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A prova retórica do logos no filme narrativo de ficção

The rhetorical proof of logos in narrative fiction film

RESUMO

O logos consiste na prova retórica técnica/artística, segundo (Aristóteles, 2000ARISTÓTELES. 2000. Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior. Estudos Gerais - Série universitária - Clássicos da filosofia. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.), em que o orador demonstra ou tenta demonstrar a verdade pelo discurso; ou seja, trata-se do uso do raciocínio lógico com o objetivo de fundar uma proposição persuasiva. Para autores como (Amossy, 2006AMOSSY, Ruth. 2006. L'argumentation dans le discours. Paris: Armand Colin.) e (Olbrechts-Tyteca e Perelman, 2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.), os gêneros discursivos, uma vez que sempre visam a algum tipo de impacto sobre o público, são providos de argumentatividade em diferentes graus e intenções. Neste artigo, pretendemos discutir possibilidades de emprego da prova retórica do logos no filme narrativo de ficção, sob a perspectiva da análise argumentativa do discurso e da teoria semiolinguística (Charaudeau, 2001______. 2001. Uma Teoria dos Sujeitos da Linguagem. In: MARI, Hugo; MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato (orgs.). Análise do Discurso: Fundamentos e Práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG. p. 23-38.). O método utilizado consiste na aplicação de algumas categorias do logos à análise argumentativo-discursiva de algumas sequências do filme O Poderoso Chefão II (The Godfather Part II, 1974), de Francis Ford Coppola, levando em consideração os elementos da linguagem cinematográfica envolvidos. Esta pesquisa permitiu verificar a proficuidade da abordagem do filme de ficção como objeto de estudo nessa área, bem como a relação intrínseca entre as provas retóricas do ethos, do pathos e do logos.

Palavras-chave:
Logos; Argumentação; Semioloinguística; Filme

ABSTRACT

The logos is the technical/artistic rhetoric proof, according to Aristotle (2000ARISTÓTELES. 2000. Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior. Estudos Gerais - Série universitária - Clássicos da filosofia. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.), in which the speaker tries to show or demonstrate the truth by discourse. That is, it is the use of logical reasoning with the aim of founding a persuasive proposition. For authors like (Amossy, 2006AMOSSY, Ruth. 2006. L'argumentation dans le discours. Paris: Armand Colin.) and (Olbrechts-Tyteca and Perelman, 2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.), since the discursive genres always look forward to having some kind of impact on the public, they are provided with argumentativeness, in different degrees and intentions. In this article, we intend to discuss the possibilities of theusageof logos in narrative fiction film, from the perspective of the discourse's argumentative analysis and the semiolinguistics theory (Charaudeau: 2001______. 2001. Uma Teoria dos Sujeitos da Linguagem. In: MARI, Hugo; MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato (orgs.). Análise do Discurso: Fundamentos e Práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG. p. 23-38.). The method involves the application of some categories of logos to an argumentative-discursive analysis of some sequences of The Godfather Part II (The Godfather Part II, 1974), by Francis Ford Coppola, taking into account the elements of film language. This research has shown the usefulness of fiction film's approach as an object of study in this area, as well as the intrinsic relationship between the rhetorical evidences of ethos, pathos and logos.

Key-words:
Logos; Argumentation; Semiolinguistics; Film

Existem duas categorias ou métodos formais de provas na elaboração do raciocínio argumentativo, de acordo com a retórica aristotélica (Aristóteles, 2000ARISTÓTELES. 2000. Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior. Estudos Gerais - Série universitária - Clássicos da filosofia. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.). As não-técnicas ou não-artísticas são aquelas que já existem e podem ser apresentadas pelo enunciador, tais como testemunhos e documentos. As provas técnicas ou artísticas consistem nos meios discursivos criados pelo orador para persuadir, e por isso são as de maior relevância no estudo da retórica. Elas podem ser de três espécies, que aparecem conjugadas no discurso, com intensidade variável, conforme as demandas do quadro situacional e da interação:

  • as que residem no caráter moral do orador, dando a impressão de que ele merece credibilidade (ethos);

  • as que são construídas sobre a relação entre orador e ouvinte, em que o primeiro tenta suscitar no segundo emoções/paixões pelo discurso (pathos);

  • as que o próprio discurso demonstra logicamente ou parece demonstrar, a partir do que é persuasivo em cada caso (logos).

O interesse deste artigo1 1 .Artigo produzido a partir de resultados obtidos com minha tese de doutorado intitulada Dimensões argumentativas do discurso fílmico: projeções retóricas na tela do cinema, defendida no dia 19 de agosto de 2011 na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Orientador: Prof. Dr. Renato de Mello. consiste especificamente no emprego do logos, em que o orador demonstra ou tenta demonstrar a verdade pelo discurso, ou seja, usa a razão para fundar uma proposição. Dessa maneira, apresenta conclusões racionalmente, lançando mão de premissas que poderão ser admitidas como verdadeiras pelo auditório; constrói raciocínios lógicos ou inferências, e os expressa no discurso. Ainda mais especificamente, pretendemos refletir sobre como esse tipo de prova poderia se configurar num filme narrativo de ficção, e aplicar tais reflexões na observação de algumas sequências do filme O poderoso chefão II (The Godfather II, 1974, de Francis Ford CoppolaO PODEROSO CHEFÃO - The Coppola Restoration (The Godfather). 2008. Direção: Francis Ford Coppola. São Paulo: Paramount Pictures. 4DVDs, widescreen, color., legendado.). Para tanto, adotamos a mesma postura de Ruth (Amossy, 2006AMOSSY, Ruth. 2006. L'argumentation dans le discours. Paris: Armand Colin.: 140) quanto ao principal objetivo da análise argumentativa do discurso:

(...) son objectif premier consiste à analyser les modalités selon lesquelles ces raisonnements son mis en discours afin d'agir sur l'allocutaire. Ils fonctionnent en effet à l'intérieur d'une communication verbale où ils s'allient à de nombreux facteurs discursifs et interactionnels pour acquérirleur pouvoir persuasif.2 2 .Tradução livre: seu objetivo principal consiste em analisar as modalidades segundo as quais esses raciocínios são empregados no discurso, a fim de agir sobre o alocutário. Eles funcionam no interior de uma comunicação verbal, onde se aliam a vários fatores discursivos e interacionais para adquirir seu poder persuasivo.

Ou seja, não se trata de um estudo normativo sobre a persuasão, nem de partir em busca das falácias e dos equívocos de raciocínio. Mas sim de compreender o funcionamento dos argumentos numa situação específica de troca enunciativa. É preciso levar em conta a gestão do dispositivo enunciativo, a relação com o alocutário, a organização do saber de senso comum - quem fala a quem, de que lugar e em que relações de poder, em que quadro institucional e em que espaço dóxico. Para uma análise argumentativa pertinente do discurso, Amossy propõe uma combinação das seguintes abordagens:

  • Linguageira: verificação dos meios oferecidos pela linguagem na orientação argumentativa do discurso.

  • Comunicacional: observação da situação de comunicação e como ela interfere na construção dos argumentos. O discurso é tributário do quadro institucional e social, e é indissociável das maneiras de ver, pensar e sentir delimitadas por uma cultura ou uma época.

  • Dialógica e interacional: é preciso considerar que o discurso pretende agir sobre um auditório e, portanto, deve adaptar-se a ele.

  • Genérica: o gênero do discurso determina os objetivos, os quadros de enunciação e os papéis a serem exercidos.

  • Estilístico: o estudo do uso de figuras e efeitos de estilo auxilia na compreensão dos impactos argumentativos do discurso sobre o interlocutor.

  • Textual: o discurso argumentativo deve ser estudado no nível da construção textual, que comanda o seu desenvolvimento.

Além disso, nossa proposta também se insere na perspectiva da Teoria Semiolinguística de Patrick (Charaudeau, 2001______. 2001. Uma Teoria dos Sujeitos da Linguagem. In: MARI, Hugo; MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato (orgs.). Análise do Discurso: Fundamentos e Práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG. p. 23-38.): o processo de coenunciação consiste numa encenação do ato de linguagem que envolve o estabelecimento de um contrato de comunicação entre os sujeitos envolvidos. Isso acontece num quadro composto pelos níveis situacional ou do fazer, relativo às variáveis circunstâncias históricas, socioculturais, comunicacionais, individuais; e discursivo ou do dizer, ligado à materialidade linguageira produzida e recebida durante a troca. As perspectivas propostas por Amossy e Charaudeau são convergentes, na medida em que ambas contemplam a compreensão do discurso a partir de um prisma psicossocio comunicacional.

Entre as contribuições da teoria semiolinguística no que concerne à argumentação, privilegiamos aqui os conceitos de contrato e estratégia, pelo que podem agregar à análise argumentativa do discurso. Tais categorias aparecem na organização global do projeto de comunicação do sujeito comunicante, que

[...] organise ce qui est disponible dans sa compétence en fonction des libertés et des contraintes d'ordre relationnel dont il dispose et qu'il ait un désir de réussite quant à l'impact de cet acte, dont la garantie est que le sujet interprétant (TUi) s'identifiera complètement au destinataire (TUd).3 3 .Tradução livre: ... organiza o que está disponível dentro de sua competência, de acordo com as liberdades e as limitações relacionais das quais ele dispõe, e tem um desejo de sucesso sobre o impacto desse ato, a garantia de que o sujeito interpretante (Tui) se identificará completamente com o destinatário (Tud). (Charaudeau 1983CHARAUDEAU, Patrick. 1983. Langage et Discours. Paris: Hachette.: 50)

Amossy utiliza o mesmo termo empregado por Charaudeau (impact/impacto) como componente da intencionalidade do sujeito comunicante, o que revela a orientação argumentativa como algo inerente ao ato de linguagem, ainda que haja diversas possibilidades e gradações de intenção e/ou dimensão persuasivas.

O conceito de estratégia refere-se à maneira como o sujeito comunicante, consciente ou inconscientemente, maneja o discurso para produzir determinados efeitos/impactos de convicção sobre o sujeito interpretante. Desse modo, poderá levá-lo a se identificar, também consciente ou inconscientemente, com a proposta do locutor e o papel que deverá assumir durante o ato de linguagem. Voltemos então ao logos e, na sequência, ao que lhe diz respeito quanto ao filme narrativo de ficção.

1. Logos

William Augusto (Menezes, 2004MENEZES, William Augusto. 2004. Discurso e virtude. In: Evento, jogo e virtude nas eleições para a presidência do Brasil - 1994 e 1998. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.) segue a direção de Aristóteles ao caracterizar o conceito de logos como razão demonstrativa retórica, uma vez que, nele, os raciocínios usados pelo orador são colocados em ação para convencer o outro:

Esta prova realiza-se pelo que chamamos anteriormente de razão demonstrativa retórica, ou seja, o entimema e o exemplo, num quadro próprio de racionalidade coordenado pelo que é verossímil. [...] A virtude, neste caso, relaciona-se à capacidade para a deliberação adequada sobre os assuntos relativos à felicidade. (Menezes 2004MENEZES, William Augusto. 2004. Discurso e virtude. In: Evento, jogo e virtude nas eleições para a presidência do Brasil - 1994 e 1998. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.: 110) (Grifos do autor)

Os entimemas e os exemplos são dois tipos de raciocínios quase lógicos, ou seja, cuja configuração se aproxima da demonstração; portanto, verossímeis. Os primeiros são argumentos dedutivos que surgem a partir de fórmulas hipoteticamente verdadeiras (premissas), indicando os desdobramentos de uma dada reflexão como plausíveis, e consequentemente, aceitáveis. Os outros enquadram-se na ordem da indução, estabelecem a semelhança como ponto de partida ao expor vários casos parecidos e associá-los diretamente ao assunto em questão, conferindo-lhes os mesmos aspectos e resultados.

Teóricos da argumentação como Lucie Olbrecht-Tyteca e Chaïm Perelman (2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.) definem o logos como uma categoria imbuída de dupla carga semântica. Por um lado, é palavra, discurso, cuja dimensão argumentativa está ligada à significação inerente à linguagem, com todos os atributos: léxico, sintaxe, fonética, marcadores como ritmo, entonação, pontuação etc. A orientação argumentativa do discurso tem base, então, nas seleções linguísticas realizadas para a elaboração do mesmo. Por outro lado, é raciocínio, entendimento (razão) e direciona a plateia para as ferramentas de demonstração da verdade aparente por meio de uma sucessão - lógica - de raciocínio. De tal forma que essa dupla vertente da categoria logos faz com que a palavra nos reenvie ao conteúdo interno, morfossintático do discurso propriamente dito; enquanto o termo raciocínio remete às relações de causa e consequência, antítese, oposição, deduções, induções, relações de contiguidade e tudo que possa ser associado a operações mentais.

Olbrecht-Tyteca e Perelman (2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.) enumeram duas grandes técnicas argumentativas com os respectivos desdobramentos. As técnicas de ligação associam elementos aparentemente distintos para estabelecer entre eles uma relação positiva ou negativa, e podem ser classificadas entre: os argumentos quase-lógicos, cuja estrutura se assemelha à do raciocínio matemático; os argumentos baseados sobre a estrutura do real, que buscam apoio em fatos, verdades ou presunções admitidos previamente como justificativas para conquistar a adesão; as ligações que fundam a estrutura do real, ou seja, proposições de novas premissas a serem consideradas como parte da realidade para a consequente realização de associações valorativas. As técnicas de dissociação, por sua vez, argumentam quanto à inadequação de determinadas associações entre elementos que deveriam estar separados e independentes, mas aparecem indevidamente como parte de um mesmo conjunto.

Não nos renderemos aqui a uma listagem exaustiva de cada uma dessas técnicas, atividade já realizada com maestria pelos autores e que não nos cabe parafrasear. Recorreremos a algumas delas quando necessário, ou seja, quando forem identificadas durante o exercício de análise a ser desenvolvido.

1.1. Topoï, lugares comuns, doxa, representações sociais

No livro I da Retórica, (Aristóteles, 2000ARISTÓTELES. 2000. Retórica. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior. Estudos Gerais - Série universitária - Clássicos da filosofia. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda.: 55) explica que os tópicos (topoï) são "[...] os lugares comuns a questões de direito, de física, de política e de muitas disciplinas que diferem em espécie". Ou seja, são as noções conhecidas por todos aqueles que participam de um debate acerca de determinado assunto e que fazem parte do domínio que envolve o tema em questão. Segundo o autor, existem três categorias de topoï: as espécies próprias, ou seja, as premissas adequadas especificamente a cada gênero; as espécies comuns, cujas premissas podem se referir a qualquer gênero; e os lugares comuns, que dão margem para a construção de entimemas por métodos formais de raciocínio. Os lugares comuns são subclassificados em lugares do acidente, do gênero, do próprio, da definição e da identidade.

Na Nova Retórica, os lugares constituem os aspectos daquilo que é preferível, que deve ser escolhido, e, portanto, proporcionam subsídios para defender tanto uma tese como o contrário da mesma. O interesse pela argumentação concreta em diferentes situações discursivas leva Olbrechts-Tyteca e Perelman (2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.: 113) a se aterem aos lugares aristotélicos do acidente: "[...] premisses d'ordregénéralpermettant de fonderdesvaleurs et deshiérarchies" 4 4 .Tradução livre: Premissas de ordem geral que permitem fundar os valores e as hierarquias. , uma vez que eles agrupam as premissas mais amplas, geralmente subentendidas no discurso, e que justificam diversas escolhas do orador. Além disso, o uso mais frequente de um tipo de lugar indica os valores e pontos de vista de uma determinada época.

A partir das características dos lugares do acidente, o autor estabelece a própria classificação dos topoï. Uma primeira divisão separa os lugares da quantidade, em que a superioridade reside naquilo que apresenta maior número de x ou y; e os da qualidade, que valorizam o único em oposição ao comum, ao banal e ao vulgar. Olbrechts-Tyteca e Perelman consideram tais categorias suficientemente abrangentes, motivo pelo qual elas integram as bases para a ramificação de outros lugares: da ordem (superioridade do anterior, da causa, dos princípios, das finalidades, sobre os contrários); do existente (o existente, real, atual, é superior ao possível, provável ou impossível); da essência (privilegia os indivíduos que representam melhor a essência, ou seja um tipo, uma função); da pessoa (ligados à dignidade, ao mérito, à autonomia, ao esforço). Esse conjunto de lugares comuns constrói a doxa - grosso modo, um espaço de opiniões e crenças coletivas baseadas no que se diz e no que se pensa.

(Amossy, 2006AMOSSY, Ruth. 2006. L'argumentation dans le discours. Paris: Armand Colin.) utiliza a expressão elementos dóxicos para se referir ao saber partilhado pelos integrantes de certa comunidade em determinada época: os topoï (lugares da retórica aristotélica e da nova retórica), as ideias recebidas (opiniões partilhadas resultantes de algum tipo de imposição) e os estereótipos (imagens pré-construídas sobre os seres e as coisas que aparecem de maneira mais ou menos implícita no discurso).

É importante observar que, em alguns domínios das ciências sociais e humanas, a doxa é encarada pejorativamente como uma marca da opressão exercida pela opinião comum, um estigma da dominação. Sob a perspectiva da análise argumentativa do discurso, esse tipo de abordagem impede que se perceba a relevância da doxa para a deliberação e para a ação social, uma vez que ela contribui para a produção dos enunciados, inclusive no que diz respeito à orientação argumentativa. Portanto, é necessário compreender como os elementos dóxicos podem ser usados com fins persuasivos, consciente ou inconscientemente:

Si l'argumentation implique une intentionnalité et une programmation, celles-ci s'avèrent tributaires d'un ensemble doxique qui conditionne le locuteur et dont il est le plus souvent loin d'avoir une claire conscience. [...] Le locuteur qui s'engage dans un échange pour mettre en avant son point de vue est pris dans un espace doxique qui détermine la situation de discours dans laquelle il argumente, modelant sa parole jusqu'au coeur de son intentionnalitéet de sa programmation.5 5 .Tradução livre: Se a argumentação implica uma intencionalidade e uma programação, essas são tributárias de um conjunto dóxico que condiciona o locutor, e do qual ele está, frequentemente, longe de ter uma consciência clara. [...] O locutor que se engaja numa troca para apresentar seu ponto de vista é pego num espaço dóxico que determina a situação de discurso na qual ele argumenta, modelando sua fala até o fundo de sua intencionalidade e de sua programação. (Amossy 2006AMOSSY, Ruth. 2006. L'argumentation dans le discours. Paris: Armand Colin.: 104)

A noção de interdiscurso diz respeito aos enunciados que estão por trás dos discursos, e também é importante na verificação da doxa que envolve uma troca comunicativa. Como esclarece Dominique (Maingueneau, 1998MAINGUENEAU, Dominique. 1998. Termos-Chave da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG.), o interdiscurso é composto pelas unidades discursivas que dialogam com o ato de linguagem e perpassam o processo de coenunciação; podem ser citações, arquivos, documentos, discursos anteriores ou contemporâneos, sejam do mesmo gênero do discurso analisado ou de gêneros diversos. Sua utilidade está no fato de servir como referência para a recuperação dos elementos dóxicos relativos a uma época, a um grupo, em suma, a uma situação.

1.2. Sobre as figuras da retórica

Na abordagem da Nova Retórica de Olbrechts-Tyteca e Perelman, bem como nadeAmossy, a catalogação das figuras não é importante, pois o objetivo é estudar o valor argumentativo que elas possuem em contexto, em sua dimensão argumentativa (os autores destacam principalmente as metáforas, comparações, hipérboles e litotes). O funcionamento discursivo será associado à capacidade de agir sobre o auditório, sem preocupação com as diversas divisões e classificações dos tratados de retórica. Esses estudiosos da argumentação opõem-se também a separar forma e conteúdo, a estudar as figuras de estilo como se tivessem apenas efeito estético, puramente formal, sem influência argumentativa. O objetivo é estudar os meios pelos quais a apresentação dos dados situa o acordo em certo nível, "[...] enquoi et commentl'emploi de certaines figures déterminéess'explique par lesbesoins de l'argumentation"6 6 .Tradução livre: em que e como o emprego de determinadas figuras se explica pelas necessidades da argumentação. . (Olbrecht-Tyteca e Perelman 2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.: 227)

Segundo o autor, as principais características das figuras são a estrutura discernível (sintática, semântica ou pragmática), independente do conteúdo - forma, e o emprego que se afasta da maneira normal de se expressar para chamar atenção. Ou seja, mesmo fazendo parte de um discurso, seria possível identificar a figura separadamente, como portadora de efeitos de sentido autônomos em relação ao todo. Entretanto, algumas figuras só podem ser reconhecidas dentro de um contexto, pois sua estrutura não é gramatical nem semântica, e está relacionada a algo que não é objeto imediato do discurso (ex.: alusão).

Para ser percebida como argumentativa, uma figura não precisa necessariamente desencadear a adesão, basta que o argumento seja identificado, não importando a questão da aceitação ou não da tese: "[...] poursaisirsonaspectargumentatif, ilfautconcevoirlepassage de l'habituel à l'inhabituel et leretour à unhabituel d'unautreordre, celuiproduit par l'argumentationaumomentmêmeoùils'achève".7 7 .Tradução livre: para medir seu aspecto argumentativo, é preciso conceber a passagem do habitual ao inabitual e o retorno a um habitual de outra ordem, aquele produzido pela argumentação no exato momento em que ele se encerra. (Olbrechts-Tyteca e Perelman 2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.: 231) Além disso, a mesma figura não necessariamente produz sempre o mesmo efeito argumentativo, ele será frequentemente variável, segundo o contexto, o gênero discursivo, o emprego etc. De maneira que a análise das figuras aqui proposta, seguindo as ideias de Olbrechts-Tyteca e Perelmane Amossy, está subordinada a uma análise prévia da argumentação.

A narrativa cinematográfica ficcional, como qualquer gênero discursivo, aciona os elementos dóxicos necessários à produção de sentido. Um filme de ficção é marcado pelos lugares comuns, opiniões partilhadas, saberes de crença, estereótipos e figuras que se manifestam por meio do enredo e das personagens. Imagens e representações sociais que circulam no nível situacional são reproduzidas ou adaptadas, reconfiguradas, de maneira que o espectador as reconheça nos cenários, no figurino, no vocabulário empregado, no desenvolvimento da trama, na temporalidade da narrativa. Tais elementos são fundamentais para que o processo de coenunciação se realize e para que a análise das dimensões argumentativas seja possível, como veremos nos próximos itens.

2. O uso do logos no cinema

2.1. O universo discursivo do filme narrativo de ficção

Antes de discutir o logos, é preciso refletir sobre o lugar ocupado pelo gênero em questão, sob a perspectiva de uma análise semiolinguística e argumentativa do discurso: os níveis situacional e discursivo, bem como as dimensões e abordagens envolvidas.

A linguagem cinematográfica funciona por meio da palavra, da imagem, dos sons ou da ausência deles, da montagem, dos efeitos especiais, da estrutura narrativa, do desempenho dos atores, dos cenários, os figurinos, que serão colocados em contato com o público, em geral, por meio da projeção sobre uma grande tela, numa sala escura. O estilo está ligado às diversas decisões estéticas do cineasta quanto ao ritmo da narrativa (que se manifesta nos diálogos e na montagem), à utilização da iluminação e das cores, à seleção dos enquadramentos e movimentos de câmera, à composição da trilha sonora, ao emprego de metáforas e outras figuras na forma textual ou icônica.

Tais escolhas nos interessam para a análise argumentativa porque, embora pareçam, a princípio, de ordem estética, também assumem funções discursivas e persuasivas quando colocadas em ação. A análise do emprego desses instrumentos deve levar em conta o contexto da produção, as etapas da filmagem, da distribuição e da exibição da obra: com que estrutura técnica foi realizado; em que momento histórico e em que sociedade ele foi colocado em contato com o espectador. Apenas a título de exemplo, as estratégias de captação de um filme que segue a lógica comercial da indústria cinematográfica costumam incluir a seleção de atores famosos e queridos pelo público, megaproduções, roteiros baseados em romances de sucesso da literatura, diretores renomados, a intenção de ganhar prêmios em festivais de cinema etc.

Quando um cineasta começa a realizar o filme, além das próprias necessidades de expressão, ele tem em mente um tipo de espectador para o qual se dirige, e faz cada escolha em função desse perfil. Mesmo que essa imagem seja apenas uma projeção e não coincida com o público efetivo, ela determina as decisões da instância de produção. Mas depois do filme terminado, não há mais possibilidade de modificação do discurso durante a interação com o espectador, como acontece nas situações de interação em tempo real (debates, conversas, palanques etc.).

O gênero discursivo em questão - filme narrativo de ficção - está apto a preencher uma série de funções: contar uma história para informar, ensinar, entreter, emocionar, convencer etc. A predominância ou não de uma função sobre a outra dependerá da orientação discursiva do filme e dos resultados que ele alcançará após o contato com o espectador, em função da subjetividade e das disposições deste último no momento da troca comunicativa. Assim, para se acessar o logos, há que se considerar, no filme analisado, o quadro geral da enunciação, as especificidades relativas aos aspectos que acabamos de mencionar e as dimensões argumentativas.

2.2. O logos no discurso fílmico

Quanto à abordagem do logos num filme de ficção, no que tange aos aspectos linguísticos, como acabamos de ver, surgem, além da palavra, os outros elementos que também poderiam se apresentar no nível do raciocínio pelo discurso. Assim, procurar entender a relação entre essa prova retórica e o cinema conduz à elaboração de diversas questões como a existência de argumentação lógica (ou quase lógica) no filme narrativo de ficção e em que nível da instância de produção ela se dá - roteiro, diálogos, imagens, montagem.

Sob a nossa perspectiva da análise argumentativa, é pertinente falar em logos fílmico na medida em que um filme, por meio dos próprios instrumentos de linguagem, dá margem à identificação de teses sobre o mundo e sobre as relações humanas que fazem parte dele. Isso pode acontecer de diversas formas, e uma análise cautelosa permite identificar as técnicas utilizadas nesse sentido, sejam argumentos quase-lógicos, argumentos baseados na estrutura do real, fundadores da estrutura do real ou técnicas de dissociação. Como em todas as provas retóricas, é preciso estudar cada caso individualmente, levando em conta as informações do circuito externo (nível situacional) e os elementos discursivos presentes no circuito interno (nível discursivo) do contrato de comunicação.

Por questões metodológicas, tentaremos entender o logos fílmico a partir da abordagem de duas fontes principais de construção do raciocínio, assim como do funcionamento das ferramentas discursivas aplicadas para apoiá-las. A primeira se insere na estrutura geral da narrativa: a partir da observação do filme como um todo, a ideia é verificar como ela desenvolve raciocínios, se há uso de entimemas e/ou exemplos, bem como de analogias; se existe demonstração de uma moral da história e em que ela se baseia. A segunda se atém ao nível textual e verbal, ou seja, nas falas das personagens e no uso das palavras, frases e termos passíveis de identificação da orientação argumentativa via logos, na forma escrita (sentenças, máximas, expressões ou vocábulos simples) e, especialmente, nas interações entre as personagens:

Digamos de imediato que, se os diálogos não são um meio de expressão específico do cinema, isso não quer dizer que não sejam para ele um meio de expressão essencial [...] a fala, com efeito, é um fator constitutivo da imagem (fator privilegiado, é verdade, pela importância de seu papel significativo) [...] (Martin 1990MARTIN, Marcel. 1990. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense.: 175-176)

Consideramos a construção textual do gênero em questão na primeira etapa de produção: o roteiro, que é constituído por palavras, e consiste na base para que a narrativa ganhe vida. A análise das intenções e dimensões argumentativas de um filme deve levar esse texto em conta. Ele pode conter argumentos na forma de entimemas, exemplos, analogias, definições, figuras que contribuem para a orientação persuasiva.

No entanto, não podemos ignorar por completo os outros elementos discursivos presentes, tais como imagens e sons. É elementar repetir que, no cinema, as palavras estarão sempre acompanhadas das outras técnicas cinematográficas, e que isso necessariamente agrega novos aspectos.

É importante ainda observar que para a verificação das provas retóricas, é fundamental compreender que elas se constroem a partir de um alicerce fundado na doxa, nas representações sociais, nos topoï. Tudo isso pode ser proveitoso para uma análise argumentativa do discurso fílmico, o que nos incentiva a seguir para um breve exercício de aplicação, tendo como objeto o filme O Poderoso Chefão II, de Francis Ford Coppola.

3. Exemplos de construção do raciocínio argumentativo lógico no filme de Coppola

O Poderoso Chefão II foi realizado dois anos depois de O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972O PODEROSO CHEFÃO - The Coppola Restoration (The Godfather). 2008. Direção: Francis Ford Coppola. São Paulo: Paramount Pictures. 4DVDs, widescreen, color., legendado.).O filme encaixa-se no padrão de produção da indústria cinematográfica hollywoodiana, apesar das peculiaridades estilísticas. Foi encomendado pelo grande estúdio Paramount com o objetivo de se recuperar de uma crise econômica e dar continuidade aos lucros de bilheteria obtidos após o enorme sucesso do primeiro, baseado em best-seller homônimo do escritor Mário Puzo, também ítalo-americano e coautor do roteiro nos dois filmes, junto com o diretor Francis Ford Coppola.

Além da origem, os autores compartilhavam, entre outros, dois objetivos que merecem ser destacados: 1) representar uma metáfora crítica do capitalismo norte-americano; 2) construir uma crônica cinematográfica sobre a família ítalo-americana e revelar os hábitos, costumes e crenças dessa comunidade.

A narrativa é construída a partir do cruzamento das biografias dos mafiosos Vito e Michael Corleone, pai e filho numa família ítalo-americana de Nova Iorque (mesmo local em que nasceram e viveram Puzo e Coppola). A história mostra como Vito firmou as bases da família Corleone e dos negócios nos Estados Unidos, e, ao mesmo tempo, retrata a conduta de Michael ao assumir o posto do pai, no final da década de 1950.

Se as duas narrativas forem recuperadas separadamente, percebe-se que elas seguem uma cronologia linear, mas a montagem das sequências intercaladas faz com que a temporalidade do filme se instaure num constante vai-e-vem entre passado e presente da ficção. Se levarmos em conta que essa opção do diretor não foi feita ao acaso, é importante observar com atenção como os enredos foram encaixados e a que tipo de efeitos de raciocínio esse procedimento daria margem, se existiria uma lógica argumentativa por trás dessa construção dramática.

3.1. Logos na estrutura narrativa e na montagem

A cena de abertura do filme mostra Michael na poltrona que era usada pelo pai, sendo reverenciado pelos parceiros que lhe beijam a mão, da mesma maneira como faziam com o primeiro Don Corleone. Imediatamente após essa imagem, as narrativas começam a se entrecruzar: a trajetória de Vito rumo ao poder, à riqueza e à consolidação da família, assim como o desenrolar da gestão de Michael e a sucessão de atos que o levam à decadência e à solidão. Não se pode ter certeza quanto a que tipo de teses a montagem dessas sequências pretenderia afirmar ou defender, a não ser que se encontrem na fala dos próprios autores (o que, ainda assim, não garante certeza). Nosso trabalho consiste em recuperar, no discurso, alguns efeitos prováveis de significação.

No caso da estrutura narrativa de O Poderoso Chefão II construída pelo roteiro e, principalmente via montagem, podemos afirmar que, à medida que o filme se desenvolve, a história de Vito segue na direção do sucesso e da conquista dos objetivos, enquanto a de Michael toma rumos catastróficos. As possibilidades de construção do sentido são proporcionadas pela utilização da montagem paralela, que consiste em intercalar duas ou mais sequências narrativas diferentes, contando mais de uma história ao mesmo tempo. O desenvolvimento simultâneo desses dois enredos pode criar entre eles algum tipo de associação, comparação ou aproximação simbólica.

No filme analisado, esse procedimento permite identificar um recurso à analogia, que consiste em mostrar certa similaridade entre duas estruturas apresentadas. De acordo com Olbrechts-Tyteca e Perelman, a fórmula da analogia determina que A é para B aquilo que C é para D, em que A e B fornecem a base para a conclusão e C e D fornecem a base para o raciocínio. Identificamos, assim, pelo menos duas analogias possíveis:

Vito Corleone é para a primeira geração da família o que Michael se torna para a segunda geração: um homem poderoso, que cuida dos interesses familiares, e que usa o próprio talento estratégico para aumentar esse poder.

Vito negocia com os inimigos e recorre à violência, se necessário, assim como Michael tenta firmar acordos, planejando a morte daqueles que se apresentam como obstáculos.

Ao mesmo tempo, embora pai e filho possuam funções ou papéis análogos, as condutas e estratégias assumidas por eles divergem, e talvez isso tenha determinado dois caminhos inversos - o sucesso de um e a decadência do outro, principalmente no que diz respeito à união familiar. Isso pode ser observado nos efeitos de fusão na montagem do filme. Trata-se de um recurso que permite a mudança gradativa de planos: enquanto o plano anterior se desmancha aos poucos, o plano seguinte forma-se paulatinamente; de modo que, durante esse processo, ambos se misturam na tela, numa justaposição de imagens que agrega valor simbólico. Cabe ao coenunciador estabelecer as analogias, fazer as comparações, identificar os argumentos e formular as próprias deduções, a partir do contato com a estória.

A montagem em fusão nas transições entre as narrativas referentes aos protagonistas possibilita a comparação das trajetórias dos dois "Dons" Corleone, como mencionado acima - enquanto o menino Vito perde a família e se muda para os EUA, o filho de Michael ganha uma enorme festa de primeira comunhão, cenário para as negociatas do pai; enquanto Vito estabelece uma família e um modo de ganhar a vida, Michael procura o homem que o traiu, num processo paranoico de isolamento e implosão dos Corleone; enquanto Vito se transforma no "Padrinho", Michael se vê na berlinda de um inquérito e na iminência de perder a esposa; enquanto Vito se consolida como Don Corleone, Michael luta para se livrar das investigações do Senado, perde definitivamente a esposa e assina a sentença de morte do próprio irmão no velório da mãe. Enquanto Vito vinga a honra dos Andolini, Michael se vê só, numa família desmanchada.

Figura 1
Momentos de transição das narrativas paralelas colocam Michael e Vito Corleone na mesma tela.

Em continuidade à análise, percebemos que a estrutura narrativa do filme também favorece a construção de algumas teses, dentre as quais destacamos:

A busca pelo bem-estar e pela proteção da família justifica qualquer ação.

Cenas que mostram o cuidado de Michael e Vito com os filhos e parentes são recorrentes, inclusive utilizadas também nos já mencionados momentos de transição entre as duas narrativas. Tais imagens podem servir como base para a conclusão de que o bem familiar move as decisões e atitudes dos dois protagonistas. A forma como essa postura dos Corleone é revelada pelo filme possibilita a identificação da técnica argumentativa dos fins e dos meios (baseada na estrutura do real, traduz-se na interação entre os objetivos traçados e os meios colocados em prática para atingi-los):

Les buts se constituent, se précisent et se transforment, au fur et à mesure de l'évolution de la situation dont font partie les moyens disponibles et acceptés; certains moyens peuvent être identifiés à des fins, et peuvent même devenir des fins, en laissant dans l'ombre, dans l'indéterminé, dans le possible, ce à quoi ils pourraient servir.8 8 .Tradução livre: Os objetivos constituem-se, precisam-se e transformam-se, de acordo com a evolução da situação da qual fazem parte os meios disponíveis e aceitos; certos meios podem ser identificados como fins, e podem até se tornar fins, relegando à sombra, ao indeterminado, ao possível, aquilo para que eles poderiam servir. (Olbrechts-Tyteca e Perelman 2008OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.: 369)

Assim, se a priori os Corleone parecem cuidar dos interesses familiares, questões como o poder, o dinheiro e a necessidade de se estabelecer como figura onipotente interferem na configuração dos objetivos e, consequentemente, dos instrumentos usados para atingi-los. Meiose fins tornam-se ambíguos ao longo da narrativa, mas o fato de eles se justificarem mantém-se como um efeito possível do uso do logos entre as dimensões argumentativas do filme.

3.2. Diálogos e argumentos

Sigamos agora para uma análise de diálogos, para a qual selecionamos um trecho da cena do aniversário do judeu Hyman Roth, que, apesar de ser um antigo parceiro dos Corleone, não inspira confiança no novo líder da família ítalo-americana. A comemoração acontece em Havana, na área de lazer de um hotel, onde os chefes da máfia estão reunidos para tratar da instalação de hotéis e cassinos, com o apoio de incentivos fiscais do presidente cubano na época, Fulgêncio Batista. Enquanto o grupo partilha o bolo de aniversário com o desenho do mapa de Cuba, Michael Corleone narra um evento testemunhado a caminho da reunião:

Michael Corleone: Eu vi uma coisa interessante. Um rebelde pego pela polícia militar preferiu explodir uma granada que levava no casaco a ser preso. Ele se matou e levou consigo o capitão da polícia que comandava a operação.

Johnny Ola: Esses rebeldes são todos loucos.

Michael Corleone: Pode ser. Mas eu pensei: os soldados são pagos para lutar, os rebeldes não.

Hyman Roth: E o que isso te diz?

Michael: Que eles podem ganhar.

Hyman Roth: Este país teve rebeldes nos últimos 50 anos. Está no sangue deles, acredite em mim, eu sei. Tenho vindo aqui desde os anos 20. Quando você era bebê, exportávamos o melaço de Havana com os caminhões do seu pai.9 9 .As citações de diálogos que aparecem sem referência neste artigo foram retiradas das legendas em português disponíveis na caixa de DVDs O Poderoso Chefão - The Coppola Restoration, já mencionada na nota 5 e listada entre as Referências bibliográficas.

A primeira técnica argumentativa evidente no diálogo acima é o argumento pelo exemplo. Michael apresenta um fato acontecido, um caso particular (suicídio do rebelde), que o leva a uma dedução também particular (os rebeldes podem conseguir tomar o poder). Para chegar a tal conclusão, ele se apoia:

  • na ligação entre ato e essência - aquilo que é característico e que qualifica algo ou alguém = coragem do rebelde de pôr fim à própria vida para não ser preso;

  • na ligação entre um grupo e seus membros - o homem que se matou faz parte de um grupo de rebeldes cujos integrantes podem ter a mesma disposição para esse tipo de ato;

  • na comparação por oposição - entre os soldados, que são pagos para lutar, e os rebeldes, que não são pagos para lutar.

Um possível raciocínio implícito na afirmação de Michael, com base nessas associações, é que os motivos que impulsionam os revolucionários (ideologia, paixão pela causa, vontade de chegar ao poder) podem ser uma fonte de força mais potente que o salário recebido pelos policiais. Dessa maneira, Don Corleone deduz que os guerrilheiros estão aptos a ganhar e assumir o controle, acabando com o mandato de Batista e levando os projetos do grupo mafioso ao naufrágio.

Vejamos a réplica de Hyman Roth ao raciocínio de Corleone:

Este país teve rebeldes nos últimos 50 anos. Está no sangue deles, acredite em mim, eu sei. Tenho vindo aqui desde os anos 20. Quando você era bebê, exportávamos o melaço de Havana com os caminhões do seu pai.

Roth se apropria das ligações entre o ato e a essência e entre o grupo e seus membros, ao constatar que a rebeldia está no sangue dos guerrilheiros cubanos. Quando afirma que essa é a natureza dos revolucionários, ele também utiliza a ideia de inércia para responder ao argumento de Michael - implicitamente, dá a entender que, se isso não foi suficiente para levá-los ao poder nos últimos cinquenta anos, a situação está segura e não haverá mudança.

Para endossar a réplica, fica clara a maneira como Roth também recorre ao ethos como argumento de autoridade, ao dizer que possui uma experiência de mais de trinta anos em Cuba, e que já trabalhava com o pai de Michael quando este ainda era bebê. A declaração parece ter o objetivo de aumentar a credibilidade de Roth e enfraquecer o raciocínio de Corleone diante do grupo.

Figura 2
Confronto verbal entre Michael e Hyman Roth.

Quanto aos códigos complementares da linguagem cinematográfica, vale observar que Michael é enquadrado em primeiro plano durante a fala, o que potencializa a preocupação da personagem e a seriedade do assunto, além de imergir o espectador nessas sensações. Os cortes para a imagem de Roth atento, em planos também fechados, aproximam o público das possíveis reações do judeu ao discurso de Corleone; dentre elas a desconfiança, a insatisfação e/ou a preparação da réplica apresentada logo em seguida.

O elemento de realidade, ou seja, a inclusão de personalidades e fatores históricos do mundo real na ficção fortalecem a verossimilhança. Isso pode agregar efeitos de persuasão, tanto no que diz respeito à questão da suspensão da descrença para a fruição da narrativa (Coleridge apud Eco 2009ECO, Umberto. 2009. Seis passeios pelo bosque da ficção. São Paulo: Companhia das Letras.: 81) quanto na incorporação de saberes de conhecimento e de crença (doxa) compartilhados, adquiridos e/ou transportados, consciente ou inconscientemente, para o cotidiano do espectador. A propósito destes últimos, detalharemos alguns exemplos no item a seguir.

3.3. Elementos dóxicos em O poderoso chefão II

Para nos referirmos aos elementos dóxicos, é preciso antes observar que o filme foi realizado em 1974, e reconstitui principalmente as segundas metades dos anos 1910 e 1950. Isso significa que, em termos de condições de produção, a doxa será marcada por um olhar dos anos 1970 sobre as décadas anteriores, a partir de pesquisas, arquivos, documentos, fotos, testemunhos da época etc. Ou seja, o interdiscurso ajuda na reconstrução de um tempo passado, mas que necessariamente agregará também aspectos do momento presente da criação. Ainda no que concerne ao espaço dóxico, o resultado final também é influenciado pelas informações do interdiscurso presentes no livro de Mário Puzo, que gerou a adaptação cinematográfica.

Vale reiterar ainda que a apreensão dessa doxa e a construção do sentido resultantes da troca comunicativa dependem fundamentalmente da identidade do espectador. Além das variações de indivíduo para indivíduo, existe a interferência do momento histórico e da sociedade. O contato com o público que assistiu ao filme quando foi lançado, no início dos anos 1970, difere da experiência de espectadores em décadas seguintes. A recepção entre membros de famílias ítalo-americanas não será a mesma que entre famílias de outras origens; ainda assim, não pode ser generalizada para esses grupos somente em função da descendência familiar. Entretanto, repetimos, nosso objetivo não é captar como cada espectador se relaciona com os elementos dóxicos presentes na obra, mas sim verificar alguns desses aspectos no nível discursivo e compreender como a linguagem cinematográfica contribui para a composição dos mesmos.

3.3.1. Família, lugar comum

Uma noção que se destaca ao longo de todo o filme é a de família, evocando lugares comuns e estereótipos dentre os quais analisaremos alguns a partir de agora. Vale a pena recuperar as informações do nível situacional sobre a ligação íntima de Coppola com a família, além da participação efetiva dos parentes dele na produção do filme, que contribuem para aumentar a dimensão familiar: "I'mfascinatedwiththewholeideaof a family. In the things I'm writing that is constant" 10 10 .Tradução livre: Eu sou fascinado por toda essa ideia de família. Nas coisas que estou escrevendo isso é constante. . (Coppola 1975 apud Duncan 2010DUNCAN, Paul (org.). 2010. The Godfather family album - photographs by Steve Schapiro. Taschen: Colônia.: 187)

A primeira cena selecionada acontece durante a festa de primeira comunhão do filho de Michael Corleone. Ele conversa com a irmã Connie na presença do namorado dela, o americano Merle, no mesmo escritório em que recebe os parceiros para as negociações. Ela é viúva (o marido foi morto no final do primeiro filme por ordem de Michael, como punição pela emboscada armada contra o irmão mais velho, Santino/Sonny Corleone), acaba de se divorciar do segundo marido, pretende casar-se novamente e procura o irmão para pedir dinheiro. Michael tenta dissuadi-la com os seguintes argumentos:

Quero ser razoável com você. Então, por que você não fica aqui com a sua família? Você pode morar na nossa propriedade com as crianças. Nada vai te faltar. Você vai ter tudo o que quiser. Eu não conheço esse Merle, não sei o que ele faz da vida, não sei onde ele mora. Quero que você diga a ele que o casamento está fora de questão e que você não quer mais vê-lo. Ele vai entender, acredite em mim. Connie, se você não me escutar, se você se casar com este homem, você vai me decepcionar.

Michael conversa com a irmã num tom paternal, e a própria palavra razoável anuncia o uso do logos. Ele a chama para a coerência necessária ao cumprimento dos papéis familiares, a responsabilidade de ficar com os parentes e com os filhos, em troca do acolhimento material e afetivo. Merle é ignorado na conversa e Don Corleone refere-se a ele como se nem estivesse no escritório; porém, o intima indiretamente a compreender Connie, caso ela "decida" não se casar e acabar com a relação. Ou seja, Michael se impõe perante a irmã como aquele que a sustenta e a protege - logo, com o direito de determinar o que ela deve fazer. Ele também apela para o pathos, entre outros momentos, ao usar chantagem emocional para tentar provocar na irmã o medo de decepcionar e de ficar desamparada.

Quanto à linguagem cinematográfica, a interpretação dos dois atores deixa clara a relação pai/filha que ultrapassa a verdadeira ligação entre os dois irmãos: Michael anda de um lado para o outro, segura o rosto de Connie pelo queixo, e os olhares de ambos colocam o espectador diante de um aparente pai preocupado que dá um sermão na filha pelo mau comportamento. Os enquadramentos reforçam a performance dos atores: Al Pacino, sempre de pé, é filmado sutilmente de baixo para cima, em contra-plongée, plano conhecido por transmitir a impressão de superioridade, exaltação e triunfo. Já Talia Shire, sentada e recolhida, é enquadrada num leve plongée, de cima para baixo, ângulo que geralmente dá ideia de rebaixamento, esmagamento moral.

Figura 3
Michael e Connie Corleone.

Percebemos aí o emprego do topos da quantidade (quem tem mais, manda), pois, parece subentendido na cena que, se Michael é o detentor e administrador dos recursos da família, isso lhe permite ditar as regras. O topos da essência também se evidencia (indivíduos que representam uma essência devem ser mais valorizados), pois Michael encarna a função do patriarca, o que pressupõe alguma autoridade sobre os parentes. Acompanhados dos estereótipos do chefe de família, provedor e protetor, assim como da mulher fragilizada e submetida às regras e aos preconceitos de uma sociedade machista, tais lugares comuns podem ser facilmente reconhecidos por indivíduos que fazem parte de coletividades patriarcais ocidentais.

Além disso, na religião católica, o padrinho (como é conhecido Don Corleone) é aquele que tem como função educar o afilhado e cuidar dele. Nas palavras do consigliere Tom Hagen: "Italians have a little joke, that the world is so hard a man must have two fathers to look after him, and that's why they have Godfathers"11 11 .Tradução livre: Italianos têm uma pequena piada, de que o mundo é tão duro que um homem precisa ter dois pais para tomar conta dele, e é por isso que eles têm padrinhos. . (Hagen 1972 apud Duncan 2010DUNCAN, Paul (org.). 2010. The Godfather family album - photographs by Steve Schapiro. Taschen: Colônia.: 88) Tudo isso indica uma certa mistura entre papéis familiares e poder, que, no filme, acaba se estendendo do núcleo dos Corleone para a máfia ítalo-americana.

3.3.2. Figuras do discurso em O poderoso chefão II: a metáfora do capitalismo

Embora seja possível recuperar uma série de figuras de retórica em O Poderoso Chefão II, nossa análise se restringirá à metáfora, por duas razões particulares: trata-se da figura do discurso considerada de maior importância, como observam (Charaudeau e Maingueneau, 2004______ & MAINGUENEAU, Dominique. 2004. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto.); além disso, Coppola sintetiza a saga da família Corleone como uma metáfora do capitalismo norte-americano, como já foi dito.

Olbrechts-Tyteca e Perelman definem a metáfora como um processo de transporte de significação de uma palavra, em virtude da comparação que se deseja fazer. Seria uma espécie de analogia condensada, resultante da fusão de um elemento do tema com um elemento da phore, ou seja, do que estaria, de certa forma, fora do contexto, em que a situação se encarrega de indicar qual elemento seria o quê. Um dos objetos de comparação para a produção da metáfora do capitalismo no filme aparece na cena da chegada de Vito Andolini à América. A primeira visão do solo norte-americano pelos imigrantes da Itália é a imagem da Estátua da Liberdade, em Nova Yorque, marco do centenário da independência dos Estados Unidos no final do século XIX.

Tal sequência começa com uma fusão do plano em que Vito foge da cidade de Corleone escondido na carga de um burro, com um plano geral em travelling, no qual a imagem da estátua surge imponente no horizonte, por trás de grandes embarcações, em câmera subjetiva a mostrar o que os tripulantes de um barco estão vendo. Um plano geral de uma multidão de italianos que se aproximam apressados da proa do barco é intercalado com travellings em primeiro plano de Vito e dos outros imigrantes que admiram a estátua. Entre eles muitas crianças, o que remete à ideia de esperança e confiança no futuro, associadas ao "sonho americano" da prosperidade adquirida com esforço, diretamente ligado à política capitalista norte-americana. A noção é reforçada pessoalmente para Vito, quando o garoto é colocado em quarentena na Ilha Ellis e, ao entrar no quarto, observa a estátua pela janela.

Figura 4
Estátua da Liberdade: o sonho americano.

Quando sabemos que a narrativa de Vito mostra exatamente a trajetória de busca pela estabilidade (e consequente aquisição) pela instituição familiar e pela imagem de homem poderoso e bem sucedido, torna-se factível a analogia entre a perseguição do sonho americano capitalista pelo siciliano e a instauração da Máfia nos Estados Unidos. Em entrevista à revista Playboy em 1975 (apud Duncan 2010DUNCAN, Paul (org.). 2010. The Godfather family album - photographs by Steve Schapiro. Taschen: Colônia.), o cineasta afirma que, apesar da origem siciliana, a Máfia só poderia ter se tornado o que se tornou em solo americano, justamente devido ao capitalismo.

Isso também fica evidente na já referida sequência do aniversário de Hyman Roth, no hotel. Antes de proferir o discurso, ele pede que o garçom mostre o bolo para todos os presentes, e a imagem confeitada é um desenho da ilha de Cuba. Em seguida, ao mesmo tempo em que os pedaços são cortados e distribuídos a todos, Roth anuncia como será feita a divisão do poderio dos mafiosos sobre os hotéis e cassinos de Havana. Em seguida, anuncia: Quero que todos aproveitem o bolo. Aproveitem!, num ato de celebração da parceria e da divisão dos lucros da ilha.

Figura 5
Mafiosos dividem o bolo cubano.

Seria possível prosseguir com mais uma série de metáforas e outras figuras que resumem a grande metáfora do capitalismo norte-americano proposta por Coppola. Mas os exemplos apresentados acima já são suficientes para que se possa indagar possíveis efeitos de sentido dessa metáfora. Consideraremos o impacto persuasivo dessa figura, de acordo com o Dicionário de Análise do Discurso (Charaudeau e Maingueneau 2004______ & MAINGUENEAU, Dominique. 2004. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto.: 330), como recurso de imposição sutil de opiniões por meio da transferência analógica de valores em que "[...] quanto mais a metáfora se apoia em um acordo preliminar e mais ela parece ser óbvia, mais seus efeitos manipuladores são importantes".

Diante do que foi exposto no que concerne ao quadro do contrato comunicacional de O Poderoso Chefão II, a metáfora de Coppola consistiria numa crítica ao capitalismo norte-americano, na medida em que a conduta escusa da máfia é punida em momentos importantes, entre eles:

  • Na revolução popular cubana, em que o presidente que apoia os EUA e ajuda os gângsteres a ampliar os poderes sobre a ilha é forçado a renunciar, lançando por terra os projetos de lucros dos mafiosos. Durante a cena da festa de ano novo, em que os guerrilheiros tomam o poder, a destruição das máquinas de caça-níqueis é simbólica na oposição do povo ao domínio norte-americano e mafioso.

  • Principalmente na pessoa de Michael Corleone que, de acordo com o cineasta, começou como a América, um filho da Europa, crédulo num ideal humanista (herói da Segunda Guerra Mundial), mas que acaba por se tornar mafioso, mentir e sujar as mãos de sangue para conseguir o que quer. E, embora tenha vencido os inimigos, fica sozinho, miserável, tendo destruído a própria família. A narrativa de Vito Corleone pode ser vista como endosso à hipótese do mal para justificar o bem que, todavia, acaba mal. Michael dava continuidade aos feitos do pai que, por mais que tenham sido bem sucedidos em determinados instantes, também eram acompanhados de atrocidade e trouxeram derramamento de sangue, vingança, traições e sofrimento, como mostrado no primeiro filme da trilogia.

Para Coppola, tratava-se de um alerta: "I thought it was healthy to make this horror-story statement - as a warning, if you like - but, as a nation, we don't have to go down that same road, and I don't think we will"12 12 .Tradução livre: Eu pensei que seria saudável fazer esta declaração de história de horror - como um aviso, se você quiser entender assim - mas, como nação, não temos que ir por esse mesmo caminho, e eu não acho que vamos. . (Coppola 1975, apud Duncan 2010DUNCAN, Paul (org.). 2010. The Godfather family album - photographs by Steve Schapiro. Taschen: Colônia.: 310) Se esse aviso atinge a instância de recepção ou não, seja na época da estreia, anos depois ou atualmente, quase quatro décadas após a finalização do filme, depende do lugar ocupado pelo Sujeito Interpretante.

Considerações finais

As inúmeras possibilidades de efeitos de sentido vão além do logos, podendo adquirir os mais diversos revestimentos, os quais nem mesmo um trabalho minucioso de pesquisa e análise consegue abarcar integralmente. Para cada cena, diálogo, frase, luz, imagem, enquadramento, há nuances que ultrapassam aquelas que tentamos desvendar. Dessa forma, em momentos em que nos referíamos ao logos, havia também traços do ethos, do pathos. Isso revela o quanto as provas retóricas estão interligadas, adquirem intensidades e formatos diferentes, porém, instaurados na reciprocidade.

O discurso é o resultado de um conjunto de fatores, e a sua separação em categorias é uma necessidade metodológica para o auxílio da análise. Na verdade, todavia, elas estão juntas, misturam-se, fundem-se e se confundem, tornando esse processo ainda mais misterioso. Isso apenas reforça a necessidade e a importância de tentar percorrer as reentrâncias do discurso (neste caso, o discurso inerente ao filme narrativo de ficção) e, assim, abrir janelas para a compreensão dos indivíduos, das razões e dos argumentos, daquilo que os move, das coletividades.

Referências bibliográficas

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  • CHARAUDEAU, Patrick. 1983. Langage et Discours. Paris: Hachette.
  • ______. 2001. Uma Teoria dos Sujeitos da Linguagem. In: MARI, Hugo; MACHADO, Ida Lucia; MELLO, Renato (orgs.). Análise do Discurso: Fundamentos e Práticas. Belo Horizonte: NAD/FALE/UFMG. p. 23-38.
  • ______ & MAINGUENEAU, Dominique. 2004. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto.
  • DUNCAN, Paul (org.). 2010. The Godfather family album - photographs by Steve Schapiro. Taschen: Colônia.
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  • MAINGUENEAU, Dominique. 1998. Termos-Chave da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG.
  • MARTIN, Marcel. 1990. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense.
  • MENEZES, William Augusto. 2004. Discurso e virtude. In: Evento, jogo e virtude nas eleições para a presidência do Brasil - 1994 e 1998. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte.
  • O PODEROSO CHEFÃO - The Coppola Restoration (The Godfather). 2008. Direção: Francis Ford Coppola. São Paulo: Paramount Pictures. 4DVDs, widescreen, color., legendado.
  • OLBRECHTS-TYTECA, Lucie & PERELMAN, Chaïm. 2008. Traité de l'argumentation - la nouvelle rhétorique. 6 ed. Bruxelas: Editions de l'Université de Bruxelles.
  • 13
    *. Pós-doutorado no Laboratoire Communication et Politique do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) - Paris, França (2012-2014), como pesquisadora bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Mestre (2006) e Doutora (2011) em Linguística do Texto e do Discurso pela Faculdade de Letras da UFMG, com estágio doutoral de um ano na França (2008-2009 - bolsista da Capes ligada ao Centre d'Analyse du Discours da Université Paris 13).
  • 1
    .Artigo produzido a partir de resultados obtidos com minha tese de doutorado intitulada Dimensões argumentativas do discurso fílmico: projeções retóricas na tela do cinema, defendida no dia 19 de agosto de 2011 na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Orientador: Prof. Dr. Renato de Mello.
  • 2
    .Tradução livre: seu objetivo principal consiste em analisar as modalidades segundo as quais esses raciocínios são empregados no discurso, a fim de agir sobre o alocutário. Eles funcionam no interior de uma comunicação verbal, onde se aliam a vários fatores discursivos e interacionais para adquirir seu poder persuasivo.
  • 3
    .Tradução livre: ... organiza o que está disponível dentro de sua competência, de acordo com as liberdades e as limitações relacionais das quais ele dispõe, e tem um desejo de sucesso sobre o impacto desse ato, a garantia de que o sujeito interpretante (Tui) se identificará completamente com o destinatário (Tud).
  • 4
    .Tradução livre: Premissas de ordem geral que permitem fundar os valores e as hierarquias.
  • 5
    .Tradução livre: Se a argumentação implica uma intencionalidade e uma programação, essas são tributárias de um conjunto dóxico que condiciona o locutor, e do qual ele está, frequentemente, longe de ter uma consciência clara. [...] O locutor que se engaja numa troca para apresentar seu ponto de vista é pego num espaço dóxico que determina a situação de discurso na qual ele argumenta, modelando sua fala até o fundo de sua intencionalidade e de sua programação.
  • 6
    .Tradução livre: em que e como o emprego de determinadas figuras se explica pelas necessidades da argumentação.
  • 7
    .Tradução livre: para medir seu aspecto argumentativo, é preciso conceber a passagem do habitual ao inabitual e o retorno a um habitual de outra ordem, aquele produzido pela argumentação no exato momento em que ele se encerra.
  • 8
    .Tradução livre: Os objetivos constituem-se, precisam-se e transformam-se, de acordo com a evolução da situação da qual fazem parte os meios disponíveis e aceitos; certos meios podem ser identificados como fins, e podem até se tornar fins, relegando à sombra, ao indeterminado, ao possível, aquilo para que eles poderiam servir.
  • 9
    .As citações de diálogos que aparecem sem referência neste artigo foram retiradas das legendas em português disponíveis na caixa de DVDs O Poderoso Chefão - The Coppola Restoration, já mencionada na nota 5 e listada entre as Referências bibliográficas.
  • 10
    .Tradução livre: Eu sou fascinado por toda essa ideia de família. Nas coisas que estou escrevendo isso é constante.
  • 11
    .Tradução livre: Italianos têm uma pequena piada, de que o mundo é tão duro que um homem precisa ter dois pais para tomar conta dele, e é por isso que eles têm padrinhos.
  • 12
    .Tradução livre: Eu pensei que seria saudável fazer esta declaração de história de horror - como um aviso, se você quiser entender assim - mas, como nação, não temos que ir por esse mesmo caminho, e eu não acho que vamos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    Abr 2013
  • Aceito
    Jun 2014
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