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Avaliação ambiental e epidemiológica do trabalhador da indústria de fertilizantes de Rio Grande, RS

Environmental and epidemiological evaluation of workers of the fertilizer industry of Rio Grande, RS

Resumos

As doenças pulmonares ocupacionais constituem um importante e grave problema de saúde pública. Com o objetivo de contribuir para o conhecimento dos riscos da exposição associada à produção de fertilizantes, realizou-se estudo ambiental e epidemiológico, transversal, com trabalhadores desse setor, em Rio Grande, RS. Foi aplicado questionário da ATS-DLD-78, realizado estudo da função pulmonar através de espirometria e radiografia torácica em 413 funcionários, sendo 305 expostos e 108 não expostos. Os trabalhadores expostos eram todos do sexo masculino, 74,1% com escolaridade primária completa ou incompleta, com média de idade de 38 anos (± 7,6) e tempo médio de exposição de 11,8 anos (± 6,7). Quanto ao tabagismo, 126 (41,3%) eram fumantes, 76 (24,9%) ex-fumantes e 103 (33,8%) não fumantes. Os trabalhadores expostos foram divididos em quatro setores de trabalho em função dos riscos específicos de sua exposição ocupacional. A avaliação ambiental mostrou a presença de sílica livre, fluoretos e amônia gasosos, em concentrações acima dos limites de tolerância. Detectaram-se 30,5% de trabalhadores expostos com tosse, 14,7% com tosse crônica, 8,5% com bronquite crônica, 43,3% com rinite e 35,4% com conjuntivite. Após o ajuste para tabagismo, através de análise multivariada, manteve-se a significância para a tosse como um todo, para rinite e conjuntivite. Nos indivíduos expostos não foram encontradas alterações radiográficas compatíveis com pneumoconiose e a maioria deles apresentou provas de função pulmonar normais, não diferentes dos controles

Epidemiologia; Pneumopatias; Doenças respiratórias; Doenças ocupacionais; Indústria de fertilizantes; Avaliação; Meio ambiente


Occupational lung diseases represent an important and serious public health problem. In order to contribute to the knowledge of the risks associated with the exposure to fertilizer production an environmental and epidemiological cross-sectional study was performed among workers of this industry in Rio Grande, RS, Brazil. The ATS-DLD-78 questionnaire was applied, a thoracic radiological study was carried out, and the pulmonary function testing was evaluated through spirometry in 413 employees, 305 being the exposed group and 108 the non-exposed group. The exposed workers were all men, 74.1% had attended elementary school (at least some years), mean age was 38 (± 7.6) and mean time of exposure was 11.8 years (± 6.7). As to cigarette smoking, 126 (41.3%) were smokers, 76 (24.9%) former smokers, and 103 (33.8%) non-smokers. The exposed group was divided into four work sections according to the specific risks of their occupational exposure. The environmental evaluation showed the presence of free silica, gaseous fluorides, and gaseous ammonia in concentrations above the tolerance limits. Results of the exposed workers were: 30.5% of them answered positively to cough, 14.7% to chronic cough, 8.5% to chronic bronchitis, 43.3% to rhinitis, and 35.4% to conjunctivitis. The multivariate analysis, after adjustment for smoking, showed statistically significant association between exposure and cough as a whole, rhinitis and conjunctivitis. The thoracic radiological studies did not point to any considerable abnormality of pneumoconiosis in the exposed workers. Most of them presented normal pulmonary function testing, not different from the controls.

Epidemiology; Lung diseases; Respiratory tract diseases; Occupational diseases; Fertilizer industry; Evaluation; Environment


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação ambiental e epidemiológica do trabalhador da indústria de fertilizantes de Rio Grande, RS* * Tese de Doutoramento do PPG em Medicina-Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendida em 30 de julho de 1999.

MAURA DUMONT HÜTTNER1 * Tese de Doutoramento do PPG em Medicina-Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendida em 30 de julho de 1999. , JOSÉ DA SILVA MOREIRA2 * Tese de Doutoramento do PPG em Medicina-Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendida em 30 de julho de 1999.

As doenças pulmonares ocupacionais constituem um importante e grave problema de saúde pública. Com o objetivo de contribuir para o conhecimento dos riscos da exposição associada à produção de fertilizantes, realizou-se estudo ambiental e epidemiológico, transversal, com trabalhadores desse setor, em Rio Grande, RS. Foi aplicado questionário da ATS-DLD-78, realizado estudo da função pulmonar através de espirometria e radiografia torácica em 413 funcionários, sendo 305 expostos e 108 não expostos. Os trabalhadores expostos eram todos do sexo masculino, 74,1% com escolaridade primária completa ou incompleta, com média de idade de 38 anos (± 7,6) e tempo médio de exposição de 11,8 anos (± 6,7). Quanto ao tabagismo, 126 (41,3%) eram fumantes, 76 (24,9%) ex-fumantes e 103 (33,8%) não fumantes. Os trabalhadores expostos foram divididos em quatro setores de trabalho em função dos riscos específicos de sua exposição ocupacional. A avaliação ambiental mostrou a presença de sílica livre, fluoretos e amônia gasosos, em concentrações acima dos limites de tolerância. Detectaram-se 30,5% de trabalhadores expostos com tosse, 14,7% com tosse crônica, 8,5% com bronquite crônica, 43,3% com rinite e 35,4% com conjuntivite. Após o ajuste para tabagismo, através de análise multivariada, manteve-se a significância para a tosse como um todo, para rinite e conjuntivite. Nos indivíduos expostos não foram encontradas alterações radiográficas compatíveis com pneumoconiose e a maioria deles apresentou provas de função pulmonar normais, não diferentes dos controles.

Environmental and epidemiological evaluation of workers of the fertilizer industry of Rio Grande, RS

Occupational lung diseases represent an important and serious public health problem. In order to contribute to the knowledge of the risks associated with the exposure to fertilizer production an environmental and epidemiological cross-sectional study was performed among workers of this industry in Rio Grande, RS, Brazil. The ATS-DLD-78 questionnaire was applied, a thoracic radiological study was carried out, and the pulmonary function testing was evaluated through spirometry in 413 employees, 305 being the exposed group and 108 the non-exposed group. The exposed workers were all men, 74.1% had attended elementary school (at least some years), mean age was 38 (± 7.6) and mean time of exposure was 11.8 years (± 6.7). As to cigarette smoking, 126 (41.3%) were smokers, 76 (24.9%) former smokers, and 103 (33.8%) non-smokers. The exposed group was divided into four work sections according to the specific risks of their occupational exposure. The environmental evaluation showed the presence of free silica, gaseous fluorides, and gaseous ammonia in concentrations above the tolerance limits. Results of the exposed workers were: 30.5% of them answered positively to cough, 14.7% to chronic cough, 8.5% to chronic bronchitis, 43.3% to rhinitis, and 35.4% to conjunctivitis. The multivariate analysis, after adjustment for smoking, showed statistically significant association between exposure and cough as a whole, rhinitis and conjunctivitis. The thoracic radiological studies did not point to any considerable abnormality of pneumoconiosis in the exposed workers. Most of them presented normal pulmonary function testing, not different from the controls.

Descritores — Epidemiologia. Pneumopatias. Doenças respiratórias. Doenças ocupacionais. Indústria de fertilizantes. Avaliação. Meio ambiente.

Key words — Epidemiology. Lung diseases. Respiratory tract diseases. Occupational diseases. Fertilizer industry. Evaluation. Environment.

Siglas e abreviaturas utilizadas neste trabalho
ATS-DLD-78 —
MAP —
DAP —
NIOSH — National Institute for Occupational Safety and Health

INTRODUÇÃO

Fertilizantes são substâncias nutrientes para o solo que aumentam a produtividade da terra. São constituídos por três elementos básicos: nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K). Em algumas situações podem ser enriquecidos com outros compostos como enxofre, boro, magnésio, manganês, ferro, zinco, cobre e cobalto. O nitrogênio existe em abundância na natureza, porém precisa ser transformado quimicamente em amônia (NH3) ou uréia CO(NH2) para poder ser aproveitado pelo solo(1). O fósforo é extraído por mineração de rochas fosfáticas, onde se encontra na forma de P2O5, que é um fosfato tricálcico, insolúvel, necessitando reagir com ácidos fortes, tipo sulfúrico (H2SO4) e fosfórico (H3PO4), para transformar-se em fosfato monocálcico, solúvel, e absorvível pelo solo(2). O potássio é minerado de rochas potássicas, como cloreto ou sulfato de potássio, e comercializado como um produto contendo um teor de K2O de 60 a 62%(1).

A produção de fertilizantes nitrogenados compreende três etapas básicas que se associam a poluentes ambientais específicos, potencialmente presentes no ambiente de trabalho, que são(3,4):

• Fase de moagem da rocha fosfática, quando esta passa a ter a aparência de um talco, com diâmetro de 0,075 mm, e cujo maior risco está na presença de sílica livre cristalina, que é um contaminante da rocha fosfática.

• Fase de superfosfato, que é o momento de acidulação da rocha fosfática, com presença no ambiente de vapores de ácidos sulfúrico e fosfórico, e, também, ácido fluorídrico (HF) e tetrafluoreto de silício (SiF4).

• Fase de granulação, em que se unem através de reação química os três elementos N, P e K (grânulo completo), ou N e P (MAP e/ou DAP) em único grão e na concentração desejada. O grande poluente é a amônia na forma gasosa.

A produção química de fertilizantes, no Rio Grande do Sul, está centrada na cidade de Rio Grande. Nessa cidade realiza-se a moagem da rocha fosfática, a produção de superfosfato simples e triplo (SSP, TSP) e a granulação completa de NPK ou do fosfato com a amônia (MAP e DAP).

Dados epidemiológicos sobre a repercussão pulmonar do trabalho com fertilizantes são praticamente inexistentes no Brasil e na América Latina. O problema mais conhecido associado a essa exposição é o efeito da excessiva deposição de flúor nos ossos, denominada fluorose óssea(5). O objetivo deste estudo foi avaliar a qualidade e a quantidade de agentes ambientais presentes nas indústrias produtoras de fertilizantes nitrogenados, correlacionando sua presença com as manifestações clínicas, radiológicas e funcionais respiratórias dos funcionários expostos.

MATERIAL E MÉTODOS

Avaliação ambiental — A avaliação ambiental nas indústrias de fertilizantes foi realizada por firmas prestadoras de serviço na área de monitoramento ambiental, que foram: Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo), Sesi (Serviço Social da Indústria, Departamento Regional do Rio Grande do Sul), e Científica (Assessoria e Consultoria em Segurança, Higiene Ocupacional e Ambiental Ltda., de São Paulo).

Foram avaliados materiais particulados e gases. O material particulado (fração respirável) foi coletado através de bombas de amostragem individual, durante períodos de três a cinco horas, nos locais considerados de maior risco para sua presença (moagem da rocha fosfática, ensaque e granulação) objetivando detectar a presença de sílica livre cristalina. Foi responsável pela análise da sílica livre cristalina o Laboratório de Raios X da UFMG (Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia Metalúrgica).

Os gases foram avaliados por amostragem instantânea com tubos colorimétricos, sendo a coleta realizada a cada 20 minutos, num total de dez amostras por ponto. Foi feita confrontação de resultados através de coletas de gases por uma hora, com amostradores tipo impingers, nos mesmos pontos e horários. A avaliação de gases tinha por objetivo detectar a presença de flúor, ácido fosfórico e sulfúrico no setor de superfosfato, e amônia no setor de granulação.

População — Foram avaliados 413 funcionários das quatro indústrias produtoras de fertilizantes de Rio Grande, Rio Grande do Sul, sendo 305 expostos ocupacionalmente e 108, também funcionários das mesmas indústrias, porém do setor administrativo. O estudo foi realizado durante o período de agosto de 1996 a junho de 1997, utilizando-se como instrumentos o questionário epidemiológico, a avaliação funcional respiratória e a radiografia de tórax. O grupo exposto foi distribuído em quatro setores de trabalho devido à possibilidade de exposições ocupacionais diferentes, que são:

• Setor 1: funcionários expostos essencialmente a particulados, que são aqueles encarregados da moagem de rocha fosfática, do ensaque, mistura, carga e descarga da matéria-prima ou do produto manipulado.

• Setor 2: funcionários encarregados da produção do superfosfato e que estão expostos a ácidos fluorídrico, sulfúrico e fosfórico.

• Setor 3: funcionários da granulação, expostos principalmente à amônia.

• Setor 4: funcionários encarregados da manutenção da fábrica, como mecânicos, eletricistas, bombeiros, hidráulicos, carpinteiros, técnicos e engenheiros em segurança industrial. Esse grupo tem exposição múltipla e variável, pois atua em todos os setores da fábrica.

Instrumentos de investigação — O questionário utilizado foi o recomendado pela ATS-DLD-78, elaborado por Ferris e colaboradores e enriquecido ao longo de anos subseqüentes(6-10). O questionário avaliou o perfil do trabalhador da indústria de fertilizantes, a presença dos sintomas tosse, expectoração, sibilância, dispnéia, rinite, bronquite crônica e conjuntivite. O exame físico incluiu as alterações da pele e extremidades, ausculta cardiorrespiratória e rinoscopia anterior.

Foi considerado bronquial crônico todo trabalhador com tosse e catarro na maioria dos dias de pelo menos três meses por no mínimo dois anos. O fumo foi avaliado de forma qualitativa em grupo de fumantes, ex-fumantes e não fumantes e por tabagismo em maços/ano (m/a). Fumante foi definido como todo indivíduo que tivesse fumado no mínimo um cigarro por dia por seis meses ou mais, ou mais de 20 maços de cigarros, e/ou mais de dois pacotes de fumo durante a vida toda, e que estivesse em uso de cigarros no momento da avaliação ou que tivesse parado de fumar havia menos de seis meses. Ex-fumante seria aquele que, tendo sido fumante, deixou de fumar havia mais de seis meses, e não fumante todo indivíduo que não se enquadrasse dentro das classificações anteriores(11-13). O tempo de trabalho foi estratificado no grupo exposto para avaliar tempo de exposição como fator de risco. Para o grupo controle, essa afirmativa não era válida e a variável tempo não foi estratificada.

A espirometria foi realizada com o aparelho Vitatrace, modelo VT130, com sete litros de capacidade e registro gráfico direto, estando adequadamente calibrado. Os exames foram realizados e analisados pela pesquisadora no ambulatório dos locais de trabalho. Foram avaliados capacidade vital (CV), capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e fluxo expiratório forçado25%-75% (FEF25%-75%). A orientação seguida na execução e interpretação dos testes foi a recomendada pela ATS em 1978, com as atualizações de 1979, 87, 91 e 95 e, também, os informes do I Consenso Brasileiro sobre Espirometria de 1996, coordenado por Pereira(6-10,14). Os valores utilizados como normais para capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado (VEF1) e relação VEF1/CVF% foram aqueles obtidos por Kory para adultos sadios não fumantes (1961); para fluxo expiratório forçado (FEF25-75%) foram utilizados os de Morris (1971).

Com respeito à avaliação radiológica, foram utilizadas as radiografias feitas pelos trabalhadores dentro do seu programa de avaliação periódica. Na média final, 55,7% dos trabalhadores expostos apresentavam material radiológico. A leitura radiológica foi feita, segundo as diretrizes da ILO (International Labour Organization) para a classificação radiológica das pneumoconioses, pela pesquisadora e por um médico radiologista(15).

Análise de dados — As variáveis qualitativas foram analisadas através do teste de associação do qui-quadrado (c2) e as variáveis contínuas com os testes de variância ANOVA, T, t de Student e método de Student-Newman-Keuls. A avaliação de risco foi realizada através da razão de chances (OR) com intervalo de confiança de 95% de Cornfield. Depois da análise bivariada, as variáveis que mostraram associação com exposição ocupacional foram tratadas através de regressão logística pelo programa Stata. O nível de significância estatística estabelecido foi de alfa = 0,05.

RESULTADOS

Avaliação ambiental — Foram encontrados em concentrações acima dos limites de tolerância a sílica livre cristalina nos setores de moagem, superfosfato, granulação e ensacamento; a amônia (NH3) no setor de granulação e o ácido fluorídrico no setor de superfosfato. Embora esses resultados tenham sido obtidos em um estudo transversal e reflitam um momento da produção de fertilizantes dentro das indústrias, cabe salientar que foram realizados três monitoramentos ambientais, de diferentes indústrias, em momentos distintos, e que foram concordantes em seus resultados.

População estudada — Todos os entrevistados foram do sexo masculino, com idade entre 21 e 61 anos. A categorização por faixa etária mostrou que 70% da amostra encontrava-se entre 30 e 49 anos (Tabela 1).

Prevalência de sintomas — Todos os sintomas respiratórios interrogados foram mais freqüentes no grupo exposto do que no não exposto, com significância estatística, exceto dispnéia e sibilância. A prevalência de tosse nos expostos foi de 30,5%, de tosse crônica de 15,1% e bronquite crônica de 8,5%. O sintoma mais referido foi rinite, em 43,3% dos expostos. A rinoscopia anterior mostrou alterações sugestivas de irritação crônica em 49,5% dos funcionários expostos (Tabela 2).

Com relação ao tempo de exposição, observou-se que a categoria com mais de dez anos de trabalho estava associada à maior prevalência de sintomas de vias aéreas inferiores, bronquite crônica e conjuntivite, porém não houve diferença estatisticamente significativa entre os três estratos de tempo de trabalho. Com relação à rinite, a prevalência do sintoma foi até decrescente (Tabela 3). Tempo de trabalho não pode ser caracterizado como fator de risco para esses sintomas.

A prevalência dos sintomas respiratórios foi semelhante nos quatro setores de trabalho, exceto sibilância, sintoma para o qual o setor 2 se mostrou de maior risco, sendo referido por 32,5% dos funcionários. Embora o risco dos setores fosse semelhante, o setor 2 apresentou a maior associação com sintomas de vias aéreas inferiores (Tabela 4). A associação de sibilos com o setor 2 chamou a atenção, visto que sibilância era um sintoma que não parecia estar associado à exposição quando considerado o grupo como um todo (Tabela 2). Com relação à rinite, o setor 3, de granulação, apresentou o maior número de funcionários sintomáticos (51,1%), sendo o único setor com diferença estatisticamente significativa com relação ao grupo controle (Tabela 4). O setor 1, de exposição a particulados, mostrou a maior prevalência de conjuntivite (48,2%), sendo o setor com a mais forte associação com conjuntivite.

Os desfechos significativamente associados à exposição ocupacional (tosse, tosse crônica, bronquite crônica, rinite e conjuntivite) foram submetidos à análise multivariada, a fim de ajustar o efeito da exposição ocupacional para a presença do tabagismo, através do consumo de cigarros em maços/ano e idade. Não houve modificação da associação dos sintomas e exposição quando realizado o ajuste para idade, exceto com relação à rinite, em que se observou um efeito "protetor", ou seja, de diminuição da sua prevalência com o aumento da idade. As Tabelas 5 e 6 apresentam os resultados da seguinte maneira: a primeira coluna mostra a razão de chances não ajustada (bruta) para a variável dependente sendo considerada e seu intervalo de confiança de 95% e a segunda coluna apresenta a razão de chance ajustada para tabagismo.

A associação entre exposição ocupacional e sintomas se manteve estatisticamente significativa, quando ajustada para tabagismo em maços/ano, para os sintomas tosse em geral, rinite e conjuntivite. Com relação à tosse habitual, os expostos apresentavam 4,83 vezes mais chance de terem tosse crônica do que os do grupo controle e após o ajuste o resultado não se modificou. Portanto, existe uma associação entre tosse e exposição ocupacional, sendo o tabagismo uma variável de confusão de efeito pouco pronunciado. A associação de bronquite crônica com exposição mudou de 3,26 para 2,41 e seu intervalo de confiança passou a incluir a unidade. O tabagismo, entretanto, manteve sua associação com bronquite crônica. A chance de rinite entre os expostos foi 1,89 vez maior do que entre os controles. Quando esta associação foi ajustada para tabagismo, a razão de chances aumentou para 2,03. A razão de chances de conjuntivite dos expostos com relação aos controles foi de 2,27, passando para 2,06 após o ajuste para tabagismo e mantendo a significância estatística.

A maior associação do setor 2 com sintomas de vias aéreas inferiores, do setor 3 com rinite e do setor 1 com conjuntivite, manteve-se após o ajuste para tabagismo em maços/ano. O setor 2 permaneceu como o de maior associação com tosse, inclusive aumentando o valor da razão de chances de 7,33 para 7,68, enquanto os outros setores sofreram pequeno decréscimo. A associação de sibilância com o setor 2 persistiu, tendo esses trabalhadores aumentado sua chance de 2,98 para 3,03 após o ajuste para tabagismo (Tabela 6).

Resultados da radiografia torácica — A radiografia torácica foi realizada por 55,7% dos funcionários expostos; 94,7% dessas radiografias foram normais. Os achados radiológicos anormais (5,3%) foram inespecíficos, do tipo seqüelas pleurais, estrias fibróticas, bolhas de ápice, gânglios calcificados e hiperinsuflação.

Resultados da espirometria — Os valores médios de capacidade vital (CV), capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no 1o segundo (VEF1) e fluxo expiratório forçado25%-75% (FEF25%-75%) estiveram dentro da normalidade e foram menores no grupo exposto com relação aos controles, mas com p < 0,05 apenas para CV (Tabela 7).

Não ocorreu associação estatisticamente significativa entre diminuição dos valores espirométricos e tempo de trabalho e/ou setor de trabalho ao se compararem os grupos exposto e controle. Os valores médios dessas variáveis foram menores nos fumantes com relação aos não fumantes, com significância (p < 0,05).

A maioria dos trabalhadores apresentou espirometrias dentro da normalidade, sendo 82,3% (251/305) do grupo exposto e 86,1% (93/108) do grupo não exposto com p > 0,05. O distúrbio mais freqüente foi insuficiência ventilatória restritiva: 43 expostos (14,1%) e 11 controles (10,2%), com p > 0,05. A insuficiência ventilatória obstrutiva esteve presente em nove funcionários expostos (2,9%) e em quatro dos não expostos (3,7%); a insuficiência ventilatória mista, em dois casos do grupo exposto e em nenhum dos não expostos. Não se encontrou associação estatisticamente significativa entre o diagnóstico de insuficiência ventilatória e exposição ocupacional, tabagismo, tempo de exposição e/ou setores de trabalho.

DISCUSSÃO

Poucos trabalhos têm sido realizados para avaliar os danos sobre o aparelho respiratório dos trabalhadores envolvidos com a produção de fertilizantes. No Brasil não se encontrou nenhum estudo semelhante. Como os processos de produção dos fertilizantes não são exatamente iguais, podendo as indústrias produzir desde matéria-prima básica (mineração da rocha fosfática, síntese de ácidos sulfúrico, fosfórico e/ou amônia) até a granulação, isso conduz à produção de contaminantes ambientais distintos com fatores de riscos diferentes e torna inadequada a comparação de trabalhos. Dessa forma, os dados da literatura serão utilizados para ser comparados com os resultados obtidos neste estudo, ressalvadas as diferenças.

Os resultados confirmam a hipótese inicial de que os expostos apresentariam prevalência aumentada de sintomas respiratórios com relação aos não expostos. Os sintomas que mostraram prevalência com significância estatística nos expostos foram: tosse, rinite e conjuntivite. Esses resultados nem sempre foram concordantes com os de outros trabalhos que utilizaram questionários de sintomas. Em 1977, Jedrychowski et al. encontraram prevalência de 18,5% a 37% de bronquite crônica entre trabalhadores de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados na Polônia. A prevalência de bronquite variou segundo a concentração de fluoretos ambientais, idade e tabagismo, aumentando com a exposição, idade e o fumo(16). Fabbri et al., em 1978, avaliaram, do ponto de vista sintomático e funcional, 190 trabalhadores com fertilizantes fosfatados. Encontraram prevalência de bronquite crônica geral de 36,8%; a maior prevalência encontrava-se no setor de produção de ácido fosfórico, com 45,7%. A prevalência de bronquite crônica aumentava com o tabagismo e tempo de exposição, porém não foi realizado ajuste para essas variáveis(17). Na avaliação feita pelo NIOSH, em 1984, em Idaho, EUA, em trabalhadores de uma indústria de fertilizantes fosfatados e amoniados, foi encontrada tosse habitual em 21% dos trabalhadores, tosse crônica em 12% e bronquite crônica em 9%. Esses resultados são muito semelhantes aos encontrados no presente trabalho, sendo o tipo de exposição ocupacional à qual aqueles funcionários estavam expostos semelhante ao do estudo atual(18).

Os sintomas de rinite (43,3%) e conjuntivite (35,4%) foram os mais freqüentes e claramente associados à exposição. Esses resultados são consonantes com os de outros trabalhos. Golusinski et al., em 1973, encontraram 30% de alterações inflamatórias crônicas na mucosa nasal de trabalhadores de uma fábrica de alumínio, na Polônia, expostos a fluoretos gasosos e particulados(19). Em 1977, Jedrychowski et al., já citados, constataram alterações de mucosa nasal em 73,9% dos expostos(16). O estudo do NIOSH, de 1984, encontrou de 21 a 33% dos funcionários com sintomas nasais e de 31 a 38% com sintomas oculares(18). A alta prevalência da rinite encontrada no grupo exposto (clínica e rinoscopia) deixa bem evidente o papel de filtro das fossas nasais em face de exposição ocupacional a poeiras e gases irritantes. O ar contém grande quantidade de substâncias em suspensão e o trato respiratório superior, em especial o nariz, atua como primeira linha de defesa(20). O grupo não exposto do presente estudo apresentou prevalência de rinite (28,7%) um pouco maior do que aquela referida pela literatura para a população em geral. Uma justificativa para esse evento poderia ser a ampla disseminação dos particulados por todos os setores das fábricas, podendo estar presentes inclusive nos locais não envolvidos diretamente com a produção de fertilizantes. A prevalência de rinite em populações, referida na literatura, é muito variada. Segundo Bush e Georgitis, nos EUA, a prevalência de rinite não alérgica é 5 a 10%(21). Picado e Mullol, em estudo realizado em Londres, demonstraram que 16% da população sofria de sintomas sugestivos de rinite(22). Menezes, em sua tese de doutorado versando sobre prevalência de bronquite crônica em Pelotas, refere a presença de sintomas compatíveis com rinite em 23,6% de sua amostra e confirmada pelo médico em 7,9%(23).

Com relação à outra variável de risco, tempo de trabalho, os funcionários expostos apresentaram maior freqüência de sintomas respiratórios, em qualquer estrato de tempo de trabalho, com relação ao controle. Embora se tenha observado aumento consistente da prevalência e da razão de chances para a maioria dos sintomas no estrato de funcionários com mais de dez anos de trabalho, não houve diferença de risco entre eles. Essa consideração é importante, pois a grande maioria dos trabalhos realizados relacionando exposição ocupacional e sintomas aponta para uma relação linear e proporcional entre tempo de exposição ao fator de risco e aparecimento de sintomas. Uma justificativa para que tempo de trabalho não se associe a maior risco de sintomas poderia ser o efeito do trabalhador sadio, no qual o que continua a trabalhar seria menos suscetível de desenvolver sintomas respiratórios crônicos. Essa é uma crítica feita aos estudos transversais, pois os participantes podem representar uma população sobrevivente de trabalhadores saudáveis, resultando em um viés de seleção, já que seriam menos suscetíveis aos efeitos de certas exposições(24-26).

Com relação aos setores de trabalho, embora o risco entre os setores seja semelhante, é interessante notar que o setor 2, de acidulação da rocha fosfática, foi o que apresentou as maiores razões de chances para a maioria dos sintomas respiratórios. Esses resultados são concordantes com os de Fabbri et al., que em 1977 e 78, avaliando trabalhadores com fertilizantes fosfatados, assinalaram que o risco respiratório era maior no setor de produção de ácido fosfórico e superfosfato, devido à presença de trabalho dos fluoretos gasosos no ambiente(17,27). Jedrychowski et al. também correlacionaram as altas concentrações ambientais de fluoretos com a maior prevalência dos sintomas respiratórios(16).

O tabagismo demonstrou ser um fator adicional de risco, parecendo em algumas associações ter maior relevância que a própria exposição ocupacional. A associação do tabagismo com sintomas respiratórios é inquestionável. Para as doenças respiratórias ocupacionais o hábito tabágico constitui o principal viés confusional a ser considerado na análise dos fatores de risco envolvidos na gênese dos sintomas respiratórios encontrados. A possibilidade da exposição ocupacional conduzir a maior prevalência de sintomas respiratórios ou à aceleração da perda de função pulmonar independente do tabagismo é assunto de grande interesse. Dosman et al., em estudo de 1980, avaliaram 90 trabalhadores expostos a poeiras de grãos e 90 controles não expostos, ambos os grupos não fumantes. Encontraram prevalência de bronquite crônica maior entre os trabalhadores não fumantes (23,1%) do que entre os controles também não fumantes (3,3%), com p < 0,01. O mesmo foi observado para tosse, sibilância e dispnéia(28). Hnizdo et al., em 1990, em estudo prospectivo com mineiros de ouro na África do Sul, realizado com a intenção de avaliar os efeitos combinados da poeira de sílica e tabagismo sobre a mortalidade por doença pulmonar obstrutiva crônica, concluíram que ambos são fatores de risco para esta doença, sendo o tabagismo o mais importante, e que, quando presentes no mesmo trabalhador, seus efeitos são potencializados, por apresentarem ação sinérgica(29). Um estudo feito na escola de saúde pública de Harvard investigou a associação entre exposição ocupacional e sintomas respiratórios. Foram avaliadas 8.515 pessoas adultas brancas da população de seis cidades do Oeste e Meio-Oeste dos Estados Unidos através de questionário. O trabalho mostrou que as pessoas expostas ocupacionalmente a poeiras, gases e fumaças tinham maior prevalência de sintomas respiratórios do que pessoas não expostas, mesmo depois de controlado o efeito da idade, sexo, local de residência e tabagismo. O tabagismo foi um fator de risco independente e importante para sintomas respiratórios como tosse, tosse crônica, expectoração, chiado persistente e dispnéia, mas não modificou os efeitos da exposição ocupacional30).

Com respeito à radiografia torácica, este estudo não demonstrou nenhuma alteração radiológica sugestiva de pneumoconiose. Resultados semelhantes obteve o NIOSH, em sua avaliação de trabalhadores com fertilizantes, em que 40/74 trabalhadores realizaram estudo radiológico de tórax e em nenhum foram encontrados sinais de pneumoconiose(18). A quantidade de sílica presente na rocha depende de sua procedência. No Brasil, as maiores minas de rocha fosfática estão localizadas em Minas Gerais e Goiás e apresentam baixos teores de sílica. De Capitani, no Brasil, em sua tese de mestrado, encontrou prevalência de 27,4% de pneumoconiose em trabalhadores expostos à rocha fosfática. O autor acredita que essa elevada prevalência deveu-se às condições de trabalho na empresa estudada, com alto grau de exposição à poeira de rocha fosfática(31,32).

A grande prevalência de resultados normais das espirometrias no grupo exposto, 82,3%, está de acordo com outros trabalhos nacionais realizados na área de pneumopatias ocupacionais(33,34). A espirometria não parece ser um exame com boa sensibilidade para detectar alterações precoces de comprometimento respiratório(35). A média das variáveis espirométricas dos expostos em valores absolutos, depois do ajuste para tabagismo, não mostrou diferença estatisticamente significativa com relação aos não expostos. Também não houve diferenças de valores entre os dois grupos quando considerados setores de trabalho e tempo de exposição. Não houve associação de disfunção ventilatória obstrutiva, restritiva ou mista com exposição, tempo de trabalho e setor de trabalho. Esses dados não são conflitantes com a literatura existente a respeito. Dutton et al., em estudo transversal e longitudinal de função pulmonar, em 131 trabalhadores encarregados da moagem da rocha fosfática, no Canadá, e expostos a ácido fosfórico, fluoretos e particulados, não encontraram nenhuma redução espirométrica consistente de CVF, VEF1 e FEF25-75% relacionada com a exposição ocupacional, depois do ajuste para idade e tabagismo. Os trabalhadores realizaram espirometrias seriadas anuais ao longo de três a sete anos e não foi encontrada nenhuma evidência de aceleração no declínio do VEF1 que pudesse ser atribuída à exposição ocupacional. Os dados obtidos no primeiro ano do estudo (parte transversal) relacionados com a exposição ocupacional não revelaram mudanças significativas quando ajustados para o efeito do tabagismo(35).

CONCLUSÕES

Os resultados do presente estudo permitem as seguintes conclusões:

• Os níveis de fluoretos e de amônia, na forma gasosa, estavam acima dos limites de tolerância nos setores de superfosfato e granulação, respectivamente, bem como a concentração de sílica inalável nos vários setores de trabalho.

• Os sintomas tosse (no serviço, matinal, crônica e produtiva), bronquite crônica, rinite e conjuntivite mostraram-se com prevalência aumentada no grupo exposto com relação ao grupo controle. Realizado o ajuste para tabagismo, tosse, rinite e conjuntivite mantiveram sua significância estatística.

• O setor de superfosfato (setor 2) foi o que mostrou a maior associação com sintomas de vias aéreas inferiores, enquanto o de granulação (setor 3) esteve mais relacionado com rinite e, o de material particulado em geral (setor 1), com conjuntivite.

• Nos indivíduos expostos não foram encontradas alterações radiológicas compatíveis com pneumoconiose. A maioria dos expostos apresentou provas de função pulmonar normais, não diferentes dos controles.

1. Professora Titular do Departamento de Medicina Interna da Fundação Universidade Federal de Rio Grande (FURG).

2. Professor Coordenador do PPG em Medicina-Pneumologia da UFRGS.

Endereço para correspondência — Av. Presidente Vargas, 323/28 — 96202-100 — Rio Grande, RS. Tel.: (53) 231-0135; E-mail: lhalty@vetorialnet.com.br

Recebido para publicação em 3/12/99. Reapresentado em 7/3/00. Aprovado, após revisão, em 11/5/00.

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    Tese de Doutoramento do PPG em Medicina-Pneumologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defendida em 30 de julho de 1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2003
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Aceito
      11 Maio 2000
    • Revisado
      07 Mar 2000
    • Recebido
      03 Dez 1999
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