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Relações de parentesco nas elites amazônicas : sociações familiares, articulações de poder e reprodução social

Kinship relations among Amazonian elites : Family associations, power articulations and social reproduction

Resumo

O artigo reflete sobre as estratégias de reprodução social de um grupo de parentesco pertencente às elites amazônicas. Prospeccionando 1.381 indivíduos em seis gerações, num período que se estende de 1772 a 1945, busca-se pensar sobre as dinâmicas de suas uniões matrimoniais à luz do conceito de sociação. Indaga-se sobre o papel da endogamia, da endogamia estendida e da falsa endogamia no processo de construção social do parentesco, e discute-se a pertinência de conceitos como família patriarcal, elite e classe social dominante para compreender o pocesso social que envolve os indivíduos desse grupo de parentesco.

Palavras-chave:
parentesco; Amazônia; elites; sociação; família.

Abstract

The article reflects on the strategies of social reproduction of a kinship group belonging to the Amazonian elites. Prospecting 1,381 individuals in six generations, in a period that extends from 1772 to 1945, we seek to think about the dynamics of their marital unions in the light of the concept of sociation. We ask about the role of endogamy, extended endogamy and false endogamy in the process of social construction of kinship and discuss the pertinence of concepts such as patriarchal family, elite and dominant social class to understand the social process that involves the individuals of this kinship group.

Keywords:
kinship; Amazon; elites; sociation; family.

Este artigo objetiva descrever a estrutura de sociações familiares e de articulações de poder de um grupo de parentesco amazônico durante seis gerações, num período que se estende de 1772 a cerca de 1945. O grupo inicia com o militar João da Gama Lobo, designado, naquele ano, a servir no Estado do Grão-Pará e Maranhão e se prolonga aos dias atuais, perfazendo um universo com cerca de 4,5 mil indivíduos, espalhados por diversos Estados brasileiros e no exterior, mas, principalmente, no Pará e no Rio de Janeiro.

Para efeito de nossa análise, delimitamos o referido período, que contabiliza 1.381 indivíduos, dos quais prospectamos sua trajetória produtiva e social, bem como suas estratégias de sociação matrimonial. Buscamos destacar, no artigo, juntamente com o descritivo geral das posições de poder ocupadas, as dinâmicas de sociação, ou seja, as alianças e construção de vínculos familiares, tanto interno ao grupo - endogâmicos - como no campo de uma endogamia estendida - com parentes afins - e, ainda, com indivíduos pertencentes ao mesmo campo social de poder, compreenda-se esse campo como classe social, fração de classe, burguesia ou elite - em síntese, aquilo a que Lévi-Strauss (1976) denominou falsa endogamia.

Nosso objetivo é pensar sobre as estratégias de sociação na reprodução social das classes dominantes amazônicas. Nesse sentido, compreendemos sociação a partir de Simmel (1999SIMMEL, G. Sociologie: Etudes sur les formes de la socialization. Paris: Presses Universitaires de France, 1999. ), pensando-a como vínculo social estruturante e fundamental. Um vínculo, sim, mas não no contexto de uma estrutura rígida - ao contrário, um fluxo de nós contínuos, que se formam, apertam e afrouxam conforme a dinâmica do processo social. Buscamos pensar o parentesco e a própria instituição da família na sua coerência sociativa. Em o fazendo, tentamos superar as explicações monolíticas a respeito da instituição familiar, notadamente a ideia de família como uma unidade fechada em si mesma, patriarcal ou patrilinear.

O objeto constituído é um entroncamento de redes familiares - e por isso preferimos falar de grupo de parentesco e não em família - que conforma uma malha de posições sociais de poder, com impacto na Amazônia e, também, na vida social, econômica e política nacional brasileira.

Dialogando com o debate sobre o parentesco de elite no Brasil, notadamente com a bibliografia que, a partir dos anos 1980, iniciou um questionamento do modelo da família patriarcal - Correa (2013CORREA, M. Repensando a família patriarcal. Cadernos de Pesquisa, n. 37, p. 5-16, 2013. Disponível em: http://publicacoes.fcc.org.br/index.php/cp/article/view/1590 . Acesso em: 12 jan. 2022.
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), Almeida (1996ALMEIDA, A. M. A família Patriarcal. In: ALMEIDA, Ângela Mendes de. Mães, esposas, concubinas e prostitutas. Seropédica: EDUR, 1996. p. 13-15.), Nader (2008NADER, M. B. Considerações historiográficas sobre o casamento no Brasil: da Colônia ao Império. In: CAMPOS, A.P; SILVA, G.V.; NADER, M.B.; FRANCO, S.P.; FELDMAN, S.A. (org.). Os Impérios e suas matrizes políticas e culturais. Vitória: Flor & Cultura, 2008. p. 125-141.), Samara (1989SAMARA, E. M. As mulheres, o poder e a família: São Paulo, século XIX. São Paulo: Marco Zero, 1989. ), Kuznesof (1989KUZNESOF, E. A família na sociedade brasileira: Parentesco, clientelismo e estrutura social, São Paulo, 1780 - 1980. Revista Brasileira de História, v. 9, n. 17, p. 37-64, 1989.), Faria (1998FARIA, S. de C. A Colônia em Movimento: Fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.), Kühn (2006KÜHN, F. Gente da fronteira: Família, sociedade e poder no sul da América Portuguesa - século XVIII. 2006. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói.), Muaze (2008MUAZE, M. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.), Scott (2009SCOTT, A. S. V. 2009. As teias que a família tece: Uma reflexão sobre o percurso da história da família no Brasil. História: Questões & Debates, v. 51, n. 1, p. 13-29, 2009.), Barickman (2003BARICKMAN, B. J. E se a Casa-Grande não fosse tão grande? Uma Freguesia açucareira do recôncavo baiano em 1835. Revista Afro-Ásia, v. 29, n. 30, p. 79-132, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/21055 . Acesso em: 02 mar. 2022.
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) - podemos sugerir que o modelo interpretativo centrado na dominância da família patriarcal pode ser questionado em, ao menos, três níveis: a existência de diversos outros modelos de família na formação histórica da sociedade brasileira; a própria extensão do modelo de família patriarcal e a variedade de modelos familiares nas classes dominantes que não se adequam ao modelo patriarcal ou que produzem variações desse modelo.

No caso apresentado neste estudo, por exemplo, não encontramos, num vasto painel de redes familiares, nem, por um lado, um único modelo de família de elite, e nem, por outro lado, a reprodução clássica do modelo idealizado por Freyre (1998FREYRE, G. Casa-Grande & Senzala. 34. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.) - centrada no patriarca geralmente branco, proprietário de um grande engenho ou fazenda, senhor de numerosos escravos e que tutela esposa, filhos legítimos e ilegítimos, parentes e agregados. Ao pensarmos nas elites amazônicas, percebemos a ruptura desse modelo por questões estruturalmente produtivas (a importância do extrativismo de larga escala, contra a produção agrícola), com componentes étnicos (as peculiaridades da exploração da mão-de-obra indígena, tapuia e cabocla diante da relativa deficiência de acesso à mão-de-obra africana escravizada), e, ainda, componentes culturais e jurídicos (as dinâmicas próprias do Estado do Grão-Pará e Maranhão, com suas peculiaridades).

Diversos trabalhos dedicados à problemática do parentesco de elite no espaço amazônico vêm dialogando com essas questões desde os estudos fundadores de Acevedo Marin (1985ACEVEDO MARIN, R. E. Alianças matrimoniais na alta sociedade paraense no século XIX. Estudos Econômicos, v. 15, p. 153-176, 1985.; 2000ACEVEDO MARIN, R. E. Camponeses, donos de engenhos e escravos na região do Acará nos séculos XVIII e XIX. Papers do Naea, v. 153, n. 1, p. 1-23, 2000.). É o caso Batista (2004BATISTA, L. M. Muito além dos seringais: Elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará. 2004. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.), Cancela (2009CANCELA, C. D. Famílias de elite: Transformação da riqueza e alianças matrimoniais. Belém 1870-1920. Topoi, v. 10, n. 18, p. 24-38, 2009. ; 2011CANCELA, C. D. Casamento e família em uma capital amazônica (Belém 1870-1920). Belém: Açaí, 2011.), Cardoso (2010CARDOSO, A. S. A Trajetória de uma família de elite na Amazônia Colonial- Os Morais Bittencourt da freguesia de Cametá, PA (1750-1790). Anais do IV Congresso da Associação Latino Americana de População. Havana, Cuba, 2010, p. 1-14. ), Ângelo (2012ÂNGELO, H. B. P. O longo caminho dos Corrêa de Miranda no século XIX: Um estudo sobre família, poder e economia. 2012. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Pará, Belém.), Tavares (2016TAVARES, Anndrea Caroliny da Costa. Em busca das “Patacas”: Patrimônio de Portugueses na Economia da Borracha (Belém, 1840-1930). 2016. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós- Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2016.), Coelho (2015COELHO, A. C. A. Barão de Marajó: Um intelectual e político entre a Amazônia e a Europa (1855-1906). 2015. Tese (Doutorado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Pará, Belém.) e Santos (2015SANTOS, F. V. Os capitães-mores do Pará (1707-1737): Trajetórias, governo e dinâmica administrativa no Estado do Maranhão. Topoi, v. 16, n. 31, p. 667-688, 2015.; 2017SANTOS, F. V. Governadores e capitães-generais do Estado do Maranhão e Grão- Pará e do Estado do Grão-Pará e Maranhão (1702 a 1780): Trajetórias comparadas. Crítica histórica, v. 8, n. 16, p. 41-63, 2017.). Nosso trabalho dialoga com esse referencial, tanto nacional quanto regional.

Compreendendo a família como uma instituição privilegiada para a produção do vínculo social e, assim, como um dos instrumentos elementares da reprodução social, buscamos interpretá-la em seus próprios processos de mudança e de permanência, no contexto histórico do Grão-Pará, a partir desse indivíduo, João da Gama Lobo, e de sua rede de parentesco. No horizonte dessa perspectiva, desejamos pensar sobre formas sociais tomadas pelas elites amazônicas e sobre as peculiaridades de suas estratégias de reprodução social. Mapeando o sistema de parentesco em tela podemos perceber diferentes trajetórias, que se formam como resposta para os diferentes contextos ambientais e produtivos do espaço amazônico.

Cabendo mencionar, por razões éticas, nosso pertencimento ao grupo e o devido controle de viés adotado, buscamos, primeiramente, descrever em linhas gerais, o grupo, e, em seguida, destacar as estratégias de reprodução social produzidas por meio das associações matrimoniais nele presentes. Nesse procedimento, atemo-nos aos dados objetivos da produção do vínculo sociativo, e não aos referentes subjetivos. Embora esses sejam numerosos, o artigo não se dedica a eles.

Nessa construção, partimos da seguinte questão: quando falamos em estratégias matrimoniais, nesse grupo de parentesco, falamos, exatamente, sobre o quê? Quais os padrões dessas estratégias? Em que medida essas estratégias de sociação se produzem em contextos produtivos amazônicos?

O artigo se divide em três partes. Após esta introdução, buscamos descrever o grupo de parentesco, visando a produzir uma percepção sobre seu papel no processo histórico e social, e, em seguida, concluímos com uma síntese analítica dos seus processos sociativos.

Os dados da pesquisa do artigo foram obtidos por meio de fontes diversas: primeiramente, em função dessa relação de proximidade mencionada, por meio da memória familiar, seja ela oral, seja documental, que foram posteriormente prospeccionados. Em complemento, consultamos a documentação pública, composta pela correspondência oficial entre o Estado do Grão-Pará e Maranhão e a Coroa, por cartas de sesmaria, alvarás e demais documentação oficial subsistente; inventários e testamentos, dentre os disponíveis no acervo do Centro de Memória da Amazônia; registros de batismo, casamento e óbitos da Igreja Católica disponíveis nos arquivos da Cúria de Belém; jornais, disponíveis na Biblioteca Pública Arthur Vianna, em Belém e na Hemeroteca da Biblioteca Nacional; arquivos privados de diversos membros da família e memória oral. Utilizamos também os levantamentos genealógicos e históricos sobre a família presentes em Barata (1973BARATA, M. Apontamentos para as efemérides paraenses. In: BARATA, M. Formação Histórica do Pará: Obras reunidas. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973. ), Raiol (1970RAIOL, D. A. Motins políticos: ou, Historia dos Principaes acontecimentos políticos da província do Pará, 1821-1835. Belém: Universidade Federal do Pará , 1970.) e Barata e Bueno (1999BARATA, C. E.; BUENO, A. H. C. Dicionário das famílias brasileiras. Rio de Janeiro: Originis, 1999.), na coleção do Anuário Genealógico Brasileiro, bem como no Acervo de Dados do Colégio Brasileiro de Genealogia. Embora tenhamos a preocupação de indicar quantitativos e valores, inclusive porcentagens, não consideramos que este artigo se insira no campo dos estudos demográficos sobre o parentesco, razão pela qual, embora a conheçamos, não discutimos com a bibliografia produzida com essa perspectiva.

O grupo de parentesco Gama Lobo

Partamos de uma caracterização geral do grupo. Trata-se de uma rede de famílias aparentadas entre si por um vínculo inicial - o indivíduo João da Gama Lobo, militar e proprietário fundiário, chegado ao Grão-Pará em 1772 - e por sucessivos vínculos posteriores de natureza econômica, política, cultural e, também, novamente, por diversas vezes, matrimonial.

O grupo Gama Lobo, como identificamos essa extensa rede de famílias, associações de parentesco e relações de compadrio e cadeias de reciprocidade, inicia com esse indivíduo. No contexto de uma estratégia de povoamento dessa colônia empreendida pelo marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de D. José I, esse militar se estabeleceu na Amazônia e se tornou proprietário fundiário, gestor público e comerciante. Ademais de se tornar sesmeiro e grande comerciante de cacau, na região paraense do Baixo Amazonas, foi também designado gestor de um Diretório, as unidades produtivas em que se converteram as antigas missões jesuíticas, após o sequestro feito em 1755 pelo mesmo marquês, quando decretou a emancipação das populações ameríndias e transferiu para a coroa a gestão dessas missões. No mesmo contexto produtivo, João da Gama Lobo negociou ativamente com a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, criada por Pombal, com direito exclusivo da navegação, do tráfico de escravizados e da compra e venda de produtos da colônia, com ela progredindo econômica e socialmente.

João da Gama Lobo estabeleceu alianças, tanto comerciais e políticas quanto familiares, com diferentes setores produtivos do Grão-Pará. Sua família possuía longa inserção junto à população vinda de Mazagão, em África, imigrada para o Pará no mesmo processo de povoamento. Fora isso, estabeleceu vínculos comerciais importantes com os demais grupos de parentesco colonizadores do espaço do Baixo Amazonas. Ao contrair matrimônio com Joanna Paula Rolim d’Anvers, filha do secretário-geral do governo do Estado do Grão-Pará e Maranhão, José d’Anvers da Costa Corte Real, ingressou no grupo dos primeiros colonizadores da colônia, fortemente assentado no controle dos postos militares, da máquina de governo, e, sobretudo, das terras produtivas. Viúvo, estabeleceu uma segunda aliança, com Anna Michaella Malcher de Révigélly, filha do holandês Antônio José Malcher de Révigélly e da paraense Anastácia Josepha Mathildes de Souza, que foi filha, por sua vez, do sargento-mor Aniceto Francisco de Carvalho e de uma parente sua, Gama Lobo. Por meio dessa aliança, ingressou nos círculos mais recentes dos “contemplados” e dos novos sesmeiros do Baixo Tocantins e da “calha do Guajará” - região composta pelos rios Acará, Mojú e Guamá, importantes espaços produtivos da colônia.

Sua ação produtiva e sua dimensão social reverbera em seus filhos e descendentes, perfazendo um painel de um campo dinâmico e diverso das elites históricas amazônicas - que, no entanto, fizeram escolhas, tanto econômicas como políticas e sociais, ressaltando, em cada caso, em estratégias de reprodução social diferentes, contextuais aos microambientes amazônicos e aos contextos históricos sucessivamente vivenciados. Efetivamente, seus descendentes perfazem um tronco nodal do corpo social dominante da sociedade amazônica, e, talvez, o melhor exemplo de um sistema de parentesco que entrelaça diferentes setores das elites locais.

A fim de fazer uma síntese dessas estratégias de reprodução social, buscamos descrever, sinteticamente, os ramos e sub-ramos formados pelos descendentes de João da Gama Lobo. Essa divisão visa estruturar uma compreensão das diferentes dinâmicas produtivas presentes nesse corpo social. Para fazê-lo, estabelecemos um limite de seis gerações, que alcança um período entre a chegada de João da Gama Lobo ao Pará, em 1772, e o ano de 1945, marcado, no plano mundial, pelo fim da Segunda Guerra, no plano brasileiro, pelo fim do Estado Novo e, no plano amazônico, pelo contexto de encerramento de um longo ciclo de transferência de capital - humano, social e econômico - da Amazônia para a capital federal, o Rio de Janeiro.

Importante ressaltar que, de suas duas uniões matrimoniais, João da Gama Lobo teve treze filhos, dos quais conhecemos uniões e descendentes de oito, sendo que um deles se extingue logo na geração seguinte. Objetivando sistematizar as informações da pesquisa, procedemos uma descrição dos sete ramos que prosseguem durante o período indicado.

O ramo Gama Bentes

O ramo inicia com a filha mais velha de João da Gama Lobo, Joanna Paula da Gama Lobo d’Anvers (n. Belém, 1777), que desposou Manuel Ferreira Bentes, seu primo - por parte da própria família Gama Lobo, a partir de primos de João da Gama Lobo imigrados para o Pará ao mesmo tempo que ele - proprietário de terras em Óbidos, Alenquer e Santarém, municípios paraenses.

O ramo perfaz uma trajetória social centralmente rural, associada à atividade pecuária, mas que, por vezes, associava-se à coleta de cacau nativo - uma das atividades econômicas mais rentáveis do Grão-Pará colonial. Ainda que um sub-ramo tenha se afastado dessas atividades logo na segunda geração e seguido uma carreira militar destacada, primeiramente em Alagoas, e, depois, no Rio de Janeiro, a imensa maioria dos seus membros permaneceu ligada à produção pecuária e cacaueira e localizada espacialmente na região do Baixo Amazonas paraenses, notadamente nos Municípios de Óbidos e Monte Alegre. Efetivamente, chegamos a contar 38 fazendas de criação bovina sob controle dos Gama Bentes no período entre 1860 e 1890. Ao longo de quatro gerações houve uma sucessão de coronéis e capitães da Guarda Nacional, vereadores e deputados provinciais pertencentes ao ramo, uma fortuna que decaiu no século XX.

Em termos de estratégias matrimonias, houve forte concentração de uniões endogâmicas e associações com outras famílias que perfaziam a mesma estratégia de reprodução social - pecuária/cacau/postos na Guarda Nacional e na política local - como as famílias Auzier (ou Áusier), Lobato, Rodrigues, Printes e Paes de Andrade. Efetivamente, com essas famílias, os Gama Bentes participam de um segundo e extenso grupo de parentesco, localizado no Baixo Amazonas paraense.

Na terceira geração, tiveram relevância no processo social amazônico Sancha da Gama Bentes e seu marido, Antônio Pedro Áusier, que residiram em Óbidos-PA e foram importantes proprietários fundiários nesse Município e no de Monte Alegre-PA, e João da Gama Lobo Bentes, militar de carreira destacado para administrar a colônia Leopoldina, em Alagoas, visitada pelo imperador Pedro II e extinta em 1867 e, em seguida, a fazenda imperial de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.

Na geração seguinte, cabe destacar João da Gama Lobo Bentes (n. Porto Calvo-AL, 1821 - Paraguai, 1870), militar de carreira morto em combate na Guerra do Paraguai; um outro João da Gama Lobo Bentes, primo do primeiro, igualmente militar, proprietário fundiário em Óbidos e líder político no Baixo Amazonas; Sancha da Gama Bentes Áusier, casada com seu primo, Dionysio Pedro Áusier, fazendeiro em Óbidos e capitão da Guarda Nacional, e José da Gama Bentes, pecuarista, tenente-coronel da Guarda Nacional e liderança política em Monte Alegre-PA.

Na quinta geração, referimos Dionysio Áusier Bentes, fazendeiro e comerciante, casado com Maria Heloisa Paes de Andrade (Santarém-PA, 1850 - Belém, 1918), filha do conselheiro Romualdo de Souza Paes de Andrade; Rosa Maria Áusier de Jesus Lobato (Belém, 1835-1924), casada com seu primo Honorato Antônio de Ferreira Celso, armador e mestre marceneiro do Real Arsenal de Marinha; Francisco Rodrigues da Gama Bentes, proprietário fundiário em Monte Alegre; Franklin, Francisco e Joaquim Rodrigues Bentes, igualmente pecuaristas no Baixo Amazonas; Idalina da Gama Bentes (Óbidos, 1840 - Faro-PA, 1899), casada com Antônio do Lago, grande comerciante em Óbidos e Leonor da Gama Bentes (fal. Santarém-PA, 1903), casada com Pedro José da Rosa Salgado (Portugal, 1839 - Santarém, 1913), barão de São Nicolau, também importante comerciante estabelecido em Santarém.

Por fim, na sexta geração, destacamos Dionysio Áusier Bentes (Fazenda São Benedito, Baixo Amazonas, 1881 - Belém, 1949), médico e político, tendo atuado nos cargos de vereador de Belém (1913-1915; 1916-1919), prefeito dessa mesma cidade (1914-1915), deputado federal (1918-1924), senador (1924-1925; 1929-1930) e governador do Pará (1925-1929). Também destacamos seu irmão, Sulpício Áusier Bentes, também médico e grande proprietário urbano em Belém, casado com sua prima, Maximina Leal Martins (ramo Castro da Gama); a professora e poeta Maria Luzia Justina Áusier Lobato de Ferreira Celso, casada com seu primo Antônio Lobo de Castro (ramo Castro da Gama); João da Gama Bentes (fal. Rio de Janeiro, 1957), capitão-de-fragatas; Leopoldina Bentes de Castro, casada com o advogado Melchiades de Sá Freire, apoiado pelos socialistas brasileiros em sua candidatura ao senado federal, em 1909; e Stella da Gama Bentes, casada com o militar Abelardo Torres da Silva Castro, liderança na Revolução de 1930, membro da junta governativa do Rio Grande do Norte.

O ramo Gama da Silveira

Tem início com João da Gama Lobo d’Anvers (Santarém-PA, 1778 - Belém, 1854), militar de linha do 1° regimento de infantaria, destacado a servir em Marajó, onde desposou Rosa Romualda da Silveira Frade e Seixas (Cachoeira do Arary-PA, 1803 - Belém, 1879), pertencente ao grupo de parentesco fundador do criatório marajoara, em 1680.

Tal como no ramo anterior, há aqui um percurso centralmente rural. Mesmo quando indivíduos pertencentes ao ramo passavam a residir em Belém, sustentavam-se com recursos provenientes da pecuária ou desenvolviam atividades comerciais relacionadas a ela, como o transporte, o abate e a comercialização de carne. Da mesma forma, tal qual o ramo anterior, os Gama da Silveira participaram de uma segunda extensa rede, ou grupo de parentesco, uma das mais fechadas da história das elites amazônicas, associada ao espaço ambiental dos Campos do Marajó e centrada na pecuária. Da mesma forma, suas estratégias de reprodução social envolveram postos de destaque na Guarda Nacional e cargos eletivos na política local, com inúmeros vereadores e alguns prefeitos.

Em termos de alianças matrimoniais, houve, no ramo, igualmente, forte estratégia de endogamia e de alianças com outras famílias latifundiárias dos Campos de Marajó, como os Pereira Lima, Pereira de Souza, Feyo, Calandrini, Frade, Ferrão da Costa e Paula Lemos.

Na terceira geração, encontramos um indivíduo de grande importância para a organização do sistema de poder da Ilha do Marajó na segunda metade do século XIX, Pedro da Gama Lobo da Silveira (n. Cachoeira do Arary-PA, 1824), coronel e comandante da Guarda Nacional (Decreto de 09-08-1879), que foi um pecuarista e um nome central da política marajoara, casado com Libânia Calandrini de Azevedo, pertencente a outra família de pecuaristas do Marajó, também vinculada ao grupo de parentesco fundador do criatório na ilha. Pedro foi também deputado provincial, no biênio 1880-1881. Seus irmãos e sobrinhos ocuparam postos na Guarda Nacional e cargos políticos municipais, além de desempenharam um espaço de centralidade na produção pecuária local.

De seus diversos irmãos e irmãs, podemos destacar alguns que, igualmente, tiveram um papel representativo na vida social dos campos de Marajó, como Maria Filippa da Gama Lobo da Silveira (Cachoeira do Arary, 1823 - Belém, 1871), casada primeiramente com Luiz José da Costa Freire e, em seguida, com Vicente de Paula Lemos, ambos pecuaristas no Marajó, e José da Gama Lobo da Silveira (Cachoeira do Arary, 1835-1892), marchand de gado responsável por algumas inovações no abastecimento de carne-verde para a província.

Na quarta geração, encontramos Rosa da Gama da Silveira, casada com Manoel Calandrini de Azevedo Filho e Joanna Virgília Lobo Freire (Cachoeira, 1848 - Belém, 1873), casada com João Innocêncio de Paula Lemos (fal. Belém, 1899), mulheres importantes para a vida social nos campos do Marajó.

O ramo Castro da Gama

O ramo começa com Francisca de Paula da Gama Lobo d’Anvers (n. Santarém-PA, 1780), casada com o militar Agostinho Brandão de Castro, coronel de infantaria, também pecuarista, cacaulista no Trombetas e comerciante em Santarém e Belém. Ao contrário dos ramos anteriores, apresentou grande variedade de estratégias de reprodução social e uma localização mais fortemente urbana. Há, nele, uma variedade de sub-ramos: Gama e Castro, Lobo de Castro, Souza Castro, Lobato de Castro, Castro Martins, Gama e Costa, Penna e Costa e Castro Nabuco, sem contar as linhas femininas, que seguem com as formas Nabuco de Araújo, MacDowell, Leal Martins, entre outras.

As estratégias de reprodução social do ramo foram variadas, perfazendo um percurso que geralmente tinha por base o esquema função militar/proprietário fundiário/profissional liberal ou comerciante. Pode-se também perceber que, nesse ramo, houve muitos médicos e advogados e que, geralmente, indivíduos com esses cursos superiores seguiram uma carreira política. Nas últimas gerações analisadas, há uma tendência a que desempenhassem funções no serviço público, notadamente postos nas Alfândegas, na diplomacia e nas repartições tributárias ou, por outro lado, que se dedicassem ao rentismo imobiliário.

Na terceira geração, menciona-se João Luiz de Castro da Gama (Belém, 1806 - Meritiba-PI, 1840), militar combatente ao lado das forças imperiais, durante a Guerra Civil de 1835-1840, casado com sua prima Anastácia Josepha da Gama Malcher (Belém, 1808 - Monte Alegre-PA, 1862); Agostinho de Castro da Gama, comerciante em Lisboa; Joanna Paula de Castro da Gama (Belém, 1810 - Rio de Janeiro, 1886), casada com José Thomaz Nabuco de Araújo (Salvador-BA, 1785 - Rio de Janeiro, 1850), senador pelo Pará e presidente das províncias do Ceará, Paraíba e Espírito Santo; Maurícia Josepha de Castro da Gama (Belém, 1811-1887), casada primeiramente com o militar Antônio do Carmo Varanda, em seguida com o senhor de engenho Marcello de Alfaia Lobato, e, pela segunda vez viúva, com o também senhor de engenho Antônio Feliciano de Souza; Anna Michaella de Castro da Gama (Belém, 1813 - Rio de Janeiro, 1886), casada com Francisco Antônio da Costa, militar, proprietário rural e líder político do Partido Conservador; Maria Emília de Castro da Gama (Belém, 1816-1868), casada com o também senhor de engenho José Joaquim Rodrigues Martins (Belém, 1806 - Monte Alegre, 1867), cavaleiro da Ordem da Rosa, que foi também administrador da Recebedoria Provincial do Grão-Pará em 1839-1846.

Na quarta geração, caberia destacar José Tito de Castro Nabuco de Araújo (Rio de Janeiro, 1832-1879), advogado, romancista, teatrólogo; Rita Thomázia de Castro Nabuco de Araújo (Rio de Janeiro, 1838-1880), casada com o médico Eduardo Augusto Pereira de Abreu, neto do marquês de Inhampube, que fora ministro do Império e antigo presidente Bahia e Pernambuco; Marcello Lobato de Castro (Belém, 1830-1874), médico formado pela Faculdade da Bahia e que teve importante papel no combate à epidemia de cólera morbus, em Belém, em 1856, também jornalista, poeta, professor de Química e Física do Lyceu Paraense e deputado provincial pelo Partido Conservador; Antonino Emiliano de Souza Castro (Belém, 1847-1929), barão de Anajás, médico formado pela Faculdade do Rio de Janeiro, fundador da Faculdade de Medicina do Pará e da Liga Abolicionista do Pará; João Antônio de Castro Rodrigues Martins (fal. 1912), diplomata, cônsul-geral do Brasil no Chile, Paraguai, China e Itália; Emílio Adolpho de Castro Martins (Belém, 1847-1923), capitalista, acionista majoritário e presidente do Banco Commercial do Pará, acionista e presidente do Banco Norte do Brazil e acionista da Sociedade de Seguros Garantia da Amazônia; Rita Maclóvia de Castro Martins (fal. Fortaleza-CE, 1880), casada com o comerciante e exportador de borracha norte-americano Frederico Quasey Pond; Gustavo Augusto da Gama e Costa (Abaetetuba-PA,1836 - Belém, 1868), religioso; Frederico Augusto da Gama e Costa (Belém, 1838-1913), escritor e jornalista, militar combatente no Paraguai, deputado e senador estadual pelo Partido Republicano Federal; Rodrigo Augusto da Gama e Costa (Abaetetuba, 1846 - Paraguai, 1875), militar condecorado como herói de guerra no Paraguai; José Augusto da Gama e Costa (Belém, 1849-1917), liderança política do Partido Republicano Federal, proprietário do jornal A Republica e tesoureiro da Alfândega do Pará; e, por fim, Anna Augusta da Gama e Costa (Abaetetuba, 1853 - Rio de Janeiro, 1925), casada com Samuel Wallace MacDowell (Olinda-PE 1843 - Clamart, França, 1908), advogado, jurista, conhecido por sua atuação na chamada Questão Religiosa e político de expressão nacional, tendo sido deputado provincial, geral (1886-1889), ministro da Marinha, ministro da Justiça, Conselheiro do Império e criador da Escola Naval.

Na quinta geração, referimos Pedro de Alcântara Nabuco de Abreu (Rio de Janeiro, 1866 - São Paulo 1942), desembargador e presidente do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro; Marcello Lobato de Castro (fal. Belém, 1880), médico, professor da Faculdade de Medicina do Pará e deputado provincial; José Thomaz Lobato de Castro (Belém, 1860-1901), oficial da Armada brasileira, membro do governo republicano provisório na província do Ceará, onde servia em 1889; Antonino Emiliano de Souza Castro (Belém, 1876-1951), médico, deputado estadual e federal e governador do Pará (1920-24); Anna de Souza Castro (Belém, 1898-1949), casada com Firmo José da Costa Braga (n. Cametá-PA, 1861), médico formado pela Real Academia de Lisboa, deputado estadual por duas legislaturas, deputado federal em 1911 e senador federal pelo Pará, em 1918; Máxima Leal Martins, casada com Sulpício Áusier Bentes, seu primo (ramo Gama Bentes), médico e proprietário rural; Pedro Paulo Penna e Costa (n. Belém, 1890), jurista, magistrado, membro do Tribunal Superior Eleitoral; Samuel da Gama e Costa MacDowell (Belém, 1874 - Rio de Janeiro, 1947), advogado, professor da Faculdade de Direito do Pará, deputado estadual em 1934 e presidente da Assembleia Legislativa do Pará; Maria Vicência da Gama e Costa MacDowell (Belém, 1877 - Rio de Janeiro, 1924), casada com Antônio dos Passos Miranda Filho (Belém, 1868-1932), advogado e deputado federal pelo Pará; Afonso de Ligório da Gama e Costa MacDowell (n. Belém, 1881), médico; Francisco da Gama e Costa MacDowell (Belém, 1891 - Rio de Janeiro, 1962), professor catedrático do Colégio Pedro II e da Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro, além de vigário da igreja São Francisco Xavier, onde instituiu a procissão carioca do Círio de Nazareth; Anna da Gama e Costa MacDowell (fal. Rio de Janeiro, 1955), casada com Carlos Brício da Costa (fal. Belém, 1909), comerciante em Belém; e Frederico Luiz da Gama e Costa MacDowell (Belém, 1896 - Rio de Janeiro, 1949), médico.

Por fim, na sexta geração, destacamos Pedro de Alcântara Nabuco de Abreu Filho (Rio de Janeiro, 1894-1959), advogado e diplomata, embaixador do Brasil no Japão; Olga de Souza Castro (fal. Rio de Janeiro, 1990), casada com o advogado e consultor jurídico do Banco do Brasil Genaro Acatauassú Nunes (fal. Rio de Janeiro, 1975); Conceição de Souza Castro (Belém, 1906-2001), casada com Octávio Sequeira Cardoso (fal. Belém, 1960), pecuarista no Marajó; Hélio César Penna e Costa (fal. São Paulo, 2007), procurador federal no Rio de Janeiro; Mary Elizabeth Penna e Costa, casada com o diplomata Jorge d’Escragnolle Taunay (n. Rio de Janeiro, 1917); João Augusto do Rego Barros MacDowell (Recife, 1897 - Rio de Janeiro, 1980), engenheiro; Maria de Jesus MacDowell dos Passos Miranda (n. Belém, 1913 - Rio de Janeiro, 1982), casada com Vicente Constantino Chermont de Miranda (Belém, 1910 - Rio de Janeiro, 2000), advogado; Maria da Conceição de La-Rocque MacDowell (fal. Rio de Janeiro, 1944), casada com Christóvão Leite de Castro (n. Belo Horizonte-MG, 1904), deputado engenheiro e geógrafo e José Maria MacDowell da Costa (n. Belém, 1893), procurador do Tribunal de Segurança Nacional.

O ramo Gama Malcher

O ramo é iniciado por Maria do Carmo da Gama Lobo (Santarém-PA, 1782 - Belém, 1855), casada com Aniceto Francisco Malcher (fal. Monte Alegre-PA, 1831), militar e pecuarista no Trombetas, que tiveram sete filhos, três deles casados endogamicamente nos ramos Castro da Gama, Gama e Silva e Pereira da Gama Lobo. O ramo tem duas grandes trajetórias, uma delas rural, no Baixo Amazonas, muito similar à trajetória dominante dos ramos Gama Bentes e Gama da Silveira, e outra urbana, similar à diversidade de trajetórias do ramo Castro da Gama. É, igualmente, um ramo de grande influência política na história do Pará e com projeção na vida social brasileira em geral.

Citando alguns indivíduos que o compõem, referimos, na terceira geração, José da Gama Malcher (Monte Alegre-PA, 1814 - Belém, 1882), médico formado pela Faculdade da Bahia em 1840, designado comissário vacinador provincial, cargo em que permaneceu por toda a vida e no qual teve grande reconhecimento popular, notadamente aquando de seu desempenho durante as epidemias de febre amarela de 1850 e de cólera morbus de 1855. Também atuou como médico da Santa Casa de Misericórdia de Belém e do Hospital Português e teve importante vida política como membro destacado do Partido Liberal e durante muitos anos sua principal liderança no Pará, tendo sido deputado estadual por diversas legislaturas e vice-presidência da Província. Foi casado com sua prima, Anna Cândida da Gama e Silva.

Seu irmão, Antônio José da Gama Malcher (fal. Monte Alegre, 1881), foi proprietário fundiário no lago Ereré, Município de Monte Alegre, Baixo Amazonas paraense, e casou-se com sua prima, Catharina Maximina Pereira da Gama Lobo. A irmã, Anastácia Josefa da Gama Malcher (Monte Alegre, 1810 - Monte Alegre, 1862), desposou seu primo João Luiz de Castro da Gama. Outra irmã, Joanna Paula, desposou, primeiramente, com João Francisco Catete, militar e fazendeiro em Monte Alegre, e, ainda, criador da Banda de Música da Polícia Militar do Pará (1853). Por fim, Anna Margarida da Gama Malcher, que permaneceu solteira.

Na quarta geração, o ramo manteve sua dualidade rural/urbano de maneira muito nítida. Refere-se José Joaquim da Gama Malcher (Belém, 1850 - Rio de Janeiro, 1903), engenheiro formado pela Universidade da Pensilvânia, que abriu uma firma de engenharia em Belém, liquidada quando obteve um posto de guarda-mor da Alfândega - o que atesta o prestígio desse cargo na vida social do século XIX. Seu irmão, José Cândido da Gama Malcher (Belém, 1853-1921), maestro e musicista formado pelo Conservatório de Milão, teve uma carreira artística importante e foi autor de diversas óperas e composições. Por outro lado, Antônio José e João Antônio da Gama Malcher permaneceram no interior do Pará, atuando como pecuarista no vale do rio Apirí e no lago Jacarecapé, tendo sido um dos grandes criadores de gado da região do Baixo Amazonas. O irmão deles, Aniceto Francisco da Gama Malcher (Monte Alegre, 1844 - Belém, 1910), foi funcionário público, atuando na repartição de registro civil durante toda sua vida. Apesar no cargo não ser prestigioso, cabe notar que foi, também, capitão da Guarda Nacional e fez um casamento socialmente bem-posicionado com a filha do comerciante Antônio José Pereira Carneiro - trajetória que ajuda a compreender o funcionamento das estratégias familiares de reposicionamento social.

Ainda nessa geração há diversas mulheres que fizeram uniões de prestígio, dentre as quais Anna Cândida da Gama Malcher (Belém, 1846-1934), casada com João Gualberto da Costa e Cunha (fal. Lisboa, 1908), um dos grandes comerciantes de borracha de Belém, sócio da casa de aviamento Darlindo Rocha & Companhia e acionista do Banco Emissor do Norte; Maurícia Josepha, casada com José de Carvalho Serzedello, procurador do Banco Mauá no Pará e sócio do cunhado Faria Vivas na propriedade do engenho de Murutucu, na cercanias de Belém; Josephina Clara (n. Belém, 1849), casada com o referido Leonardo Augusto de Faria Vivas, cidadão português a capitalista no Pará; Emília Augusta (Belém, 1852-1881), casada com Martinho Nina Ribeiro, escrivão da Recebedoria de Rendas do Pará e político, membro do Partido Conservador; e Maria do Carmo (fal. Monte Alegre, 1887), casada com Firmino Amoêdo Piñon, fazendeiro em Monte Alegre.

Na quinta geração, cabe referir, primeiramente, José Carneiro da Gama Malcher (Belém, 1872-1956), advogado formado pela Faculdade de Direito do Recife (1895), deputado estadual pelo Partido Republicano Liberal paraense nas legislaturas de 1900-1903 e 1912-1915; candidato ao governo estadual em 1921 - tendo perdido o pleito para seu primo (ramo Castro da Gama) Antônio Emiliano de Sousa Castro e interventor federal no Estado do Pará, entre 1935 e 1943. Foi, ainda, inspetor do Tesouro Nacional no Pará, presidente do Banco de Crédito da Borracha e liderança importante do Partido Liberal (até 1945) e do Partido Social Democrático (PSD), a partir dessa data.

Também devem ser referidos, nessa geração, José Cândido da Gama Malcher Filho (Belém, 1888-1941), arquiteto e árbitro de futebol; José da Gama Malcher Serzedello (fal. Rio de Janeiro, 1938), médico da Armada Nacional, aposentado no posto de capitão de Mar-e-Guerra; Emílio Malcher Nina Ribeiro (fal. Haia, Holanda, 1926), advogado na Capital Federal; Valeriano Carneiro da Gama Malcher, livreiro em Belém, proprietário das livrarias Clássica e Santos & Malcher; Marcial Amoedo Malcher Piñon, fazendeiro e líder político em Monte Alegre; Manoel e Thiago da Gama Malcher, fazendeiros também nesse Município.

Na sexta geração, pode-se mencionar o indigenista e presidente da Fundação Nacional do Índio José Maria da Gama Malcher; Renato Monard da Gama Malcher (n. Belém, 1904), engenheiro químico e diretor do Instituto Benjamin Constant, para pessoas com deficiência visual; Alberto Monard da Gama Malcher (Belém, 1920 - Rio de Janeiro, 1978), jogador e em seguida árbitro de futebol e, por fim, comentarista esportivo; José Cunha da Gama Malcher, jurista, desembargador; Celso Cunha da Gama Malcher (n. Belém, 1912), médico, deputado estadual constituinte em 1946 e prefeito de Belém, em 1953, e Clóvis Cunha da Gama Malcher (Belém, 1916-2010), advogado, professor de Direito da Universidade Federal do Pará e reitor dessa universidade (1973). Refere-se, também, Edmée e Délia da Gama Malcher, casadas, respectivamente, com os advogados Lóris Olympio Araújo e Hugo Kanitz, bem como Laura da Gama Malcher, casada com o pecuarista Antônio de Miranda Lobato (fal. Belém, 1951).

O ramo Pereira da Gama Lobo

Nicolau da Gama Lobo, militar e fazendeiro no Trombetas, inicia o ramo. Foi casado com Maria do Carmo Pereira Lima, pertencente ao grupo de parentesco marajoara, ao qual pertencia, também, a esposa de seu irmão mais velho João. Este ramo foi bastante desagregado pela Guerra Civil de 1835-1840, onde pereceram o próprio Nicolau e três de seus filhos. Os subsistentes tiveram um papel destacado nas sociedades brasileira e portuguesa.

A linha masculina mais documentada é a do filho desse casal, Manoel da Gama Lobo (Monte Alegre, 1831 - Lisboa, 1883), que se formou em medicina e foi o primeiro médico oftalmologista da história brasileira. Sua descendência passou toda a Portugal, onde prossegue.

Das filhas mulheres, uma delas, Catharina Maximina da Gama Lobo, casou-se com o primo Antônio José da Gama Malcher. Outra, Anna Juliana da Gama Lobo, casou-se com João Baptista Gonçalves Campos, sobrinho e afilhado do padre homônimo - e líder maior dos exércitos cabanos na guerra civil de 1835-1840. Este segundo João Baptista foi bacharel em direito pela Faculdade do Recife (1840), ministro do Supremo Tribunal de Justiça, presidente da província de Alagoas, conselheiro do Império, grão-mestre adjunto da Maçonaria brasileira e oficial da Ordem da Rosa. Foi agraciado com o título de visconde de Jary em 1866.

Outros indivíduos que merecem destaque no ramo foram António da Gama Lobo Xavier, advogado; seu filho, Alexandre Álvaro de Assis Teixeira da Gama Lobo Xavier, magistrado e juiz do trabalho em Portugal; e António Augusto Nogueira da Silva, casado com Maria Eugenia Gama Lobo da Costa Palmeira, que foi um dos empresários mais importantes de Braga, Portugal, criador do Museu Nogueira da Silva no prédio da residência familiar, um dos principais museus dessa cidade.

A trajetória do ramo é urbana e o sub-ramo principal retirou-se do ambiente brasileiro. Havia um potencial de aproximação entre essas duas trajetórias sociais irmãs, que eram os criatórios do Marajó e do Baixo Amazonas, mas esse projeto foi interrompido pela Guerra Civil.

O ramo Gama e Silva

Tem começo com Maurícia Josepha Michaella Malcher da Gama Lobo, casada com José Joaquim da Silva (n. Lisboa, 1779 - Belém, 1850), capitão de fragatas da Armada portuguesa e, em seguida, também da brasileira. O casal teve cinco filhos. José Joaquim da Gama e Silva (Belém, 1826-1903), o mais velho, foi funcionário graduado do Tesouro Provincial e, em seguida, guarda-mor da Alfândega. Foi também major da Guarda Nacional e deputado estadual por cinco legislaturas, entre 1849 e 1882, sendo uma das mais importantes lideranças, no Pará, do Partido Liberal. Foi também tesoureiro da Companhia do Amazonas e do Banco Mauá no Pará. Já no final da vida aderiu à Revolta de 1892, seguindo a orientação política de Lauro Sodré, sendo banido do Pará por essa razão, radicando-se, com o filho José Caetano, em Lisboa durante pouco mais de um ano. Seu irmão, José Luiz da Gama e Silva (Belém, 1836-1895), foi, igualmente, funcionário graduado do Tesouro Provincial e guarda-mor da Alfândega. Serviu no Paraguai alcançando o posto de coronel da Guarda Nacional e foi comissionado pelo governo provincial para estudar o contestado do Amapá, produzindo um trabalho que subsidiou a defesa desse território na disputa com a França. Houve também três irmãs na fratria, Anna Cândida (Belém, 1820-1893), Thereza de Jesus (Belém, 1823 - Rio de Janeiro, 1887) e Maria José (Lisboa, 1828 - Rio de Janeiro, 1889).

José Joaquim desposou Laura Joaquina Ribeiro de Figueiredo (Belém, 1833-1903), filha do Conselheiro Joaquim Manoel de Oliveira Figueiredo, e José Luiz se casou com Josepha Florência de Castro Martins, sua prima pelo ramo Castro da Gama. Anna Cândida foi casada com seu primo, José da Gama Malcher. Thereza de Jesus casou-se com Bernardo de Souza Franco (Belém, 1805 - Rio de Janeiro, 1887), o visconde de Souza Franco, bacharel em direito, juiz de direito em Belém, procurador fiscal da Fazenda Nacional e que teve longa carreira política, atuando como presidente das províncias do Pará (1839-1840), Alagoas (1844) e Rio de Janeiro (1864-1865), deputado geral, representando o Pará, por sete legislaturas (1838 a 1855) e senador, pela mesma província, entre 1855 e 1875. Foi também ministro das Relações Exteriores e da Fazenda, tendo um papel particularmente destacado neste último cargo.

A terceira irmã, Maria José, casou-se, pela primeira, com o comerciante Luiz Francisco Collares, que começou sua vida pública como guarda-livros da Associação Comercial do Pará - sendo posteriormente o seu presidente e que também atuou como intérprete juramentado de francês, inglês, espanhol e italiano na Alfândega do Pará. Ficando viúva, desposou a Ambrósio Leitão da Cunha (Belém, 1825 - Rio de Janeiro, 1898), advogado, magistrado e político. Leitão da Cunha foi deputado geral pelo Pará durante cinco legislaturas (1852 a 1870), senador pela província do Amazonas (1870-1889), ministro da Fazenda e presidente das províncias da Paraíba (1859-1860), Pernambuco (1860-1861), Maranhão (1863-1865), Bahia (1866-1867) e, novamente, Maranhão (1868-1869). Ao contrário do restante da família, atuou no Partido Conservador, sendo importante apoiador do cônego Siqueira Mendes, no Pará. Também desenvolveu diversos empreendimentos, como a Sociedade Açucareira do Grão-Pará e as estradas de ferro de Bragança e Madeira-Mamoré, além de importantes cultivos de café no Estado do Rio de Janeiro.

O ramo teve grande projeção nacional e, ao mesmo tempo, forte institucionalização provincial. Na geração seguinte (quarta) diversos indivíduos também desempenharam um papel importante na vida paraense e brasileira. Dentre eles, citamos José Joaquim da Gama e Silva Jr, funcionário da Alfândega, vereador em Belém e comerciante; José Caetano da Gama e Silva (Belém, 1851-1912), tenente-coronel da Guarda Nacional, empresário, proprietário de uma empresa de seguros marítimos e prócere do Partido Liberal, casado com Euphrosina Correa de Miranda (Belém, 1863 - Rio de Janeiro, 1947), filha dos barões de Cairary; Maurícia da Gama e Silva, casada com Bernardo Ferreira de Oliveira (Lisboa, 1840-1915), grande capitalista no Pará, diretor-presidente do Banco do Pará por muitos anos e proprietário da casa exportadora Ferreira de Oliveira & Cia; Maria do Carmo da Gama e Silva, casada com Francisco Xavier Dias Cardoso, farmacêutico, filho do tabelião Antônio Firmo Dias Cardoso; Maria da Conceição da Gama e Silva, casada com Theodósio Constantino de Lacerda Chermont (Belém, 1851-1918), filho do visconde de Arary, tabelião e grande proprietário urbano e rural; Bernardo da Gama de Souza Franco, juiz de direito; Thereza da Gama de Souza Franco, casada com João Pereira Monteiro, professor e diretor da Faculdade de Direito de São Paulo; almirante Carino da Gama de Souza Franco (Rio de Janeiro, 1859-1915); Maria Luiza da Gama e Silva Collares (Belém, 1843 - Rio de Janeiro, 1913), casada com Luciano Xavier de Moraes Sarmento (Paris, 1843 - Rio de Janeiro, 1891), médico e conceituado cirurgião; Luiza Amélia da Gama e Silva Collares (Belém, 1846 - Rio de Janeiro, 1934), casada com Ambrósio Pombo Campbell (Belém, 1840 - Nova York, 1868), proprietário de tradicional casa comercial em Belém e pecuarista em Marajó e casada, após viúva, com o Capitão de Mar-e-Guerra da Armada Imperial Miguel Maria Ribeiro Lisboa, herói do Paraguai (Rio de Janeiro, 1847 - Nova York, 1916), filho dos barões de Japurá; Ambrosina Augusta Leitão da Cunha (Belém, 1848 - Rio de Janeiro, 1939), casada, primeiramente, do Diogo Archbald Campbell, irmão de Ambrósio Campbell, referido acima e, depois de viúva, com Bernardo Clemente Pinto Sobrinho (Cantagalo, 1835 - Nova Friburgo, 1914), conde de Nova Friburgo, filho dos barões de Nova Friburgo, importante proprietário rural e comerciante no Rio de Janeiro; Maurícia Leitão da Cunha (Belém, 1850 - Rio de Janeiro, 1875), casada com Abel Pereira da Graça (Icó, CE, 1840 - Rio de Janeiro, 1879), filho dos barões de Aracaty, juiz e desembargador no Pará; José Maria Leitão da Cunha (Belém, 1852 - Rio de Janeiro, 1945), advogado e deputado geral pelo Pará por duas legislaturas; Isabel Leitão da Cunha (Belém, 1853 - Rio de Janeiro, 1912), casada com José Rodrigues Pereira Jr, advogado e posteriormente magistrado, presidente da província da Paraíba; Ambrósio Leitão da Cunha (Belém, 1855 - Rio de Janeiro, 1921), médico, proprietário rural e deputado geral pelo Pará; e Pedro Leitão da Cunha, engenheiro, morto na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré.

Seria muito extenso referir os diversos nomes que, nas gerações seguintes, representam esse ramo da família, mas é possível perceber sua importância, a partir da função e da ação, na vida pública e civil, dos que foram citados acima. Como se trata de um registro indicativo da ação social do ramo, cremos poder sintetizar seu percurso referindo que, nas gerações cinco e seis, encontramos indivíduos atuando, com destaque, na política, nas forças armadas - notadamente na Marinha -, no comércio, nas profissões liberais, no serviço de Estado - com destaque para a diplomacia e para a carreira na Alfândega.

O ramo Gama e Abreu

A filha mais nova de João da Gama Lobo, Anastácia Michaella Josepha da Gama Lobo, foi casada com João Coelho d’Abreu (Coimbra, 1775 - Belém, 1862). Esse casal gerou o ramo Gama e Abreu, que teve um único descendente na terceira geração, José Coelho da Gama e Abreu (Belém, 1832 - Lisboa, 1906), barão de Marajó, bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra (1853) e em Filosofia e Matemáticas pela mesma instituição (1855). Retornando ao Pará, ocupou o cargo de Diretor Geral das Obras Públicas da província durante muitos anos e iniciou carreira política, sendo deputado provincial, senador estadual por duas legislaturas, prefeito de Belém e presidente da província do Amazonas (1867-1868) e do Pará (1879-1882). Também desenvolveu importante atividade financeira e empresarial, tendo participação no capital da Companhia de Águas do Pará, da Empresa Industrial do Grão-Pará e do Banco de Belém. Além disso, foi um intelectual muito ativo no debate público, publicando obras no campo da geografia e participando de diversas instituições científicas, em Belém e em Lisboa. Na política, seguindo a escolha familiar majoritária, atuou no Partido Liberal e, proclamada a República, no Partido Republicano Paraense.

Como os Gama e Silva, trata-se de um ramo fundamentalmente urbano, porém, menos associado às estruturas de Estado, apesar da dinâmica vida pública do barão de Marajó. Na quarta geração, destacaram-se seus filhos José da Gama e Abreu (Belém, 1858 - Rio de Janeiro, 1933), advogado formado pela Faculdade de Direito de São Paulo e com importante banca em Belém; Jayme da Gama e Abreu (Belém, 1861 - Rio de Janeiro, 1944), empresário e sucessor da maioria dos empreendimentos do pai e Vasco da Gama e Abreu, jornalista. Seus genros também foram indivíduos de grande destaque na vida social paraense: o comerciante João Luiz de La-Rocque (Belém, 1860 - Belém, 1920); Francisco Leite Chermont (n. Belém, 1856), farmacêutico de profissão, mas também proprietário de imóveis e capitalista, investidor em capitais bancários; Antônio Victor Roso Cardoso Danin, proprietário fundiário urbano em Belém; e Samuel Capper, comandante de vapores da flotilha do Pará, esposos, respectivamente, de suas filhas Alice, Esther, Maria e Julieta.

Na sexta geração, o ramo teve outros nomes que aglutinaram importante capital social: Jayme da Gama e Abreu (n. Belém, 1891), engenheiro e professor catedrático da Escola de Engenharia da Bahia em 1936 e, ainda, membro do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, casado com Edith Mendes, importante intelectual baiana; Pedro da Gama e Abreu, advogado e funcionário do Ministério da Fazenda; Maria Octávia da Gama e Abreu, conhecida como Paquita, casada com o juiz de direito e professor catedrático a Faculdade de Direito do Pará, Luiz Estêvão de Oliveira; Abel Abreu Chermont, advogado, jornalista - proprietário, em Belém, dos jornais Diário da Tarde e Diário do Estado - e político, líder da revolução de 1930 no Pará, tendo sido membro da junta de governo revolucionária provisória, nesse ano e, posteriormente, ocupado os postos de deputado federal, deputado federal constituinte e senador pelo Pará. Também merecem destaque, por sua influência social, os cônjuges de Alice da Gama e Abreu de La-Rocque, Flávia, Hilda e Dora da Gama e Abreu Chermont, respectivamente Armindo Amélio Ferreira Couto, advogado com banca na Capital Federal; Armando Souza Mello Ararigboia, que chegou ao posto de marechal-do-ar e atuou como diretor da Escola Nacional de Aeronáutica (1940), subsecretário do Ministério da Aeronáutica (1962), chefe do Estado Maior da Aeronáutica e comandante da 4a Zona Aérea Nacional (1964); Carlos Mello Araújo, empresário e financista, sócio do Banco do Pará e influente membro da Associação Comercial do Pará; e Clementino de Almeida Lisboa (Belém, 1878 - Rio de Janeiro, 1957), deputado federal constituinte, pelo Pará, em 1934 e que também ocupou vários postos de gestão importantes, como diretor do Banco Comercial do Pará, presidente do Banco da Amazônia e diretor da Associação Comercial do Pará.

Discussão

Pode-se observar, na variedade interna do grupo de parentesco Gama Lobo, alguns padrões de reprodução social nitidamente associados ao contexto produtivo no qual os indivíduos se inserem. Buscamos perceber esses padrões como “trajetórias”.

Uma primeira trajetória, a de maior constância no grupo de parentesco estudado, é a trajetória dos proprietários fundiários dedicados à pecuária, continuamente presente durante todas as seis gerações mapeadas. Apenas na sexta geração que se observa uma crise desse modelo de produção e uma alocação do estoque de capital acumulado em outros setores, notadamente no setor imobiliário. Outras duas trajetórias, paralelas, se referem à atividade fundiária associada à agricultura (cana-de-açúcar, tabaco e arroz) e ao extrativismo de grande escala (principalmente cacau, algumas especiarias nas gerações 1 a 3, mas também borracha, em certo momento). Essas trajetórias apresentam inconstância produtiva, com deslocamento conjuntural de capital, principalmente para a atividade comercial. No caso da agricultura, houve tendência à retomada cíclica da produção, mas uma tendência de colapso, quando associada à atividade manufatureira (engenhos ou beneficiamento de arroz) e uma estratégia constante de associação do capital a outros investimentos, para produção de lastro econômico de sustentação familiar. Outra trajetória é a própria atividade comercial, que na Amazônia tomou formas multifacetadas, como o aviamento (cadeia creditícia centrada no fornecimento de gêneros primeiros contra produtos da floresta); o comércio de escala, com três ou mais etapas de troca de bens associada às dificuldades do transporte fluvial; os tradicionais varejo e atacado, associados algumas vezes a capitais investidos no setor financeiro, tanto bancário como no ramo das agências de seguro, muito desenvolvidos em Belém entre 1880 e 1930. Todas essas trajetórias se associam a diversificações produtivas associadas ao setor público e às profissões liberais, que tenderam, pelo que observamos, a afastar os indivíduos dedicados a esses setores dos núcleos familiares associados ao capital fundiário. No caso do setor público, algumas carreiras de Estado foram particularmente buscadas no grupo de parentesco, como a de oficiais dos serviços alfandegários, dos serviços fazendários e da diplomacia. No caso do setor privado, contabilizamos, no grupo de parentesco, 98 bacharéis em direito, 40 médicos e 36 engenheiros. Importante, ainda, considerar a proximidade do grupo ao campo militar, particularmente à Marinha, quando consideramos a quantidade de membros que, nessa arma, alcançaram postos no oficialato superior. Contabilizamos 27 indivíduos fazendo carreira no Exército, 21 na Marinha e 37 pertencentes à Guarda Nacional, instituição que existiu entre 1831 e 1922.

Em paralelo, cabe destacar a presença do grupo de parentesco na vida política, tanto amazônica como nacional brasileira. Contabilizamos 12 indivíduos ocupando postos como presidentes de províncias ou governadores, nove senadores, 12 deputados gerais ou federais, 18 deputados provinciais ou estaduais, sete prefeitos, 19 vereadores e cinco ministros do Império ou da República.

No grupo de parentesco Gama Lobo, somadas as seis gerações, temos 853 indivíduos. Desse total, sabemos que 495 estabeleceram uniões matrimoniais com 528 outros indivíduos. Há 21 indivíduos que sabemos terem sido casados, mas desconhecemos os cônjuges e há 94 indivíduos que sabemos não terem casado, por diferentes razões - simplesmente permaneceram solteiros, foram religiosos ou faleceram jovens. Há, também, 226 indivíduos dos quais não possuímos informações a esse respeito - embora tenhamos, a seu respeito, outras informações que ajudam a compreender o papel geral do grupo de parentesco na vida social. Contraíram um segundo matrimônio, após se tornarem viúvos ou após divórcio, 17 indivíduos do sexo masculino e 13 do sexo feminino, 30 ao todo, portanto, cabendo perceber que houve o caso de uma mulher, na terceira geração, e o de um homem, na sexta geração, terem-se casado por três vezes cada um e o caso de duas irmãs pertencentes ao grupo, na quinta geração, terem se casado, sucessivamente, com o mesmo indivíduo externo.

Apesar do volume elevado de indivíduos sobre os quais não temos informação a respeito de suas uniões matrimoniais (21% do total), acreditamos que o volume de dados obtido e a porcentagem das informações verificadas constitui uma mostra significativa, que permite compreender a dinâmica geral das estratégias matrimonias.

Em relação à questão da endogamia/exogamia, percebe-se que das 510 uniões conhecidas, 69 foram endogâmicas, outras 73 foram endogâmicas estendidas e 368 foram exogâmicas. Isso resulta num volume de 72% de associações exogâmicas, contra 14% de endogamia e outros 14% de endogamia estendida.

Compreendemos que a quantidade de uniões endogâmicas e endogâmicas estendidas constitui um volume importante, cabendo informar que elas estão presentes nas seis gerações investigadas e que possuem tendências facilmente verificáveis e que ajudam a compreender como alianças matrimoniais são articuladas a partir de estratégias de reprodução social. Com efeito, o maior volume de uniões endogâmicas se produz nos ramos familiares associados à atividade fundiária, sobretudo quando essa atividade é o criatório bovino e/ou bubalino. É o caso dos ramos Gama da Silveira e Gama Bentes. Da mesma maneira, percebe-se uma tendência à monogamia estendida nos ramos e sub-ramos que desenvolvem atividade mercantil ou industrial, como nos Castro da Gama e Gama e Silva. A associação de capital a partir de alianças familiares com famílias próximas, geralmente pertencentes ao mesmo corpo social que também se dedicam às atividades comerciais, empresariais e industriais parece reforçar o poder econômico associado a esse tipo de capital e, assim a se constituir como uma estratégia de reprodução social desses ramos.

Nesse sentido, o conceito de “alianças familiares” deve ser pensado como um instrumento de poder. Do ponto de vista de uma família de elite, é um instrumento de articulação e majoração de capital econômico, nas suas diversas formas, ou de capital social, compreendido aqui enquanto acesso a cadeias de relações sociais influentes.

Além disso, também observamos outro formato presente na disposição do capital social no grupo estudado: a estratégia de inserção social intra-grupo de sub-ramos menos favorecidos economicamente, do grupo de parentesco estudado. Explicamos: por evidente, nem todos os 1.381 indivíduos do grupo (os nascidos no grupo e seus cônjuges) possuíram as mesmas condições de inserção social, formação e nem possuíram volumes similares de capital, seja ele econômico ou social. Ademais, dados eventos históricos, como centralidade ganha pelo Rio de Janeiro com a transferência da Corte, a Guerra Civil de 1835-1840 (a Cabanagem), a crise da economia seringueira, a abolição de escravidão e a Revolução de 1930 foram vivenciados de maneira diferente pelos diversos ramos e sub-ramos. Alguns desses eventos afetaram profundamente, inclusive política e economicamente, alguns indivíduos do grupo, produzindo diferenciações internas, que, numa sociedade com rígido escalonamento social, teve seu papel. Uma das estratégias de reinserção social, após essas crises, foi o estabelecimento de uniões endogâmicas, por meio das quais os indivíduos buscaram recuperar o capital disperso.

Pensamos, também, que é significativo o volume de ¼ de componente endogâmico no total de todas as uniões matrimoniais feitas no grupo de parentesco, cabendo ainda considerar que no critério de endogamia entendida incluímos somente os indivíduos pertencentes ao meio social que já possuía relações anteriores de parentesco com o grupo. Decidimos, assim, proceder para criar uma zona intermediária entre a endogamia estrita e o processo que Lévi-Strauss (1976LÉVI-STRAUSS, C. As Estruturas Elementares do Parentesco. Petrópolis/São Paulo: Vozes/EDUSP, 1976.) identifica como falsa endogamia, e que diz respeito às uniões realizadas dentro da mesma classe social. Fazendo uma projeção no campo da falsa endogamia percebe-se que, evidentemente, ela é uma dinâmica fortemente presente no grupo de parentesco.

Percebemos que a questão da endogamia tem uma finalidade, uma função econômica e não se constitui como simplesmente uma dinâmica de fundo moral, que pensa o parentesco por meio de uma percepção purista ou subjetivista, apesar de que as uniões endogâmicas sejam assim justificadas.

Para uma família que se dedique à atividade pecuária ou agrária, a união exogâmica ou endogâmica estendida não é tão vantajosa como a união endogâmica plena, que, mais que as outras, permite a integralidade do espaço fundiário, estratégico para o rodízio de solos ocupados e, assim, para a preservação da qualidade do criatório ou do cultivo. Por sua vez, uma união endogâmica pura é desinteressante para famílias dedicadas à atividade comercial e industrial porque ela simplesmente não aporta o elemento financeiro, seja na forma de crédito, seja na forma de capital de investimento, seja na forma infraestrutura (transporte fluvial, armazém de estocagens etc.), seja na forma de relações comerciais e bancárias que permitem a reprodução do capital.

Da mesma maneira, para aqueles indivíduos que se dedicam a profissões liberais ou carreiras na função pública, a exogamia tende a ser mais interessante, porque diversifica as articulações sociais, ampliando a rede de inserção social dos indivíduos, o que tende a ser uma vantagem concorrencial para eles.

Há formas sociais - padrões de reprodução social variados - que se adaptam a diferentes contextos produtivos internos ao espaço amazônico e essas formas constituem trajetórias, algumas das quais mais eficientes, conforme o contexto sócio-histórico. Importante destacar, ainda que isso seja óbvio, que as constâncias da reprodução social se associam às constâncias da reprodução biológica, razão pela o modelo de pactuação matrimonial envolve, em grupos de parentesco de elite, ações de planejamento da eficácia produtiva e, à termo, reprodutiva. Nessa economia do parentesco, pode-se perceber, ainda, estratégias destinadas a diminuir os riscos socialmente colocados à reprodução social - razão pela qual unidades familiares diversas se unem para possibilitar a construção de uma carreira política, por exemplo, que se tornou tributária de toda a rede de parentesco, como foi o caso da carreira do senador José Thomaz Nabuco de Araújo, casado com uma Castro da Gama, fortemente apoiado por todos os ramos familiares e que retribuiu, seguidamente e durante muitos anos, na defesa dos interesses familiares no parlamento nacional. Outra estratégia destinada a essa minimização de riscos foi o casamento de membros de uma fratria fora do eixo produtivo, como uma possível garantia de estabilização econômica, na eventualidade de uma crise mais grave na sua atividade produtiva. Um exemplo disso foi a união de uma moça do ramo Gama e Costa, majoritariamente dedicado à agricultura e à produção de açúcar e aguardente na região paraense do Baixo Tocantins, com um profissional liberal, o advogado Samuel Wallace MacDowell, pertencente a uma família sem nenhuma relação com essa região ou com a mesma atividade econômica.

Como se percebe, há constâncias que se repetem na vida social, e embora toda família, em qualquer plano ou condição econômica, vise à sua reprodução social, as famílias que compõem o estrato mais privilegiado da sociedade precisam lidar com a condição de reproduzir a proteção, a defesa, desses privilégios.

Como compreendê-las? Elite, classe dominante? Patriarcado? Dada a complexidade do grupo de parentesco, que, como dissemos, inclui a perspectiva de diferentes corpos familiares - e não de uma única grande família, todos com suas especificidades e estratégias de reprodução social, cada uma delas como padrões de inserção socioprodutiva específicas, conforme dos ecossistemas amazônicos - fica muito difícil construir uma generalização que abarque o conjunto inteiro, sobretudo quando se tem em mente as transformações ocorridas ao longo do tempo histórico, num espaço, no caso, de seis gerações.

A essas noções - elite e classe dominante - pode-se opor muitas críticas. Primeiramente, seu subjetivismo, assim compreendendo o impacto da necessidade de produzir tipificações que nomeiem fenômenos macro em sua ação social específica. O problema, a fundo, é que as generalizações conceituais resultam no necessário obscurecimento das peculiaridades, diversidades e mesmo do conflito, presentes no processo. Tratar o conjunto de indivíduos referidos neste estudo por meio do termo “família” seria uma ação subjetivista. Dentro dela haveria a sugestão, tangente, de que os laços de parentesco se produzem de maneira homogênea e que as estratégias de reprodução social empregadas por esses indivíduos são similares. Ao contrário, há importantes malhas de conflito, de concorrência em torno do controle dos processos reprodutivos.

Evidentemente essa problemática, em campo antropológico, remete à diferença entre o conceito de estrutura de Radcliffe-Brown (1965RADCLIFFE-BROWN, A.R. Structure and Function in Primitive Society. Nova York: The Free Press, 1965.) e o mesmo conceito em Lévi-Strauss (1976LÉVI-STRAUSS, C. As Estruturas Elementares do Parentesco. Petrópolis/São Paulo: Vozes/EDUSP, 1976.). No que tange à forma social do parentesco, o primeiro desses autores resta marcado por uma compreensão rigorosamente empirista, através da qual estrutura significa um conjunto observável de relações sociais, o que o leva a compreender o parentesco como um conjunto de relações diádicas que unem uma pessoa a outra (WOORTMANN, 2003WOORTMANN, K. Lévi-Strauss e a família indesejada.Anuário Antropológico, v. 28, n. 1, p. 291-350, 2003. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/anuarioantropologico/article/view/6874 . Acesso em: 08 fev. 2022.
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). Ao contrário, em Lévi-Strauss (1973LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. ), estrutura social é um modelo, um instrumento de interpretação que auxilia na percepção dos laços entre as práticas sociais e os fatores motivadores dessas práticas, por mais obscuros que sejam eles - havendo ainda, a considerar, segundo Nutini (1965NUTINI, H. G. Some Considerations on the Nature of Social Structure and Model Building: A Critique of Claude Lévi-Strauss and Edmund Leach. American Anthropologist, v. 67, n. 3, p. 707-731, 1965. Disponível em: https://anthrosource.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1525/aa.1965.67.3.02a00060 . Acesso em: 13 fev. 2022.
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), que, na percepção de Lévi-Strauss, há modelos conscientes e inconscientes nesse processo. Em acréscimo, podemos postular, com uma perspectiva pós-estruturalista, que nem todo modelo possui referentes e que há dinâmicas na vida social que não chegam a alcançar a condição de estruturas “estruturadas”, como discursos, pragmáticas e mesmo ações sociais.

De que maneira isso impacta na leitura que possamos fazer a respeito do tema em discussão? Em primeiro lugar, faz-nos que a noção de classe dominante, como assinala Bottomore (1974BOTTOMORE, T. B. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.), não pode ser aplicada, genericamente a todas as realidades históricas, considerando que há situações nas quais ele, simplesmente, não se adequa. Em segundo lugar, que a noção de elite, particularmente a de “elite governante” (MOSCA, 1992MOSCA, G. La clase política. México: Fondo de Cultura Económica, 1992. ; PARETO, 1996PARETO, V. Manual de Economia Política. São Paulo, Nova Cultural, 1996.; MICHELS, 1982MICHELS, R. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982. ), além de estar impregnada de forte funcionalismo, tende a desvincular o processo da dominação econômica do processo de dominação política, como assinala o próprio Bottomore (1974BOTTOMORE, T. B. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.). Em terceiro lugar, que a noção de família se assenta, na maioria das análises, num viés empirista que, a nosso ver, se torna problemático quando precisa estabelecer relações de reciprocidade entre indivíduos que ocupam espaços produtivos diferentes e mesmo concorrenciais, participam de gerações diferentes e aderem a matizes não similares do espectro político e, por fim, naturalmente se distanciam, uns dos outros, no tempo, no espaço e mesmo nas relações de parentesco.

Considerando isso, diríamos que, de imediato, é preciso superar uma percepção empirista a respeito das relações de parentesco e pensar o parentesco como um modelo projetivo, um estoque de conhecimentos tangenciais a respeito de como se processam as práticas de reciprocidade e as estratégias de construção das associações entre indivíduos no que tange a uma cultura de parentesco. Por fim, em acréscimo a essa construção, é preciso lembrar que nem tudo é estrutura - diante dos vazios, silêncios, não ditos, indizíveis e traços (DERRIDA, 2006DERRIDA, J. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2006.) que perfazem uma cultura de parentesco e, dentro dela, culturas familiares. Todos esses elementos são factíveis ao fenômeno do poder, que nem sempre é, necessariamente, estrutural ou empírico.

Assim, quando falamos em grupo de parentesco é buscando acomodar a compreensão de que há diferentes culturas de parentesco, culturas familiares e formas sociais superpostas que irão se produzir conforme as condições históricas dadas à reprodução social.

A noção de família patriarcal também coloca problemas, porque, no caso em tela, apesar dos volumes de riqueza e poder do grupo de parentesco estudado, inexiste a reprodução do modelo patriarcal consagrado pela historiografia brasileira clássica (OLIVEIRA VIANA, 2019OLIVEIRA VIANA, F. J. Instituições Políticas Brasileiras (Vols. I e II). Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2019. Disponível em: http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm . Acesso em: 20 fev. 2022.
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; MARTINS, 2004MARTINS, L. O patriarca e o bacharel. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio , 2004.; FREYRE, 1998FREYRE, G. Casa-Grande & Senzala. 34. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.; HOLANDA, 1987HOLANDA, S.B. Raízes do Brasil, 19. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.; PRADO JUNIOR, 2011PRADO JR., C. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.; CANDIDO, 1951CANDIDO, A. The Brazilian family. In: LYNN SMITH, T.; MARCHANT, A. Brazil: portrait of half a continent. New York: Dryden, 1951. p. 291-312.; AZEVEDO, 1958AZEVEDO, F. de. Canaviais e engenhos na vida política do Brasil. São Paulo: Melhoramentos, 1958.). A ideia de família patriarcal - comumente associada à forma social generalizada tomada pelas elites brasileiras do período colonial ao começo do século XX - é pensada como um tropo ideológico, um referente ideológico, que mais serve à disposição narrativa de alguns intérpretes de que à compreensão do processo social.

Mas não se trata de constatar, aqui, novamente, que a “família patriarcal” não constitui um modelo universal para a família brasileira, como já tem sido constantemente debatido, mas de observar que ela constitui, na verdade, um antimodelo para a própria caracterização das elites e da ideia de poder social, posto que, em seu fundamentos, obscurece a dinâmica essencial do processo de constituição da unidade familiar: a sociação, a distribuição, mais do que a permanência e a unicidade, do nome, do sangue, do patrimônio num corpo social relativamente, ou pretensamente, coeso. Nossa abordagem visa a pensar a família no que ela tem de essencial: sua sociação. Sua disposição natural para o vínculo, o nó, a rede, a cadeia e o intersubjetivo. Pensada fenomenologicamente, a família é um inter-sujeito, ou mesmo um trans-sujeito, que se produz, com certa capacidade adaptativa às transformações nos padrões produtivos e socioculturais.

O grupo de parentesco que aqui chamamos de Gama Lobo é um universo dessas formas sociais. Sua reprodução social evidentemente dialoga com modelos que subjetivam sua existência produzindo movimentos, identificações e morfologias que podem ser reconhecidos, tanto pelos indivíduos do grupo na sua autoprodução de papeis sociais - sua, talvez possamos dizer, autoficções - como pelos indivíduos que os interpretam, seja em campo sociológico, seja em campo antropológico, seja em campo histórico. Vivenciando uma condição híbrida de pertencer às autoficções do grupo e, ao mesmo tempo, de pertencer ao campo de seus observadores analíticos, apenas começo, com este artigo, um percurso adentro das subjetividades que se tornam, contextualmente, formas sociais e que se expressam por meio de sociações.

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Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2022
  • Aceito
    26 Jul 2022
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