Resumos
O presente estudo registrou as verbalizações inapropriadas de um esquizofrênico adulto e do sexo masculino. Os comportamentos verbais inapropriados foram observados durante breves períodos de exposição a quatro condições: atenção, atenção não contingente, demanda e sozinho. Os resultados indicaram que as condições afetaram os comportamentos verbais inapropriados diferentemente. Esses resultados são discutidos em termos das suas implicações para as avaliações funcionais antes de intervenções psicológicas.
análise funcional; comportamento verbal inapropriado; esquizofrenia
The present study registered the inappropriate verbalizations of a schizophrenic male adult. The inappropriate verbal behaviors were observed during periods of brief exposure to four conditions: attention, non-contingent attention, demand and alone. Results indicated that these conditions affected the inadequate verbalizations in different ways. These results are discussed in terms of their implications for functional evaluations before the psychological interventions.
functional analysis; inappropriate verbal behavior; schizophrenia
Análise funcional de comportamentos verbais inapropriados de um esquizofrênico1 1 Trabalho parcialmente financiado por meio de bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/PUC-GO) para as três últimas autoras.
Functional analysis of inappropriate verbal behaviors of a schizophrenic
Ilma A. Goulart de Souza Britto2 2 Endereço para correspondência: Rua Aspília, Quadra A3, Lote 20, Residencial dos Ipês, AlphaVille Flamboyant. Goiânia, GO. CEP 74884-547. Fone: (62) 9979-0708. Telefax: (62) 3281-7400. E-mail: psyilma@terra.com.br. ; Ivanildes Santos Rodrigues; Sheila Luciano Alves; Talva Lana Sampaio S. Quinta
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
RESUMO
O presente estudo registrou as verbalizações inapropriadas de um esquizofrênico adulto e do sexo masculino. Os comportamentos verbais inapropriados foram observados durante breves períodos de exposição a quatro condições: atenção, atenção não contingente, demanda e sozinho. Os resultados indicaram que as condições afetaram os comportamentos verbais inapropriados diferentemente. Esses resultados são discutidos em termos das suas implicações para as avaliações funcionais antes de intervenções psicológicas.
Palavras-chave: análise funcional; comportamento verbal inapropriado; esquizofrenia.
ABSTRACT
The present study registered the inappropriate verbalizations of a schizophrenic male adult. The inappropriate verbal behaviors were observed during periods of brief exposure to four conditions: attention, non-contingent attention, demand and alone. Results indicated that these conditions affected the inadequate verbalizations in different ways. These results are discussed in terms of their implications for functional evaluations before the psychological interventions.
Keywords: functional analysis; inappropriate verbal behavior; schizophrenia.
Desde que Skinner (1953/1970) usou a expressão 'análise funcional' para a demonstração empírica de relações 'causa-e-efeito' entre ambiente e comportamento, a expressão tem sido usada pelos analistas do comportamento para descrever uma ampla faixa de procedimentos e estratégias com diferentes aplicações (Hanley, Iwata & McCord, 2003; Haynes & O'Brien, 1990; Neno, 2003; Sturmey, 1996).
Quando uma metodologia faz uso de análise funcional, as variáveis ambientais que influenciam a ocorrência de comportamentos (sejam eles comportamentos problema ou não) são identificadas. Por meio dessa análise, torna-se possível identificar os eventos antecedentes e consequentes mais prováveis dos comportamentos, o que permite compreender porque tais comportamentos ocorrem e porque se mantêm (Hanley & cols., 2003; Matos, 1999).
Thompson e Iwata (2005) sugerem que a estratégia mais completa para o entendimento do comportamento consiste em analisá-lo sob múltiplas condições de controle. Essa estratégia foi usada na análise funcional de comportamentos problema severos por Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e Richman, (1982/1994), ao testarem o efeito de diferentes fontes de reforçamento. De modo mais específico, esses autores avaliaram o comportamento de nove participantes, os quais apresentavam algum grau de atraso no desenvolvimento. O reforçamento positivo foi disponibilizado em forma de atenção social (e.g., 'Não faça isso, você vai se machucar') contingente ao comportamento problema (autoagressão), em uma condição definida como 'atenção'. Para o reforçamento negativo, uma tarefa com instruções difíceis era apresentada, sendo essa tarefa interrompida quando o comportamento problema ocorria, numa condição chamada de 'demanda'. Na condição 'controle', sessões em que o participante era deixado sozinho numa sala eram intercaladas com sessões em que o participante tinha acesso a objetos e brincadeiras preferidos. Também havia uma condição denominada 'sozinho', na qual a criança ficava na sala de terapia, mas desacompanhada e sem acesso aos brinquedos ou a outros materiais. Os resultados mostraram que o comportamento de autoagressão foi fortemente influenciado pelas consequências reforçadoras (atenção social e interrupção da demanda), sendo mais frequente nessas condições do que nas demais (controle e sozinho).
Em estudos mais recentes, autores como DeLeon, Arnold, Rodriguez-Catter e Uy (2003), Dixon, Beneditc e Larson (2001) e Wilder, Masuda, O'Connor e Bahan (2001) usaram o procedimento de Iwata e cols. (1982/1994) para avaliar o comportamento verbal mais complexo de pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas. Os resultados desses estudos demonstraram que o comportamento verbal do esquizofrênico, assim como o comportamento de autoagressão no estudo de Iwata e cols. (1982/1994), foi fortemente influenciado pelas consequências da atenção e interrupção da demanda, mas fracamente por outras condições, como as condições 'sozinho' e 'controle'. Com efeito, foi identificado que falas inapropriadas como as de um esquizofrênico podem ser mantidas por reforço social.
Não obstante, para investigar se as falas inapropriadas são de fato mantidas pelo reforçamento social, haja vista que a literatura psiquiátrica (e.g., Busatto, 2000; Associação Americana de Psiquiatria, 2000/2002; Salum, Pereira & Quimarães, 2008), em contraponto a esses achados, apresenta a possibilidade da existência de causas biológicas associadas a essas falas. Lancaster e cols. (2004) selecionaram aleatoriamente quatro participantes de uma amostra de 120 pacientes com dois diagnósticos: retardo mental e esquizofrenia. O procedimento consistiu em fornecer reforçamento social (atenção) contingente às falas inapropriadas de dois participantes; para os outros, não havia reforçamento social. Os resultados demonstraram que a ausência do reforçamento social reduziu as falas inapropriadas, enquanto a atenção contingente aumentou sua frequência. Mais uma vez ficou estabelecido que a atenção social manteve as falas inapropriadas dos participantes com esquizofrenia.
O ComportamentoVerbal do Esquizofrênico
Não há consenso na literatura no que diz respeito às terminologias usadas para descrever o comportamento verbal do indivíduo com esquizofrenia, sendo suas falas comumente caracterizadas como alucinatórias, bizarras, delirantes, psicóticas, salada de palavras etc. A despeito da terminologia empregada, o comportamento verbal do esquizofrênico é considerado inapropriado simplesmente porque não é característico do contexto, o que dificulta sua compreensão e dá margem a explicações baseadas em processos que ocorrem dentro do indivíduo. De acordo com a abordagem analítico-comportamental, no entanto, falas inapropriadas são conceitualizadas como comportamentos operantes e, enquanto tal, são compreendidas a partir da interação entre contingências ambientais de reforçamento e punição, históricas e atuais. Mais precisamente, comportamento verbal, inapropriado ou não, deve ser funcionalmente analisado, ou seja, visto à luz das condições de estímulo antecedentes e consequentes ao comportamento (Skinner, 1957/1978).
O comportamento verbal de pessoas com o diagnóstico de esquizofrenia vem se constituindo um importante tema de investigação da ciência do comportamento (Ayllon & Haughton, 1964; Britto, Rodrigues, Santos & Ribeiro, 2006; DeLeon & cols., 2003; Dixon & cols., 2001; Isaacs, Thomas & Goldiamond, 1964; Lancaster & cols., 2004; Liberman, Teigen, Patterson & Baker, 1973; Mace, Webb, Sharkey, Mattson & Rosen, 1988; Santos, 2007; Silva, 2005). Nesses estudos, a alteração das falas inapropriadas ocorreram de acordo com as diferentes condições experimentais manipuladas pelos pesquisadores, tais como reforçamento contingente e extinção. Assim, vários comportamentos do esquizofrênico foram estudados por meio de procedimentos relativamente simples, cujos resultados demonstraram o controle desse tipo de comportamento por suas consequências.
O comportamento verbal do esquizofrênico é considerado inapropriado quando inclui frases ou sentenças cujas elocuções descrevem o que não é característico do contexto, por exemplo, "O diabo não me deixa sorrir" (Britto & cols., 2006). A frequência do sorrir poderia diminuir, mas tal diminuição não poderia ser atribuída a fatos que envolvessem o diabo (um estímulo inobservável) (Wilder & cols., 2001). Afirmar-se-ia, por outro lado, que a elocução serviria como um estímulo discriminativo que evocaria comportamentos incompatíveis com o sorrir, sendo esses comportamentos mantidos por reforçamento negativo, ou seja, pela eliminação, adiamento ou minimização de consequências aversivas que seriam supostamente liberadas pelo diabo, caso o sorriso ocorresse. Esse tipo de comportamento verbal também afetaria o comportamento do ouvinte, ao gerar nele reações emocionais (Skinner, 1957/1978).
As verbalizações do esquizofrênico devem ser elucidadas dentro das fronteiras de uma ciência natural do comportamento (Britto, 2004, 2005). Assim sendo, as variáveis controladoras das verbalizações do esquizofrênico devem ser buscadas nas interações que ele estabelece com aspectos do seu ambiente. Delírios e alucinações não são coisas nem objetos, tampouco algo que o esquizofrênico possua; são comportamentos verbais controlados pelas consequências verbais e não verbais que produzem. Descrever funcionalmente um comportamento não é uma tarefa fácil. No caso particular dos delírios e alucinações, essa tarefa se torna particularmente desafiadora porque esses comportamentos não obedecem a uma regra do tipo 'um estímulo, uma resposta': não há correspondência ponto a ponto entre estímulo e resposta, sendo também comum que o controle resulte da interação de diversos estímulos (MacCorquodale, 1969; Skinner, 1957/1978). Investigar os eventos que atuam como múltiplos estímulos no controle das complexas vocalizações relacionadas aos delírios e alucinações se faz necessário. Estudos dessa natureza, no entanto, são escassos em nosso contexto.
O presente estudo contribui com a literatura disponível ao conduzir uma análise funcional do comportamento verbal inapropriado de um esquizofrênico baseada nos procedimentos descritos por Iwata e cols. (1982/1994). O objetivo deste estudo foi o de avaliar experimentalmente as variáveis controladoras das falas inapropriadas de uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica durante várias condições: atenção, demanda, sozinho e atenção não contingente. Um segundo objetivo foi o de investigar os efeitos do reforçamento positivo e negativo sobre esse tipo de fala.
Método
Participante
Participou do estudo um indivíduo do sexo masculino, 34 anos de idade, solteiro, primeiro grau incompleto, que residia com a mãe e não trabalhava. A mãe relatou que o filho foi espancado e estuprado por marginais aos 19 anos. O participante apresentava um repertório verbal inapropriado, incluindo falas ininteligíveis, sem nexo e incompreensíveis à sua comunidade verbal (e.g, "eu via a alma do meu avô que voava enquanto reluzia no cruzeiro do sul"). Em função disso, foi internado quatro vezes em instituições psiquiátricas, sendo a primeira aos 21 anos de idade, ocasião em que recebeu o diagnóstico de esquizofrenia do tipo paranóide. O participante recebia tratamento especializado em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e fazia uso diário de Haloperidol (Haldol) 10 mg, Cloridrato de Prometazina (Fenergan) 50 mg, Risperidona 4 mg, Maleato de Levomepromazina (Neozine) 200 mg e Diazepam 10 mg. Segundo relatos da equipe de terapia ocupacional, o participante não gostava das atividades de pintura quando eram utilizadas as cores azul e vermelha.
Ambiente e material
As atividades da pesquisa foram realizadas em uma instituição pública (CAPS) do município, que funcionava em parceria com o Ministério da Saúde. Essa instituição multidisciplinar oferecia serviços a pessoas que possuíam diagnósticos psiquiátricos e que tinham disponibilidade para participar das atividades propostas pela equipe técnica. A equipe era composta de médicos psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e técnicas de enfermagem.
A sala experimental compreendia uma mesa com três cadeiras, um lavatório e uma estante. A sala foi equipada com uma filmadora instalada em um tripé no canto da sala, atrás da pesquisadora, o que permitiu focalizar o participante de frente. Foram utilizados livros de histórias infantis, revistas semanais, jornais, fitas VHS, cronômetro, tintas de cores variadas, pincéis, cartolina, folha com 12 frases e folhas de registro.
Procedimento
O projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Processo 0020.0168.000/05 ) e, após sua aprovação, foi estabelecido o contato com o CAPS. Os critérios utilizados para a seleção do participante foram: idade acima de 18 anos, diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia, presença de comportamentos verbais inapropriados e tratamento no CAPS.
O contato com as pessoas foi realizado pelos funcionários da instituição que agendavam horário para as entrevistas entre o participante a as pesquisadoras. Após a seleção do participante, foram agendados os dias e horários das sessões. Um documento de Consentimento Livre e Informado foi assinado por um membro da família, pelo participante e pelo diretor da instituição. O documento continha cláusula a respeito do sigilo das informações, da garantia do anonimato do participante, da presença da filmadora e da permissão para divulgação dos resultados do estudo em revistas ou eventos científicos.
Paralelamente, as auxiliares de pesquisa - bolsistas de Iniciação Científica (convênio PUC-GO/CNPq) e alunas do Curso de Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás - entrevistaram a mãe do participante a fim de obter mais informações sobre o mesmo; também pesquisaram o prontuário com vistas ao levantamento de dados sobre a história do participante.
O procedimento compreendeu quatro condições experimentais, apresentadas, inicialmente, na seguinte ordem, a qual foi decidida por sorteio: (1) Atenção; (2) Demanda; (3) Atenção não contingente; (4) Sozinho. Após a quarta condição, houve uma reapresentação de todas as condições, mas agora na ordem 4, 3, 2 e 1. Cada condição compreendeu duas sessões de 12 minutos (uma em cada ordem de apresentação). Foram conduzidas duas sessões no mesmo dia, com intervalos de 15 minutos entre elas, uma vez por semana, durante dois meses consecutivos. As auxiliares de pesquisa, foram treinadas pela primeira autora para conduzir as sessões experimentais. As condições experimentais foram implementadas conforme descrição a seguir:
Atenção. A pesquisadora e o participante encontravam-se na sala experimental, sentados um de frente para o outro, e conversavam livremente. Durante as emissões das falas apropriadas do participante, a pesquisadora não fazia contato visual e respondia a ele com uma ou duas palavras. Quando o participante emitia falas inapropriadas, a pesquisadora fazia contato visual com ele, inclinava o corpo em sua direção e falava a seguinte frase: "Você poderia falar de maneira diferente!". A disponibilização da atenção social para as falas inapropriadas duravam mais ou menos 10 segundos.
Demanda. A pesquisadora, de pé, posicionava-se ao lado do braço direito do participante, que se encontrava sentado em frente à mesa com pincéis, tubos de tinta com cores variadas (inclusive, azul e vermelha), e instruía o participante a pintar livremente uma cartolina branca. Quando da recusa em desenvolver a atividade, a pesquisadora pegava na mão direita do participante para ajudá-lo a cumprir a tarefa. A cada ocorrência de fala inapropriada, a pesquisadora soltava a sua mão e se afastava dele durante mais ou menos 30 segundos. Depois de transcorrido esse período de tempo, a pesquisadora voltava para junto do participante e o ajudava a executar a tarefa.
Atenção não contingente. Nessa condição, havia livros, revistas semanais e mensais, além de jornal diário em cima da mesa. A pesquisadora se sentava na cadeira em frente ao participante, dizia que ele poderia olhar o material em cima da mesa, pegava um dos livros e, após abri-lo, dava a impressão de o estar lendo. De 30 em 30 segundos, ela olhava na direção do participante e lia num tom de voz natural uma sentença extraída de uma lista de 12 sentenças previamente elaboradas (e.g., "o dia hoje está chuvoso", "a praça vai ficar pronta logo", "a televisão está ligada" etc.) As 12 sentenças eram repetidas, em sequência, até o final da sessão.
Sozinho. A experimentadora solicitava ao participante que permanecesse na sala. Após essa orientação, a pesquisadora se ausentava da sala, deixando o participante sozinho e a filmadora ligada.
Análise de dados
Todas as sessões foram registradas em vídeo. Após o término deste estudo no CAPS, foi feita a transcrição do material registrado em vídeo, sendo realizado o registro cursivo de todas as falas do participante contidas nos vídeos. Todas as falas foram transcritas na sequência em que ocorreram: as falas apropriadas foram coloridas de vermelho e as inapropriadas de preto, sendo separadas independentemente do número de palavras que as compunham.
A variável dependente - fala inapropriada - foi definida como uma série de palavras em sequência ou sentenças que inseridas no contexto verbal do participante eram incompreensíveis, estranhas, incoerentes, sem nexo, mágicas ou repetitivas quando comparadas às práticas convencionadas de uma comunidade verbal (ver Tabela 1). Se a fala fosse compatível com o contexto verbal, era considerada apropriada. Na condição 'atenção', era registrada a fala do participante emitida (a) antes da pesquisadora falar qualquer palavra, (b) após a pesquisadora dizer "você poderia falar de modo diferente" e (c) após a pesquisadora dizer uma ou duas palavras. Na condição 'demanda', era registrada a fala emitida durante a execução da tarefa. Na condição 'atenção não contingente', a fala registrada era aquela que ocorria quando a pesquisadora lia uma sentença. E na condição 'sozinho', qualquer fala, caso ocorresse, era registrada.
Foi realizada uma análise da frequência das falas apropriadas e inapropriadas registradas nas folhas de registro. Posteriormente, foram comparadas as frequências das falas inapropriadas entre as quatro condições (atenção, demanda, atenção não contingente e sozinho) e entre as duas categorias de verbalizações (apropriada e inapropriada).
Durante a análise dos dados, contou-se com a colaboração de um profissional com experiência em observação para que fosse realizado o índice de concordância dos dados obtidos. Para o cálculo do índice foi utilizada a fórmula: [Concordância / (Discordância + Concordância)] x 100. Foram obtidos índices altos de concordância, tanto para as verbalizações apropriadas (100%) quanto para as verbalizações inapropriadas (91,8%).
Resultados
A Figura 1 apresenta a porcentagem de falas inapropriadas emitidas em cada condição. Os maiores percentuais foram obtidos nas duas sessões da condição 'atenção' (38% e 29%), seguidos pelos percentuais da condição 'demanda' (22% e 24%). Já nas condições 'atenção não contingente' e 'sozinho', os percentuais de falas inapropriadas foram iguais a 0. Na condição de 'atenção não contingente', o participante falou de modo apropriado durante as duas sessões. Já na condição 'sozinho', o participante não emitiu nenhum tipo de fala, permanecendo calado durante as sessões.
A comparação das condições 'atenção' e 'atenção não contingente' mostra que o modo como a atenção foi fornecida afetou diferencialmente o comportamento verbal do participante. Enquanto a atenção contingente produziu o maior percentual de falas inapropriadas, a atenção não contingente não gerou falas inapropriadas.
Os resultados indicam que os comportamentos verbais inapropriados emitidos pelo participante, diagnosticado com esquizofrenia do tipo paranóide, foram sensíveis às manipulações efetuadas.
Discussão
Modelos
O presente estudo investigou as falas inapropriadas de um participante com diagnóstico de esquizofrenia do tipo paranóide que recebia tratamento especializado numa instituição pública de seúde mental. Para essa finalidade, análises funcionais foram conduzidas, baseadas no procedimento descrito por Iwata e cols. (1982/1994), o qual compreendia as condições de atenção, demanda e sozinho. Outra condição (atenção não contingente), não avaliada por esses autores, foi incluída no presente estudo.
A atenção social disponibilizada pela pesquisadora sob a forma do comentário "você poderia falar de maneira diferente" (condição 'atenção') exerceu um papel importante para as ocorrências das falas inapropriadas O mesmo ocorreu na condição 'demanda' em que uma fala inapropriada permitia a suspensão da tarefa, ainda que por alguns segundos. Os resultados obtidos nessas duas condições apontaram que a atenção social e a suspensão da tarefa aumentaram a frequência das falas inapropriadas do participante, embora isso tenha ocorrido por meio de processos diferentes. No primeiro caso ocorreu reforçamento positivo e, no segundo, reforçamento negativo. Além disso, na condição 'sozinho', na qual não havia interação entre a pesquisadora e o participante, não houve ocorrências de comportamentos verbais inapropriados. Esses resultados apoiam a sugestão de que o comportamento operante, inclusive o verbal, apropriado ou não, tende a ocorrer em contextos que indicam maior probabilidade de reforçamento (Skinner, 1957/1978). Também confirmam os relatos de outros estudos em que a atenção foi utilizada como reforço social para os comportamentos verbais inapropriados emitidos por esquizofrênicos ou autistas (DeLeon & cols., 2003; Dixon & cols., 2001; Iwata e cols., 1982/1994; Lancaster & cols., 2004; Wilder & cols., 2001).
Alguns aspectos devem ser ressaltados. O primeiro diz respeito à condição 'atenção não contingente'. Essa condição foi proposta para verificar se as falas inapropriadas ocorreriam em uma condição na qual a pesquisadora apresentava comportamento verbal não contextual, isto é, independente do tipo de verbalização do participante (e.g., "O dia hoje está chuvoso", embora o dia estivesse ensolarado). No momento da fala da pesquisadora, que ocorria de 30 em 30 segundos, era comum que o participante estivesse emitindo comportamento verbal textual sob controle dos livros e revistas. Imediatamente após a fala da pesquisadora, entretanto, o participante sempre respondia de modo apropriado (e.g., "Não está chovendo não, lá fora o sol está quente"). Esses resultados, em conjunto com aqueles observados nas demais condições, apontam a importância da relação de dependência entre resposta e consequência, à medida que demonstram que atenção contingente a falas inapropriadas não é suficiente para fortalecer esse comportamento. Embora a fala da pesquisadora tenha adquirido controle discriminativo sobre a resposta verbal apropriada do participante, o presente procedimento não permite a identificação das razões desse controle. Não se sabe por exemplo, se esse efeito ocorreria caso o conteúdo da fala da pesquisadora fosse menos provocativo, ou seja, consistisse em um tato acurado. Essa é uma questão que merece ser mais bem investigada.
Segundo, algumas características da condição 'demanda' remetem a novas pesquisas. Uma questão, por exemplo, a ser mais bem investigada seria a relação entre o nível de dificuldade da tarefa e a emissão de falas inapropriadas. Para essa finalidade poderiam ser implementadas tarefas de variados níveis de complexidade. Também poderiam ser incluídas mais duas condições, de demanda-sozinho e demanda na presença da pesquisadora, por exemplo. Na condição 'demanda-sozinho', seriam apresentados estímulos aversivos (tarefa difícil) e seria retirado o reforço social por meio da saída da pesquisadora da sala. Já na condição 'demanda na presença da pesquisadora', em vez da pesquisadora forçar a realização da tarefa, como ocorreu no presente estudo, ela forneceria a instrução e permaneceria na sala experimental, afastada fisicamente do participante e aparentando escrever algo. Num CAPS é difícil manipular uma condição que traga alguma dificuldade para o participante. Seria melhor conduzir essa condição no ambiente natural do participante, com as demandas próprias desse ambiente.
Terceiro, quando a pesquisadora disponibilizava a atenção social (e.g., "Você poderia falar de maneira diferente!"), houve maior ocorrência de falas inapropriadas. Esse é um dado interessante visto que a comunidade verbal pode muitas vezes apresentar comentários desse tipo na tentativa de enfraquecer a fala inapropriada e, paradoxalmente, o efeito produzido é oposto ao desejado.
De todo modo, os dados do presente estudo confirmam, ainda mais, o controle do comportamento pelas condições manipuladas, conforme relatado por outros autores (e.g., Iwata & cols., 1982/1994; Thompson & Iwata, 2005). Com os resultados obtidos, pode-se afirmar que o comportamento verbal inapropriado do esquizofrênico foi sensível ao arranjo das condições programadas, como demonstra a Figura 1.
Em suma, os achados do presente estudo podem ter implicações práticas para a avaliação de comportamentos-problema. Por meio de uma metodologia de análise funcional aplicada numa instituição pública de saúde mental, tornou-se possível identificar sob que condições as falas inapropriadas do participante ocorreram nos contextos programados.
Ao enfatizar a importância da compreensão das causas dos comportamentos problemas, Martin e Pear (2007/2009) notaram que o pioneirismo da metodologia de análise funcional proposta por B. A. Iwata e colaboradores pode ser considerada como "um importante desenvolvimento inovador na área" para avaliação e tratamento comportamental (p. 461).
Recebido em 31.01.08
Primeira decisão editorial em 20.01.09
Versão final em 12.05.09
Aceito em 03.06.09
- Associação Americana de Psiquiatria - APA (2002). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV-TR) (C. Dornelles, Org. Trad.). Porto Alegre: ARTMED. (Trabalho original publicado em 2000)
- Ayllon, T., & Haughton, E. (1964). Modification of symptomatic verbal behavior of mental patientes. Behavior Research Therapy, 2, 87-97.
- Britto, I. A. G. S. (2004). Sobre delírios e alucinações. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 6, 61-71.
- Britto, I. A. G. S. (2005). Esquizofrenia: desafios para a ciência do comportamento. Em H. J. Guilhardi & N. C. Aguirre (Orgs.), Sobre comportamento e cognição. Expondo a variabilidade - Vol 16 (pp. 38-44). Santo André: ESETec.
- Britto, I. A. G. S., Rodrigues, M. C. A, Santos, D. C. O., & Ribeiro, M. A. (2006). Reforçamento diferencial de comportamentos verbais alternativos de um esquizofrênico. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 8, 73-84.
- Busatto, G. F. (2000). A anatomia estrutural e funcional da esquizofrenia: achados de neuropatologia e neuroimagem. Revista Brasileira de Psiquiatria, 22, 9-11.
- DeLeon, I. G., Arnold, K. L., Rodriguez-Carter, V., & Uy, M. L. (2003). Covariation between bizarre and nonbizarre speech as a function of the content of verbal attention. Journal of Applied Behavior Analysis, 36, 101-104.
- Dixon, M. R., Benedict, H., & Larson, T. (2001). Functional analysis and treatment of inappropriate verbal behavior. Journal of Applied Behavior Analysis, 34, 361-367.
- Hanley, G. P., Iwata, B. A., & McCord, B. E. (2003). Functional analysis of problem behavior: A review. Journal of Applied Behavior Analysis, 36, 147-185.
- Haynes, S. N., & O'Brien, W. O. (1990). Functional analysis in behavior therapy. Clinical Psychology Review, 10, 649-688.
- Isaacs, W., Thomas, J., & Goldiamond, I. (1964). Application of operant conditioning to reinstate verbal behavior in psychotics. Em A. W. Staats (Ed), Human learning. Studies extending conditioning principles to complex behavior (pp. 466-471). New York: Holt, Rinehart and Winton.
- Iwata, B. A., Dorsey, F. M., Slifer., J. K., Bauman K. E., & Richman, G. S. (1994). Toward a functional analysis of self-injury. Journal of Applied Behavior Analysis, 27, 197-209. (Trabalho original publicado em 1982 em Analysis and Intervention in Developmental Disabilities, 2, 3-20)
- Lancaster, B. M., Le Blanc, A., Carr, J. E., Brenske, S., Peet, M. M., & Culver, S. J. (2004). Functional analysis and treatment of the bizarre speech of dually diagnosed adults. Journal of Applied Behavior Analysis, 37, 395-399.
- Liberman, R. P., Teigen, J., Patterson, R., & Baker, V. (1973). Reducing delusional speech in chronic paranoid schizophrenics. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry, 19, 714-721.
- MacCorquodale, K. (1969). B. F. Skinner's Verbal Behavior: A retrospective appreciation. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 13, 83-99.
- Mace, F. C., Webb, M. E., Sharkey, R. W., Mattson, D. M., & Rosen, H. S. (1988). Functional analysis and treatment of bizarre speech. Journal of Behavior Analysis, 34, 361-367.
- Martin, G., & Pear, J. (2009). Modificação de comportamento: o que é e como fazer (8Ş ed.) (N. C. Aguirre, Org. Trad.). São Paulo: Roca. (Trabalho original publicado em 2007)
- Matos, M. A. (1999). Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia, 16, 8-18.
- Neno, S. (2003). Análise funcional: definição e aplicação na terapia analítico-comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5, 151-165.
- Salum, C., Pereira, A. C. C. I., & Guimarães, E. A. D. B. (2008). Dopamina, óxido nítrico e suas interações em modelos para o estudo da esquizofrenia. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21, 186-194.
- Santos, D. C. O. (2007). Análise da fala psicótica via estratégias operantes de intervenção. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia.
- Silva, K. P. L. (2005). Análise aplicada e o comportamento diagnosticado como esquizofrênico Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia.
- Skinner, B. F. (1970). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.). Brasília: UnB e FUNBEC. (Trabalho original publicado em 1953)
- Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1957)
- Sturmey, P. (1996). Functional analysis in clinical psychology. New York: John Wiley & Sons.
- Thompson, R. H., & Iwata, B. A. (2005). A review of reinforcement control procedures. Journal of Applied Behavior Analysis, 38, 257-278.
- Wilder, D. A., Masuda, A., O'Connor, C., & Bahan, M. (2001). Brief functional analysis and treatment of bizarre vocalizations in adult with of schizophrenics. Journal of Applied Behavior Analysis, 34, 65-68.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
24 Maio 2010 -
Data do Fascículo
Mar 2010
Histórico
-
Aceito
03 Jun 2009 -
Revisado
20 Jan 2009 -
Recebido
31 Jan 2008