Acessibilidade / Reportar erro

Sobrevivendo no inferno: a escrita da história na eco-crise global1 1 Os argumentos aqui apresentados resultam de pesquisas financiadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - 88887.466409/2019-00 e Faperj APQ1, Processo: E-26/210.359/2019. Agradeço a Gisele Batista Candido, Rafael de Bivar Marquese e Maximiliano Mac Menz pela leitura do texto e pelos comentários. Agradeço, também, ao Coletivo Braudel, ao GEFBOB, bem como a todas as alunas e os alunos que cursaram as disciplinas de história ambiental (e relacionadas) que lecionei na UFF ao longo dos últimos três anos, em especial a Pedro Valença Reis, que, com um comentário de fim de semestre, me levou a elaborar alguns dos argumentos desenvolvidos neste ensaio.

Surviving in Hell: Writing History in the Global Eco-crisis

RESUMO

A atual crise energética e as questões de sustentabilidade ligadas a ela podem ser compreendidas melhor quando enquadradas no colapso ambiental mais amplo do qual são parte. A eco-crise mundial atualmente em curso ocupa um lugar incontornável em debates na esfera pública e na agenda política de diferentes governos ao redor do mundo. Historiadores têm participado de diferentes formas dessas discussões, que com frequência trazem embutidos modelos de análise histórica simplistas, quando não a-históricos. No entanto, historiadores com frequência também operam de modo irrefletido por meio de categorias produzidas pela história do capital, que tendem a naturalizar as formas de ver e experimentar o mundo, e que estão na base do colapso ecológico de nossa época. O presente artigo apresenta reflexões em torno desses problemas e explora possibilidades de análise histórica no contexto do colapso ambiental.

Palavras-chave:
colapso ambiental; historiografia; teoria da modernização; capitalismo; civilização material; América colonial

ABSTRACT

The current energy crisis and the sustainability debate are better understood as part of the broader environmental collapse of which they are part. The contemporary eco-crisis is at the center of a number of debates in the public sphere and in the political agenda of governments around the world. Historians have participated in these debates in different ways, debates that are frequently based on simplistic - when not anti-historical - models of historical analysis. However, historians also frequently use categories that were created by the history of capital in unthinking ways, categories that naturalize ways of seeing and experiencing the world and that are at the basis of the current ecological collapse. The present essay offers reflections on these problems and explores the possibilities of historical analysis in the context of the environmental crisis.

Keywords:
Environmental collapse; Historiography; Modernization Theory; Capitalism; Material Civilization; Colonial America

Um viva para os que nunca inventaram nada para os que nunca exploraram nada para os que nunca dominaram nada mas que se abandonam, por inteiro, à essência de todas as coisas inconscientes das superfícies, mas entregues aos movimentos de todas as coisas sem a preocupação de domar, mas jogando o jogo do mundo (Césaire, 2013CÉSAIRE, Aimé. The Original 1939 Notebook of a Return to the Native Land. Middletown, CT: Wesleyan University Press, 2013 [1939] . [1939], p. 38. Traduzimos.)

1.

No final da década de 1940, o antropólogo norte-americano Leslie White argumentava que a transição para combustíveis fósseis foi a base de um significativo salto cultural da humanidade, comparável apenas à grande transformação produzida pela domesticação de plantas e animais, milhares de anos antes, na chamada Revolução Neolítica. Para ele, “a história da civilização é a história do controle sobre as forças da natureza por meios culturais”. White conceitualizava a cultura como entidade única, uma cultura da humanidade (“culture of mankind”) que abarcaria inúmeras tradições em seu interior, mas cuja principal função seria “obter e controlar a energia de modo a colocá-la a serviço do homem”. Apesar do grande salto cultural, possível graças à generalização do uso de carvão mineral e do petróleo, o recado de White era que uma grande crise energética se anunciava com os possíveis usos militares da energia nuclear, algo que o governo dos Estados Unidos acabara de colocar em prática ao lançar a bomba atômica, e que ameaçava extinguir a civilização, se os conflitos na arena internacional se acirrassem nas décadas seguintes. Uma eventual guerra parecia inevitável para o antropólogo, daí a sua esperança em torno da emergência de um poder vitorioso capaz de unificar o planeta em um único sistema social. Superada a ameaça nuclear, a humanidade poderia então subir mais um degrau na evolução cultural, com base na abundância que as novas fontes de energia permitiriam acumular (White, 1949WHITE, Leslie A. The Science of Culture: A Study of Man and Civilization. New York: Farrar; Straus, 1949., pp. 362, 364).

A perspectiva de White era herdeira do mundo criado pela Revolução Industrial. Uma das características dos combustíveis fósseis, como o carvão mineral e o petróleo, é o enorme volume de energia que concentram, como bem sabemos pelos processos de industrialização e crescimento econômico que eles permitiram ao longo dos últimos duzentos anos. Não por acaso, um mundo de abundância infinita se descortinava na literatura e nas ciências, entre capitalistas e socialistas utópicos. Diferentemente de perspectivas que atentavam para os limites do crescimento, como as de Adam Smith e Thomas Malthus (figuras de uma época em que a principal fonte de energia era ainda o fluxo solar diário), a visão emergente no contexto da transição para o carvão mineral postulava um mundo de possibilidades sem fim, em plena sintonia com as novas noções de progresso e evolução humana da época (Worster, 2016WORSTER, Donald. Shrinking the Earth: The Rise and Decline of American Abundance. New York: Oxford University Press , 2016., pp. 49-50). Vozes dissonantes surgiram, como a de Karl Marx, cuja bibliografia mais recente vem demonstrando tratar-se de uma das críticas ambientais mais radicais de nossa época (Saito, 2021SAITO, Kohei. O ecossocialismo de Karl Marx: Capitalism o, natureza e a crítica inacabada à economia política. São Paulo: Boitempo, 2021.). Todavia, a apropriação de sua obra ao longo do século 20 pela chave desenvolvimentista prometeica (e é possível encontrar ambiguidades a esse respeito no próprio Marx, especialmente em alguns de seus escritos iniciais) indica a força do paradigma surgido da transição para combustíveis fósseis, com suas ilusões de crescimento infinito (Kurz, 1992KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.).

Assim, ao longo do século seguinte, permaneceu o credo geral na possibilidade de crescimento e abundância sem fim, evidenciado pelo nascimento da teoria da modernização após a Segunda Guerra Mundial. Aqui, o petróleo teve papel fundamental no estímulo à exportação de projetos de desenvolvimento (tendo os Estados Unidos como régua de medida) para o resto do mundo. Como argumenta Timothy Mitchell, a transição do carvão para o petróleo como principal combustível mundial em meados do século 20 contribuiu para a visão predominante de que a economia não tinha limites, pois, primeiro, os preços declinaram continuamente ao longo das décadas de 1950 e 60, e, segundo, a sua relativa abundância e facilidade de transporte pareciam fazer dele um recurso infinito, deixando a exaustão das reservas fora dos custos gerais; externalidades, como economistas costumam dizer (Mitchell, 2011MITCHELL, Timothy. Carbon Democracy: Political Power in the Age of Oil. London; New York: Verso, 2011.).

A guerra nuclear temida por Leslie White não veio, mas a ideia de que a humanidade está em vias de produzir a sua própria extinção ganhou vida nova no século 21. O consenso científico atual é o de que estamos vivenciando um colapso ambiental em escala planetária, uma crise que tem na questão energética, e mais especificamente na transição para o uso de combustíveis fósseis em larga escala, um de seus principais vetores (Marques, 2018MARQUES, Luiz. Capitalism o e colapso ambiental. 3. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.). Inúmeros debates interdisciplinares têm se desenrolado em torno do problema, particularmente estimulados pela noção de Antropoceno: a ideia de que a humanidade se tornou uma força geológica capaz de abalar a estabilidade climática que caracterizou os últimos 11 ou 12 mil anos.

A partir de discussões bibliográficas, o presente texto avalia a persistência do paradigma modernizante no debate atual sobre a crise ambiental e os seus efeitos na historiografia (seção 2). Historiadores têm oferecido diferentes respostas aos desafios impostos pela crise ecológica, da manutenção de narrativas baseadas em modelos hegemônicos na academia (em especial, anglo-americana) à rejeição integral da historiografia como insuficiente, quando não nociva para uma compreensão efetiva da crise de nossos tempos. O argumento principal aqui oferecido é o de que o tratamento crítico de nossas tradições historiográficas abre caminhos não apenas para questionarmos nossas próprias categorias de análise (e, consequentemente, as categorias de percepção dos problemas contemporâneos), mas também para a apropriação criativa de abordagens marginalizadas por consensos historiográficos que se amparam na geocultura do capitalismo. Assim, tomando como fio condutor a história da América, o presente ensaio explora as possibilidades abertas pelo modelo de Fernand Braudel para se pensar o colapso ecológico de nossos tempos em uma perspectiva histórica de longa duração, com atenção particular para os seus conceitos de capitalismo (seção 3) e vida material (seção 4). Por fim, inversamente, concluo (seção 5) com algumas considerações sobre as implicações deste exercício para se pensar o problema hoje2 2 Falar do modelo braudeliano como marginalizado pode causar estranhamento, mas sua interpretação da história do capitalismo não foi ainda plenamente explorada. Carlos Aguirre Rojas (2003, p. 64) acerta quando fala da vulgarização de Braudel, com uma versão simplificada e limitada de seu pensamento. .

2.

Uma das primeiras críticas à perspectiva de Leslie White veio poucos anos depois, com a publicação do famoso ensaio de Claude Lévi-Strauss “Raça e História”, de 1952. Nele, o antropólogo francês sugeriu que a ênfase e a celebração dos grandes avanços humanos produzidos na Revolução Neolítica e na Revolução Industrial eram fruto do critério específico que parecia caracterizar a civilização ocidental, qual seja, o acúmulo de energia per capita. Se alterássemos tal critério, argumentava Lévi-Strauss, teríamos que reordenar radicalmente a distribuição evolutiva que parecia entranhada no senso comum, na qual os Estados Unidos apareciam no topo e a grande massa de sociedades subdesenvolvidas na América Latina, África e Ásia, na base. Além disso, todo um conjunto de fenômenos e revoluções de outro tipo, que não aqueles calcados no maior uso possível de energia, poderiam vir à tona. Se o critério, por exemplo, fosse a sobrevivência em ambientes inóspitos, os beduínos e os esquimós estariam no topo da escala, por suas habilidades de sobrevivência no deserto e no gelo, respectivamente. A intervenção de Lévi-Strauss trazia uma importante crítica das noções de progresso vigentes e do provincianismo de perspectivas pan-europeias que se pretendiam universais (Levi-Strauss, 2017; Iegelski, 2016IEGELSKI, Francine. Astronomia das constelações humanas: reflexões sobre Claude Lévi-Strauss e a história. São Paulo: Humanitas, 2016.).

A crítica de Lévi-Strauss ressoa em nossos tempos, quando o acúmulo de energia, que White descrevia como certa propensão humana, deixou de ser uma garantia de maior segurança para se tornar uma ameaça à existência das sociedades. A despeito do consenso científico em torno da crise e de sua ampla divulgação, no entanto, o paradigma modernizante continua a demonstrar a sua força em diferentes arenas, em parte por ser visto não como constitutivo do problema, e sim da sua solução. Na prática, governos ao redor do mundo adotam o discurso ambiental enquanto submergem a questão no objetivo de disputar mercados em escala mundial: basta lembrarmos do então candidato à presidência dos Estados Unidos em 2020, Joe Biden, correndo em um Corvette e sonhando com um mundo no qual o seu país se tornaria o maior produtor de carros elétricos do planeta. Nas Ciências Sociais, ilusões de crescimento infinito continuam a informar uma parcela expressiva da produção intelectual, como a rápida passada de olhos na bibliografia mais recente sobre desigualdades globais deixa evidente: Branko Milanovic acredita no poder de novas tecnologias para superar o problema ambiental e, ao mesmo tempo, se refere a propostas de decrescimento como formas de “pensamento mágico”; Thomas Piketty, por sua vez, explora a questão ambiental em seu último livro, mas a isola por completo das propostas que oferece para solucionar o problema da desigualdade (Marques; Parron, 2020MARQUES, Leonardo; PARRON, Tâmis Peixoto. Os sete pecados capitais da literatura sobre desigualdades. In: FERRERAS, Norberto O. (Org.). Desigualdades globais e sociais em perspectiva temporal e espacial. São Paulo: Hucitec, 2020. pp. 234-275. ).

Assim, não surpreende que, ao mesmo tempo em que a crescente percepção do problema ecológico tenha estimulado o surgimento do campo de história ambiental, muitos trabalhos continuem a reproduzir as categorias do universalismo europeu (Wallerstein, 2007WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.) subjacente ao paradigma modernizante. Em vários deles, não estamos distantes da perspectiva de White, que colocava o consumo de altos níveis de energia como pressuposto do desenvolvimento humano. Em Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, Jared Diamond avalia inúmeros casos históricos de supostos “colapsos” com base na exaustão de recursos, como os habitantes da Ilha de Páscoa ou os Maias. Um dos principais problemas, porém, é que o procedimento de Diamond depende da projeção de uma humanidade indistinta para todos os espaços e épocas; modelo que é, na verdade, devedor de um evidente individualismo metodológico. A exploração de recursos naturais em um movimento permanente de expansão aparece como característica da condição humana. Com este modelo, ele pode se deslocar livremente dos Anasazi da América do Norte no ano 1000 à Europa do ano 2000. Tal procedimento - que no fundo elimina a história da análise, pois recorre a uma compressão histórica que basicamente iguala todos os contextos - não está distante do de inúmeros historiadores de formação. A recente síntese de história ambiental da humanidade escrita por Daniel Headrick, Humans versus Nature, publicada em 2020HEADRICK, Daniel R. Humans versus Nature: A Global Environmental History. New York: Oxford University Press, 2020. , é atravessada pelo pressuposto semelhante de que a humanidade é uma exploradora automática da natureza, variando apenas a intensidade dessa exploração de acordo com as tecnologias disponíveis (Marques, 2021MARQUES, Leonardo. Cadeias mercantis e a história ambiental global das Américas coloniais. Esboços, Florianópolis , v. 28, n. 49, pp. 668-697, 2021a.a, p. 672).

O debate em torno do Antropoceno tem levado alguns historiadores a questionar formas tradicionais de escrita da história. Dipesh Chakrabarty (2013CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da história: quatro teses. Sopro, v. 91, pp. 2-22, jul. 2013.) sugere que, diante dos limites que as novas condições trazem para narrativas clássicas da historiografia, as histórias do capital deveriam dialogar com as histórias da espécie humana. O olhar do historiador indiano a respeito dessas duas tradições, entretanto, é superficial. A despeito de suas ressalvas em torno da necessidade de se evitarem essencialismos, pois espécies não são entidades fixas, e a busca por uma natureza humana se revelou um empreendimento científico inútil, o modelo de história da espécie por ele selecionado é o trabalho de Edmund O. Wilson, renomado biólogo de Harvard. Como bem aponta Lisa Sideris (2016SIDERIS, Lisa. Anthropocene Convergences: A Report from the Field. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, n. 2, pp. 89-96, 2016., p. 94), o conceito de espécie de Wilson é notoriamente problemático e não apenas postula uma concepção específica de natureza e moralidade humanas, mas transforma a explicação biológica em um motor mais predominante do que Chakrabarty reconhece. Diferentes exemplos de big history incorporam o mesmo tipo de conceitualização de natureza humana presente em Wilson, arquitetando histórias homogêneas da humanidade. Assim, não há garantias de que a infusão da história do capital por histórias da espécie humana, tal como sugerido por Chakrabarty, principalmente se considerarmos o exemplo por ele selecionado, não possa desembocar em um “realismo burguês de senso comum”, para usar a expressão de Marshall Sahlins (2001SAHLINS, Marshall David. Como pensam os “Nativos”: sobre o Capitão Cook, por exemplo. São Paulo: EDUSP , 2001.), ao carregar concepções específicas de humanidade que raramente são objeto de historicização3 3 O livro de Levins e Lewotin (1985) permanece fundamental para essa discussão. .

O recurso à história da espécie proposto por Chakrabarty é ainda resultado, em grande medida, de sua leitura limitada da vasta produção teórica e historiográfica sobre o capitalismo, tratada como insuficiente para nossos tempos. Porém, a começar pelo próprio Marx, diferentes obras ofereceram caminhos extremamente ricos para se pensar as articulações entre a história do capital e a história natural. Ao mesmo tempo, a conceitualização vacilante de capitalismo oferecida pelo autor indiano (em alguns momentos tratado como sinônimo de industrialização, em outros como desigualdade de renda) não permite observar a centralidade da natureza extra-humana para o funcionamento do sistema, como nota Boscov-Ellen (2020BOSCOV-ELLEN, Dan. Whose Universalism? Dipesh Chakrabarty and the Anthropocene. Capitalism, Nature, Socialism, v. 31, n. 1, pp. 70-83, 2020., p. 11), e o leva a seguir outros pensadores do Antropoceno na interpretação de que foram mudanças contingentes de nossa capacidade tecnológica como espécie que produziram as mudanças radicais de nossa era: “Chakrabarty fica então sem instrumentos para distinguir as características mais ou menos universais da vida humana - nosso uso de ferramentas, linguagem etc. - das compulsões especificamente ecológicas da sociedade capitalista, incapaz de teorizar as desigualdades e injustiças da mudança climática em relação aos processos de acumulação do capital”.

A essa altura, deve estar claro para o leitor que a minha interpretação da crise ecológica contemporânea, como a de tantos outros, é a de que seu principal motor é o capitalismo, um sistema histórico regido pela lógica da acumulação sem fim. Isso não significa dizer que a dominação da natureza foi inventada por nossa época, como Chakrabarty parece por vezes sugerir em seus esforços para explicitar a insuficiência de análises centradas no capital, mas sim que o capitalismo definitivamente mudou a dinâmica de apropriação da natureza de forma dramática, ao submeter essa dominação à lógica do capital e justificá-la por uma ideologia do progresso. Nesse sentido, a crítica da economia política iniciada por Marx permanece absolutamente fundamental para as ciências sociais como um todo e, particularmente, para historiadores, que devem permanentemente exercitar a historicização de suas próprias categorias de análise. Aqui reside, inclusive, uma das principais explicações para a disparidade entre a enorme massa de informações a respeito do colapso ambiental, produzida pelo consenso científico contemporâneo, e a ausência de ações que permitam efetivamente atacar o problema. As soluções são pensadas majoritariamente dentro das categorias que reproduzem a crise porque um modo de vida específico está em grande medida naturalizado, enraizado.

A desnaturalização de nossas categorias e a alteração dos critérios de análise podem nos levar a descortinar mundos que estão soterrados sob o paradigma desenvolvimentista, como indicava Lévi-Strauss em sua crítica, contribuindo, nesse processo, para um aprofundamento e um refinamento dos debates presentes sobre sustentabilidade, crise energética e colapso ambiental. É preciso injetar história no debate contemporâneo: não apenas olhando para o passado, pois isso já é feito com relativa abundância, mas transcendendo modelos a-históricos como os descritos anteriormente, que dão pouco espaço para a mudança histórica e que, no fundo, são uma herança das teorias da modernização construídas no contexto de relativa abundância de recursos energéticos. Ao fazê-lo, podemos colaborar para o desmantelamento do tempo pretensamente homogêneo e linear do capitalismo, que idealiza um mundo à sua imagem e semelhança no tempo e no espaço. Em outra ocasião, sugeri (Marques, 2020MARQUES, Leonardo; PARRON, Tâmis Peixoto. Os sete pecados capitais da literatura sobre desigualdades. In: FERRERAS, Norberto O. (Org.). Desigualdades globais e sociais em perspectiva temporal e espacial. São Paulo: Hucitec, 2020. pp. 234-275. ) que a abordagem centrada na história das mercadorias e no diálogo sério com a perspectiva de sistemas-mundo (um exemplo clássico de abordagem negligenciada por historiadores) pode favorecer tais esforços. Em artigo recente, Helge Jordheim (2022JORDHEIM, Helge. Natural Histories for the Anthropocene: Koselleck’s Theories and the Possibility of a History of Lifetimes. History and Theory, v. 61, n. 3, pp. 391-425, 2022.), por sua vez, mobiliza a teoria dos tempos múltiplos de Reinhart Koselleck na tentativa de responder ao desafio de Chakrabarty sobre a necessidade de incorporar os tempos da natureza em nossas narrativas.

Como Jordheim, acredito que uma teoria dos tempos plurais pode nos ajudar a avançar nesse debate, mas em vez de Koselleck, recorrerei ao modelo de Braudel. Os dois volumes clássicos sobre o Mediterrâneo oferecem caminhos para se pensar os tempos da natureza, e não no sentido determinista e repetitivo que por vezes é atribuído ao livro. Meu foco, contudo, será no modelo apresentado na famosa trilogia Civilização material, economia e capitalismo. Tomando o caso concreto da história da América como fio condutor, podemos reprisar de outra perspectiva algumas das questões anteriormente levantadas. As possibilidades abertas pela obra de Braudel para se pensar a história ambiental da era moderna são muitas, como evidenciado pelos trabalhos de Jason Moore (2003MOORE, Jason W. Capitalism as World-Ecology: Braudel and Marx on Environmental History. Organization & Environment, v. 16, n. 4, pp. 514-517, 2003.; 2022MOORE, Jason W. (Org.). Antropoceno ou capitaloceno?: Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022.), e sua noção de ecologia-mundo, certamente, é uma das principais inspirações para muito do que vem a seguir. As próximas seções, contudo, buscam explorar mais a fundo aspectos do modelo braudeliano de história do capitalismo que permanecem sub-explorados - mesmo entre entusiastas da perspectiva de sistemas-mundo como Moore - e suas implicações para se pensar a questão ambiental hoje4 4 O clima se modifica e é, nas palavras de Braudel (2016, p. 366), “geralmente obra dos homens. Aqui por causa dos extensos desmatamentos, ali devido à interrupção da irrigação ou das culturas, quase sempre catastrófica nas regiões áridas”. .

3.

Em sua famosa trilogia, Braudel lançou um modelo de três andares para compreender o desenvolvimento do capitalismo na era moderna. Na base está o que chama de vida material ou civilização material: estruturas antigas, cotidianas, expressas nas práticas de cultivo, de construção, de uso da energia. Sobre esta enorme base material ergue-se o que ele chama de economia de mercado, “os mecanismos da produção e da troca ligados às atividades rurais, às lojas, às oficinas, aos estabelecimentos, às Bolsas, aos bancos, às feiras e, naturalmente, aos mercados”, ela também anterior à era moderna e, de alguma forma, presente em diferentes partes do mundo5 5 O uso do termo “economia de mercado” por Braudel costuma gerar críticas justamente por seu parentesco com a economia política clássica, e sua obra não está isenta de ambiguidades produzidas pelo uso de categorias como essa. Ao distinguir a economia de mercado do capitalismo, contudo, como aponta Wallerstein (2006), Braudel subverte os usos tradicionais desses termos. . Finalmente, no topo dessa estrutura está o capitalismo, um conjunto de práticas conduzidas por grandes negociantes, que criam monopólios, manipulam mercados e aproveitam diferentes oportunidades com vistas à acumulação de capital.

A partir dessa definição de capitalismo, Braudel consegue destacar a flexibilidade do sistema, que pode adotar a forma industrial, como foi o caso no longo século 19, mas que não tem na indústria a sua identidade absoluta; a revolução industrial aparece como importante momento de uma história mais ampla. Isso nos permite ir além de alguns limites que vimos permear os discursos em torno do Antropoceno, cujas histórias com frequência postulam as revoluções neolítica e industrial como os momentos-chave da trajetória humana, o que as coloca em sintonia com a ênfase em soluções tecnológicas que, com frequência, são mobilizadas para tratar do problema. Entre estes dois momentos está o surgimento e a expansão do capitalismo, verdadeiro motor da crise ecológica contemporânea. Braudel localiza o surgimento do capitalismo na Baixa Idade Média e com um enquadramento - a ideia de economia-mundo - que, de saída, coloca em questão a projeção de fronteiras nacionais para o desenrolar dessa história. Ao pensar o Mediterrâneo como unidade de análise, o historiador francês abre caminhos para a incorporação da expansão ultramarina ibérica e, consequentemente, da Conquista da América na história do capitalismo (Marques, 2021MARQUES, Leonardo. Cadeias mercantis e a história ambiental global das Américas coloniais. Esboços, Florianópolis , v. 28, n. 49, pp. 668-697, 2021a.b).

Ao destacar a atuação dos grandes negociantes nos jogos das trocas e inseri-la em sua arquitetura maior da história do capitalismo, Braudel também fornece ferramentas para compreendermos as dimensões materiais de um processo à primeira vista abstrato, qual seja, o da história do dinheiro, que adquire o lugar central no desenvolvimento histórico do sistema. Uma das raízes da ascensão e da expansão de Amsterdã como capital financeira do mundo foi a história da mineração na América espanhola, que produziu histórias extremas de devastação humana e extra-humana em lugares como Peru e México. A ascensão de Londres no século seguinte foi, igualmente, um dos componentes essenciais da expansão da extração de prata na América espanhola e da transformação de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, na América portuguesa, pela fronteira mineradora do ouro. Metais preciosos eram a base não apenas da produção de moedas para a dinamização das trocas, mas, também, da constituição dos estoques monetários, que davam sustentação aos sistemas bancários e às inovações financeiras que os acompanhavam, incluindo o uso crescente de papel. Práticas ocorridas nos grandes centros financeiros da Europa envolviam, portanto, implicações ambientais do outro lado do Atlântico, produzindo transformações radicais da paisagem cujos efeitos são sentidos até hoje. Problemas como a escassez hídrica dos últimos anos no Sudeste do Brasil, por exemplo, estão diretamente relacionados ao desmatamento da Mata Atlântica, um longo processo que foi certamente acelerado, mas não criado pela industrialização. O ambiente árido e inóspito de Potosí foi igualmente fruto de fronteiras da mineração, que se recriaram recorrentemente ao longo dos séculos (Marques, no preloMARQUES, Leonardo. Mining Frontiers and the Making of the Modern World. In: STUBBS, Jean et al. The Oxford Handbook of Commodity History. Oxford: Oxford University Press. No prelo.).

A transformação da paisagem e a apropriação da natureza revelam-se, assim, como aspectos absolutamente inextricáveis da história do capitalismo. As cronologias do capitalismo e do Antropoceno não precisam ser as mesmas, já que a segunda questão diz respeito especificamente à ideia da humanidade como força geológica capaz de alterar o clima. Há bons argumentos de que o início do Antropoceno se deu no dia 16 de julho de 1945, quando ocorreu a primeira explosão de uma bomba nuclear, no teste de Alamogordo, no Novo México (Zalasiewicz, 2015ZALASIEWICZ, Jan et al. When did the Anthropocene begin? A Mid-twentieth Century Boundary Level is Stratigraphically Optimal. Quaternary International, v. 383, pp. 196-203, 2015.). Mas é preciso ter clareza de suas raízes. A longa duração permanece fundamental para o debate: o Antropoceno é produto do capitalismo. Ainda que nem sempre explícito, há também outro ponto importante, levantado por aqueles que sugerem recuar a cronologia do Antropoceno para a era colonial. Pesquisadores que trabalham com testemunhos de gelo nos Andes detectaram sinais significativos de poluição atmosférica produzida pela mineração em Potosí, particularmente a partir da transição para o processo de amalgamação com mercúrio nos anos 1570 (Uglietti et al., 2015UGLIETTI, Chiara et al. Widespread Pollution of the South American Atmosphere Predates the Industrial Revolution by 240 y. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 112, n. 8, pp. 2349-2354, 24 fev. 2015.). Igualmente instigante foi a renovação do argumento de que o genocídio indígena produzido pela Conquista, com o declínio demográfico de aproximadamente 90% da população nativa da América, teve como um de seus efeitos o amplo reflorestamento do hemisfério, o que levou a uma queda das temperaturas globais e contribuiu para as oscilações da chamada Pequena Era do Gelo (Koch et al., 2019KOCH, Alexander et al. Earth System Impacts of the European Arrival and Great Dying in the Americas after 1492. Quaternary Science Reviews, v. 207, pp. 13-36, 1 mar. 2019.; Headrick, 2020HEADRICK, Daniel R. Humans versus Nature: A Global Environmental History. New York: Oxford University Press, 2020. , p. 193). Esses argumentos são importantes, pois relativizam percepções de que a situação atual é completamente sem precedentes. Da perspectiva da América, e principalmente das populações indígenas, colapsos socioambientais têm uma longa história que remete ao morticínio produzido pela invasão europeia e à reconfiguração de suas vidas produzidas por novas formas e novos ritmos de trabalho nas minas e haciendas do Novo Mundo6 6 Como bem nota Rodrigo Turin (2022, p. 150), se “é o horizonte de uma catástrofe cósmica (incluindo aí a dimensão tecnológica) aquilo que distingue nossa época, o quanto ela seria propriamente inédita para outros povos, como sociedades indígenas, que já viveram em seu passado (e em sua forma de passado) um fim do mundo?” .

Argumento semelhante vem sendo elaborado em relação à história de africanos escravizados na América, e aqui o modelo de Braudel também abre caminhos interessantes de análise. Um dos argumentos que atravessa a trilogia de Braudel é o de que o desenvolvimento do capitalismo na Europa esbarrou em enormes obstáculos colocados pela força de sua civilização material, de tal modo que, às vésperas da revolução industrial, o continente permanecia majoritariamente rural. Em alguns espaços específicos da América, contudo, conseguimos perceber o capitalismo agindo de modo mais livre, em grande medida porque as diferentes instâncias de civilização material do hemisfério foram amplamente impactadas pelo colonialismo europeu, quando não completamente destruídas. Com efeito, foi nas grandes ilhas do Caribe, como Jamaica e Saint Domingue, onde populações indígenas foram praticamente dizimadas, que as sociedades mais mercantilizadas do planeta surgiram na era moderna. As plantations escravistas foram “criações capitalistas por excelência” (Braudel, 2009aBRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII - os jogos das trocas. Vol. 2. São Paulo: Martins Fontes, 2009a., p. 236), grandes propriedades produzindo mercadorias em larga escala para exportação com base na exploração de milhares de africanos escravizados, que trabalhavam em ritmos industriais antes da revolução industrial. Não há paralelos da modernidade da fazenda escravista caribenha (ela também uma grande devoradora de florestas, além de seu notório esgotamento desmesurado de terras) em qualquer lugar da Europa, argumento clássico de C.L.R. James (1943JAMES, C. L. R. The West Indies in Review: Recent Developments in the Caribbean Colonies. The New International, v. IX, n. 6 (whole n. 76), pp. 191-184, jun. 1943.) e Sidney Mintz (1986MINTZ, Sidney Wilfred. Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. New York: Penguin Books, 1986.). Do outro lado do Atlântico, no noroeste europeu, o consumo de substâncias psicoativas como o tabaco, o açúcar e o café se ampliava como resultado do barateamento dessas mercadorias, possibilitado pelos novos ritmos de trabalho impostos pelo chicote do feitor nas ilhas escravistas do Caribe. Acompanhados de processos violentos como os cercamentos e a concentração de terras, a revolução do consumo que marcou os grandes centros do noroeste europeu produziu a transformação da própria civilização material da região, contribuindo para a construção de um novo modo de vida, que eventualmente se apresentaria como o ideal a ser alcançado.

4.

Existe uma história profunda da América, uma história de longa duração do cotidiano, das práticas, das formas de interação dos humanos com o resto da natureza, em suma, da civilização material. Os mundos que formam essa história não se enquadram muito bem em vários dos modelos de análise descritos anteriormente, marcados que são por um fortíssimo individualismo metodológico e por uma tendência à homogeneização a partir de concepções específicas de natureza humana. Um número expressivo de trabalhos de ecologia histórica sobre a Amazônia Antiga tem demonstrado que populações indígenas manejaram intensamente a floresta ao longo de milênios, mas que tal manejo não implicou em degradação da natureza ou simplificação da paisagem. Essa história, como demonstra a obra de Eduardo Góes Neves (2022NEVES, Eduardo Góes. Sob os tempos do equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central. São Paulo: Ubu Editora , 2022.), é extremamente rica em inúmeros aspectos, mas estranha aos observadores modernos, que têm dificuldade em encaixá-la no tipo de narrativa de crescimento, acumulação e hierarquização que permeia muitos paradigmas contemporâneos. Mesmo os grandes impérios pré-colombianos, com frequência mencionados como exemplos de uma relação desequilibrada das populações indígenas com a natureza, como argumenta Diamond a respeito dos Maias, podem ser relidos em outra chave se nos desprendermos da herança modernizante que continua a permear parte da historiografia. Como na Amazônia, a paisagem nos territórios Maia foi amplamente transformada e administrada, com um conjunto de práticas que visavam justamente controlar a erosão do solo e melhorar a fertilidade da terra. O que nos chama a atenção aqui é a capacidade de viver em equilíbrio com o ambiente ao longo de, ao menos, dois milênios, manipulando as florestas sem degradá-las, em um nítido contraste com o rápido desmatamento produzido em dois ou três séculos de colonialismo na costa leste dos Estados Unidos ou no Brasil (Campbell et al., 2006CAMPBELL, David G. et al. The Feral Forests of the Easten Petén. In: BALÉE, William; ERICKSON, Clark L. (Org.). Time and Complexity in Historical Ecology: Studies in the Neotropical Lowlands. New York: Columbia University Press, 2006. pp. 21-56.; McAnany; Negrón, 2010MCANANY, Patricia Ann; NEGRÓN, Tomás Gallareta. Bellicose Rulers and Climatological Peril? Retrofitting Twenty-First-Century Woes on Eighth-Century Maya Society. In: MCANANY, Patricia Ann; YOFFEE, Norman (Orgs.). Questioning Collapse: Human Resilience, Ecological Vulnerability, and the Aftermath of Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. pp. 142-75.).

Recentemente, essa discussão foi reacendida pela obra de Graeber e Wengrow, que recupera o conceito de civilização de Marcel Mauss (principal fonte, também, do conceito de civilização em Braudel). A partir dele, os autores defendem o deslocamento da ênfase habitual nas grandes formações estatais para as “comunidades morais ampliadas” (Graeber; Wengrow, 2022GRAEBER, David; WENGROW, David. O despertar de tudo: uma nova história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. , p. 147), que foram as grandes responsáveis pela construção da vida material no hemisfério, com a domesticação de inúmeras plantas, o desenvolvimento de diferentes atividades como a tecelagem, formas de manipulação e administração da paisagem, dentre outras inovações7 7 Difícil não lembrar aqui das palavras de Lévi-Strauss (2017, p. 352): “domesticam espécies vegetais (ao lado de algumas espécies animais) das mais variadas para sua alimentação, seus remédios e seus venenos, e - fato único na história da humanidade - promovem substâncias venenosas como a mandioca a alimento de base, e outras a estimulantes ou anestésicos, colecionam certos venenos ou entorpecentes em função das espécies animais nas quais cada um deles exerce um efeito desejado e, enfim levam indústrias como a tecelagem, a cerâmica e o trabalho dos metais preciosos ao seu mais alto grau de perfeição”. . Tais práticas não precisam necessariamente levar ao desenvolvimento de formações estatais, como os autores sugerem ao abordar os casos de Teotihuacan e Tlaxcala, no México8 8 Em que pesem os exageros, o ponto mais importante dessa intervenção está em demonstrar como a narrativa modernizante é construída sobre evidências muito frágeis e, nesse processo, abrir caminho para interpretações alternativas. Os autores, contudo, não escapam de alguns dos problemas descritos neste ensaio: ver a definição de humanidade oferecida na página 147. . E mesmo o surgimento de formações imperiais pode ser interpretado como a sobreposição de mundos, que não necessariamente levam à destruição dessa base da vida material. Como argumenta Nathan Wachtel (1978WACHTEL, Nathan. A reciprocidade e o estado Inca. In: VALENSI, Lucette; GODINHO, Emanuel (Org.). Para uma história antropológica: a noção de reciprocidade. Lugar da história. Lisboa: Edições 70, 1978. pp. 77-92., p. 92) em relação aos Andes, a formação do Estado Inca produziu uma pluralidade de tempos históricos e uma “incontestada aceleração da história”, mas não eliminou o milenar ayllu, “base fundamental das sociedades andinas”.

A resiliência desses mundos antigos ficou evidenciada pelas consequências da invasão europeia da América: o que sobreviveu foi precisamente a civilização material dessas regiões, sobre a qual os impérios pré-colombianos foram erigidos, e que também serviu de base à construção do colonialismo europeu. A vida material indígena, como bem mostrou Sérgio Buarque de Holanda (2008HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2008.), foi uma espécie de base explorada pelo colonialismo na América, a despeito daquela seguir outras lógicas, de expressar outros tempos. Nesse sentido, apesar da violência da Conquista e do ambiente brutal e opressivo criado pela situação colonial, a vida material de diferentes populações indígenas permaneceu viva, em parte porque a expansão do capital podia tirar vantagem dessas sobrevivências.

No Vale Central do México, a reconfiguração imposta sobre as populações sobreviventes dos antigos altépetl (algo como uma cidade-estado pré-colombiana) em torno das repúblicas de los índios, com seus conselhos e governantes nativos, garantiu uma certa autonomia desses grupos, que continuaram a produzir alimentos para a sua subsistência, mas também para as cidades estabelecidas pelos espanhóis, em especial a Cidade do México. A reorganização do espaço e a maior concentração das comunidades nativas em torno das novas cidades abriu o caminho para o estabelecimento das haciendas de propriedade espanhola, que inicialmente produziam principalmente cultivos de origem europeia como o trigo, mas que eventualmente passaram a incluir também cultivos de origem indígena. Com o tempo, a expansão das haciendas, combinada com o crescimento demográfico das comunidades nativas, criou fortes pressões sobre estas, levando ao crescimento do trabalho indígena nas propriedades espanholas. Nas palavras de John Tutino (2018TUTINO, John. The Mexican Heartland: How Communities Shaped Capitalism , a Nation, and World History, 1500-2000. Princeton: Princeton University Press, 2018., p. 86), as repúblicas indígenas “subsidiaram a produção agrícola e a economia da prata trabalhando por salários baixos, abaixo do custo de sustentação. Alimentaram as cidades e as zonas mineradoras enquanto subsidiavam os lucros com ganhos extremamente reduzidos”. Nos Andes, a reorganização das comunidades indígenas nas chamadas reducciones foi fundamental para o estabelecimento da mita, o recrutamento compulsório de indígenas para trabalhar nas minas de prata e mercúrio da região. Na prática, a reorganização foi também apropriada pelos indígenas e se tornou um instrumento para a sobrevivência de formas pré-colombianas como o ayllu. Pressões sobre a autonomia dessas comunidades indígenas se acentuaram ao longo da era colonial, mas, diferentemente da Nova Espanha, onde formas de trabalho compulsório semelhantes à mita se tornaram muito restritas já no século 17, o resultado foi a explosão das enormes rebeliões que chacoalharam os Andes em princípios da década de 1780 (Penry, 2019PENRY, S. Elizabeth. The People are King: The Making of an Indigenous Andean Politics. New York: Oxford University Press , 2019.).

A vida material da América é sobrevivência, mas também reinvenção, como a história do Caribe deixa ainda mais evidente. Mesmo nos espaços em que a destruição da vida material pré-existente se efetivou de modo mais intenso, com algumas das formas mais extremas de exploração do capital em sua esteira, um impulso pela recriação da vida material para além do cotidiano do capital pode também ser encontrado ali: uma civilização material “reconstituída”, para emprestar o termo de Mintz (2012MINTZ, Sidney Wilfred. A escravidão e a ascensão de campesinatos. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica, v. 30, n. 1, pp. 1-39, 2012. ). O surgimento de quilombos nos interstícios da América escravista pode ser lido também nessa chave, com processos de reinvenção que dependeram não apenas de práticas e conhecimentos oriundos de regiões específicas da África, mas, também, da apropriação e da mescla com elementos das civilizações materiais da América indígena, como demonstra a centralidade da mandioca, dentre outros cultivos e práticas, na reprodução de vários desses grupos (Carney; Rosomoff, 2010CARNEY, Judith; ROSOMOFF, Richard Nicholas. In the Shadow of Slavery: Africa’s Botanical Legacy in the Atlantic World. Berkeley: University of California Press, 2010.; Bulamah, 2022BULAMAH, Rodrigo Charafeddine. Domesticação contra a plantation. Mana, v. 28, n. 3, 2022. ; Santos, 2022SANTOS, Lara de Melo dos. A farinha de mandioca e a construção do mundo atlântico (Brasil, Caribe e África, séc. XVI ao XVIII). Tese (Doutorado em História) - Instituto de História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2022.).

5.

A concepção de tempo plural oferecida por Braudel nos ajuda a perceber como o capital sincronizou diferentes temporalidades em sua trajetória histórica. Ao mesmo tempo em que criou situações absolutamente sem precedentes, como foi o caso das plantations escravistas na América, ele fez amplo uso de persistências e recriações de mundos antigos, que dessa forma sobreviveram para além da era colonial, ainda que no contexto de crescente pressão que caracterizou a expansão do capitalismo ao longo da era moderna. A Revolução Industrial produziu um esgarçamento ainda maior da vida material, ao permitir que o capitalismo penetrasse de modo mais intenso nos andares inferiores da estrutura braudeliana. Na conclusão do terceiro volume de sua trilogia, Braudel encerra com algumas reflexões sobre a sobrevivência de elementos dos andares inferiores ao capitalismo, em particular o artesanato, o pequeno comércio, enfim, práticas econômicas que, se desapareceram por completo em lugares como Nova York, permaneciam vivas em outras partes do mundo. E por detectar tal sobrevivência, Braudel insistia que “isso nos obriga a rever muitos pontos de vista sobre um ‘sistema’ que seria capitalista de alto a baixo da sociedade. Há, pelo contrário, para falar resumidamente, uma dialética viva do capitalismo em contradição com o que, abaixo dele, não é o verdadeiro capitalismo”. Esta camada inferior, que permanecia viva, era, inclusive, uma das bases para a sobrevivência a períodos de crise: “o rés-do-chão, que não está paralisado pelo peso de seus equipamentos e de sua organização, está sempre apto a apanhar o vento; é a zona das fontes, das soluções improvisadas, das inovações também, se bem que, geralmente, o melhor das suas descobertas caia nas mãos dos possuidores de capital” (Braudel, 2009bBRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII - o tempo do mundo. Vol. 3. São Paulo: Martins Fontes , 2009b., pp. 585-6)9 9 Moishe Postone (2008, p. 89) sugere que o modelo de Braudel “não permite considerar a relação das formas cotidianas de vida social com o capitalismo”. A recusa de Braudel em pensar o capitalismo como um sistema absoluto é reflexo de sua crítica aos apaixonados pelo modelo, uma recusa prenhe de significados políticos. Para uma crítica de teorizações marxistas que visualizam um mundo homogêneo criado pelo capital, ver Harootunian (2015). .

A economia de mercado, nos termos braudelianos, nada mais é que um instrumento do florescimento da civilização material. Quando pensada a partir da América, não há motivos para subestimarmos a penetração do capital no tecido social e a criação e a reprodução de seus pressupostos culturais no cotidiano (Gago, 2018GAGO, Verónica. A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Tradução de Igor Peres. São Paulo: Elefante, 2018.). Mas esse mundo se expande em meio a uma vida material extremamente diversificada, cuja sobrevivência tem sido objeto de luta permanente de diferentes povos do hemisfério: dos movimentos de autonomia do Exército Zapatista de Libertação Nacional, dos cocaleros andinos, dos Mapuche do Chile, dos ianomâmi na Amazônia, dentre tantos outros movimentos de povos originários espalhados do Canadá à Argentina. O que é o MST senão parte de um esforço para a recriação e a manutenção da vida material? Quilombolas e remanescentes de quilombos, distribuídos pelo Caribe estendido, dentre outras regiões do hemisfério, são também parte desse movimento, assim como populações ribeirinhas, caiçaras e inúmeras outras comunidades rurais de pequenos agricultores espalhadas por toda a América. Populações urbanas também lutam permanentemente pela vida material, uma luta acirrada pelas transformações do mundo do trabalho e dos processos de espoliação e especulação imobiliária, organizando-se em movimentos que repensam as condições de existência nas cidades. Há um enorme contraste entre a diversidade de formas de vida da América profunda (bem como de sua reconfiguração posterior) e os padrões instaurados a ferro e fogo pelo capitalismo colonial no hemisfério. Como nota Massimiliano Tomba em relação à Guerra da Água de Cochabamba, iniciada em 2000, aquela foi uma guerra com múltiplas camadas, algumas delas iniciada há 500 anos, com a colonização, uma luta pela “restituição do tecido social, dos costumes e tradições, das formas de vida comunitária e coletiva” (Tomba, s.d.TOMBA, Massimiliano. Prácticas de propiedad social: la guerra del agua en Co­cha­bamba. Parte del Libro “El Exceso Democrático”. Plataforma de Acuerdos Público Comunitarios de las Américas, documentos ocasionales n. 2. s.d. Disponível em: Disponível em: http://www.fundacionabril.org/wp-content/uploads/2022/07/Articulo-Guerra-del-Agua-Doc.2..pdf . Acesso em: 18 jan. 2023.
http://www.fundacionabril.org/wp-content...
, p. 1)10 10 Para mapear tais lutas em escala global, o Atlas Global de Justiça Ambiental (Environmental Justice Atlas, s.d.) oferece um excelente ponto de partida. .

No que isso tudo pode nos ajudar a pensar a crise energética e a sustentabilidade? A primeira questão diz respeito exatamente àquilo que queremos sustentar quando falamos em sustentabilidade. As narrativas hegemônicas no debate atual não estão distantes das que celebravam as possibilidades de abundância criadas pela transição energética, apenas invertendo os sinais. Tendo uma humanidade abstrata como motor da crise, a esperança passa a ser o desenvolvimento de alguma nova tecnologia que abra um novo horizonte de futuro, nem que esse futuro seja em outro planeta, como acreditam alguns dos homens mais ricos do mundo. Assim, parte significativa das perspectivas ventiladas nos debates tem como pano de fundo a manutenção do mundo tal como ele está, a sustentação de um modo de vida historicamente específico, que, no entanto, é naturalizado e projetado para tempos imemoriais. Parte do desespero tem relação com a incapacidade de reconhecer outras possibilidades de mundo, daí a esperança em algum tipo de solução tecnológica que permita a manutenção deste.

Se o consenso científico estiver correto e a questão, a partir de agora, for a de amenizar os danos produzidos pelo colapso ambiental em curso, então o deslocamento do critério do acúmulo de energia para o da sobrevivência em ambientes inóspitos, como elaborado por Lévi-Strauss em sua crítica a White, se tornou uma necessidade. O fato de que a eco-crise é global e afeta todos os povos do planeta torna ainda mais urgente a defesa de outros mundos, e é na diversidade da civilização material, esgarçada e pressionada que está pela história do capital, que podemos encontrar uma de suas bases. Os diferentes movimentos descritos anteriormente, que estão na linha de frente da luta contra o extrativismo mineral e outras formas de exploração e dominação do capital, são parte incontornável do enfrentamento ao problema, não apenas por combaterem o avanço das dinâmicas de destruição das condições de vida no planeta, mas por expressarem práticas e visões de mundo alternativas ao desenvolvimentismo de nossa era11 11 A aparente contradição entre o consenso científico da crise climática e as diferentes ontologias é tratada em Almeida (2021). Para considerações estimulantes sobre a construção de um movimento de enfrentamento da crise em escala global, ver as obras recentes de Baschet (2021) e Nunes (2021). . As ciências sociais têm se esforçado para articular tais alternativas por meio de noções como as de conhecimento participativo, ecologia dos saberes, dentre outras, mudando a própria universidade e seus paradigmas nesse processo12 12 Para um estudo em andamento sobre os conhecimentos ditos tradicionais no Brasil, ver “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil - Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças” (s.d.). A noção de conhecimento participativo é uma das diretrizes do Centro UFF de Estudos Sobre Desigualdades Globais (s.d.). Uma lista de iniciativas semelhantes inclui, dentre muitas outras, o Museu das Rexistências (s.d.); a Fundação Rosa Luxemburgo (s.d.); e o Instituto Socioambiental (s.d.). . Um dos desafios é o de evitar a apropriação das inovações da vida material pelo capital, deixando-as efetivamente florescer, de modo a reabrirem outras possibilidades de mundo. Como historiadores, podemos contribuir para a historicização efetiva das raízes da crise contemporânea, bem como dos muitos mundos que foram e, em alguma medida, permanecem soterrados pela ideologia do progresso capitalista.

REFERÊNCIAS

  • AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Braudel, o mundo e o Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.
  • ALMEIDA, Mauro W. B. Anarquismo ontológico e verdade no Antropoceno. Caipora e outros conflitos ontológicos. São Paulo: Ubu Editora, 2021. pp. 311-34.
  • BASCHET, Jérôme. Adeus ao capitalismo: autonomia, sociedade do bem viver e multiplicidade dos mundos. Tradução de João Gomes. São Paulo: Autonomia Literária, 2021.
  • BOSCOV-ELLEN, Dan. Whose Universalism? Dipesh Chakrabarty and the Anthropocene. Capitalism, Nature, Socialism, v. 31, n. 1, pp. 70-83, 2020.
  • BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII - os jogos das trocas. Vol. 2. São Paulo: Martins Fontes, 2009a.
  • BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII - o tempo do mundo. Vol. 3. São Paulo: Martins Fontes , 2009b.
  • BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. São Paulo: EDUSP, 2016.
  • BULAMAH, Rodrigo Charafeddine. Domesticação contra a plantation. Mana, v. 28, n. 3, 2022.
  • CAMPBELL, David G. et al. The Feral Forests of the Easten Petén. In: BALÉE, William; ERICKSON, Clark L. (Org.). Time and Complexity in Historical Ecology: Studies in the Neotropical Lowlands. New York: Columbia University Press, 2006. pp. 21-56.
  • CARNEY, Judith; ROSOMOFF, Richard Nicholas. In the Shadow of Slavery: Africa’s Botanical Legacy in the Atlantic World. Berkeley: University of California Press, 2010.
  • CENTRO DE ESTUDOS SOBRE DESIGUALDADES Globais - CDG. s.d. Disponível em: Disponível em: https://cdg.uff.br/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://cdg.uff.br/
  • CÉSAIRE, Aimé. The Original 1939 Notebook of a Return to the Native Land. Middletown, CT: Wesleyan University Press, 2013 [1939] .
  • CHAKRABARTY, Dipesh. O clima da história: quatro teses. Sopro, v. 91, pp. 2-22, jul. 2013.
  • ENVIRONMENTAL JUSTICE ATLAS. s.d. Disponível: Disponível: https://ejatlas.org/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://ejatlas.org/
  • FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO: Brasil e Paraguai. s.d. Disponível em: Disponível em: https://rosalux.org.br Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://rosalux.org.br
  • GAGO, Verónica. A razão neoliberal: economias barrocas e pragmática popular. Tradução de Igor Peres. São Paulo: Elefante, 2018.
  • GRAEBER, David; WENGROW, David. O despertar de tudo: uma nova história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
  • HAROOTUNIAN, Harry. Marx After Marx: History and Time in the Expansion of Capitalism. New York, NY: Columbia University Press, 2015.
  • HEADRICK, Daniel R. Humans versus Nature: A Global Environmental History. New York: Oxford University Press, 2020.
  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2008.
  • IEGELSKI, Francine. Astronomia das constelações humanas: reflexões sobre Claude Lévi-Strauss e a história. São Paulo: Humanitas, 2016.
  • INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. s.d. Disponível em: Disponível em: https://www.socioambiental.org Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://www.socioambiental.org
  • JAMES, C. L. R. The West Indies in Review: Recent Developments in the Caribbean Colonies. The New International, v. IX, n. 6 (whole n. 76), pp. 191-184, jun. 1943.
  • JORDHEIM, Helge. Natural Histories for the Anthropocene: Koselleck’s Theories and the Possibility of a History of Lifetimes. History and Theory, v. 61, n. 3, pp. 391-425, 2022.
  • KOCH, Alexander et al. Earth System Impacts of the European Arrival and Great Dying in the Americas after 1492. Quaternary Science Reviews, v. 207, pp. 13-36, 1 mar. 2019.
  • KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Ubu Editora , 2017. pp. 337-76.
  • LEVINS, Richard; LEWONTIN, Richard C. The Dialectical Biologist. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1985.
  • MARQUES, Leonardo. A América colonial e a história das mercadorias: a pluralidade de tempos no capitalismo histórico. Esboços, Florianópolis, v. 28, n. 49, pp. 792-812, 2021b.
  • MARQUES, Leonardo. Cadeias mercantis e a história ambiental global das Américas coloniais. Esboços, Florianópolis , v. 28, n. 49, pp. 668-697, 2021a.
  • MARQUES, Luiz. Capitalism o e colapso ambiental. 3. Ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.
  • MARQUES, Leonardo. Mining Frontiers and the Making of the Modern World. In: STUBBS, Jean et al. The Oxford Handbook of Commodity History. Oxford: Oxford University Press. No prelo.
  • MARQUES, Leonardo; PARRON, Tâmis Peixoto. Os sete pecados capitais da literatura sobre desigualdades. In: FERRERAS, Norberto O. (Org.). Desigualdades globais e sociais em perspectiva temporal e espacial. São Paulo: Hucitec, 2020. pp. 234-275.
  • MCANANY, Patricia Ann; NEGRÓN, Tomás Gallareta. Bellicose Rulers and Climatological Peril? Retrofitting Twenty-First-Century Woes on Eighth-Century Maya Society. In: MCANANY, Patricia Ann; YOFFEE, Norman (Orgs.). Questioning Collapse: Human Resilience, Ecological Vulnerability, and the Aftermath of Empire. Cambridge: Cambridge University Press, 2010. pp. 142-75.
  • MINTZ, Sidney Wilfred. A escravidão e a ascensão de campesinatos. CLIO: Revista de Pesquisa Histórica, v. 30, n. 1, pp. 1-39, 2012.
  • MINTZ, Sidney Wilfred. Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. New York: Penguin Books, 1986.
  • MITCHELL, Timothy. Carbon Democracy: Political Power in the Age of Oil. London; New York: Verso, 2011.
  • MOORE, Jason W. (Org.). Antropoceno ou capitaloceno?: Natureza, história e a crise do capitalismo. São Paulo: Editora Elefante, 2022.
  • MOORE, Jason W. Capitalism as World-Ecology: Braudel and Marx on Environmental History. Organization & Environment, v. 16, n. 4, pp. 514-517, 2003.
  • MUSEU DAS REXISTÊNCIAS. s.d. Disponível em: Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/museusdasrexistencias/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » https://www.unifal-mg.edu.br/museusdasrexistencias/
  • NEVES, Eduardo Góes. Sob os tempos do equinócio: oito mil anos de história na Amazônia central. São Paulo: Ubu Editora , 2022.
  • NUNES, Rodrigo. Neither Vertical Nor Horizontal: A Theory of Political Organization. London: Verso, 2021.
  • PENRY, S. Elizabeth. The People are King: The Making of an Indigenous Andean Politics. New York: Oxford University Press , 2019.
  • POSTONE, Moishe. Teorizando o mundo contemporâneo: Robert Brenner; Giovanni Arrighi; David Harvey. Novos estudos CEBRAP, n. 81, pp. 79-97, jul. 2008.
  • POVOS TRADICIONAIS E BIODIVERSIDADE no Brasil: Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças. s.d. Disponível em: Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes/povos-tradicionais-e-biodiversidade-no-brasil/ Acesso em: 18 jan. 2023.
    » http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes/povos-tradicionais-e-biodiversidade-no-brasil/
  • SAHLINS, Marshall David. Como pensam os “Nativos”: sobre o Capitão Cook, por exemplo. São Paulo: EDUSP , 2001.
  • SAITO, Kohei. O ecossocialismo de Karl Marx: Capitalism o, natureza e a crítica inacabada à economia política. São Paulo: Boitempo, 2021.
  • SANTOS, Lara de Melo dos. A farinha de mandioca e a construção do mundo atlântico (Brasil, Caribe e África, séc. XVI ao XVIII). Tese (Doutorado em História) - Instituto de História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2022.
  • SIDERIS, Lisa. Anthropocene Convergences: A Report from the Field. RCC Perspectives: Transformations in Environment and Society, n. 2, pp. 89-96, 2016.
  • TOMBA, Massimiliano. Prácticas de propiedad social: la guerra del agua en Co­cha­bamba. Parte del Libro “El Exceso Democrático”. Plataforma de Acuerdos Público Comunitarios de las Américas, documentos ocasionales n. 2. s.d. Disponível em: Disponível em: http://www.fundacionabril.org/wp-content/uploads/2022/07/Articulo-Guerra-del-Agua-Doc.2..pdf Acesso em: 18 jan. 2023.
    » http://www.fundacionabril.org/wp-content/uploads/2022/07/Articulo-Guerra-del-Agua-Doc.2..pdf
  • TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: MÜLLER, Angélica; IEGELSKI, Francine (Orgs.). História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: FGV, 2022. pp. 141-63.
  • TUTINO, John. The Mexican Heartland: How Communities Shaped Capitalism , a Nation, and World History, 1500-2000. Princeton: Princeton University Press, 2018.
  • UGLIETTI, Chiara et al. Widespread Pollution of the South American Atmosphere Predates the Industrial Revolution by 240 y. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 112, n. 8, pp. 2349-2354, 24 fev. 2015.
  • WACHTEL, Nathan. A reciprocidade e o estado Inca. In: VALENSI, Lucette; GODINHO, Emanuel (Org.). Para uma história antropológica: a noção de reciprocidade. Lugar da história. Lisboa: Edições 70, 1978. pp. 77-92.
  • WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Braudel descreve o capitalismo, ou tudo às avessas. In: WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Impensar a ciência social: os limites dos paradigmas do século XIX. Aparecida: Idéias & Letras, 2006. pp. 241-52.
  • WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
  • WHITE, Leslie A. The Science of Culture: A Study of Man and Civilization. New York: Farrar; Straus, 1949.
  • WORSTER, Donald. Shrinking the Earth: The Rise and Decline of American Abundance. New York: Oxford University Press , 2016.
  • ZALASIEWICZ, Jan et al. When did the Anthropocene begin? A Mid-twentieth Century Boundary Level is Stratigraphically Optimal. Quaternary International, v. 383, pp. 196-203, 2015.
  • 1
    Os argumentos aqui apresentados resultam de pesquisas financiadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - 88887.466409/2019-00 e Faperj APQ1, Processo: E-26/210.359/2019. Agradeço a Gisele Batista Candido, Rafael de Bivar Marquese e Maximiliano Mac Menz pela leitura do texto e pelos comentários. Agradeço, também, ao Coletivo Braudel, ao GEFBOB, bem como a todas as alunas e os alunos que cursaram as disciplinas de história ambiental (e relacionadas) que lecionei na UFF ao longo dos últimos três anos, em especial a Pedro Valença Reis, que, com um comentário de fim de semestre, me levou a elaborar alguns dos argumentos desenvolvidos neste ensaio.
  • 2
    Falar do modelo braudeliano como marginalizado pode causar estranhamento, mas sua interpretação da história do capitalismo não foi ainda plenamente explorada. Carlos Aguirre Rojas (2003AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Braudel, o mundo e o Brasil. São Paulo: Cortez, 2003., p. 64) acerta quando fala da vulgarização de Braudel, com uma versão simplificada e limitada de seu pensamento.
  • 3
    O livro de Levins e Lewotin (1985LEVINS, Richard; LEWONTIN, Richard C. The Dialectical Biologist. Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1985.) permanece fundamental para essa discussão.
  • 4
    O clima se modifica e é, nas palavras de Braudel (2016BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. São Paulo: EDUSP, 2016. , p. 366), “geralmente obra dos homens. Aqui por causa dos extensos desmatamentos, ali devido à interrupção da irrigação ou das culturas, quase sempre catastrófica nas regiões áridas”.
  • 5
    O uso do termo “economia de mercado” por Braudel costuma gerar críticas justamente por seu parentesco com a economia política clássica, e sua obra não está isenta de ambiguidades produzidas pelo uso de categorias como essa. Ao distinguir a economia de mercado do capitalismo, contudo, como aponta Wallerstein (2006WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Braudel descreve o capitalismo, ou tudo às avessas. In: WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Impensar a ciência social: os limites dos paradigmas do século XIX. Aparecida: Idéias & Letras, 2006. pp. 241-52.), Braudel subverte os usos tradicionais desses termos.
  • 6
    Como bem nota Rodrigo Turin (2022TURIN, Rodrigo. A “catástrofe cósmica” do presente: alguns desafios do Antropoceno para a consciência histórica contemporânea. In: MÜLLER, Angélica; IEGELSKI, Francine (Orgs.). História do tempo presente: mutações e reflexões. Rio de Janeiro: FGV, 2022. pp. 141-63., p. 150), se “é o horizonte de uma catástrofe cósmica (incluindo aí a dimensão tecnológica) aquilo que distingue nossa época, o quanto ela seria propriamente inédita para outros povos, como sociedades indígenas, que já viveram em seu passado (e em sua forma de passado) um fim do mundo?”
  • 7
    Difícil não lembrar aqui das palavras de Lévi-Strauss (2017LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história. In: LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo: Ubu Editora , 2017. pp. 337-76., p. 352): “domesticam espécies vegetais (ao lado de algumas espécies animais) das mais variadas para sua alimentação, seus remédios e seus venenos, e - fato único na história da humanidade - promovem substâncias venenosas como a mandioca a alimento de base, e outras a estimulantes ou anestésicos, colecionam certos venenos ou entorpecentes em função das espécies animais nas quais cada um deles exerce um efeito desejado e, enfim levam indústrias como a tecelagem, a cerâmica e o trabalho dos metais preciosos ao seu mais alto grau de perfeição”.
  • 8
    Em que pesem os exageros, o ponto mais importante dessa intervenção está em demonstrar como a narrativa modernizante é construída sobre evidências muito frágeis e, nesse processo, abrir caminho para interpretações alternativas. Os autores, contudo, não escapam de alguns dos problemas descritos neste ensaio: ver a definição de humanidade oferecida na página 147.
  • 9
    Moishe Postone (2008POSTONE, Moishe. Teorizando o mundo contemporâneo: Robert Brenner; Giovanni Arrighi; David Harvey. Novos estudos CEBRAP, n. 81, pp. 79-97, jul. 2008., p. 89) sugere que o modelo de Braudel “não permite considerar a relação das formas cotidianas de vida social com o capitalismo”. A recusa de Braudel em pensar o capitalismo como um sistema absoluto é reflexo de sua crítica aos apaixonados pelo modelo, uma recusa prenhe de significados políticos. Para uma crítica de teorizações marxistas que visualizam um mundo homogêneo criado pelo capital, ver Harootunian (2015HAROOTUNIAN, Harry. Marx After Marx: History and Time in the Expansion of Capitalism. New York, NY: Columbia University Press, 2015.).
  • 10
    Para mapear tais lutas em escala global, o Atlas Global de Justiça Ambiental (Environmental Justice Atlas, s.d.ENVIRONMENTAL JUSTICE ATLAS. s.d. Disponível: Disponível: https://ejatlas.org/ . Acesso em: 18 jan. 2023.
    https://ejatlas.org/...
    ) oferece um excelente ponto de partida.
  • 11
    A aparente contradição entre o consenso científico da crise climática e as diferentes ontologias é tratada em Almeida (2021ALMEIDA, Mauro W. B. Anarquismo ontológico e verdade no Antropoceno. Caipora e outros conflitos ontológicos. São Paulo: Ubu Editora, 2021. pp. 311-34.). Para considerações estimulantes sobre a construção de um movimento de enfrentamento da crise em escala global, ver as obras recentes de Baschet (2021BASCHET, Jérôme. Adeus ao capitalismo: autonomia, sociedade do bem viver e multiplicidade dos mundos. Tradução de João Gomes. São Paulo: Autonomia Literária, 2021.) e Nunes (2021NUNES, Rodrigo. Neither Vertical Nor Horizontal: A Theory of Political Organization. London: Verso, 2021.).
  • 12
    Para um estudo em andamento sobre os conhecimentos ditos tradicionais no Brasil, ver “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil - Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças” (s.d.POVOS TRADICIONAIS E BIODIVERSIDADE no Brasil: Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças. s.d. Disponível em: Disponível em: http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes/povos-tradicionais-e-biodiversidade-no-brasil/ . Acesso em: 18 jan. 2023.
    http://portal.sbpcnet.org.br/publicacoes...
    ). A noção de conhecimento participativo é uma das diretrizes do Centro UFF de Estudos Sobre Desigualdades Globais (s.d.CENTRO DE ESTUDOS SOBRE DESIGUALDADES Globais - CDG. s.d. Disponível em: Disponível em: https://cdg.uff.br/ . Acesso em: 18 jan. 2023.
    https://cdg.uff.br/...
    ). Uma lista de iniciativas semelhantes inclui, dentre muitas outras, o Museu das Rexistências (s.d.MUSEU DAS REXISTÊNCIAS. s.d. Disponível em: Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/museusdasrexistencias/ . Acesso em: 18 jan. 2023.
    https://www.unifal-mg.edu.br/museusdasre...
    ); a Fundação Rosa Luxemburgo (s.d.FUNDAÇÃO ROSA LUXEMBURGO: Brasil e Paraguai. s.d. Disponível em: Disponível em: https://rosalux.org.br . Acesso em: 18 jan. 2023.
    https://rosalux.org.br...
    ); e o Instituto Socioambiental (s.d.INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. s.d. Disponível em: Disponível em: https://www.socioambiental.org . Acesso em: 18 jan. 2023.
    https://www.socioambiental.org...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2022
  • Aceito
    15 Dez 2022
Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbh@anpuh.org