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Ambiente sinótico e perfis verticais de um Sistema Convectivo de Mesoescala (SCM)

Resumos

O modelo regional BRAMS foi utilizado para simular o ambiente de grande escala e o perfil vertical de algumas variáveis meteorológicas, para o SCM mais precipitante que atingiu o RS, entre novembro de 2002 e fevereiro de 2003. O SCM selecionado ocorreu entre os dias 19 e 20 de fevereiro de 2003. A simulação feita com o modelo, com saídas de 1 em 1 hora, permitiu detalhar o ambiente sinótico onde o SCM encontrava-se durante seu ciclo de vida, sendo capaz de reproduzir as condições favoráveis para sua iniciação, desenvolvimento e dissipação. Também foi possível descrever o comportamento dos perfis verticais do vento, umidade específica, velocidade vertical e temperatura potencial equivalente, para cada etapa do ciclo de vida do SCM.

Sistema Convectivo de Mesoescala; ciclo de vida; perfis verticais


The BRAMS regional model was used to simulate the large scale environment and the vertical profile of some meteorological variables, to the most precipitant CMS that reaches RS, from November 2002 to February 2003. The CMS selected was observed from 02/19/2003 to 02/20/2003. The model simulation, with one hour issues, allowed to detail the synoptic environment where the CMS was during its life cycle, being able to reproduce the suitable conditions to its beginning, development and dissipation. It was possible too, describe the behavior of the vertical profiles of the wind, specific humidity, vertical velocity and equivalent potential temperature, to each phase of the CMS life cycle.

Convective Mesoscale System; life cycle; vertical profiles


Ambiente sinótico e perfis verticais de um Sistema Convectivo de Mesoescala (SCM)

Luciana Barros PintoI; Claudia Rejane Jacondino de CamposII

IFundação Universidade do Rio Grande (FURG), Departamento de Geociências. Campus Carreiros, Avenida Itália, km 8, 96201-900 Rio Grande, RS, Brasil.Tel./Fax: (53) 3233-6591 - E-mail: luciana.meteoro@gmail.com

IIUniversidade Federal de Pelotas (UFPEL), Faculdade de Meteorologia Campus Universitário, Caixa Postal 354, 96010-900 Pelotas, RS, Brasil. Tel.: (53) 3275-7329 - E-mail: cjcampos@ufpel.edu.br

RESUMO

O modelo regional BRAMS foi utilizado para simular o ambiente de grande escala e o perfil vertical de algumas variáveis meteorológicas, para o SCM mais precipitante que atingiu o RS, entre novembro de 2002 e fevereiro de 2003. O SCM selecionado ocorreu entre os dias 19 e 20 de fevereiro de 2003. A simulação feita com o modelo, com saídas de 1 em 1 hora, permitiu detalhar o ambiente sinótico onde o SCM encontrava-se durante seu ciclo de vida, sendo capaz de reproduzir as condições favoráveis para sua iniciação, desenvolvimento e dissipação. Também foi possível descrever o comportamento dos perfis verticais do vento, umidade específica, velocidade vertical e temperatura potencial equivalente, para cada etapa do ciclo de vida do SCM.

Palavras-chave: Sistema Convectivo de Mesoescala, ciclo de vida, perfis verticais.

ABSTRACT

The BRAMS regional model was used to simulate the large scale environment and the vertical profile of some meteorological variables, to the most precipitant CMS that reaches RS, from November 2002 to February 2003. The CMS selected was observed from 02/19/2003 to 02/20/2003. The model simulation, with one hour issues, allowed to detail the synoptic environment where the CMS was during its life cycle, being able to reproduce the suitable conditions to its beginning, development and dissipation. It was possible too, describe the behavior of the vertical profiles of the wind, specific humidity, vertical velocity and equivalent potential temperature, to each phase of the CMS life cycle.

Keywords: Convective Mesoscale System, life cycle, vertical profiles.

INTRODUÇÃO

O estudo dos Sistemas Convectivos de Mesoescala (SCM) tem sido difundido entre os pesquisadores, devido ao impacto em superfície causado por eles. Sua passagem ou existência vem geralmente associada à precipitação intensa e fortes rajadas de vento.

Para entender a ocorrência desses sistemas e para uma melhor previsão dos mesmos, é importante conhecer o ambiente sinótico preferencial para o seu surgimento, desenvolvimento, manutenção e dissipação. Diversos pesquisadores têm realizado estudos a fim de reproduzir um ambiente padrão desses sistemas. Dentre eles, Maddox (1983) e Jirak & Cotton (2004), estudando a região central dos EUA, mostraram que a condição primordial para a iniciação, organização e manutenção de um SCM, é uma convergência na média troposfera, aparentemente forçada por um jato em baixos níveis e uma advecção quente e úmida. Essa condição foi comprovada por Guedes et al. (1994) que ao estudar a região sul da América do Sul, mostrou que a essa condição estava também associado um jato em altos níveis.

Para simulação do ambiente sinótico, vários modelos numéricos têm sido utilizados. Entre esses modelos, podemos destacar o modelo de mesoescala BRAMS (Brazilian Regional Atmospheric Modeling System ). Este modelo é a versão brasileira do modelo RAMS ( Regional Atmospheric Modeling System ) com diversos aperfeiçoamentos numéricos e de parametrizações físicas. Além da antiga parametrização convectiva de Kuo, no BRAMS foram acrescentados, ao leque de parametrizações para convecção profunda, os esquemas de Grell (Grell & Dévényi, 2002) e de Cumulus rasos (Souza, 1999). Neste modelo também foi acrescentada uma série de rotinas para otimizar a previsão numérica do tempo.

Uma outra característica muito importante para se entender a evolução dos SCM é o comportamento do perfil vertical de determinadas variáveis meteorológicas. Esse tipo de estudo mostra a evolução interna das variáveis meteorológicas do sistema, possibilitando o conhecimento de suas variações com a altura, em qualquer etapa do ciclo de vida do SCM. Um exemplo desse tipo de estudo é o de Torres (2003) que, ao estudar os SCM altamente precipitantes no norte e no centro da Argentina, mostrou que ao longo de todo o ciclo de vida destes, existia uma profunda camada de convergência do vento e vorticidade ciclônica, que se estendia da superfície até a troposfera média. Essa convergência estava associada a um movimento vertical ascendente em toda a troposfera, que se reduzia em torno de um terço na dissipação. Na troposfera superior observou a existência de divergência associada à vorticidade anticiclônica. Este estudo mostrou também que, pela análise da temperatura potencial equivalente, existia uma camada profunda com instabilidade convectiva desde a superfície até 600 hPa, e estabilidade acima deste nível. Esse comportamento das variáveis também foi encontrado por Maddox (1983), Cotton et al. (1989) e Laing & Fritsch (2000).

Assim, com o interesse de se obter um melhor entendimento sobre os mecanismos de formação, manutenção e dissipação dos SCM, o objetivo deste trabalho é descrever o ambiente sinótico e alguns dos perfis verticais do SCM mais precipitante observado sobre o Rio Grande do Sul (RS) no período de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003.

MATERIAL E MÉTODOS

Neste trabalho foram utilizados: i) dados de precipitação total das 24 estações meteorológicas de superfície pertencentes ao 8º Distrito do Instituto Nacional de Meteorologia (8º Dism./INMET); ii) imagens do satélite GOES 8 (75ºW, 0º) com uma resolução espacial de 4 km × 4 km e resolução temporal de 1/2 hora, correspondentes ao canal 4 (10,7 µm, infravermelho térmico), disponíveis via anonymous ftp pelo "Climate Prediction Center" (NCEP) e iii) análises do modelo regional ETA, nos horários das 00, 06, 12, 18UTC, cedidas pelo Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INPE), que serviram como dados de entrada paraa simulação com o modelo BRAMS.

A seleção do caso foi feita analisando os dados de precipitação total das estações meteorológicas de superfície, do período de novembro de 2002 a fevereiro de 2003. Esse período foi escolhido por coincidir com o experimento SALLJEX - South American Low Level Jet Experiment. Foi selecionado o caso com a maior precipitação registrada em superfície na maioria das estações meteorológicas, que foi o caso do dia 19 a 20/02/2003. Em seguida foram analisadas as imagens de satélite correspondentes ao caso (imagens com resolução temporal de 1/2 hora das 00UTC do dia 19/02/2003 às 00UTC do dia 21/02/2003), a fim de se identificar a existência sobre o RS de um SCM que pudesse ter gerado essa precipitação.

A simulação com o modelo BRAMS foi realizada com uma grade aninhada e fixa, tendo a Grade 1 resolução horizontal de 36 km (centrada em 27,5ºS e 52,5ºW) e a Grade 2 resolução horizontal de 9 km (centrada em 29ºS e 52,5ºW). Utilizaram-se 32 níveis na vertical em ambas as grades. Embora se tenha aumentado a resolução da grade 2, optou-se por manter a mesma resolução na vertical, uma vez que os níveis de interesse para os cálculos dos perfis verticais foram escolhidos em conformidade com a bibliografia consultada, para fins de comparação. A simulação teve início às 00UTC do dia 19/02/03 e terminou às 00UTC do dia 21/02/03, compreendendo um total de 48 h com saídas de 1 em 1 h. Estes dados foram analisados sobresuperfícies isentrópicas e depois interpolados para a grade do modelo.

Utilizou-se como dados de inicialização as análises domodelo ETA, de 3 em 3 horas, a partir das 00UTC do dia 19/02/03 até às 00UTC do dia 21/02/03. Para as duas grades foram utilizadas as seguintes opções: topografia com resolução de 10 km; diferenciação na fronteira lateral de Klemp &Wilhelmson (1978), parâmetros de radiação segundo Mahrer & Pielke (1977), parametrização convectiva de Grell & Dévényi (2002), parametrização dos coeficientes de difusão segundoMellor & Yamada (1974), microfísica de nuvens ativada. Essas parametrizações são as que estão sendo utilizadas operacionalmente pelo Grupo de Monitoramento do Tempo (GMT-Sul/UFPel - http://gmt-sul.ufpel.edu.br) e pelo Grupo de Estudos em Previsão Regional (GEPRA/FURG - http://gepra.furg.br).

A Grade 1 foi utilizada para fazer a análise do ambiente de grande escala, pois abrangeu a área onde o SCM encontrava-se durante todo o seu ciclo de vida. Para isso foram pré-definidos os níveis de observação em baixos, médios e altos níveis. Em baixos níveis (1000 e 850 hPa) foram analisados os campos de vento, convergência de umidade e transporte de temperatura. Em níveis médios (500 hPa) foi analisada a velocidade vertical (w). Em altos níveis (200 hPa), foram analisados os campos de linhas de corrente e divergência do vento. Esses campos foram analisados para cada etapa do ciclo de vida do sistema (iniciação, maturação e dissipação).

A Grade 2 foi utilizada para estudar os perfis verticais, assim, foi centrada na região onde o SCM apresentou maior intensidade sobre o RS. Foram estudados os perfis verticais, de umidade específica, velocidade vertical, vento horizontal e temperatura potencial equivalente, nos níveis padrões, para o centro de massa do sistema.

Para definir as etapas de iniciação, maturação e dissipação do SCM utilizou-se o programa ForTrACC (Forecasting andTracking of Active Cloud Clusters) desenvolvido pelo DSA/CPTEC. Como descrito por Vila (2004), o ForTrACC é um método automático para a documentação das características dos SCM através do seu ciclo de vida, utilizando informações dos canais térmicos dos satélites geoestacionários. As etapas do SCM foram definidas da seguinte maneira: iniciação foi a primeira detecção do sistema; maturação foi o horário em que o sistema atingiu a sua maior extensão horizontal (Houze, 1993) e dissipação, quando o sistema foi detectado pela última vez pelo programa. Para cada um dos horários referentes às três fases, o ForTrACC calculou um centro de massa, que é o centro geométrico do sistema. Optou-se por usar o centro geométrico devido à forma irregular do SCM, composto de vários núcleos de convecção mais intensa e pelo fato de o sistema não ter permanecido durante a maior parte do seu ciclo de vida sobre a mesma região. Os centros de massa calculados para as três etapas foram: i) etapa de iniciação (19/02/2003, 13UTC) - 30,47ºS e 53,41ºW; ii) maturação (20/02/2003, 7:30UTC) - 28,67ºS e 50,72ºW e iii) dissipação (20/02/2003, 11:30UTC) - 26,46ºS e 52,63ºW. Um melhor detalhamento desse processo é descritoem Pinto (2006).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ambiente de grande escala

Pelas imagens de satélite pode-se observar a posição do sistema em cada fase do seu ciclo de vida. Foi definida como iniciação a primeira detecção do sistema (às 13UTC do dia 19/02/2003 - Fig. 1a); maturação, como sendo o horário em que o sistema atingiu sua maior extensão (às 7:30UTC do dia 20/02/2003 - Fig. 1b) e, dissipação, quando o sistema começou a fragmentar-se e deixar o estado do RS (às 11:30UTC do dia 20/02/2003 - Fig. 1c).


Pela análise dos campos simulados de vento, convergência de umidade e transporte de temperatura observou-se em superfície a presença de uma frente fria no norte do Uruguai e a formação de um SCM (marcado por um círculo vermelho nas figuras) adiante desta frente fria (marcada por um círculo azul nas figuras), no leste do estado do Rio Grande do Sul.

A Figura 2a mostra a advecção de temperatura no nível de 1000 hPa, na iniciação, sobre o RS. Esse mesmo transporte em superfície foi observado desde o início da simulação, às 00UTC do dia 19/02/2003 até às 07UTC do dia 20/02/2003. A partir desse horário até o final da simulação (Figura 2c, 2e), observou-se um transporte de ar frio, devido à passagem de uma frente fria pela região. Isso explica porque o intervalo entre a etapa de iniciação e a maturação (18 horas) foi bem maior do que aquele entre a maturação e a dissipação (4 horas). Pode-se observar também em 850 hPa, na etapa de iniciação, a existência de um JBN (Jato de Baixos Níveis) de norte que trazia ar quente para região de formação do SCM (seta em vermelho na Figura 2b). A partir deste horário o JBN se desintensificou e começou a girar no sentido anti-horário, devido à passagem da frente fria (Figura 2d), sem alterar a temperatura na região do SCM. No horário da dissipação, (Figura 2f) o vento se intensificou e trouxe ar frio para a região (região entre as setas azuis).


Pode-se observar também, a presença de convergência de umidade na região de formação do SCM, desde o início da simulação. As 13UTC (etapa de iniciação) começaram a se formar, em superfície, núcleos de convergência de umidade (Figura 3a), um sobre a divisa do Uruguai com a Argentina, associado a uma frente fria (círculo azul) e outros, ao norte do RS e sobre SC, associados à formação do SCM (círculo vermelho). Esses núcleos foram se agrupando e se intensificando durante o desenvolvimento do SCM. Em 850 hPa devido à presença do JBN, observou-se uma maior região de convergência de umidade unindo a região da frente fria à região do SCM (Figura 3b - círculo vermelho). No horário correspondente à maturação (Figura 3c), os núcleos de convergência de umidade continuam atuando na região do SCM, pelo fato de o SCM ser composto basicamente por nuvens estratiformes, com os maiores valores coincidindo com a posição dos núcleos mais ativos observados nas imagens de satélite (ver Figura 1b). Em 850 hPa (Figura 3d) havia menos núcleos de convergência de umidade do que em 1000 hPa, confirmando a desintensificação da convecção. A partir do horário correspondente à maturação até ao da dissipação, os núcleos de convergência de umidade foram se desintensificando sobre o estado (Figura 3e, f).


Com relação aos movimentos verticais (Figura 4a) observou-se que, no horário correspondente a etapa de iniciação, sobre a região de formação do SCM (círculo vermelho), não havia velocidade vertical ascendente. Foi observado um núcleo mais definido na região posterior à frente fria (círculo azul). Durante a etapa de desenvolvimento a região de ascendência de ar ficou mais organizada no norte do estado coincidindo com a região de desenvolvimento do SCM. No horário de maturação (Figura 4b) diminuiu a área coberta pelas ascendências, que se concentraram mais na região do SCM (círculo vermelho). Evidenciando que nesta etapa o SCM era composto basicamente por nuvens estratiformes. A partir deste horário os movimentos ascendentes começaram a diminuir (Figura 4c).


Pelas linhas de corrente pode-se observar que, nas três etapas do ciclo de vida do SCM, em 200 hPa (Figura 5), havia um JAN (Jato de Altos Níveis) sobre o RS (região indicada pelas setas na Figura 5), coincidente com a localização da região frontal em superfície (ver Figura 2a). Na região de formação do sistema (círculo vermelho) e na região frontal (círculo azul) foi detectada divergência do vento (Figura 6). Esses campos indicam a existência de convecção em níveis inferiores que deu condições para o desenvolvimento do SCM.



Os resultados obtidos neste trabalho mostram que as características observadas neste SCM concordam com aquelas encontradas por alguns autores, ou seja: i) transporte de ar quente e úmido na baixa e média troposfera, para a região de formação do SCM, que é uma das características primordiais para o surgimento e manutenção do sistema (Vila, 2004; Maddox, 1983; Augustine & Caracena, 1994, entre outros); ii) presença de um JAN próximo ao local de formação dos sistemas, com curvatura anti-horária, (Torres, 2003; Vila, 2004) para SCM sul americanos e Maddox (1983) e Cotton et al. (1989), para CCM norte americanos); iii) núcleos bem definidos de convergência de umidade ao norte da região de formação do SCM (Maddox, 1983; Augustine & Caracena, 1994); iv) valores de velocidade vertical entre os detectados por Torres (2003); Maddox (1983) e Cotton et al. (1989); v) ligeira queda da temperatura na região do SCM, assim como acréscimo da umidade específica, entre as etapas de iniciação e maturação (Torres, 2003; Maddox, 1983); vi) na fase de dissipação existe divergência do vento sobre a região do SCM que diminui em comparação à fase de maturação (Maddox, 1983; Torres, 2003).

Perfis verticais

Os perfis verticais de umidade específica, velocidade vertical, vento horizontal e temperatura potencial equivalente, serviram para mostrar a evolução interna dessas variáveis meteorológicas do sistema, em cada etapa do ciclo de vida do SCM.

Na etapa de iniciação, foi observado: i) pelo perfil do vento (Fig. 7a, linha azul) dois máximos, um em 925 hPa e outro em 200 hPa, evidenciando, respectivamente, a presença de um JBN e de um jato de altos níveis (JAN) durante a iniciação do sistema, comportamento este similar ao conceitual; ii) pelo perfil da velocidade vertical (Fig. 7b, linha azul) uma ascendência desde a superfície até aproximadamente 250 hPa (com um mínimo em torno de 925 hPa) e uma subsidência acima deste nível. O máximo da velocidade vertical foi encontrado no nível de 400 hPa, semelhante ao encontrado por Laing & Fritsch (2000) e Torres (2003); iii) pelo perfil da umidade específica (Fig. 7c, linha azul) maiores valores em superfície (1000 hPa), diminuindo progressivamente para os níveis mais altos e iv) pelo perfil da temperatura potencial equivalente (Fig. 7d, linha azul) instabilidade apenas nos níveis mais baixos, e estabilidade a partir de 700 hPa.



No horário relativo à etapa de maturação do sistema (Fig. 7a, linha vermelha), foi observado: i) pelo perfil do vento que este era mais fraco em superfície que na iniciação, aumentando até atingir um máximo em 200 hPa, mostrando que o JAN observado na fase anterior, ainda encontrava-se sobre a região do SCM. Nesta etapa não foi detectado um JBN, provavelmente devido ao fato de o centro geométrico encontrar-se em uma região com precipitação estratiforme; ii) pelo perfil da velocidade vertical (Fig. 7b, linha vermelha) ascendência desde a superfície até 900 hPa, com valores ligeiramente superiores aos da fase de iniciação e entre500 hPa e aproximadamente 250 hPa, com um máximo em 400 hPa. Entre 850 hPa e 500 hPa e acima de 250 hPa foi encontrada uma camada de subsidência, semelhante à encontrada por Cotton et al. (1989), e pode ter sido gerada pela precipitação encontrada nessa fase; iii) pelo perfil de umidade específica valor superior a 14 gKg-1 na superfície, diminuindo linearmente com a altura, até secar completamente a partir de aproximadamente 500 hPa (Fig. 7c, linha vermelha) e iv) pelo perfil da temperatura potencial equivalente (Fig. 7d, linha vermelha) uma atmosfera neutra da superfície até o nível 850 hPa e acima de 500 hPa e instável entre 850 hPa e 500 hPa. Esse comportamento é diferente do encontrado por Maddox (1983) e Torres (2003). O primeiro autor, no ponto central da fase madura do sistema, encontrou uma camada praticamente neutra da superfície até 500 hPa, e estável acima disso. O segundo autor encontrou uma atmosfera instável até o nível de 600 hPa e estável a partir desse nível. Isso pode ser devido ao fato de se estar estudando um único SCM, e não uma composição de sistemas, como feito pelos autores citados.

Na etapa de dissipação, foi observado: i) pelo perfil do vento (Fig. 7a, linha verde), valores maiores em superfície do que nas outras fases do ciclo de vida do SCM, apresentando um ligeiro máximo em 850 hPa. A partir de 700 hPa, o vento começa a aumentar até um novo máximo em 200 hPa, mostrando que ainda existia o jato em altos níveis, mas agora bem mais fraco do que nas fases anteriores; ii) pelo perfil de velocidade vertical (Fig. 7b, linha verde), valores de ascendência em superfície maiores do que nas fases anteriores, sugerindo que ainda existam núcleos convectivos nessa fase. Acima do nível de 800 hPa, toda a atmosfera apresentava movimento subsidente; iii) pelo perfil de umidade que em 100 hPa a atmosfera mantinha a mesma umidade que na fase de maturação, com valores menores começado a diminuir acima de 925 hPa (Fig. 7c, linha verde) e iv) pelo perfil de temperatura potencial equivalente (Fig. 7d, linha verde) instabilidade até o nível de 600 hPa e estabilidade acima deste nível, o que é similar ao descrito por Torres (2003) e próximo ao encontrado por Maddox (1983).

CONCLUSÃO

Os resultados mostraram que o modelo BRAMS descreveu detalhadamente as condições atmosféricas durante todo o ciclo de vida de um SCM, ocorrido entre os dias 19 e 20 de fevereiro de 2003. Para tal foram utilizadas duas grades, uma com resolução horizontal de 36 km (abrangendo toda a área ocupada pelo SCM durante seu ciclo de vida) e a outra com resolução horizontal de 9 km (centrada na região onde o SCM apresentou sua maior intensidade sobre o RS).

Utilizando a grade 1, observou-se que desde o início da simulação (00UTC do dia 19/02/2003), as condições na região eram propícias ao surgimento do SCM. Durante a etapa de iniciação pode-se detectar a existência de transporte de ar quente em baixos níveis, convergência de umidade em 1000 hPa e movimento ascendente em 500 hPa. Em 200 hPa foi observado um jato, que persistiu durante todo o ciclo de vida do sistema, combinado com a divergência dos ventos. Esses fatores combinados alimentavam a convecção dando início e condições para o desenvolvimento do SCM. Foi observado também que o sistema se formou após a passagem de uma frente fria que atuou sobre o Uruguai e desviou para o oceano Atlântico. Na etapa de maturação observou-se a entrada de uma massa de ar frio e seco posterior a frente que já se encontrava no oceano. Na dissipação as condições não foram muito diferentes da maturação, o mais marcante foi que o sistema continuou deslocando-se para norte, conforme o ar frio entrava debilitando a convergência de umidade e a velocidade vertical na região onde o sistema se encontrava.

Analisando a grade 2, foi possível descrever o comportamento do vento, da umidade específica, da velocidade vertical e da temperatura potencial equivalente durante as três fases do ciclo de vida do sistema. O perfil do vento mostrou poucas diferenças entre as etapas do ciclo, a mais evidente foi o aumento da altura da posição do máximo em superfície, de 925 hPa na iniciação para 850 hPa nas outras duas fases, mas durante todo o ciclo ficou evidente a presença de um jato em alto em 200 hPa. O perfil da velocidade vertical mostrou que durante todas as fases do ciclo a ascendência diminuiu entre os dois primeiros níveis, e que a iniciação foi a única etapa que apresentava movimento ascendente em praticamente todos os níveis. O perfil de umidade específica mostrava que a fase mais úmida em superfície foi a de maturação, onde se teve também uma diminuição mais acentuada com a altura. E o perfil da temperatura potencial equivalente mostrou um comportamento em baixos níveis diferente em cada fase do ciclo, com instabilidade apenas até 925 hPa na iniciação, na maturação a instabilidade estava entre 925 e 500 hPa e na dissipação, havia instabilidade da superfície até 600 hPa.

Com essa análise, foi possível detalhar não só o comportamento das variáveis meteorológicas em grande escala que afetam o ciclo de vida do SCM, mas também analisar o perfil interno do sistema em cada fase do seu ciclo de vida, possibilitando um argumento a mais na compreensão desse fenômeno. Os resultados obtidos neste trabalho mostraram que as características observadas neste SCM concordam com aquelas encontradas por vários autores.

Recebido em 13 julho, 2006 / Aceito em 12 março, 2007

Received on July 13, 2006 / Accepted on March 12, 2007

NOTAS SOBRE OS AUTORES

Luciana Barros Pinto. Professora substituta do Departamento de Geociências da Fundação Universidade do Rio Grande. Graduação em Meteorologia pela Universidade Federal de Pelotas, UFPEL (2000-2003). Mestrado em Meteorologia pela UFPEL (2004-2006). Áreas de interesse: Meteorologia, meteorologia de mesoescala e meteorologia sinótica.

Claudia Rejane Jacondino de Campos. Professora associada do Departamento de Meteorologia, da Faculdade de Meteorologia da Universidade Federal de Pelotas. Graduação em Meteorologia, pela Universidade Federal de Pelotas, UFPEL (1984-1987), Mestrado em Agronomia (Meteorologia Agrícola) pela Universidade Federal de Viçosa, UFV (1988-1990) e Doutorado em Física da Atmosfera, pela Université de Toulouse III (Paul Sabatier), U.T. III, França (1993-1996). Áreas de interesse: Meteorologia, micrometeorologia, meteorologia de mesoescala, meteorologia sinótica e agrometeorologia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2007

Histórico

  • Aceito
    12 Mar 2007
  • Recebido
    13 Jul 2006
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