e história: cidadania e justiça. Niterói: EDUFF, 2009. p. 81-108., p. 89-90).
Embora a divisão proposta por Lynch nos pareça demasiada abrangente para dar conta de toda a Câmara dos Deputados - assim como a distinção entre os grupos apresentados não pode ser entendida como um dado preexistente à luta política, posto que esses homens relacionavam-se, trocavam referências e faziam das suas influências teóricas mais ferramentas de combate do que garantias de coerência programática -, ela abre possibilidades para se pensar a câmara temporária como um espaço de matizes e nuanças ao invés de simples polarizações. Já um ponto não desenvolvido pelo autor que nos interessa aqui é o de como os membros da oposição que se formaria ao longo das duas primeiras legislaturas, por causa das suas diferentes características, inseriam-se no sistema eleitoral das províncias e, de forma mais abrangente, forjavam-se na esfera local para depois se rearticularem na Câmara.
Representação, representantes
Nas primeiras décadas do século XIX, vicejava a concepção de que um parlamentar não representava necessariamente quem o elegia, mas o conjunto de cidadãos que compunha a nação (PITKIN, 1967PITKIN, Hanna. The concept of representation. Los Angeles: University of California Press, 1967. ). Na Inglaterra do século XVIII e na França revolucionária, ganhou aceitação a ideia de que os membros do parlamento representavam a nação em seu conjunto, ao invés de interesses particulares (MANIN, 2008MANIN, Bernard. Los principios gel gobierno representativo. Trad. esp. Fernando Vallespín. Madrid: Alianza Editorial, 2008., p. 201-202). Entre os parlamentares brasileiros eram frequentes falas nesse sentido; porém, enunciados dessa natureza, por mais convincentes que parecessem ser, na realidade se prestavam a usos políticos imediatos e, mais do que isso, encobriam um ponto fundador dos regimes representativos modernos: a existência de um grau de independência dos representantes com relação aos representados. É certo que a garantia de eleições periódicas priva, na prática, os representantes de uma total independência dos representados. As eleições e, sobretudo, as reeleições, marcam um momento em que o representado avalia o representante para o qual cedera sua parcela de soberania e se vê na possibilidade de ratificar ou não sua escolha. A despeito disso, o fato é que em nenhum regime representativo surgido desde fins do século XVIII estabeleceu-se algum mecanismo para os representantes agirem em conformidade com as instruções dos representados.
A ideia do Legislativo como o locus da representação nacional por excelência não deve ser apreendida ao pé da letra, até mesmo porque o conceito de “nacional” se prestava a interpretações variadas, especialmente quando associadas à concepção de “vontade geral” (MARUYAMA, 2001MARUYAMA, Natália. A contradição entre o homem e o cidadão: consciência e política segundo J.-J. Rousseau. São Paulo: Humanitas, Fapesp, 2001.). Autores liberais da primeira metade do século XIX, como o espanhol Ramón Salas, notaram que as experiências constitucionais vinham mostrando que a maioria de um corpo legislativo não representava, necessariamente, a maioria da nação (ROBLEDO, 2003ROBLEDO, Ricardo. Tradición e Ilustración en la Universidad de Salamanca: sobre lós orígenes intelectuales de los primeros liberales españoles. In: ROBLEDO, Roberto; CASTELLS, I.; ROMERO, María del Carmen. Orígenes del liberalismo: universidad, política, economia. Salamanca: Ed. Universidad de Salamanca, 2003. P.49-80.). Edmund Burke, cuja concepção de representação afastava-se dos autores liberais de matriz francesa e ibérica, desvinculou o mandato do representante das eleições, ou seja, da autorização dos representados. Um governo efetivo pode ser considerado representativo mesmo sem uma chancela formalmente reconhecida ou aceita, desde que ele proporcionasse uma afinidade de interesses. A ideia de “representação virtual” (LAVALLE, 2006LAVALLE, Adrián Gurza; HOUTZAGER, Peter P.; CASTELLO, Graziela. Democracia, Pluralização da Representação e Sociedade Civil. Lua Nova, São Paulo, n. 67, p. 49-103, 2006. , p. 89) baseava-se na aceitação de que os representantes eram mais capacitados para defender o interesse nacional, dispensando então qualquer consulta dos representados (AIRES, 2009AIRES, Maria Cristina Andrade. A dimensão representativa da participação na teoria democrática contemporânea. Revista Debates, Porto Alegre, n. 2, p. 14-15, jul.-dez. 2009. , p. 14-15).
Olhando por outro viés, há que se frisar que desde fins do século XVIII tornara-se corrente na Europa a ideia de que as assembleias representativas deveriam, dentro de suas limitações, reproduzir a diversidade social. Mesmo homens como Sieyès e Burke, insistentes no papel das assembleias como produtoras de unidade política, assumiam que os representantes, elegidos por localidades e populações diversas, eram invariavelmente heterogêneos. Considerava-se, portanto, que os órgãos representativos tinham um caráter diverso e coletivo em sua natureza (MANIN, 2006, p. 229). Para o caso brasileiro, as sessões parlamentares “possibilitavam a grupos minoritários ou provenientes de províncias distantes que vocalizassem institucionalmente suas demandas e descontentamentos, estimulando a ratificação de sua adesão ao Império” (NUNES, 2010NUNES, Tassia Toffoli. Liberdade de imprensa no Império brasileiro: os debates parlamentares (1820-1840). 2010. 174 f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 11). Com isso, a independência dos deputados para com suas bases era constantemente minimizada para dar lugar a um argumento retórico, muito utilizado em épocas de eleição, de que o vínculo deputado/província deveria sim ser um critério de avaliação pelo eleitor na hora do voto.
Não é de se abismar, portanto, que homens do perfil de um José Bento Ferreira de Melo se elegessem graças a seus sólidos vínculos com a província em que viviam e, mais especificamente, com as regiões onde tocavam seus negócios e lavouras ou possuíam aliados. Nascido em Campanha, vila do extremo sul de Minas que lastreava sua economia na produção e comercialização de gêneros de subsistência e na cultura canavieira (ARAUJO, 2008ARAUJO, Patrícia Vargas Lopes de. Campanha da Princesa: urbanidade em Minas Gerais, 1789-1840. 2008. 324 f. Tese (Doutorado em História Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas, Campinas, 2008.), Ferreira de Melo estudou na capital paulista, onde se ordenou e, mais tarde, recebeu o título de cônego honorário da Sé de São Paulo (1819). É provável que seja dessa época que se estreitaram os laços de Ferreira de Melo com nomes importantes da política paulista, como a família Prado - com a qual sua mãe tinha certo parentesco - e, sobretudo, Diogo Antonio Feijó, de quem era amigo pessoal e aliado político. De volta à terra natal, Ferreira de Melo instalou-se em Mundu, freguesia subordinada a Campanha que ajudou a criar e onde fincou suas atividades econômicas e políticas (PASCHOAL, 2000, p. 17). Como político, foi vereador, membro da primeira Junta Governativa (1821), deputado pelas três primeiras legislaturas do Império e senador, representando o primeiro liberal moderado mineiro a alcançar a casa vitalícia, em 1834. A fim de manter suas bases eleitorais e ventilar suas concepções políticas, comprou uma tipografia e fundou em Pouso Alegre o jornal Pregoeiro Constitucional (1830-1831) (SILVA, 2009SILVA, Wlamir. “Liberais e povo”: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais (1830-1834). São Paulo: Hucitec, 2009., p. 112).
A análise das listas eleitorais3 3 As listas referentes aos processos eleitorais em Minas Gerais para a 1ª e 2ª legislaturas encontram-se transcritas em RODARTE, 2011. Ao todo, foram utilizadas 24 listas, cf. tabelas 1.1 a 1.24. do período indica uma relação quase sempre direta entre localidade de origem e quantidade de votos quando se fala nessas personagens. Um dado que corrobora isso é o de que representantes desse perfil dificilmente seriam sufragados fora de sua província, tal como ocorria frequentemente com outros mais bem relacionados com os circuitos da Corte. Por isso, no nosso entender, sua figura política estava mais associada à ideia de representação por semelhança, em que o representado enxerga o representante como um porta-voz de um grupo social do qual ele faz parte. Recordemos que esses políticos, nos períodos de recesso da Câmara dos Deputados, ocupavam assentos nos conselhos provinciais em suas localidades de origem,4 4 Eram dois os conselhos provinciais. Criado pela lei de 23 de outubro de 1823, o Conselho da Presidência consistia num braço do executivo provincial, firmando-se como importante contraponto à ação política do presidente de província. Aos Conselhos da Presidência cabia propor e deliberar sobre questões relativas à infraestrutura da província, fiscalizar os negócios provinciais e suspender determinados funcionários públicos. O Conselho era composto por seis membros eleitos da mesma forma que os deputados da Assembleia Geral, e teria sua direção igualmente atribuída ao presidente da província. Já os Conselhos Gerais, estipulados pela Carta de 1824 e regulamentados pela lei de 27 de agosto de 1828, funcionaram como o principal espaço de representatividade política provincial até a implantação das Assembleias Legislativas, em 1835. De acordo com a Carta de 1824, deveriam ser instaurados em todas as províncias, exceto naquela em que estivesse sediada a capital do Império. As mais populosas contariam com vinte e um membros, ao passo que as demais teriam direito de eleger treze integrantes. Esses seriam eleitos na mesma ocasião e da mesma forma que deputados e senadores, de modo que a permanência de cada membro no Conselho estaria condicionada à duração de cada legislatura, à semelhança do que ocorria com os Conselhos da Presidência. As sessões dar-se-iam uma vez por ano, com duração de dois meses, podendo ser prorrogadas por mais um, caso a maioria dos conselheiros deliberasse nesse sentido. o que, em tese, aumentaria a propensão desses representantes na luta pelas demandas provinciais na Câmara dos Deputados.
Um exame mais acurado das bancadas mineiras evidencia, entretanto, que as eleições para a Câmara dos Deputados não se traduziam em uma escolha de representantes advindos das localidades, isto é, de simples “representantes das províncias”. Como visto acima, havia níveis de representação que respondiam a demandas distintas, de modo que a relação de um deputado com a província que o elegia não era necessariamente de dependência. É o caso, por exemplo, de Antonio Paulino Limpo de Abreu, Cândido José de Araújo Viana, José Antonio da Silva Maia, José Cesário Miranda Ribeiro, Honório Hermeto Carneiro Leão e Aureliano de Sousa Coutinho, nomes que de alguma forma se aproximam do grupo de novos políticos assinalado por Lynch. O que tornava isso factível era a possibilidade de esses homens costurarem influências fora dos limites provinciais, mais precisamente no Rio de Janeiro, dependendo menos das alianças locais.
A maioria dos nomes supracitados, embora representasse Minas Gerais, residia e trabalhava na Corte. O desembargador Silva Maia, por exemplo, atuou na Relação do Rio de Janeiro e na procuradoria da Coroa (AURORA FLUMINENSE, 06/02/1829). Apenas Carneiro Leão e Aureliano de Sousa Coutinho não moravam (ainda) no Rio de Janeiro, mas mesmo assim tinham ali relações privilegiadas. O sogro-tio de Honório Hermeto vivia na capital do Império e ali traficava escravos, gozando de boas relações (JANOTTI, 1990JANOTTI, Aldo. Marquês de Paraná. São Paulo, Belo Horizonte: Edusp, Itatiaia, 1990., p. 33). Aureliano de Sousa Coutinho, fluminense de nascimento, seria alçado à presidência de São Paulo em janeiro de 1831 e de lá sacado imediatamente após a Abdicação, o que sugere, naquele momento, laços com d. Pedro (SISSON, 1999SISSON, S. A. Galeria dos brasileiros ilustres. v. 2. Brasília: Senado Federal, 1999., p. 338).5 5 Antes de nomeá-lo presidente de São Paulo, d. Pedro fê-lo cavaleiro do hábito de Cristo. Além do mais, essas figuras haviam ocupado ou ocupavam cargos de relevo na magistratura - a maioria havia sido juiz de fora, posto de prestígio no início do século XIX -, o que já impunha um contato mais estreito com o governo do Rio de Janeiro.6 6 Maia havia sido juiz de fora em Sabará, Viana em Mariana, Miranda Ribeiro e Aureliano em São João Del-Rei, e Carneiro Leão em São Sebastião (SP). Limpo de Abreu foi ouvidor na Comarca de Paracatu. O que não os eximia, é claro, da necessidade de terem bases de apoio nas províncias. O brasileiro adotivo Limpo de Abreu casara-se com a filha de um rico proprietário da região de Araxá, de onde sempre extraiu quantidade relevante de votos, além de gozar de boa relação com Bernardo Vasconcelos, colega de turma na Universidade de Coimbra, e José Bento Ferreira de Melo (RODARTE, 2011RODARTE, Claus Rommel. Partidos políticos, poderes constitucionais e representação regional na 1ª legislatura da assembleia geral do império do Brasil: Minas Gerais (1826-1829). 2011. 514 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 332). Aureliano de Sousa Coutinho valeu-se da posição de ouvidor interino da Comarca do Rio das Mortes, a mais populosa da província, para obter votos nos colégios de São João Del-Rei.
O que nos interessa aqui é que há uma alteração na ordem de forças quando se trata desses homens, que compunham uma primeira geração de “políticos profissionais”, ainda que imbuída do bacharelismo que caracterizou os primeiros estadistas do Império (ABREU, 1988ABREU, Sergio França Adorno de. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.). Não é pelo simples fato de terem sustentação na província que conseguem ascender à Câmara. Ao contrário, seu trunfo político estava justamente nas relações privilegiadas para além da província que passam a obter apoio dos grupos de raiz local. Não era a política provincial que verdadeiramente lhes interessava. Poucos participaram dos conselhos provinciais ou os pugnaram ferrenhamente na Câmara, como o fez um Batista Caetano de Almeida, negociante de São João Del-Rei que buscava escoar a produção do sul de Minas para a praça carioca (MOTTA, 2000MOTTA, Rosemary Tofani. Baptista Caetano de Almeida: um mecenas do projeto civilizatório em São João Del-Rei no início do século XIX - a biblioteca, a imprensa e a sociedade literária. 2000. 172 f. Dissertação (Mestrado em Biblioteconomia) - Escola de Biblioteconomia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.). A composição das listas eleitorais para as primeiras legislaturas revela que figuras como Silva Maia, Limpo de Abreu e Aureliano obtiveram votos em colégios de perfil político distintos, o que sugere que suas candidaturas estivessem associadas ora a grupos que fariam oposição ao governo, ora a outros que o defenderiam. Analisando sob a perspectiva do regime representativo, talvez esses homens fossem identificados mais a uma ideia de representação por distinção, calcada na valorização das virtudes do candidato - como razão, ilustração e inteligência política - do que por semelhança.7 7 Embora não utilize esses termos, Alan Kahan (2003) vê duas linhas no discurso da capacidade e sua relação com as eleições no pensamento liberal do século XIX. É certo que sempre há uma tensão entre essas concepções, posto que elas não são excludentes, mas é crível que alguns políticos conseguiram se impor como figuras mais nacionais, deixando sua ligação com a província em segundo plano, mas sem negá-la.
É curioso notar que foram poucos os homens com esse perfil que recorreram explicitamente à imprensa para projetar-se no mundo da política, o que de certa forma afastou-os da luta mais visível, de apelo público, que ocupava as páginas de periódicos preocupados em enaltecer ou difamar determinado candidato. Aparentemente contraditório, uma vez que a imprensa em tese alavancaria a imagem de um candidato, distinguindo-o dentre outros concorrentes, esse relativo distanciamento com relação à imprensa pode ter sido uma estratégia dessas figuras para que não fossem automaticamente identificadas aos grupos políticos mantenedores dos jornais, que a essa época não se pretendiam imparciais e, não poucas vezes, entravam em contendas judiciais. Com isso, esses homens ficaram imunes, até certo ponto, dos rótulos pejorativos de “liberalões” ou “corcundas”, não por serem preservados a todo custo, mas porque transitavam, com idas e vindas, entre grupos de posição política distinta.
Por mais tentador que seja, é difícil estabelecer uma panorama exato das bancadas mineiras do período estudado em termos de concepção de representação, embora seja plausível afirmar que a representação por semelhança predominava numa esfera pública em que a ideia de político profissional ainda estava em construção. Mas é preciso tomar cuidado com afirmações categóricas, já que esse quadro ganha complexidade quando se percebe que havia uma zona de contato entre esses dois perfis, tecida por figuras-chave que tinham maior habilidade e trânsito político para firmar alianças, a exemplo de Bernardo Pereira de Vasconcelos e Evaristo da Veiga, figuras que por seu desempenho nos recintos parlamentares acabaram sendo tratadas pela bibliografia como políticos notáveis, exceções, ou, em outro sentido, como exemplos mais bem-acabados dentre aqueles que formavam “oposição liberal”. No entanto, ao contrário do que pode sugerir a análise de Lynch, Vasconcelos também se dedicava à política provincial, tanto que desempenhou a função de articulador entre as forças políticas mineiras em torno da oposição ao governo de d. Pedro, unindo setores do sul de Minas, da capital mineira e da zona metalúrgica-mantiqueira, sem contar sua assídua participação nos conselhos provinciais e na defesa que fez deles na Câmara. Evaristo da Veiga, por seu turno, sempre lembrado pela bibliografia por sua atuação em discussões de amplitude nacional, foi o grande ponto de apoio no Rio de Janeiro para paulistas e mineiros refratários ao governo pedrino e, posteriormente, a favor da Regência. Residente na Corte, só conseguiu eleger-se deputado por Minas Gerais graças aos votos obtidos em Campanha, colégio mais numeroso daquela província e território sob influência da família Veiga.8 8 A família Veiga era uma das mais influentes na Campanha da primeira metade do século XIX. Era dona de casas de comércio, além de lavouras de cana-de-açúcar e gêneros de primeira necessidade. Embora nunca tenham ocupado cargos públicos de destaque ao longo do período aqui considerado – foram apenas vereadores da Câmara Municipal de Campanha –, Bernardo Jacinto da Veiga e Lourenço Jacinto da Veiga exerceram papel fundamental na articulação política em prol de outro irmão, o livreiro Evaristo da Veiga (VEIGA, 1974, p. 444-454). Evaristo viria a pisar em solo mineiro somente no fim da vida, em 1836, e retribuiu o apoio campanhense, dentre outras formas, defendendo os setores abastecedores na imprensa e Câmara dos Deputados, o que o colocou na condição de principal ponto de apoio desses homens com a política do Rio de Janeiro (LENHARO, 1993, p. 105).
Deputados mineiros na primeira (1826-1829) e segunda (1830-1833) legislaturas do Império
A mais numerosa durante o Primeiro Reinado, a bancada mineira na Câmara dos Deputados contava com vinte assentos, sendo seguida pela Bahia, que oscilou entre 13 e 14 cadeiras.9 9 A Constituição de 1824 não estabeleceu normas para a representação das bancadas das províncias na Câmara dos Deputados. Elas foram instituídas por intermédio de legislação ordinária, como leis, decretos e resoluções (NICOLAU, 1997). O número alto de lugares na Câmara, aliado à existência de uma quantidade significativa de vilas importantes dentro de um contexto regional, promoveu diversidade na composição da bancada mineira. Essa heterogeneidade deve ser entendida, além de uma variedade de nomes, como produto de um cenário eleitoral complexo em que o embate oposição versus governistas requer sempre uma análise cautelosa, mesmo que tal enfrentamento desse o tom da corrida eleitoral e, no limite, balizasse a formação das listas dos candidatos, dos arranjos eleitorais e dos discursos parlamentares.
A bancada mineira eleita para a primeira legislatura do Império (1826-1829)10 10 Deputados mineiros eleitos para a 1ª legislatura do Império (1826-1829), em ordem decrescente de votos: Cândido José de Araújo Viana, José Antonio da Silva Maia, Antonio Augusto Monteiro de Barros, Bernardo Pereira de Vasconcelos, Antonio Rocha Franco, José Cesário Miranda Ribeiro, Lucio Soares Teixeira de Gouveia, José Custódio Dias, José Carlos Pereira de Almeida Torres, João José Lopes Mendes Ribeiro, Manoel Inácio de Melo e Sousa, Manoel Rodrigues da Costa (não tomou posse. Foi substituído por Joaquim Lopes Mendes Ribeiro), Antonio Paulino Limpo de Abreu, Plácido Martins Pereira, José de Resende Costa, Antonio Marques de Sampaio (suplente de Antonio Gonçalves Gomide, nomeado senador em abril de 1826), Luis Augusto May (suplente de Estevão Ribeiro de Rezende, nomeado senador em abril de 1826), José Bento Leite Ferreira de Melo (Suplente de Manoel Ferreira Câmara Bittencourt e Sá, nomeado senador em abril de 1826), Custódio José Dias (Suplente de José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, nomeado senador em abril de 1826), João Joaquim da Silva Guimarães (Suplente do Cônego Januário da Cunha Barbosa, que tomou assento pelo Rio de Janeiro). apresentou um equilíbrio entre políticos que se tornariam governistas e aqueles que integrariam a oposição. Os principais nomes pró-imperador - Antonio da Rocha Franco, José de Rezende Costa, ambos constituintes em 1823, Antonio Marques de Sampaio e José Carlos Pereira de Almeida Torres - levaram vantagem nos colégios eleitorais de Ouro Preto, São João Del-Rei, Sabará e Paracatu. Com exceção do magistrado Almeida Torres, eram notabilidades locais que não alcançariam projeção fora da província. Engrossaram as fileiras do governo Cândido José de Araújo Viana, José Antonio da Silva Maia (constituintes em 1823), José Cesário Miranda Ribeiro e Antonio Augusto Monteiro de Barros, que contaram com apoio do executivo provincial, este pró-d. Pedro, para se eleger.11 11 Como na época os eleitores não votavam em candidatos isolados, mas em listas com o número total de membros da bancada provincial – vinte, no caso mineiro –, é possível observar padrões de voto e, consequentemente, grupos prévios de candidatos a serem votados. Limpo de Abreu, então ouvidor da Comarca de Paracatu, provavelmente favoreceu candidatos governistas no colégio paracatuense, o qual presidiu nas eleições de 1824. O apoio que confeririam a d. Pedro na Câmara, a partir de 1826, renderia a algumas dessas figuras cargos de maior destaque nos anos seguintes. Almeida Torres ocuparia a presidência de São Paulo em duas ocasiões, em 1829 e 1830, ao passo que Araújo Viana dirigiria as províncias de Alagoas (1828) e Maranhão (1828-1829). Sua gestão no Maranhão seria explicitamente elogiada pela imprensa que se opunha ao governo, o que insinua um provável movimento de aproximação de Araújo Viana com aquele setor (AURORA FLUMINENSE, 22/04/1829, 19/10/1829, 24/03/1830, 18/08/1830; PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 15/09/1830; O NOVO ARGOS, 06/02/1830, 30/04/1830, 26/06/1830; O UNIVERSAL, 30/10/1829). Silva Maia ocupou a pasta do Império (1830-1831) e Miranda Ribeiro, nomeado chefe do Executivo cearense, não tomou posse. Monteiro de Barros foi colocado no bem-cotado posto de intendente geral da polícia da Corte, em 1829 (AURORA FLUMINENSE, n. 380, 27/08/1830). Limpo de Abreu não viria a ocupar nenhum cargo indicado pelo Executivo naquele momento, talvez por mostrar-se cada vez mais alinhado aos adversários do governo, com respaldo na imprensa oposicionista.12 12 Limpo de Abreu fez parte de várias comissões: fala do trono, de justiça criminal, redação de leis, dentre outras (BRASIL, 1874-1879, 06/07/1829, 04/05/1830, 05/05/1830, 06/05/1830). Sua atuação seria reconhecida pela imprensa moderada do Centro-sul (AURORA FLUMINENSE, 28/12/1829; O UNIVERSAL, 10/09/1828).
Do lado daqueles que participariam da oposição foram eleitos Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Custódio Dias, Manoel Inácio de Melo e Sousa, João José Lopes Mendes Ribeiro e Lucio Soares Teixeira de Gouveia. Este viria a compor o conhecido Ministério de 20 de novembro de 1827, o primeiro formado exclusivamente por deputados e senadores após a reabertura do Parlamento,13 13 O Gabinete, que durou até dezembro de 1829, era formado pelos deputados Pedro de Araújo Lima (Império), Miguel Calmon Du Pin (Fazenda) e Lucio Soares Teixeira de Gouveia (Justiça), pelos senadores Brigadeiro Bento Barroso Pereira (Guerra), Diogo José de Brito (Marinha), Estrangeiros (Marquês de Aracati). Araújo Lima foi substituído pelo também deputado José Clemente Pereira, em 15 de junho de 1828 (JAVARI, 1889, p. 21). fato que lança luz sobre um ponto importante nas relações entre Executivo e Legislativo no período: a figura do ministro-deputado.
A Carta de 1824 dava o direito a um deputado arregimentado para o Ministério tentar se reeleger para a vaga deixada na Câmara, podendo assim manter os dois cargos (CONSTITUIÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DO BRASIL). Tal disposição dialogava com a concepção inglesa do king-in-parliament, gestada no século XVIII, e cujo ponto fulcral estava na “articulação entre as ações do Executivo e do Legislativo mediante a ocupação de postos daquele poder por membros deste” (ALVES, 2013ALVES, João Victor Caetano. A Câmara na Coroa: ascensão e queda do gabinete de novembro de 1827 (1827-1829). 2013. 195 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013., p. 19)14 14 De acordo com o autor, tal mecanismo foi resultado de um “lento processo de perda do poder do rei, e a consequente ascensão da Câmara dos Comuns, que soube fazer valer sua autoridade no momento em que o rei formava seus ministérios” (ALVES, 2013, p. 20). . A diferença central é que, enquanto no regime inglês o king-in-parliament denotou o fortalecimento do Parlamento15 15 Para Modesto Florenzano (2007, p. 34-35), na Inglaterra acabou por “vingar um tipo de Estado monárquico, descentralizado e baseado numa forma de governo misto – expresso na fórmula king-in-parliament, fórmula que antes da Revolução de 1640 era interpretada de uma maneira pela Coroa e de outra pelo Parlamento, pois esses dois poderes disputavam a soberania; e depois de 1689 passou a ser interpretada de uma única maneira, isto é, a que consagrava o poder do Parlamento”. , no Brasil ocorreu o reverso, isto é, o Executivo buscou se fortalecer por meio da cooptação de membros da Câmara dos Deputados, o que no caso de d. Pedro havia dado certo em 1823. O tema também foi desenvolvido, embora sem o uso da terminologia inglesa, por Benjamin Constant em suas Reflexões sobre as Constituições e as garantias, publicadas em 1814, na França. Para o autor suíço, o mecanismo do king-in-parliament tinha o efeito de abrandar a separação entre o Legislativo e o Executivo, por meio da transposição de parlamentares para as pastas ministeriais, o que tornaria a luta política mais qualificada e menos apegada a querelas institucionais, tal como o recorrente e muitas vezes infrutífero embate entre Câmara dos Deputados e Ministério. Ademais, o recrutamento de deputados para o Executivo abria um precedente positivo, fazendo do governo uma meta possível para os legisladores (ALVES, 2013, p. 34-35).
A possibilidade de um deputado vir a ser ministro e ocupar duas funções despertava juízos distintos dentre os que se opunham ao governo de d. Pedro. Logo no início do ano legislativo de 1828, o deputado pernambucano Holanda Cavalcanti se colocou radicalmente contra a acumulação de cargos, lançando a seguinte questão: “como é que no mesmo tempo se há de exercer o poder e ser vigia de si mesmo?”. Pela mesma época, preocupado com uma presumível influência ministerial nos trabalhos da Câmara dos Deputados, sobretudo na fiscalização do Executivo, Bernardo Pereira de Vasconcelos propôs que deputados-ministros fossem impedidos de participar de comissões. Membros como Cunha Matos, então representante por Goiás, foram contra a proposição por considerarem que um deputado deveria ser tratado como tal quando estivesse na Câmara, independentemente se fosse ministro ou não, o que lhe tornava livre para compor comissões. Após longos debates, a medida de Vasconcelos obteve êxito (ALVES, 2013ALVES, João Victor Caetano. A Câmara na Coroa: ascensão e queda do gabinete de novembro de 1827 (1827-1829). 2013. 195 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013., p. 76-79). A questão voltaria à cena em outras ocasiões durante o Primeiro Reinado, trazendo à tona novas implicações. Não bastasse a sobrecarga de trabalho e do incômodo das sucessivas eleições, alegava-se que os deputados, certos da reeleição, aceitavam as pastas sem maiores ponderações (O REPÚBLICO, 09/10/1830; O UNIVERSAL, 03/11/1830; PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 30/10/1830). Com a Abdicação, quando setores da oposição chegaram ao poder, o tema foi convenientemente deixado de lado ou até mesmo mudou-se o discurso. A reeleição de um ministro passou a significar, para alguns dos partidários da Regência, um voto de confiança dos eleitores (O UNIVERSAL, 27/02/1833).
Em parte uma vitória da oposição, a concordância com a indicação de Vasconcelos não reverteu de todo a situação. Na prática, a escolha de um deputado para o Ministério, seguida da sua reeleição para a mesma legislatura, significou muito mais a presença do Executivo na Câmara do que o inverso. Isto é, a atuação de um ministro-deputado na Câmara se dava, via de regra, no sentido de representar o Executivo no Legislativo, defendendo seus atos, dando-lhe suporte nas matérias que competiam apenas aos legisladores e procurando interferir nas eleições.16 16 O redator d’O Universal resumiu a questão em poucas palavras: “todo deputado que aceita uma pasta, prefere o ser membro do governo a sê-lo da sua augusta Câmara” (O UNIVERSAL, 03/11/1830). No entanto, a ausência de ministros nas comissões impedia-os de produzir relatórios paralelos, que tinham peso similar a um parecer desfavorável ao governo. Afinal, derrubar pareceres era uma tarefa desgastante e exigia boa dose de articulações na Câmara (PEREIRA, 2010PEREIRA, Vantuil. Ao soberano congresso: direitos do cidadão na formação do estado imperial (1822-1831). São Paulo: Alameda Editorial, 2010., p. 211).
A nomeação do gabinete de novembro de 1827 sobreveio num momento de questionamento da figura de d. Pedro e, mormente, do seu Ministério, capitaneado pelo visconde de São Leopoldo (Império) e pelos marqueses de Queluz (Estrangeiros e Fazenda) e Nazaré (Justiça), todos senadores.17 17 Nazaré foi substituído, interinamente, por São Leopoldo e pelo marquês de Valença. O restante do Ministério era formado pelos marqueses de Lages (Guerra) e Maceió (Marinha) (JACQUES, 1982, p. 75). Em 1826, a repercussão dos tratados de Paz e Amizade, firmado entre Brasil e Portugal, e daquele que previa a cessação do tráfico de escravos, assinado entre Brasil e Inglaterra, trouxeram dúvidas sobre o futuro da economia brasileira e desagrados sobre como o governo encaminhara o reconhecimento do Império do Brasil (RIBEIRO, 2009RIBEIRO, Gladys (Org.). Brasileiros e cidadãos: modernidade política, 1822-1930. São Paulo: Alameda, 2009., p. 33-25). No ano seguinte, as tensões se acirraram, ganhando destaque os impasses diante da guerra do sul e as dificuldades com a votação do orçamento do Império (NEVES; MACHADO, 1999NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.).
O novo gabinete trazia algumas inovações: era mais jovem e possuía três deputados entre seus membros e que até então não tinham ocupado nenhum posto de maior destaque na política nacional. A província que representavam parece ter sido um critério para a escolha dos nomes. Minas Gerais (Teixeira de Gouveia), Bahia (Calmon du Pin) e Pernambuco (Araújo Lima) estavam entre as maiores bancadas da Câmara, além de dispor de algumas das principais figuras da oposição. A ideia seria, talvez, neutralizar a atuação de homens como Vasconcelos ou Lino Coutinho (ALVES, 2013ALVES, João Victor Caetano. A Câmara na Coroa: ascensão e queda do gabinete de novembro de 1827 (1827-1829). 2013. 195 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2013., p. 61). Não é ocioso lembrar que, em 1826, Teixeira de Gouveia havia composto, juntamente com Vergueiro, Lino Coutinho e Vasconcelos, a comissão de constituição, um dos primeiros focos de oposição ao governo formado na Câmara (PEREIRA, 2010PEREIRA, Vantuil. Ao soberano congresso: direitos do cidadão na formação do estado imperial (1822-1831). São Paulo: Alameda Editorial, 2010., p. 209). Os principais periódicos de oposição ao governo apoiaram, embora demonstrassem certa reticência sobre a conduta que tomaria a partir dali (O FAROL PAULISTANO, 05/12/1827; AURORA FLUMINENSE, 21/12/1827).
A nomeação de Teixeira de Gouveia não manchou, em princípio, sua imagem com os oposicionistas. Permaneceu protegido pelo jornal de Vasconcelos, que durante a campanha eleitoral para preencher a vaga deixada pelo próprio Teixeira de Gouveia fez empenhada campanha para reelegê-lo, o que de fato ocorreu (O UNIVERSAL, 04/01/1828, 14/01/1828, 25/01/1828). Mas essa boa relação degringolou rapidamente, antes mesmo da abertura da Assembleia Geral, em 1828, período em que Teixeira de Gouveia já vinha atuando ao lado do governo de d. Pedro. A sensação dos antigos aliados que apoiaram sua reeleição para a Câmara era de “arrependimento” (AURORA FLUMINENSE, 18/04/1828), percepção que se reforçou com as investidas de Teixeira de Gouveia a favor de d. Pedro nas eleições para a segunda legislatura (RODARTE, 2011RODARTE, Claus Rommel. Partidos políticos, poderes constitucionais e representação regional na 1ª legislatura da assembleia geral do império do Brasil: Minas Gerais (1826-1829). 2011. 514 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 234-238). A situação agravou-se em 1829, quando da criação de uma Comissão Militar em Pernambuco para o julgamento de um grupo de revoltosos, manobra claramente anticonstitucional que rendeu pela Câmara dos Deputados duas denúncias por desrespeito à Carta de 1824, uma ao Ministro da Guerra Joaquim de Oliveira Álvares e outra a Teixeira de Gouveia. Bernardo Pereira de Vasconcelos e José Custódio Dias, antigos aliados de Teixeira de Gouveia, encabeçaram as ofensivas contra os dois ministros na Câmara. A votação sobre a responsabilidade de Oliveira Álvares ocupou diversas sessões de 1829 e teve ampla cobertura na imprensa oposicionista, expondo a divisão de forças da casa temporária e da bancada mineira naquele momento: enquanto Vasconcelos, Ferreira de Melo, os irmãos Dias (Custódio e José) e Limpo de Abreu votaram a favor da acusação - no que foram coadjuvados pelos aliados paulistas -, os deputados Miranda Ribeiro, Mendes Ribeiro, Teixeira de Gouveia, Silva Guimarães, Rocha Franco, Rezende Costa, Marques de Sampaio, Plácido Martins ficaram ao lado de Álvares, que se livrou da acusação (BRASIL, 1874-1879, SESSÕES DE 13/05/1829, 10/06/1829, 11/06/1829; O NOVO ARGOS, 01/12/1829).
Voltando à primeira bancada mineira, outro nome que mudou de campo político durante o decorrer da primeira legislatura foi João José Lopes Mendes Ribeiro, cuja atuação ao lado de Manoel Inácio de Melo e Sousa na Junta de Governo mineira (1821-1823) rendeu-lhe alguma proximidade com Vasconcelos, Ferreira de Melo e os irmãos Dias. Mesmo após ser alçado à presidência da província de Minas pela primeira vez, em dezembro de 1827, João José Lopes Mendes Ribeiro continuou recebendo apoio d’O Universal, que fez campanha para elegê-lo senador no ano seguinte (O UNIVERSAL, 04/01/1828, 14/01/1828, 25/01/1828).18 18 Mendes Ribeiro foi elogiado por periódicos fora de Minas, como a Aurora Fluminense (25/04/1828), para quem a “boa marcha dos negócios” daquela província advinha das “oportunas providências” tomadas pelo presidente Mendes Ribeiro e seu conselho privativo. Seu afastamento dos antigos aliados deu-se, muito provavelmente, na mesma época da debandada de Teixeira Gouveia (PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 09/10/1830). O partido lopino, nome pejorativo que antigos aliados deram ao grupo de Mendes Ribeiro, trabalhou no sentido de favorecer candidatos pró-d. Pedro nas eleições para a legislatura seguinte (RODARTE, 2011RODARTE, Claus Rommel. Partidos políticos, poderes constitucionais e representação regional na 1ª legislatura da assembleia geral do império do Brasil: Minas Gerais (1826-1829). 2011. 514 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 360-361). Acusações de mau uso da coisa pública envolvendo o presidente mineiro perduraram até meados de 1830, após Mendes Ribeiro deixar o posto (O NOVO ARGOS, 04/03/1830; ESTRELA MARIANENSE, 18/12/1830).
O caso de Mendes Ribeiro é o primeiro, considerando a província de Minas Gerais, em que um político acumulou os cargos de deputado e presidente pela mesma província durante o Primeiro Reinado. Muitos dos senadores escolhidos por d. Pedro haviam sido presidentes entre 1824 e 1826 - como José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, por Minas -, mas todos deixaram o posto ao tomarem assento pelo Senado. Presidentes costumavam ser homens de confiança do imperador (SLEMIAN, 2007SLEMIAN, Andrea. Delegados do chefe da nação: a função dos presidentes de província na formação do Império do Brasil (1823-1834). Almanack brasiliense [on-line], São Paulo, n. 6, p. 20-38, nov. 2007.), portanto dificilmente atuariam na oposição ao governo ou na defesa irrestrita das demandas provinciais, aproximando-se neste ponto mais à figura dos deputados-ministros, justamente por serem membros do Executivo no Legislativo. Fazer de um deputado presidente de província foi, aliás, outra tática utilizada pelo governo pedrino para aumentar sua base de apoio na Câmara dos Deputados. Quando cobrados de seus atos na administração local, alguns dos deputados-presidentes se valiam do argumento de que na Câmara seriam apenas membros do Legislativo, não cabendo ali prestar contas do Executivo provincial.19 19 Veja-se o caso do deputado pelo Rio Grande do Norte José Paulino de Almeida e Albuquerque, àquela altura também presidente da província que representava: “[...] declaro que aqui sou deputado; não sou presidente. A minha opinião fora da câmara não tem influência no que digo nesta câmara. Quando algum deputado quiser saber alguma coisa da província onde sou presidente, peça informações ao governo dele, por consequência nada digo a respeito da minha presidência, nem uma palavra; digo a V. Ex. que todas as vezes que me chamarem como tal, responderei que não sou presidente, aqui sou deputado [...]” (BRASIL, 1874-1879, 30/07/1830). Já outros foram à tribuna para intervir na discussão de assuntos referentes às províncias as quais governavam, como fez José Carlos Pereira de Almeida Torres para São Paulo.20 20 Ver, por exemplo, a atuação de Almeida Torres nas discussões sobre o pagamento de soldos aos milicianos da Campanha do Sul e sobre o projeto de lei para extinção do posto de administrador da alfândega de Santos (BRASIL, 1874-1879, 19/06/1829, 25/05/1829). Até a Abdicação, mais nenhum deputado mineiro seria içado à presidência da província.
Quatro nomes não tomaram posse na primeira bancada mineira por terem sido escolhidos senadores por d. Pedro, em 1826. Todos eles, curiosamente, estavam dentre os menos votados (TAUNAY, 1950TAUNAY, Afonso de Escragnolle. A Câmara dos deputados sob o Império. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1950., p. 117-118), o que talvez indique um conhecimento dos eleitores de que esses políticos preferiam a câmara alta à baixa e que, portanto, seria mais conveniente destinar seus votos para outros pleiteantes. O resultado disso foi que com a convocação dos suplentes entraram em cena figuras ainda restritas à política local, mas que se tornariam partícipes da oposição ao governo da Corte e, mais tarde, símbolos do liberalismo moderado em Minas Gerais, como José Bento Leite Ferreira de Melo e Custódio José Dias. Luis Augusto May, que em 1822 enfrentara os Andradas e o grupo de Gonçalves Ledo por meio do jornal A Malagueta (LUSTOSA, 2000LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na independência (1821-1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 157-173), tomou assento como suplente e ajudou a engrossar a oposição. O chamamento dos suplentes também permitiu a entrada de João Joaquim da Silva Guimarães, desafeto do grupo de Vasconcelos (O UNIVERSAL, 28/01/1829; ASTRO DE MINAS, 20/01/1829). Ao fim e ao cabo, a despeito da sua composição inicial, a bancada mineira estreou a legislatura com um maior equilíbrio de forças, com leve vantagem para aqueles que viriam a apoiar o governo de d. Pedro.
A conservação de alguns nomes e a mudança de outros da primeira para a segunda legislatura (1830-1833)21 21 Deputados mineiros eleitos para a 2ª legislatura do Império (1830-1833), em ordem decrescente de votos: Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Custódio Dias, José Antonio da Silva Maia (nomeado ministro do Império, em 1830, foi eleito em seu lugar Gabriel Junqueira), José Bento Leite Ferreira de Melo, Custódio José Dias (em 1833, foi substituído por Gabriel Mendes dos Santos), Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Antonio Paulino Limpo de Abreu, José Cesário Miranda Ribeiro, Manoel Gomes da Fonseca, Batista Caetano de Almeida, João José Lopes Mendes Ribeiro, Candido José de Araújo Viana (em 1832 foi substituído por Gabriel Mendes dos Santos), Antonio Maria de Moura, Antonio Pinto Chichorro da Gama, Lucio Soares Teixeira de Gouveia (nomeado ministro da Justiça, não tomou assento. Foi eleito para seu lugar, em 1830, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha), Honório Hermeto Carneiro Leão, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, Bernardo Belisário Soares de Sousa, Evaristo Ferreira da Veiga (tomou assento como suplente do brigadeiro Raimundo J. da Cunha Mattos, que optou por Goiás), João Antonio de Lemos (tomou assento como suplente de Pedro José Martiniano de Alencar, que optou pelo Ceará). responderam tanto a uma lógica mais circunstancial, de cunho eleitoral, como a um processo mais longo de fortalecimento da oposição ao governo na Câmara dos Deputados. As eleições para a segunda legislatura, ocorridas no recesso parlamentar entre as sessões de 1828 e 1829, foram norteadas pelo embate entre oposição e governo, o qual buscou evitar a perda de espaço na câmara baixa (LYRA, 2000LYRA, Maria de Lourdes. O Império em construção: Primeiro Reinado e Regências. São Paulo: Atual, 2000.). Entre outras iniciativas, o Ministério efetuou a troca de presidentes de províncias, afim de que influíssem nos pleitos locais. Entre 1827 e 1828, 11 das 18 províncias do Império tiveram os seus presidentes substituídos. O resultado, todavia, não saiu conforme o esperado. Embora a Câmara dos Deputados tenha tido mais de 60% de renovação, esta se deu em favor da oposição, inclusive com o retorno à cena pública de velhas figuras da Constituinte e que foram expoentes na luta entre d. Pedro e a Assembleia, como José Martiniano de Alencar e Venâncio Henriques de Resende (PEREIRA, 2010PEREIRA, Vantuil. Ao soberano congresso: direitos do cidadão na formação do estado imperial (1822-1831). São Paulo: Alameda Editorial, 2010., p. 216-217).
A segunda bancada mineira foi marcada pela consolidação daqueles que vinham fazendo frente ao governo pedrino. Grupos associados a produtores e negociantes de gêneros de subsistência do sul de Minas conseguiram reeleger seus principais nomes - José Custódio Dias, José Bento Leite Ferreira de Melo e Custódio José Dias -, além de lançar pela primeira vez Batista Caetano de Almeida e Evaristo Ferreira da Veiga, que se elegeu suplente. Foi em Campanha, aliás, que esses políticos obtiveram maior vantagem em votos, ainda que em quase todos os principais colégios eleitorais eles tenham conseguido bons resultados. Dentre aqueles homens cujo horizonte político não se delimitava primordialmente à província, mas que por ajudarem a engrossar a oposição ao governo estavam nesse momento associados aos produtores e negociantes do sul de Minas, também obtiveram sucesso, a exemplo de Antonio Paulino Limpo de Abreu, José Cesário Miranda Ribeiro, Honório Hermeto Carneiro Leão e Candido José de Araújo Viana. No topo da lista dos mais sufragados ficou Bernardo Pereira de Vasconcelos, que à época servia como elemento aglutinador da oposição mineira, embora estivesse mais próximo do grupo dos produtores sul-mineiros.22 22 Vasconcelos foi de longe o mais votado, com 945 sufrágios, quase duzentos a mais que o segundo colocado, José Custódio Dias, com 752 (RODARTE, 2011, tabela 2.24). José Martiniano de Alencar, deputado cearense que na legislatura passada havia atuado junto à oposição na Câmara, foi lançado candidato pelos liberais mineiros como estratégia para preencher espaços na bancada de Minas. Obteve votos em vários colégios, notadamente em Caeté, alcançando o número suficiente para tornar-se deputado por Minas, mas optou tomar assento por sua província natal. Para os periódicos que se opunham ao governo, o resultado das eleições foi-lhes amplamente favorável (O FAROL PAULISTANO, 22/04/1829, 06/05/1829).
Por outro lado, a segunda bancada mineira sofreu uma retração significativa da influência dos executivos provincial e central se comparada à anterior. É verdade que o crescimento da oposição não barrou as eleições de Antonio da Silva Maia, que seria feito ministro, Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, posto no comando da província de São Paulo às vésperas da Abdicação e João José Lopes Mendes Ribeiro, então presidente da província, porém a maioria dos deputados governistas da primeira legislatura não conseguiu repetir o feito anterior.23 23 Dos deputados mineiros que declaradamente apoiavam o governo pedrino, não conseguiram reeleição Antonio Augusto Monteiro de Barros, Lucio Soares Teixeira de Gouveia (o motivo será discutido adiante), José Carlos Pereira de Almeida Torres, José de Resende Costa, João Joaquim da Silva Guimarães e Antonio Marques de Sampaio. Plácido Martins Pereira, que votou a favor da absolvição do ministro Oliveira Álvares, em 1829, também ficou sem assento. Além de Curvelo, Paracatu, Salgado e Barra do Rio das Velhas, todos colégios menores, os governistas só conseguiram dominar um centro eleitoral de relevo, Ouro Preto, obviamente sob influência do presidente Mendes Ribeiro (RODARTE, 2011RODARTE, Claus Rommel. Partidos políticos, poderes constitucionais e representação regional na 1ª legislatura da assembleia geral do império do Brasil: Minas Gerais (1826-1829). 2011. 514 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., p. 327-330).
A maior derrota sofrida pelos partidários de d. Pedro ficou por conta da não tomada de posse de Lúcio Soares Teixeira de Gouveia, que nas eleições de 1829 havia ficado em 15º lugar entre os mais votados para a bancada mineira. Por ter sido demitido da pasta da Justiça, em dezembro de 1829, Teixeira de Gouveia dirigiu-se para a Câmara dos Deputados, em maio do ano seguinte, para sagrar-se deputado pela segunda legislatura. Mas nas sessões preparatórias a comissão designada para conferência dos diplomas dos deputados eleitos - formada por Luis Cavalcanti, José Bento Ferreira de Melo, Augusto Xavier de Carvalho, Joaquim Alves Branco Muniz Barreto e Ernesto Ferreira França - emitiu um parecer alegando que seria necessária a realização de um novo pleito para a vaga do ex-ministro, pois quando da sua saída da pasta da Justiça, as eleições para a segunda legislatura já haviam se encerrado, o que colocava Teixeira de Gouveia como virtual deputado (BRASIL, 1874-1879, 25/04/1830).
Os debates que se seguiram em virtude da indicação tomaram contornos legalistas, mas não escondiam sua motivação política. Vasconcelos foi um dos que mais subiu à tribuna para propugnar novas eleições, no que foi secundado por outros deputados mineiros, como Custódio Dias. Ernesto Ferreira França sintetizou a questão nos seguintes termos: “Quando um deputado passa a ser procurador do poder executivo, tem perdido de certo a confiança da nação. E para ver se ele conserva ou não a primeira é preciso a reeleição” (BRASIL, 1874-1879, 28/04/1830, 29/04/1830). Ao final dos debates a indicação da comissão acabou vencendo e novas eleições foram convocadas, para regozijo da imprensa adversária do governo (O FAROL PAULISTANO, 15/05/1830; O UNIVERSAL, 15/09/1830). Excluindo-se Ouro Preto, colégio em que provavelmente foi ajudado pelo presidente João José Lopes Mendes Ribeiro, Teixeira de Gouveia obteve votações expressivas apenas em colégios menores, como Minas Novas, São Romão, São José, Salgado e Rio Pardo. Na apuração final, o candidato da oposição José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, dono de lavras na região de Caeté, conseguiu mais que o dobro de votos e sagrou-se deputado (AURORA FLUMINENSE, 27/08/1830; PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 25/09/1830; O UNIVERSAL, 15/09/1830, 20/09/1830, 10/11/1830).24 24 Coelho da Cunha totalizou 436 votos, contra 132 de Teixeira de Gouveia. Como compensação pela derrota, o Ministério indicou Teixeira de Gouveia para o cargo de juiz da alfândega do Rio de Janeiro (AURORA FLUMINENSE, 09/06/1830).
Situação parecida ocorreu com o deputado mineiro José Antônio da Silva Maia, chamado para ocupar a pasta do Império em outubro de 1830, quando a oposição a d. Pedro e aos ministros não dava trégua, criticando inclusive a escolha do imperador (PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 30/10/1830). A ocasião das eleições para preencher a cadeira deixada pelo novo ministro coincidiu com a segunda ida de d. Pedro a Minas Gerais, que viajou acompanhado de Silva Maia. Periódicos da oposição sugeriram que o ministro não incentivasse eleitores a votarem a seu favor, pois isso deporia contra sua figura política (PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 26/01/1831, 05/02/1831). Silva Maia e governo foram batidos com folga pelo candidato da oposição Gabriel Francisco Junqueira, membro da poderosa família Junqueira, dona de extensas faixas de terra no sudoeste mineiro. Para o redator do Astro de Minas, fez “muita honra” a província de Minas em barrar a reeleição de Silva Maia, fato que demonstrava a inexistência de servilismo para com o governo (ASTRO DE MINAS, 21/07/1831; ESTRELA MARIANENSE, 09/02/1831). Além da derrota momentânea e das críticas sofridas durante o período à frente da pasta da Justiça (PREGOEIRO CONSTITUCIONAL, 27/11/1830), Silva Maia não conseguiria se reeleger deputado para a terceira legislatura, voltando ao primeiro plano da política somente anos mais tarde, já na regência de Araújo Lima. A ida de um deputado ao Ministério, por mais que alavancasse a carreira política de um membro da Câmara baixa e o colocasse em outra teia de relações da política, não garantia, portanto, a reeleição para a vaga deixada em aberto na Câmara, o que relativiza a suposição comumente aventada pela bibliografia de que o governo manipulava eleitores com facilidade. Talvez essa tenha sido uma das razões pelas quais d. Pedro não reeditou a solução de montar um ministério com figuras da Câmara, pois corria o risco de perder sua base de apoio ali instalada.
O alinhamento político da segunda bancada mineira se reestruturou com a Abdicação, período que foge aos propósitos deste artigo. De toda sorte, cumpre mencionar que, a despeito dos abalos causados pela saída do imperador, os mineiros que até ali se opuseram ao governo de d. Pedro tinham certeza de que o governo constitucional estava consolidado, ainda que houvesse divergências sobre o seu formato. Mais do que acompanharem o afastamento de d. Pedro, esses setores estavam preocupados em participar da construção do novo governo, tanto que o que se delineou a partir daí foi a edificação da maior base de apoio da qual a Regência gozaria até o Ato Adicional. Em questão de pouco tempo, líderes da oposição parlamentar do Primeiro Reinado - homens como Vergueiro, Feijó e Vasconcelos - ocupariam cargos estratégicos na máquina pública. A maior parte desses homens alinhar-se-ia aos chamados liberais moderados, grupo bastante heterogêneo - não obstante a retórica da homogeneidade propalada pela imprensa periódica moderada - que trazia em seu bojo uma fragmentação interna herdada da oposição do Primeiro Reinado. Já aqueles que constituíram a base governista do Primeiro Reinado passaram a serem identificados aos caramurus ou restauradores, ao passo que liberais mais radicais, como Teófilo Otonni, foram associados aos chamados exaltados, que enfatizavam a necessidade das reformas constitucionais, a eficácia dos princípios federativos e a importância de ampliarem-se as bases de participação política (BASILE, 2004BASILE, Marcello Otávio Néri de Campos. O Império em construção: projetos de Brasil e ação política na Corte regencial. 2004. 356 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.; MOREL, 2005MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidade na cidade imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.).
Considerações finais
Tomadas em conjunto, as bancadas mineiras eleitas para as duas primeiras legislaturas do Império nos permitem inferir algumas considerações. A começar pela constatação de que o arranjo de ambas decorreu de uma intricada confluência de fatores - concepções diferentes de representação e projeto de Estado, questões eleitorais e institucionais, alianças provinciais e interprovinciais, disputas entre grupos adversários, conflitos envolvendo perspectivas de negócios, mercado e ocupação de espaços na administração pública - que realçam o caráter multifacetado dessas bancadas, muito longe da ideia de “elites provinciais” indistintas, conflitantes apenas da competição por cargos e poder.
As questões acima elucidadas nos levam a crer que, em vez de fazer uma associação automática entre representação nacional e Parlamento, talvez seja mais proveitoso observar que os políticos e os votantes/eleitores da época entendiam a representação política como uma concepção passível de ser aplicada de modos diversos e de acordo com o espaço de poder em questão. Esse ponto é crucial, pois ajuda a desfazer aparentes contradições na atuação de um político, sobretudo daqueles que transitavam por mais de uma esfera de poder, como deputados-conselheiros de província, deputados-presidentes de província e deputados-ministros. Os legisladores participaram, portanto, de um jogo de mão dupla, o qual entremeava a representação local e o espaço da Corte, expondo tensões e limites da representação política.
Isso não eliminou, obviamente, a existência de grupos e regiões que se viram mais ou menos representados na Câmara dos Deputados. No tocante às Minas Gerais, a composição das bancadas foi complexa e diluída, conquanto seja aceitável afirmar que o principal grupo de oposição ao governo de d. Pedro ali formado constituiu-se por setores proprietários do sul de Minas - especialmente de vilas como Pouso Alegre, Campanha, São João Del-Rei e Barbacena - e que tiveram como representantes Ferreira de Melo, os irmãos Dias, Francisco Junqueira, além do apoio fundamental dos magistrados Bernardo Vasconcelos (Ouro Preto), Manuel Inácio de Melo e Sousa (Mariana) e do livreiro Evaristo da Veiga (Rio de Janeiro). Eles almejavam conquistar espaço no mercado de abastecimento da Corte e ocupar cargos de maior destaque na política imperial, objetivo também perseguido por homens como Batista Caetano de Almeida, negociante associado à atividade comercial de São João Del-Rei.
Donos de engenhos de cana-de-açúcar e de lavras, produtores e comerciantes de gêneros de primeira necessidade, criadores e negociantes de tropas de burro, esses homens tiveram papel fundamental nos debates ocorridos nas Cortes de Lisboa, na viabilização do Fico, na composição das Juntas de Governo e no endosso (ainda que momentâneo) à Carta de 1824 (NASCIMENTO, 2010NASCIMENTO, Helvécio Pinto do. Em defesa do “adequado” constitucionalismo: as articulações políticas dos camaristas e padres nas vilas mineiras no contexto separatista (1821-1824). 2010. 386 f. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.), mas não chegaram a ser recrutados por d. Pedro para o Ministério. Por isso, acabaram se organizando, alternativamente, nas esferas de poder que dependiam de processos eleitorais, tais como as Câmaras Municipais, os Conselhos Provinciais e, em especial, a Câmara dos Deputados, divisando nas sucessivas convocações do Parlamento um modo de abrir espaços políticos na Corte, ampliando sua rede de negócios e projeção política. Tais espaços, no entanto, também foram granjeados fora das esferas oficiais de poder e dos negócios, como por exemplo, pela imprensa periódica. Não à toa que, ao longo das primeiras legislaturas, viriam a compor um dos principais grupos de oposição ao governo de d. Pedro no Legislativo.
Entre os mineiros, a oposição ao governo de d. Pedro contou, também, com um número significativo de políticos cujos laços com o Rio de Janeiro pesavam mais do que aqueles com a província, como os jovens magistrados Limpo de Abreu, Carneiro Leão e Araújo Viana. No entanto, não se pode esquecer que figuras como Silva Maia e Aureliano Coutinho aliaram-se ao governo de d. Pedro, dado que evidencia como num grupo aparentemente homogêneo conviviam homens de posição, função e atuação política distintos que não podem ser resumidos unicamente a fidelidades de ordem de origem, de condição socioeconômica ou de inclinação político-ideológica. Todos esses aspectos nos levam a supor que o encaminhamento das demandas provinciais na Câmara dos Deputados constituiu um processo bastante complexo que não se resumia à transposição automática de interesses das províncias para o Legislativo. Posto que os parlamentares cultivavam, em maior ou menor grau, vínculos com suas localidades de origem, participando até das esferas de poder ali investidas, estava posto para esses homens que ao fazer política provincial fazia-se, direta ou indiretamente, política nacional e vice-versa.
Diferentemente dos setores oposicionistas, que em sua maioria já partiram dos colégios eleitorais com vistas a fazer frente a d. Pedro, a base de apoio do governo nas bancadas mineiras foi tecida a partir de duas frentes principais. A primeira consistia na atuação do presidente de província, que costurava adesões na esfera provincial, sobretudo entre os eleitores de segundo grau. Não por acaso, Ouro Preto, sede do executivo mineiro, acabou se firmando como o colégio eleitoral de maior inclinação governista dentro da província, o que de certa forma surtiu efeito, ainda que não no nível desejado. Não é surpresa, igualmente, que ali circulassem homens próximos a d. Pedro, em virtude dos cargos de nomeação exclusiva do Executivo do Rio de Janeiro, da teia administrativa que enredava províncias e centro do Império e da participação da capital mineira no projeto de monarquia constitucional centrada na Corte fluminense. A segunda frente - essa já inserida no contexto político do Rio de Janeiro - era manifesta pela tentativa de cooptação de membros da Câmara dos Deputados pelo Executivo, estratégia que teve resultados pontuais, mas que se mostrou problemática em longo prazo. Vale dizer ainda que o recrutamento pelo governo de homens com maior prestígio para compor o Senado e o Executivo acabou deixando na Câmara dos Deputados uma lacuna na base governista de figuras politicamente mais experientes, artifício que também contribuiu para o fortalecimento de setores da oposição.
É indiscutível que houve uma progressiva escalada da oposição ao governo durante o Primeiro Reinado, tema assaz tratado pela bibliografia. É preciso considerar, todavia, que os oposicionistas mantiveram uma unidade aparente, porém necessária diante da existência de um adversário em comum - o Executivo e parte do Senado. As divergências existentes da oposição aflorariam com maior nitidez após o 7 de abril, quando aqueles que a compunham passaram a lutar entre si pelo poder. A chamada “ascensão moderada”, portanto, já nasceria dividida nos idos de 1831.
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- (O) NOVO ARGOS. Ouro Preto, 30 abr. 1830.
- (O) NOVO ARGOS. Ouro Preto, 26 jun. 1830.
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- (O) UNIVERSAL. Ouro Preto, 04 jan. 1828
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- VIANA, Francisco de Oliveira. O ocaso do Império. 3.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
Notas
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1
O trabalho de Clauss Rodarte (2011) constitui exceção. Porém, o foco do autor recai sobre os resultados eleitorais e não propriamente sobre os aspectos que nortearam a formação das bancadas mineiras.
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2
Ver obras já citadas desses autores.
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3
As listas referentes aos processos eleitorais em Minas Gerais para a 1ª e 2ª legislaturas encontram-se transcritas em RODARTE, 2011. Ao todo, foram utilizadas 24 listas, cf. tabelas 1.1 a 1.24.
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4
Eram dois os conselhos provinciais. Criado pela lei de 23 de outubro de 1823, o Conselho da Presidência consistia num braço do executivo provincial, firmando-se como importante contraponto à ação política do presidente de província. Aos Conselhos da Presidência cabia propor e deliberar sobre questões relativas à infraestrutura da província, fiscalizar os negócios provinciais e suspender determinados funcionários públicos. O Conselho era composto por seis membros eleitos da mesma forma que os deputados da Assembleia Geral, e teria sua direção igualmente atribuída ao presidente da província. Já os Conselhos Gerais, estipulados pela Carta de 1824 e regulamentados pela lei de 27 de agosto de 1828, funcionaram como o principal espaço de representatividade política provincial até a implantação das Assembleias Legislativas, em 1835. De acordo com a Carta de 1824, deveriam ser instaurados em todas as províncias, exceto naquela em que estivesse sediada a capital do Império. As mais populosas contariam com vinte e um membros, ao passo que as demais teriam direito de eleger treze integrantes. Esses seriam eleitos na mesma ocasião e da mesma forma que deputados e senadores, de modo que a permanência de cada membro no Conselho estaria condicionada à duração de cada legislatura, à semelhança do que ocorria com os Conselhos da Presidência. As sessões dar-se-iam uma vez por ano, com duração de dois meses, podendo ser prorrogadas por mais um, caso a maioria dos conselheiros deliberasse nesse sentido.
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5
Antes de nomeá-lo presidente de São Paulo, d. Pedro fê-lo cavaleiro do hábito de Cristo.
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6
Maia havia sido juiz de fora em Sabará, Viana em Mariana, Miranda Ribeiro e Aureliano em São João Del-Rei, e Carneiro Leão em São Sebastião (SP). Limpo de Abreu foi ouvidor na Comarca de Paracatu.
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7
Embora não utilize esses termos, Alan Kahan (2003) vê duas linhas no discurso da capacidade e sua relação com as eleições no pensamento liberal do século XIX.
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8
A família Veiga era uma das mais influentes na Campanha da primeira metade do século XIX. Era dona de casas de comércio, além de lavouras de cana-de-açúcar e gêneros de primeira necessidade. Embora nunca tenham ocupado cargos públicos de destaque ao longo do período aqui considerado – foram apenas vereadores da Câmara Municipal de Campanha –, Bernardo Jacinto da Veiga e Lourenço Jacinto da Veiga exerceram papel fundamental na articulação política em prol de outro irmão, o livreiro Evaristo da Veiga (VEIGA, 1974, p. 444-454).
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9
A Constituição de 1824 não estabeleceu normas para a representação das bancadas das províncias na Câmara dos Deputados. Elas foram instituídas por intermédio de legislação ordinária, como leis, decretos e resoluções (NICOLAU, 1997).
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10
Deputados mineiros eleitos para a 1ª legislatura do Império (1826-1829), em ordem decrescente de votos: Cândido José de Araújo Viana, José Antonio da Silva Maia, Antonio Augusto Monteiro de Barros, Bernardo Pereira de Vasconcelos, Antonio Rocha Franco, José Cesário Miranda Ribeiro, Lucio Soares Teixeira de Gouveia, José Custódio Dias, José Carlos Pereira de Almeida Torres, João José Lopes Mendes Ribeiro, Manoel Inácio de Melo e Sousa, Manoel Rodrigues da Costa (não tomou posse. Foi substituído por Joaquim Lopes Mendes Ribeiro), Antonio Paulino Limpo de Abreu, Plácido Martins Pereira, José de Resende Costa, Antonio Marques de Sampaio (suplente de Antonio Gonçalves Gomide, nomeado senador em abril de 1826), Luis Augusto May (suplente de Estevão Ribeiro de Rezende, nomeado senador em abril de 1826), José Bento Leite Ferreira de Melo (Suplente de Manoel Ferreira Câmara Bittencourt e Sá, nomeado senador em abril de 1826), Custódio José Dias (Suplente de José Teixeira da Fonseca Vasconcelos, nomeado senador em abril de 1826), João Joaquim da Silva Guimarães (Suplente do Cônego Januário da Cunha Barbosa, que tomou assento pelo Rio de Janeiro).
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11
Como na época os eleitores não votavam em candidatos isolados, mas em listas com o número total de membros da bancada provincial – vinte, no caso mineiro –, é possível observar padrões de voto e, consequentemente, grupos prévios de candidatos a serem votados.
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12
Limpo de Abreu fez parte de várias comissões: fala do trono, de justiça criminal, redação de leis, dentre outras (BRASIL, 1874-1879, 06/07/1829, 04/05/1830, 05/05/1830, 06/05/1830). Sua atuação seria reconhecida pela imprensa moderada do Centro-sul (AURORA FLUMINENSE, 28/12/1829; O UNIVERSAL, 10/09/1828).
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13
O Gabinete, que durou até dezembro de 1829, era formado pelos deputados Pedro de Araújo Lima (Império), Miguel Calmon Du Pin (Fazenda) e Lucio Soares Teixeira de Gouveia (Justiça), pelos senadores Brigadeiro Bento Barroso Pereira (Guerra), Diogo José de Brito (Marinha), Estrangeiros (Marquês de Aracati). Araújo Lima foi substituído pelo também deputado José Clemente Pereira, em 15 de junho de 1828 (JAVARI, 1889, p. 21).
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14
De acordo com o autor, tal mecanismo foi resultado de um “lento processo de perda do poder do rei, e a consequente ascensão da Câmara dos Comuns, que soube fazer valer sua autoridade no momento em que o rei formava seus ministérios” (ALVES, 2013, p. 20).
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15
Para Modesto Florenzano (2007, p. 34-35), na Inglaterra acabou por “vingar um tipo de Estado monárquico, descentralizado e baseado numa forma de governo misto – expresso na fórmula king-in-parliament, fórmula que antes da Revolução de 1640 era interpretada de uma maneira pela Coroa e de outra pelo Parlamento, pois esses dois poderes disputavam a soberania; e depois de 1689 passou a ser interpretada de uma única maneira, isto é, a que consagrava o poder do Parlamento”.
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16
O redator d’O Universal resumiu a questão em poucas palavras: “todo deputado que aceita uma pasta, prefere o ser membro do governo a sê-lo da sua augusta Câmara” (O UNIVERSAL, 03/11/1830).
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17
Nazaré foi substituído, interinamente, por São Leopoldo e pelo marquês de Valença. O restante do Ministério era formado pelos marqueses de Lages (Guerra) e Maceió (Marinha) (JACQUES, 1982, p. 75).
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18
Mendes Ribeiro foi elogiado por periódicos fora de Minas, como a Aurora Fluminense (25/04/1828), para quem a “boa marcha dos negócios” daquela província advinha das “oportunas providências” tomadas pelo presidente Mendes Ribeiro e seu conselho privativo.
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19
Veja-se o caso do deputado pelo Rio Grande do Norte José Paulino de Almeida e Albuquerque, àquela altura também presidente da província que representava: “[...] declaro que aqui sou deputado; não sou presidente. A minha opinião fora da câmara não tem influência no que digo nesta câmara. Quando algum deputado quiser saber alguma coisa da província onde sou presidente, peça informações ao governo dele, por consequência nada digo a respeito da minha presidência, nem uma palavra; digo a V. Ex. que todas as vezes que me chamarem como tal, responderei que não sou presidente, aqui sou deputado [...]” (BRASIL, 1874-1879, 30/07/1830).
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20
Ver, por exemplo, a atuação de Almeida Torres nas discussões sobre o pagamento de soldos aos milicianos da Campanha do Sul e sobre o projeto de lei para extinção do posto de administrador da alfândega de Santos (BRASIL, 1874-1879, 19/06/1829, 25/05/1829).
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21
Deputados mineiros eleitos para a 2ª legislatura do Império (1830-1833), em ordem decrescente de votos: Bernardo Pereira de Vasconcelos, José Custódio Dias, José Antonio da Silva Maia (nomeado ministro do Império, em 1830, foi eleito em seu lugar Gabriel Junqueira), José Bento Leite Ferreira de Melo, Custódio José Dias (em 1833, foi substituído por Gabriel Mendes dos Santos), Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Antonio Paulino Limpo de Abreu, José Cesário Miranda Ribeiro, Manoel Gomes da Fonseca, Batista Caetano de Almeida, João José Lopes Mendes Ribeiro, Candido José de Araújo Viana (em 1832 foi substituído por Gabriel Mendes dos Santos), Antonio Maria de Moura, Antonio Pinto Chichorro da Gama, Lucio Soares Teixeira de Gouveia (nomeado ministro da Justiça, não tomou assento. Foi eleito para seu lugar, em 1830, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha), Honório Hermeto Carneiro Leão, Martim Francisco Ribeiro de Andrada, Bernardo Belisário Soares de Sousa, Evaristo Ferreira da Veiga (tomou assento como suplente do brigadeiro Raimundo J. da Cunha Mattos, que optou por Goiás), João Antonio de Lemos (tomou assento como suplente de Pedro José Martiniano de Alencar, que optou pelo Ceará).
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22
Vasconcelos foi de longe o mais votado, com 945 sufrágios, quase duzentos a mais que o segundo colocado, José Custódio Dias, com 752 (RODARTE, 2011, tabela 2.24).
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23
Dos deputados mineiros que declaradamente apoiavam o governo pedrino, não conseguiram reeleição Antonio Augusto Monteiro de Barros, Lucio Soares Teixeira de Gouveia (o motivo será discutido adiante), José Carlos Pereira de Almeida Torres, José de Resende Costa, João Joaquim da Silva Guimarães e Antonio Marques de Sampaio. Plácido Martins Pereira, que votou a favor da absolvição do ministro Oliveira Álvares, em 1829, também ficou sem assento.
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24
Coelho da Cunha totalizou 436 votos, contra 132 de Teixeira de Gouveia.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2018
Histórico
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Recebido
02 Nov 2016 -
Aceito
14 Out 2017