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Pensando com Marilda Cavalcanti: Reinvenção da linguística aplicada, grupos minoritarizados e complexidade sociolinguística

Thinking with Marilda Cavalcanti: Reinvention of applied linguistics, minoritized groups and sociolinguistic complexity

RESUMO

Este texto apresenta o número especial de DELTA “Pensando com Marilda Cavalcanti: Reinvenção da linguística aplicada, grupos minoritarizados e complexidade sociolinguística”. Em particular, o texto revisita a produção acadêmica e política de Marilda Cavalcanti, docente e pesquisadora que, ao longo de sua carreira no Departamento de Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas, colaborativamente participou da produção de conceitos (e.g., educação linguística ampliada, Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ), metáforas (e.g., “línguas como caleidoscópios de recursos”, César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. ; Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge. ), campos de pesquisa (e.g., educação indígena, práticas de linguagem em cenários sociolinguisticamente complexos) e instituições (e.g., a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB), o Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp), os quais, historicamente, ajudaram a firmar o campo aplicado como área vibrante e promissora de produção de conhecimento sobre a linguagem em sociedade. Além desse panorama histórico, o texto detalha as contribuições ao número especial: dezesseis artigos de pesquisa que não apenas homenageiam o trabalho de Marilda Cavalcanti, mas também ajudam a ampliar o seu legado.

Palavras-chave:
Marilda Cavalcanti; linguística aplicada; ALAB; grupos minoritarizados; complexidade sociolinguística.

ABSTRACT

This text presents the special issue of DELTA entitled “Thinking with Marilda Cavalcanti: Reinvention of applied linguistics, minoritized groups and sociolinguistic complexity”. In particular, it revisits the academic and political production of Marilda Cavalcanti, a professor and researcher who over the course of her career in the Department of Applied Linguistics at the State University of Campinas collaboratively participated in producing concepts (e.g., extended language education, Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ), metaphors (e.g., “languages as kaleidoscopes of resources”, César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. ; Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge. ), fields of research (e.g., indigenous education, language practices in sociolinguistically complex settings), and institutions (e.g., the Brazilian Association of Applied Linguistics (ALAB), the Department of Applied Linguistics at the Institute of Language Studies (IEL) at Unicamp) that have historically been central to consolidating applied linguistics as a vibrant and promising area of knowledge production about language in society in Brazil. In addition to this historical overview, the text details the contributions to the special issue: sixteen research articles that do not just pay homage to Marilda Cavalcanti’s work, but also help expand on her legacy.

Keywords:
Marilda Cavalcanti; applied linguistics; ALAB; minoritized groups; sociolinguistic complexity.

1. (Re)inventando espaços e tempos para conhecer de outro modo

Diante deste número temático, leitoras e leitores de DELTA poderiam se perguntar: por que mais um volume em homenagem à carreira de uma pessoa? Por que não priorizar um tema ou problema de linguagem? Uma razão possível para essa objeção potencial seria a crítica com a qual convivemos, tanto dentro quanto fora da universidade, de que a academia seria uma espécie de estrutura social dinástica. Aristóteles, que foi discípulo de Platão, que foi discípulo de Sócrates - eis um exemplo clássico de uma linhagem de pensamento acadêmico que é também uma espécie de sucessão por parentesco.

Ao passo que reconhecemos a força da tradição não apenas na universidade, mas nas instituições de forma mais ampla, gostaríamos de oferecer aqui um fundamento diferente para esta homenagem a Marilda Cavalcanti, uma pesquisadora cujo esforço intelectual e político ajudou a construir uma área de produção do conhecimento no Brasil - o campo transdisciplinar (ou indisciplinar, nos termos de Moita Lopes, 2006Moita-Lopes, L. P. (Ed.) (2006). Por uma linguística aplicada indisciplinar . Parábola.) da linguística aplicada. Embasamos o fundamento para o esforço que culminou neste número especial, em que diversas vozes dialogam com o trabalho de Marilda Cavalcanti, nas palavras de uma outra figura pioneira do campo aplicado dos estudos da linguagem, Jan Blommaert. Em entrevista ao canal da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (doravante, ALAB), Blommaert respondeu a uma pergunta de Daniel Silva sobre seu engajamento com o pensamento de Michael Silverstein e outras/os pesquisadoras/es do seguinte modo:

(...) me deixe só falar algo sobre o prefácio de sua pergunta. Você apontou para o meu engajamento com o trabalho de outras pesquisadoras. Acredito que devemos ser honestos quanto a isso. Serei muito breve. Nós estamos nos ombros dos outros. E sempre que acreditamos que nós como indivíduos alcançamos algo em research (pesquisa) é porque nós re-searched (buscamos de novo), we searched again (buscamos mais uma vez). Buscamos “de novo” algo que outras pessoas já pesquisaram com profundidade. Precisamos ser mais honestos quanto a isso, sobre o que eu ou outras pessoas acreditamos ser a nossa própria conquista. Essa conquista está de fato emergindo exclusivamente por meio de um engajamento profundo com as ideias de outros - com o trabalho e o pensamento de outros. Como indexicalidade no caso de Michael (Silverstein). Você apontou que ele se baseou no trabalho de Charles S. Peirce e outras pessoas. E aí, você sabe, a influência se expande num campo aberto. Várias outras pessoas, incluindo você mesmo, começam a escrever sobre o tema. E aí o conceito adquire muitos novos significados e formações, como uma ferramenta de pesquisa (Blommaert, 2020Blommaert, J. (2020). Daniel N. Silva entrevista Jan Blommaert. Canal ALAB. https://www.youtube.com/watch?v=LPwxX6fDgh0&t=423s (accessed October 16, 2022).
https://www.youtube.com/watch?v=LPwxX6fD...
).

Jan Blommaert - um sociolinguista e linguista aplicado que, nas próprias palavras de Marilda (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. , p. 214-215), sempre foi explícito quanto à necessidade de “um novo vocabulário” e “novas metáforas” nos estudos da linguagem para explicarmos as transformações pelas quais a vida social vem passando - aponta, na entrevista acima, que nosso novo vocabulário e nossas novas métaforas são, antes de tudo, um buscar de novo, um ato de re-search, pesquisar as palavras de outros. Note-se que, conforme o autor sugere na própria entrevista, é esse buscar de novo - esse modo (a metáfora parece incômoda!) de se posicionar “no ombro dos outros” - que permite o aparecimento do novo: “E aí, você sabe, a influência se expande num campo aberto. Várias outras pessoas, incluindo você mesmo, começam a escrever sobre o tema. E aí o conceito adquire muitos novos significados e formações, como uma ferramenta de pesquisa” (grifos nossos).

Nesse sentido, os artigos reunidos neste número especial de DELTA revisitam a densa produção acadêmica de Marilda Cavalcanti com o intuito de realizar esse movimento simultâneo de repetição e diferença - esse buscar de novo até que o campo aberto se expanda e o novo significado emerja. Não foram poucas as metáforas (e.g., “línguas como caleidoscópios de recursos”, César & Cavalcanti, 2007César, A. L. S., & Cavalcanti, M. C. (2007). Do singular para o multifacetado: o conceito de língua como caleidoscópio. In M. C. Cavalcanti & S. M. Bortoni-Ricardo (Eds.), Transculturalidade, linguagem e educação (pp. 45-66), Mercado de Letras. ; Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge. ), os conceitos (e.g., educação linguística ampliada, Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ), os campos de pesquisa (e.g., educação indígena, práticas de linguagem em cenários sociolinguisticamente complexos) e as instituições (e.g., a Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB), o Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp) que Marilda ajudou a consolidar - um feixe de possibilidades, espaços institucionais e redes de interlocução que, no todo, têm permitido que a linguística aplicada no Brasil se projete como campo vibrante de produção do conhecimento.

Antes de delinearmos o movimento que cada artigo deste número temático faz ao buscar de novo o pensamento de Marilda Cavalcanti, cremos ser importante trazer uma breve visão panorâmica de sua intensa produção intelectual.

2. Reajustando o foco: das estratégias cognitivas da leitura à educação indígena

Marilda Cavalcanti é, no Brasil e no exterior, reconhecida por sua produção intelectual no campo da linguística aplicada e por sua atuação política na luta pela própria existência desse campo no Brasil. Por exemplo, o artigo pioneiro “A propósito de linguística aplicada” (Cavalcanti, 1986Cavalcanti, M. C. (1986). A propósito de linguística aplicada. Trabalhos em Linguística Aplicada, 7(2): 5-12.), que a autora publica nos primeiros anos de atuação na Unicamp, foi crucial não apenas para explicar a um público mais amplo “o que é linguística aplicada”, mas também como parte de uma luta coletiva e política pela existência, na Unicamp, de um Departamento de Linguística Aplicada - talvez o único no Brasil com essa denominação. Marilda também foi uma das sócias-fundadoras da Associação de Linguística Aplicada do Brasil (ALAB) e a sua primeira presidente.

Gostaríamos de chamar atenção inicialmente para a plasticidade do trabalho de Marilda Cavalcanti em sua carreira como pesquisadora e professora. Por exemplo, no fim da década de 1970, quando a linguística aplicada emergia no Brasil depois da fundação do primeiro programa de pós-graduação da área na PUC-SP (i.e., o LAEL, onde Marilda cursou seu mestrado), Marilda segue para a Inglaterra e escreve, na Universidade de Lancaster, uma tese sobre interação em leitura, que ela defende em 1983. Seguindo ao seu retorno ao Brasil, ela começa a lecionar no Departamento de Linguística Aplicada da Unicamp e vai plasticamente reajustando o foco de sua pesquisa da leitura em língua estrangeira para a educação em um cenário sociolinguisticamente complexo que foi apresentado à Angela Kleiman e a ela no fim da década de 1980: um curso de formação de professores indígenas Guarani na periferia de São Paulo. Terezinha Maher, Jackeline Mendes e América César, em artigo para este número especial, detalham esse projeto de formação de professores indígenas, que coincide com a implantação da pesquisa aplicada em linguagem em comunidades indígenas na Unicamp:

a inserção da temática indígena no DLA se deu a partir da implantação, no final dos anos 1980, de um projeto de formação de professores indígenas Guarani residentes na Aldeia da Barragem, localizada no bairro de Parelheiros da cidade de São Paulo. Esse projeto, coordenado por Marilda Cavalcanti e Angela Kleiman, e do qual participaram as mestrandas do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada (PPG-LA) do IEL, à época, Terezinha Maher e Jackeline Mendes, representava um desafio que trazia consigo inquietude, mas que era, ao mesmo tempo, muito estimulante. Na raiz desse desafio residia o fato de que as integrantes da equipe, embora fossem bastante experientes no que tange a processos de formação de professores não indígenas, desconheciam as complexas particularidades que envolviam a educação de docentes bilíngues que se orientavam por matrizes culturais tão distintas delas próprias, como era o caso dos professores Guarani.

Findo o projeto com esses professores, Marilda Cavalcanti tomou para si a tarefa de orientar pós-graduandas do PPG-LA que se propunham a investir seus esforços acadêmicos e políticos em outros contextos indígenas em diferentes estados da Federação, inicialmente, no Acre e em Mato Grosso, e, posteriormente, na Bahia, em Roraima e em Minas Gerais (Maher, Mendes & César, 2022Maher, T., Mendes, J., & César, A. (2022). Produções acadêmicas sobre a Educação Escolar Indígena: um tributo a Marilda Cavalcanti. DELTA , 38(4): 1-22. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259451.
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, p. 4-5).

Como se observa no excerto acima, tanto as professoras Cavalcanti e Kleiman, quanto as então mestrandas Maher e Mendes, “embora (...) bastante experientes no que tange a processos de formação de professores não indígenas, desconheciam as complexas particularidades que envolviam a educação de docentes bilíngues que se orientavam por matrizes culturais tão distintas delas próprias”. Esse desafio prático fez as pesquisadoras-formadoras reorientarem seu conhecimento. Em sua etnografia sobre as estratégias mobilizadas pelos indígenas Suvavou nas Ilhas Fiji para reivindicar suas terras ancestrais, o antropólogo Hirokazu Miyazaki (2004Miyazaki, H. (2004). The method of hope: Anthropology, philosophy, and Fijian knowledge. Stanford University Press. , p. 5) argumenta que “a esperança serve como um método de reorientação radical do conhecimento”. Em linha com abordagens pragmáticas ao afeto da esperança - que entendem a esperança como “método” ou “prática” em vez de mero “otimismo” ou “espera” - Miyazaki entende que a esperança significa justamente reorientar o conhecimento e os recursos semióticos de que se dispõe ou que se pode alcançar (ver, também, Bloch, 1986Bloch, E. (1986). The principle of hope. MIT Press.; Bonnin, 2021Bonnin, J. E. (2021). Discourse analysis for social change: voice, agency and hope. International Journal of the Sociology of Language, 267-268, 69-84; Borba, 2019Borba, R. (2019a). Injurious signs: The geopolitics of hate and hope in the linguistic landscape of a political crisis. In A. Peck, C. Stroud, Q. Williams (Eds.), Making Sense of People and Place in Linguistic Landscapes (pp. 161-181). Bloomsbury.; Facina, Silva & Lopes, 2019Facina, A., Silva, D., & Lopes, A. C. (2019). Sobrevivência, linguagem e diferença: política no tempo do agora. In A. C. Lopes, A. Facina & D. Silva (Eds.), Nó em pingo d’água: sobrevivência, cultura e linguagem (pp. 15-30). Mórula.; Khalil, Silva & Lee, 2022Khalil, S., Silva, D. N., & Lee, J. W. (2022). Languaging Hope: The transgressive temporality of Marielle Franco in Brazil. In S. Makoni, A. Kaiper-Marquez & L. Mokwena (Eds.), The Routledge Handbook of Language and the Global South/s (pp. 19-29). Routledge.; Moita Lopes, 2022Moita Lopes, L. P. (2022) “Quem matou Diego?”: projeções escalares em paisagens semióticas onlineOffline. DELTA , 38(4): 202259477.; Silva & Lee, 2021Silva, D. N., & Lee, J. (2021). “Marielle, presente”: Metaleptic temporality and the enregisterment of hope in Rio de Janeiro. Journal of Sociolinguistics , 25(2), 179-97 https://doi.org/10.1111/josl.12450.
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). Entendemos essa reorientação inicial do foco da pesquisa de Marilda Cavalcanti - das estratégias de compreensão leitora à educação bilíngue de indígenas e outros sujeitos em cenários sociolinguisticamente complexos - como uma prática de esperança, isto é, como atividade flexível, ajustada à “educação do entorno” (Maher, 2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In Kleiman, A. & Cavalcanti, M. C. (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras.) e à escuta das demandas de grupos minoritarizados.

Em um dos tantos textos emblemáticos de sua vasta produção, Cavalcanti (1996Cavalcanti, M. C. (1996). Collusion, Resistance, and Reflexivity: Indigenous Teacher Education in Brazil. Linguistics and Education, 8, 175-188.) reflete sobre a dificuldade em “reajustar o foco” diante das demandas que as comunidades por nós estudadas nos apresentam. Abordando o curso de formação de professores indígenas que Maher, Mendes & César (2022Maher, T., Mendes, J., & César, A. (2022). Produções acadêmicas sobre a Educação Escolar Indígena: um tributo a Marilda Cavalcanti. DELTA , 38(4): 1-22. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259451.
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) detalham neste volume, Cavalcanti tematiza que, aos poucos, complexidades na interação intercultural com os indígenas Guarani (por exemplo, o silêncio comparativamente maior dos indígenas em relação a outros grupos para quem as pesquisadoras haviam lecionado), as levaram a perceber que os indígenas tinham interesses que não coincidiam com a agenda de formação de professores que Cavalcanti e suas orientandas haviam projetado. O excerto a seguir - citado também por Silva (2022Silva, D. (2022a). No movimento do caleidoscópio: Escalas sociolinguísticas e o ajuste de foco na pesquisa aplicada em linguagem. DELTA , 38(4), 202259475. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259475.
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a) neste número em sua discussão sobre o trabalho de Cavalcanti - é ilustrativo do aprendizado intercultural que levou Cavalcanti e suas orientandas a reverem suas aspirações e foco de trabalho:

Quando tentamos trazer essa questão de volta [i.e., o interesse dos indígenas não na formação dos professores e sim no aprendizado de um outro registro do português], os jovens guaranis foram evasivos. Eles disseram que poderiam se tornar professores um dia e terminaram a discussão. Então decidimos que deveríamos focar em desenvolver sua proficiência em português padrão e abandonar o projeto de formação de professores. Olhando em retrospectiva, é hoje para nós claro que a comunidade estava investindo em sua educação (ao se liberar de outros compromissos). Um ou dois deles poderiam se tornar professores, mas esse papel era visto como secundário em relação ao papel a ser desempenhado por líderes, que poderiam estabelecer elos com a sociedade dominante (Cavalcanti, 1996Cavalcanti, M. C. (1996). Collusion, Resistance, and Reflexivity: Indigenous Teacher Education in Brazil. Linguistics and Education, 8, 175-188., p. 186)3 3 As traduções dos excertos escritos originalmente em língua estrangeira foram realizadas por nós. .

Identificamos nesse excerto da obra de Cavalcanti, bem como em sua carreira de forma mais ampla, uma relação bastante plástica, flexível e aberta à diferença. Não eram os aprendizes indígenas que deviam ajustar suas disposições corpóreas e intelectuais ao saber que a educadora branca tinha a oferecer. Ao contrário, foi a própria Cavalcanti que teve de rever suas aspirações originais e “radicalmente reorientar o conhecimento” diante de um outro que, como lembram Maher, Mendes & César (2022Maher, T., Mendes, J., & César, A. (2022). Produções acadêmicas sobre a Educação Escolar Indígena: um tributo a Marilda Cavalcanti. DELTA , 38(4): 1-22. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259451.
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) neste número, juridicamente conquistava, pós-promulgação da constituição de 1988, o direito a um estatuto jurídico e educacional dentro dos marcos de sua própria cultura e não mais no marco da “assimilação” - característica marcante da catequese e tutela por que passaram essas comunidades no violento processo colonial.

3. Desconstruindo o monolinguismo brasileiro e a pesquisa essencialista em linguagem4 4 Esta seção retoma a discussão sobre o trabalho de Cavalcanti presente em Silva & Lopes (2019).

Marilda foi pioneira não apenas na pesquisa aplicada em comunidades indígenas no Brasil, mas também na educação bi- e multilíngue (bem como na educação bidialetal, sobretudo em sua interação com Stella Maris Bortoni-Ricardo, que tematiza sobre esse diálogo em artigo neste número). Um artigo importante sobre essa faceta de seu trabalho (que inclusive detalha o trabalho de muitas das orientandas que desenvolveram trabalho no campo do bi- e multilinguismo no Brasil) é “Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil”, publicado em um número especial de DELTA que se propunha a mapear diversas áreas de investigação em linguagem no Brasil (ver Cavalcanti, 1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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). Nesse artigo, além de resenhar os trabalhos de então sobre cenários de educação bi- e multilíngue (muitos dos quais pesquisados por suas orientandas), Marilda oferecia uma importante descrição do cenário multilíngue do país - descrição que seria atualizada em 2018, com o livro Multilingual Brazil: Language Ideologies, Identities and Ideologies in a Globalized World, editado por Marilda e Terezinha Maher para a Routledge (ver Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge. ). No artigo de 1999, Marilda sugere que a invisibilização do multilinguismo no Brasil - com a exceção do “bilinguismo de elite”, i.e., o bilinguismo que envolve línguas de prestígio - está associado à ideologia linguística (Silverstein, 1979Silverstein, M. (1979). Language structure and linguistic ideology. In P.R. Clyne, W.F. Hanks, & C.L. Hofbauer (Eds.), The elements: A parasession on linguistic units and levels (pp. 193-247). Chicago Linguistic Society. ) de que o Brasil seria um país monolíngue.

Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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, p. 388) reconhece que essa ideologia não é exclusiva do Brasil: “Não é somente no Brasil que essa imagem de cenário monolíngue predomina. Mesmo se tendo a informação de que o bilinguismo está presente em praticamente cada país do mundo (...), é o monolinguismo que representa a norma, é o monolinguismo que é a base para os estudos linguísticos.” Citando S. Romaine, Cavalcanti complementa que, na verdade, “o monolinguismo [é que] deveria ser tratado como caso especial, como desvio da norma, e o bilinguismo deveria representar a norma [uma vez que há] cerca de trinta vezes mais línguas do que há países. Isso implica a presença do bilinguismo em praticamente todos os países do mundo” (p. 388).

Dito de outro modo, ainda que as comunidades indígenas, surdas e de imigrantes utilizem cerca de 200 línguas diferentes no Brasil e mesmo que haja muito mais línguas que países no mundo, curiosamente o monolinguismo é naturalizado como o “padrão” das interações, como “régua” com a qual se medem cenários sociolinguisticamente complexos, no Brasil e além dele (ver Dovchin, Pennycook & Sultana, 2018Dovchin, S., Pennycook, A., & Sultana, S. (2018). Popular Culture, Transglossic Practices and Pedagogy. Palgrave Macmillan.; Dryden & Dovchin, 2021Dryden, S., & Dovchin, S. (2021). Accentism: English LX users of migrant background in Australia. Journal of Multilingual and Multicultural Development, 1-13.; Gramling, 2016Gramling, D. (2016). The invention of monolingualism. Bloomsbury. ; Lee, 2017Lee, J. W. (2017). The politics of translingualism: After Englishes. Routledge.; Lee & Lee, 2021Lee, C., & Lee, J. W. (2021). Show me the monolingualism: Korean hip-hop and the discourse of difference. Inter-Asia Cultural Studies, 22(1), 1-15.). Atenta às conotações políticas dessa invisibilidade, Cavalcanti explica ainda que os contextos bilíngues de minorias (como os indígenas, de imigrantes, de comunidades de fronteira e surdos) convivem paralelamente com línguas ou variedades “estigmatizadas”. Tais contextos multilíngues minoritários envolvem sempre, em alguma medida, “alguma variedade de baixo prestígio do português ou de outra língua lado a lado com a variedade de português convencionada como padrão” (Cavalcanti, 1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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, p. 388).

Como Michael Silverstein (1996Silverstein, M. (1996). Monoglot ‘standard’ in America: Standardization and metaphors of linguistic hegemony. In D. Brenneis, R. Macaulay (Eds.), The matrix of language (pp. 284-306). Westview.) sugeria três anos antes de Marilda, é possível depreender que, em países multilíngues, mas projetados como monolíngues, como os Estados Unidos e Brasil, o que se convencionou chamar de padrão está, frequentemente, associado a uma imaginação de país monolíngue - e, portanto, tido como uniforme. Silverstein (1996Silverstein, M. (1996). Monoglot ‘standard’ in America: Standardization and metaphors of linguistic hegemony. In D. Brenneis, R. Macaulay (Eds.), The matrix of language (pp. 284-306). Westview.) sugere a expressão “cultura do Padrão monoglota” como rótulo para um conjunto de racionalizações e justificações que invisibilizam ou situam como inferior a diversidade (dos grupos minoritários) e ao mesmo tempo elegem a “língua padrão” como métrica e parâmetro da (suposta) uniformidade cultural de nações como Estados Unidos e Brasil.

Neste número, os textos de Bortoni-Ricardo (2022Bortoni-Ricardo, S. M. (2022). Análise linguística do Português Brasileiro por meio de quatro contínuos: Encontrando o trabalho de Marilda Cavalcanti. DELTA, 38(4), 202259478. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259478.
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), Lopes (2022Lopes, A. C. (2022). Como são ouvidos os nossos pretos-velhos? Ideologias linguísticas, racismo e resistência em falas de terreiros. DELTA, 38(4), 202259475. ) e Jung & Garcez (2022) expandem o trabalho pioneiro de Cavalcanti sobre a diversidade linguística no Brasil no que diz respeito ao conflito entre dialetos e à economia política de forma mais ampla. Além desses textos, os demais artigos do dossiê, diferentemente, demonstram problemas na cultura do Padrão monoglota. Por exemplo, Bortoni-Ricardo (2022Bortoni-Ricardo, S. M. (2022). Análise linguística do Português Brasileiro por meio de quatro contínuos: Encontrando o trabalho de Marilda Cavalcanti. DELTA, 38(4), 202259478. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259478.
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) revisita sua abordagem da variação linguística e do bidialetalismo com base em sua reconhecida abordagem de continua (ver Bortoni-Ricardo, 2021Bortoni-Ricardo, S. M. (2021). Português brasileiro, a língua que falamos. Editora Contexto. ). Lopes (2022Lopes, A. C. (2022). Como são ouvidos os nossos pretos-velhos? Ideologias linguísticas, racismo e resistência em falas de terreiros. DELTA, 38(4), 202259475. ) avança para uma discussão da variedade falada pelos pretos-velhos em terreiros como estigmatizada em função do pertencimento racial dessas entidades da Umbanda. Ao passo que entidades de origem africana são desprestigiadas em cultos espirituais, outras de origem europeia são respeitadas, como Dr. Fritz e Irmã Sheilla, espíritos que são muitas vezes incorporados em centros kardecistas. Jung & Garcez (2022) avançam essa mirada racial - interseccionada com gênero, classe social e região - no conjunto de dados que os dois vêm investigando, sequencialmente, em uma comunidade escolar e em uma festa religiosa no interior do Paraná. Esses são apenas três exemplos de desdobramentos do caminho pioneiro aberto por Marilda em relação à diversidade e ao multilinguismo no Brasil.

4. Grupos minoritarizados e reinvenção da Linguística Aplicada

O Brasil é conhecido mundialmente como país desigual. Sétimo país mais populoso do mundo, ele tem também a maior população negra no contexto da diáspora africana. 56.1% dos brasileiros se autodeclaram como negros (i.e., pretos e pardos). No entanto, esse grupo majoritário da população é, como diria Marilda Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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), minoritarizado do ponto de vista político: a desigualdade racial é marca fundante do Brasil, o país que teve o mais longo período de escravidão durante o colonialismo português - e também o país para onde mais vieram escravizados. Embora a economia do Brasil tenha nas últimas décadas figurado, com oscilações, entre as dez maiores do mundo, o Brasil tem uma das economias mais desiguais do planeta (Garmany & Pereira, 2021Garmany, J., & Pereira, A. W. (2018). Understanding Contemporary Brazil. Routledge.). O World Inequality Report of 2018, um estudo liderado por Thomas Piketty e outros economistas, apontou que o Brasil naquele ano despontou como “o país democrático com a maior concentração de renda no 1% superior da pirâmide” (Canzian, Mena & Almeida, 2019Canzian, Fernando, Fernanda Mena, & Lalo Almeida. (2019). Brazil’s super-rich lead global income concentration. Folha de S. Paulo. August 19, 2019. https://temas.folha.uol.com.br/global-inequality/brazil/brazils-super-rich-lead-global-income-concentration.shtml.
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). Além disso, esse cenário de desigualdades econômicas é hierarquizado em dimensões cruzadas de raça, gênero e região. Diante desse quadro brutal, a linguística aplicada não tem ficado inerte. E Marilda Cavalcanti é certamente uma figura icônica na produção de teorias e métodos para observar a produção da desigualdade e produzir encaminhamentos na forma de conhecimento relevante para o trabalho com as minorias.

Grande parte do esforço acadêmico de Marilda Cavalcanti esteve centrado no que ela chamou de “olhar metateórico e metametodológico” para as pesquisas do campo aplicado (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ). Ressalte-se que o texto de onde extraímos a expressão “olhar metateórico e metametodológico” é dedicado a refletir sobre o trabalho de longo prazo da autora com indígenas - uma das populações mais minoritarizadas do Brasil. Assim, embora muitas vezes a epistemologia das áreas do conhecimento tenha origem em gabinetes da academia dissociados da prática, o olhar que Marilda propõe em Cavalcanti (2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ) se origina do compromisso com a formação de professores indígenas, isto é, com o campo. A pesquisa etnográfica - seja com interlocutores indígenas (Cavalcanti, 1996Cavalcanti, M. C. (1996). Collusion, Resistance, and Reflexivity: Indigenous Teacher Education in Brazil. Linguistics and Education, 8, 175-188., 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ), seja com interlocutores não indígenas (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ) - tem sido central no trabalho de Marilda. É significativo que ela reconheça seus interlocutores no campo como sujeitos que produzem conhecimento “em andamento” (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. , p. 245). No caso dos professores indígenas, por exemplo, a agenda de formação que Marilda e as outras formadoras levaram para o campo poderia, em algum momento, coincidir com a luta das comunidades indígenas de “autodeterminação e (...) desenvolvimento autossustentado” (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. , p. 247). Mas a temporalidade fundamental era aquela que interessava aos indígenas, o que implicou, em diversas dimensões, o ajuste de foco da pesquisa, conforme discutido na seção 2.

Em entrevista a Thayse Guimarães e Paula Szundy por ocasião dos 30 anos da ALAB, Marilda comentou sobre outros importantes textos de reflexão epistêmica em sua carreira (ver Guimarães & Szundy, 2020Guimarães, T., & Szundi, P. T. C. (2020). 30 anos da ALAB: desafios, rupturas e possibilidades de pesquisa em Linguística Aplicada­ [Entrevista com Marilda do Couto Cavalcanti] Raído, 14(36), 465-471. ­https://doi.org/10.30612/raido.v14i36.13241.
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). Em relação à consolidação da linguística aplicada como área de pesquisa no Brasil, Marilda cita, além de contribuições com as de Paschoal & Celani (1992Paschoal, M. S. Z., & Celani, M. A. A. (Eds.). (1992). Lingüística aplicada: da aplicação da lingüística à lingüística transdisciplinar. EDUC, Editora da PUC-SP.) e Moita Lopes (2006Moita-Lopes, L. P. (Ed.) (2006). Por uma linguística aplicada indisciplinar . Parábola.), as coletâneas que ela coeditou com Inês Signorini (Signorini & Cavalcanti, 1998Signorini, I., & Cavalcanti, M. (Eds.). (1998). Linguística Aplicada e transdisciplinaridade: Questões e perspectivas. Mercado de Letras.) e Angela Kleiman (Kleiman & Cavalcanti, 2007Kleiman, A., & Cavalcanti, M. C. (Eds.) (2007). Linguística Aplicada: suas faces e interfaces. Mercado de Letras.), que apontaram para a visada transdisciplinar e colaborativa da linguística aplicada. Marilda cita ainda dois textos que ela redigiu sobre o lugar da linguística aplicada na América Latina: o artigo “Applied Linguistics: Brazilian Perspectives” para a AILA Review (Cavalcanti, 2004Cavalcanti, M. C. (2004). Applied Linguistics: Brazilian Perspectives. AILA Review, 17, 23-30. ) e o verbete de enciclopédia “Applied Linguistics in South America” para a Encyclopedia of Language and Linguistics (Cavalcanti, 2005Cavalcanti, M. C. (2005). Applied Linguistics in South America. In K. Brown. (Ed.), Encyclopedia of Language and Linguistics (pp. 370-375). Elsevier. ). Marilda aborda nesses textos o parco diálogo à época entre pesquisadores do Brasil e dos demais países latino-americanos, sugerindo que “a Linguística Aplicada está na sombra, ou seja, não tem visibilidade na América do Sul” (Guimarães & Szundy, 2020Guimarães, T., & Szundi, P. T. C. (2020). 30 anos da ALAB: desafios, rupturas e possibilidades de pesquisa em Linguística Aplicada­ [Entrevista com Marilda do Couto Cavalcanti] Raído, 14(36), 465-471. ­https://doi.org/10.30612/raido.v14i36.13241.
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, p. 468). Embora fatores como distância geográfica e de repertórios linguísticos certamente participem do relativo insulamento do Brasil em relação à América Latina (não apenas no campo da LA), Marilda aponta na entrevista que “resquícios de uma memória histórica de um olhar colonialista que busca modelos acadêmicos nos Estados Unidos e na Europa, tanto por parte do Brasil como dos países de língua espanhola” (p. 468) é um fator adicional nesse sentido - e que certamente estaria na base da “concorrência entre as línguas portuguesa e espanhola e não pela convergência de intercompreensão entre as línguas” na produção de conhecimento (p. 468). Não obstante as limitações, Marilda aponta na entrevista algumas iniciativas que tentam fazer frente a esse insulamento, como a inclusão por Paula Szundy de uma comissão para integrar pesquisadores da América Latina e sul global no congresso mundial da AILA em 2017, realizado no Rio de Janeiro, e o esforço de integração promovido por Antonieta Celani, Maria Cecília Magalhães, Fernanda Liberali e Telma Gimenez no Congresso Latino-Americano de Formação de Professores de Línguas (CLAFPL). As tentativas de colaboração e integração de pesquisadores da América Latina no campo aplicado vão, obviamente, além dessas iniciativas, e nós gostaríamos de citar como exemplo adicional do diálogo latino-americano a participação colaborativa de Virginia Zavala (da Pontificia Universidad Católica del Perú) e Pedro Garcez (UFGRS) na editoria do Journal of Sociolinguistics.

Fundamentalmente, Marilda Cavalcanti orientou sua carreira de forma a incluir os grupos minoritários (ou as maiorias minoritarizadas) na agenda de pesquisa. Um exemplo desse trabalho mais recente com minorias é a pesquisa com imigrantes haitianos realizada em colaboração com Ana Cecília Cossi Bizon. Intitulado “Migrantes e língua(gens) da/na globalização contemporânea: Minorias nos (des)focos da mídia digital e impressa”, o projeto que Marilda realiza investiga o apagamento como estratégia semiótica de invisibilização dos imigrantes haitianos no Brasil e busca situar a trajetória desses sujeitos - que representa 10% dos fluxos recentes de imigrantes no Brasil - no contexto mais amplo de midiatização dessas identidades. Alguns artigos que resultam desse projeto são “O pós-ápice da migração haitiana no país em notícia recortada em portal de notícias: algumas notas sobre escolhas epistemológicas” (Cavalcanti, 2019Cavalcanti, M. C. (2019). O pós-ápice da migração haitiana no país em notícia recortada em portal de notícias: algumas notas sobre escolhas epistemológicas. DELTA, 35, 1-22.), em que a autora toma a migração haitiana como “epítome do movimento acelerado de mudança na paisagem espaço temporal (e linguístico-comunicativa) no país” (p. 1), e “Threads of a hashtag: Entextualization of resistance in the face of political and sanitary challenges in Brazil”, no qual Marilda e Ana Cecília analisam a viagem textual do tropo “acabou, Bolsonaro”, enunciado por um imigrante haitiano a Jair Bolsonaro de forma a confrontar o presidente diante da tragédia sanitária que se abateu ao país (Cavalcanti & Bizon, 2020Cavalcanti, M. C., & Bizon, A. C. (2020). Threads of a hashtag: Entextualization of resistance in the face of political and sanitary challenges in Brazil. Trabalhos em Linguística Aplicada, 59(3), 1966-1994.). A hashtag #acaboubolsonaro rapidamente se tornou “viral” e atingiu diversos espaço-tempos, de forma multi- e translíngue - o que aponta para a força digital da resistência “fractal” (Irvine & Gal, 2000Irvine, J. T., & Gal, S. (2000). Language ideology and linguistic differentiation. In P. Kroskrity (Org.), Regimes of language: Ideologies, polities, and identities (pp. 35-84). School of American Research Press. ) ao populismo reacionário de Bolsonaro. Nesse projeto recente, Marilda, em colaboração com Ana Cecilia, cruza duas emergências: a situação premente dessa minoria, epítome da precarização do refúgio e de grande parte dos sujeitos que migram contemporaneamente, com as semioses produzidas em contextos sociolinguisticamente complexos, cada vez mais situados no nexo online-offline (Blommaert, 2019Blommaert, J. (2019). Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump’s viral errors. Tilburg Paper in Culture Studies, 234. https://pure.uvt.nl/ws/portalfiles/portal/48995544/TPCS_234_Blommaert.pdf.
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). Esses trabalhos também contribuem para os esforços contemporâneos na linguística aplicada de entender as transformações nos cenários políticos das democracias, em especial dada a influência da digitalização na formação de novos afetos reacionários (ver, por exemplo, Blommaert, 2019Blommaert, J. (2019). Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump’s viral errors. Tilburg Paper in Culture Studies, 234. https://pure.uvt.nl/ws/portalfiles/portal/48995544/TPCS_234_Blommaert.pdf.
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; Borba, 2019Borba, R. (2019a). Injurious signs: The geopolitics of hate and hope in the linguistic landscape of a political crisis. In A. Peck, C. Stroud, Q. Williams (Eds.), Making Sense of People and Place in Linguistic Landscapes (pp. 161-181). Bloomsbury.a, 2019bBorba, R. (2019b). Gendered politics of enmity: language ideologies and social polarisation in Brazil. Gender & Language, 13(4), 423-448.; Cesarino, 2020Cesarino, L. (2020). How social media affords populist politics: remarks on liminality based on the Brazilian case. Trabalhos em Linguística Aplicada, 59(1), 404-427., 2022Cesarino, L. (2022). O mundo do avesso: Verdade e política na era digital. Ubu Editora. ; Maly, 2020Maly, I. (2020). Algorithmic populism and the datafication and gamification of the people by Flemish Interest in Belgium. Trabalhos em Linguística Aplicada , 59(1), 444-468.; Moita-Lopes & Pinto, 2020Moita-Lopes, L. P., & Pinto, J. P. (2020). Colocando em perspectiva as práticas discursivas de resistência em nossas democracias contemporâneas: uma introdução. Trabalhos em Linguística Aplicada , 59(3), 1590-1612.; Silva, 2020Silva, D. (2020a). Digital and semiotic mechanisms of contemporary populisms (Part 1) - A presentation. Trabalhos em Linguística Aplicada , 59(1), 386-389. http://dx.doi.org/10.1590/01031813686241220200410.
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a, 2020bSilva, D. N. (2020b). The pragmatics of chaos: parsing Bolsonaro’s undemocratic Language. Trabalhos em Linguística Aplicada, 59(1), 507-537., 2020cSilva, D. N. (2020c). Enregistering the Nation: Bolsonaro’s Populist Branding of Brazil. In by I. Theodoropoulou, J. Woydack (Eds.), Research Companion to Language and Country Branding (pp. 21-49). Routledge.).

Dada essa rápida pincelada numa carreira que está longe de ser resumida pelo que escrevemos acima, gostaríamos, mais uma vez, de enfatizar que Marilda Cavalcanti é uma intelectual cuja produção tem sido fundamental para o fortalecimento da linguística aplicada como campo transdisciplinar de conhecimento. Em seu trabalho de formação de pesquisadoras, nos diálogos que produziu, nas inovações que projetou e nos tensionamentos que enfrentou, Marilda foi, sem dúvida, uma pessoa que ajudou a firmar esse campo no Brasil como área promissora de conhecimento. A seguir, fazemos um breve resumo dos artigos que compõem este número especial de DELTA, que celebra a vida e o trabalho de Marilda Cavalcanti.

5. Por uma linguística aplicada das minorias: os artigos do número especial

O artigo que abre este número especial da DELTA em homenagem a Marilda, “Becoming and being an applied linguist: Celebrating the seminal work of Marilda Cavalcanti”, é de autoria de Kanavillil Rajagopalan, companheiro acadêmico de Marilda no IEL e seu amigo de longa data. Amparando-se na bibliografia construída ao longo da profícua carreira da pesquisadora e, especialmente, na entrevista concedida por ela a Szundy e Guimarães (2020Guimarães, T., & Szundi, P. T. C. (2020). 30 anos da ALAB: desafios, rupturas e possibilidades de pesquisa em Linguística Aplicada­ [Entrevista com Marilda do Couto Cavalcanti] Raído, 14(36), 465-471. ­https://doi.org/10.30612/raido.v14i36.13241.
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), Rajagopalan rememora a luta política e acadêmica de Marilda para o estabelecimento, no Brasil, da linguística aplicada como área de conhecimento, pesquisa e ensino. Nesse relato, ressalta-se o pioneiro trabalho da pesquisadora para a afirmação da linguística aplicada como um campo teórico transdisciplinar, não submetido à linguística, e comprometido com a vida social e suas emergências. Tendo como pano de fundo esse histórico, o autor discute implicações políticas do trabalho realizado sob a denominação de pesquisa aplicada, cujo reconhecimento ainda encontra resistência em núcleos acadêmicos do Norte Global.

Terezinha Machado Maher, Jackeline Rodrigues Mendes e América Lúcia César são autoras do artigo “Produções acadêmicas sobre a Educação Escolar Indígena: um tributo a Marilda Cavalcanti”. O artigo oferece a visão privilegiada de pesquisadoras atuantes no campo da Educação Escolar Indígena (EEI) no Brasil, um campo do qual Marilda foi pioneira. As autoras do artigo são também ex-orientandas de Marilda no Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do IEL e participantes de seu Grupo de Pesquisa “Vozes na Escola” (1999-2019). Maher, Mendes e César oferecem um panorama vivaz das pesquisas de Marilda, que ajudaram a inscrever e consolidar a EEI como objeto de estudo da/na linguística aplicada. Inicialmente, as autoras destacam as políticas públicas e os cursos voltados à formação de professores e pesquisadores indígenas, os quais sempre estiveram presentes no trabalho de Marilda, quer como parte do desenho metodológico, quer como contribuições de suas pesquisas. O texto segue com a apresentação de reconceitualizações que emergiram no conjunto das pesquisas do Grupo “Vozes na Escola” - especialmente acerca das noções de interculturalidade e de identidade étnica e linguística -, e que passaram a ser referência nos estudos de EEI. As autoras ainda expressam sua preocupação diante dos potenciais retrocessos decorrentes do atual gerenciamento, em diferentes escalas, das políticas públicas destinadas aos povos indígenas. Essa preocupação não apenas reafirma o quão sensível é o contexto em foco, mas também atualiza a premência de uma pesquisa aplicada (no sentido de crítica e implicada) às lutas sociais dos sujeitos no campo.

O artigo intitulado “Etnografia da linguagem no contexto sociolinguisticamente complexo de uma comunidade no Oeste do Paraná: de volta para o futuro de uma linguística aplicada interseccional”, é assinado por Neiva Maria Jung e Pedro de Moraes Garcez. Os autores focalizam efeitos da racialização - na interseção com gênero, classe social e região -, em práticas de linguagem em circulação em uma tradicional festa alemã de um município paranaense. Orientados por problematizações de Cavalcanti sobre cenários sociolinguisticamente complexos e por reflexões acerca de linguagem e economia política (Heller, 2002Heller, M. (2002). Globalization, the new economy and the commodification of language and identity. Journal of Sociolinguistics, 7(4), 473-492., 2005Heller, M. (2005). Language, skill and authenticity in the globalized new economy. Revista de Sociolingüística, 2, 1-7., 2010Heller, M. (2010). The commodification of language. Annual Review of Anthropology, 39(1), 101-114.; Heller & Duchêne, 2012Heller, M., & Duchêne, A. (2012). Pride and profit: Changing discourses of language, capital and nation-state. In A. Duchêne & M. Heller (Orgs.), Language in late capitalism: pride and profit (pp. 1-21). Routledge. , 2016Heller, M., & Duchêne, A. (2016). Treating language as an economic resource: Discourse, data and debate. In N. Coupland (Org.), Sociolinguistics: Theoretical debates (pp. 139-156). Cambridge University Press. https://dx.doi.org/10.1590/1678-460X202259477.
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), Jung & Garcez discutem como práticas de mercantilização da linguagem são transformadas como recursos para a promoção da Deutsches Fest, a qual celebra o deslocamento migratório dos descendentes de alemães do Rio Grande do Sul para o Oeste do Paraná, e a autenticidade de certa “identidade alemã”. A linguagem, ao agregar valor a produtos culturais resgatados e “vendidos” na festa, também funciona, segundo os pesquisadores, como amparo para a afirmação dessa identidade racializada. Trata-se de um processo que indicia não apenas o lucro, mas a mudança de valoração de práticas identitárias, que passam de estigmatizadas (o “colono envergonhado” de seus modos e falares) para práticas que projetam traços da branquitude dessa população (o “orgulho de ser do local”). Nessa discussão, os autores lançam luz sobre os efeitos da lógica dicotômica que subjaz à realização da festa, evidenciando como a iconização do repertório linguístico e das práticas culturais dos “colonos/colonizadores” alemães apaga outras presenças, como a dos descendentes das populações indígena e mestiça que já habitavam o local e a dos não descendentes de alemães que ocuparam parte do município como posseiros.

Ana Cecília Cossi Bizon e Bruna Elisa Frazatto apresentam o trabalho “Sewing narratives: engaging in lessons toward an other internationalisation”, no qual discutem sentidos do processo de internacionalização do ensino superior, que se encontra fortemente atravessado pela dinâmica da globalização neoliberal. Para tanto, são consideradas narrativas de estudantes internacionais, em uma universidade pública brasileira, advindos de países periféricos ou de alguma forma atrelados a contextos minoritarizados, e que também são alunos de cursos de Português como Língua Adicional na instituição. Os participantes da pesquisa são jovens da República Democrática do Congo, conveniados do Programa Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G), e uma estudante japonesa vinculada a um acordo de mobilidade assinado entre a universidade em foco e a instituição da estudante. Mais especificamente, as autoras problematizam os efeitos de políticas educacionais e linguísticas - ou a ausência delas - que tendem a apagar a presença e os direitos desses estudantes, restringindo suas experiên­cias de reterritorialização significativa. A partir de uma perspectiva poscolonial apre(e)ndida, em grande parte, por meio das teorizações de Cavalcanti e inspiradas pela discussão de Milton Santos (2017Santos, M. (2017). Toward an Other Globalization: From the Single Thought to Universal Conscience. Translated and Edited by Lucas Melgaço & Tim Clarke. Springer. ) em torno da necessidade de se buscar “uma outra globalização”, Bizon e Frazatto advogam a favor do que chamam de “uma outra internacionalização”: um processo de cooperação acadêmico-educacional que tem, dentre seus compromissos, a resistência ao assimilacionismo, reconhecendo como possibilidades de um currículo transcultural e plurilíngue as diferentes línguas, identidades e os conhecimentos trazidos pelos estudantes internacionais e também (co)construídos na experiência de mobilidade.

O ponto de partida do artigo de Maria Gorete Neto, “A Década Internacional das Línguas Indígenas e as línguas em uso pelos povos indígenas brasileiros: contribuições da Linguística Aplicada”, é a proclamação, pela UNESCO, do decênio 2022-2032 como a Década Internacional das Línguas Indígenas. Trata-se de uma política que tem como objetivo alertar para o processo de perda das línguas indígenas e para a necessidade de políticas de proteção, revitalização e promoção dessas línguas. Como parte de um Plano de Ação Global de cooperação internacional para promover a Década, a UNESCO criou Grupos de Trabalho, com representantes indígenas e não indígenas de diferentes partes do mundo, sendo um deles o GT América Latina e Caribe, cujo trabalho finca-se no lema “Nada sobre nós sem nós”, e tem a professora Dra. Altaci Correa Rubim, indígena do povo Kokama, como única participante brasileira. Em sua discussão, Neto focaliza alguns dos principais desafios impostos aos representantes do GT América Latina e Caribe, destacando seu agenciamento de resistência a práticas e políticas que, em diferentes escalas, até mesmo no âmbito da própria ação da UNESCO, insistem em operar sob a ótica eurocêntrica e nacionalista de língua, amplamente problematizada por Cavalcanti (1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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, 2000Cavalcanti, M. C. (2000). Entre escolas da floresta e escolas da cidade: olhares sobre alguns contextos escolares indígenas de formação de professores. Trabalhos em Linguística Aplicada, 36, 101-119., 2004Cavalcanti, M. C. (2004). Applied Linguistics: Brazilian Perspectives. AILA Review, 17, 23-30. , 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ). Fazem parte desses desafios, por exemplo, a conscientização para a inclusão das línguas indígenas e/ou a tradução simultânea nas reuniões do GT, realizadas majoritariamente em línguas majoritárias (inglês, francês e espanhol), de modo a torná-las efetivamente acessíveis aos membros indígenas. Considerando tal cenário, Neto apresenta contribuições da linguística aplicada para a pesquisa e o estudo das línguas faladas pelos povos indígenas que podem alicerçar as políticas propostas pela Década/UNESCO. Dentre as contribuições estão a necessidade de as vozes dos indígenas serem ouvidas, considerando-se suas próprias pesquisas, alicerçadas em epistemes e metodologias próprias, bem como o fortalecimento da concepção de línguas em uso, de forma a contemplar as diferentes e complexas realidades sociolinguísticas dos povos indígenas brasileiros.

Em “Revisitando as políticas linguísticas educacionais em Moçambique: O caso da educação bilingue”, a pesquisadora moçambicana Samima Patel nos oferece um elucidativo histórico das políticas de educação bilíngue implementadas em Moçambique a partir dos anos 1990. A autora descreve seu diálogo - inicialmente como orientanda e em seguida como coautora - com Marilda Cavalcanti, que também esteve em Moçambique, no Instituto Nacional do Desenvolvimento da Educação de Moçambique, por ocasião dos estudos para a implementação da primeira experiência de educação bilíngue no país. Alicerçada em uma perspectiva epistêmica do sul, tal política, que teve início com apenas duas línguas, uma do sul do país e outra do centro, de um total de quase 20 línguas moçambicanas, atualmente contempla 19 línguas no ensino primário e duas modalidades de ensino, a monolíngue e a bilíngue. Patel aponta, contudo, que avanços nas leis não são garantia de sua efetivação. No ensino primário bilíngue, por exemplo, estão matriculadas apenas 10% das crianças, de um total de 7 milhões, o que indicia a manutenção da perspectiva voltada ao desenvolvimento do monolinguismo português na educação, ignorando a diversidade linguística e cultural que caracteriza o país. Reafirmando lições de Cavalcanti (2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ), a autora discute a importância da realização de pesquisas de dentro, com participação ativa dos membros da própria comunidade, com epistemes e metodologias apropriadas ao contexto local, como forma de subsidiar uma perspectiva emancipatória capaz de fazer frente ao monolinguismo ocidental.

Wilma Favorito e Ivani Rodrigues Silva são autoras do texto “A busca, o encontro, o caleidoscópio: Novas perspectivas para uma educação linguística ampliada para surdos. Favorito e Silva revisitam suas trajetórias como professoras e pesquisadoras do campo da educação bi/multilíngue de surdos, ao mesmo tempo em que traçam um panorama das contribuições de Marilda Cavalcanti para o campo, enfatizando discussões e conceitos centrais para a compreensão de contextos sociolinguisticamente complexos constituídos por minorias linguísticas ou minoritarizadas. Conforme apontam as autoras, em “Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil”, artigo seminal publicado em número especial de DELTA em 1999, Cavalcanti já incluía o contexto de educação de surdos como parte de cenários bi/multilíngues de minorias linguísticas, o que consiste em um gesto de reconhecimento do estatuto linguístico da Libras e de visibilização do potencial de pesquisas sobre bilinguismos nesse cenário. Ao longo do panorama das produções de Cavalcanti até os dias de hoje, Favorito e Silva dão especial destaque para as reflexões da pesquisadora sobre a perspectiva caleidoscópica de língua, e para a proposição de uma “educação linguística ampliada” com base na intercompreensão e nos estudos de translinguagem para a formação de professores. Vistas historicamente, as reflexões sobre a educação linguística ampliada no contexto das políticas e práticas comunicativas envolvendo a surdez têm exercido papel significativo na orientação de pesquisas, políticas e práticas educacionais que, sob um aporte teórico pós-estruturalista e pós-colonial, buscam propor uma educação de surdos efetivamente bi/multi/translíngue, com o reconhecimento linguístico não apenas da Libras, mas de outras variedades de línguas de sinais.

Aryane S. Nogueira assina o artigo “O (in)esperado na descrição e compreensão da complexidade sociolinguística de práticas translíngues de alunos surdos”. A autora reforça o registro de pesquisas sobre a surdez - como temos afirmado, campo em que Marilda teve atuação pioneira, inclusive pela orientação de Aryane Nogueira e outras pesquisadoras, neste número especial e além dele. Aryane Nogueira, inclusive, cita alguns trabalhos relevantes desenvolvidos por pesquisadoras formadas por Marilda nesse campo. Em seu artigo, a autora mais especificamente realiza a análise de um evento comunicativo translíngue e multimodal em que alunas surdas participantes de um curso de português, um youtuber surdo, a professora ouvinte e outros participantes interagem de forma diversa e multiescalar. A autora dedica sua atenção ao uso não esperado de um recurso no evento em questão: as estudantes surdas resolvem fazer uma pergunta ao youtuber, também surdo, em português em vez de libras. Ecoando traços de uma ideologia “um povo-uma língua”, a pergunta ouvinte faz o questionamento: “Se a Libras é a língua deles, por que eles vão fazer em português?”. Aryane Nogueira, em vez de rotular a priori a pergunta da professora como essencialista, realiza um exercício etnográfico de recorrer aos seus registros de campo, à análise e descrição detalhadas da interação multimodal entre os participantes e à literatura interacional e sociolinguística de forma a fazer sentido dos diversos elementos contextuais e centros de normatividade orientando as ações dos participantes. A autora aponta para um conflito de escalas: ao passo que a professora invoca uma escala ou dimensão da ação discursiva comum em alguns movimentos minoritários de “compartimentar” seus recursos comunicativos na forma de uma língua com fronteiras definidas, sem hibridismos com a língua majoritária do território (ver Bonnin & Unamuno, 2021Bonnin, J.E., & Unamuno, V. (2021). Debating translanguaging. A contribution from the perspective of minority language speakers. Language, Culture and Society, 3(2), 231-254. https://doi.org/10.1075/lcs.20016.bon.
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; Charalambous et al., 2020Charalambous, C., Charalambous, P., Zembylas, M., & Theodorou, E. (2020). Translanguaging, (In)Security and Social Justice Education. In J. Panagiotopoulou, L. Rosen & J. Strzykala (Eds.), Inclusion, Education and Translanguaging (pp. 105-126). Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-658-28128-1_7.
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; Kroskrity, 2000Kroskrity, P.V. (2000). Language ideologies in the expression and representation of Arizona Tewa identity. In P. V. Kroskrity (Ed.), Regimes of language: Ideologies, polities, and identities (pp. 329-359). SAR Press. https://sarweb.org/wp-content/uploads/2017/07/sar_press_regimes_language_chapter9.pdf.
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), as alunas surdas parecem invocar ideologias linguísticas de hibridismo, talvez contextualmente orientadas a um próprio entendimento metapragmático do youtuber surdo de que os surdos não são “mudos” porque têm voz. A autora conclui de sua densa análise contextual que “o (in)esperado, ao ser explicado, evidenciou-se como uma importante peça a compor a descrição e construção de entendimentos mais abrangentes sobre as formas reais de funcionamento da língua(gem) em sala de aula com surdos, com implicações para a pesquisa da surdez afiliada ao campo aplicado de estudos da linguagem e para a formação de professores”.

O artigo de Matilde V. R. Scaramucci e Leandro Rodrigues Alves Diniz, cujo título é “Avaliação de proficiência em português em processos de naturalização no Brasil, apresenta uma discussão urgente no contexto de migrações internacionais: o uso de exames de proficiência em processos de naturalização. Os autores focalizam, em especial, o caso brasileiro, em que, desde 2018, o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) vem sendo utilizado para fins de naturalização, o que é avaliado como um equívoco que dificulta o processo de naturalização ordinária. Para a discussão que promovem, Scaramucci e Diniz oferecem inicialmente ao leitor um abrangente e documentado panorama dos aspectos envolvidos nos debates sobre a exigência de comprovação de proficiência em contextos de migrações internacionais e sobre características dos testes utilizados em alguns países. Também abordam tópicos da legislação brasileira a partir dos quais é avaliada a adequação de instrumentos adotados no Brasil para a comprovação de proficiência como um dos requisitos para a naturalização, levando-se em consideração especificidades do construto teórico do exame Celpe-Bras. Na última parte do texto, os autores advogam pela implantação de uma política linguística e pública em nível nacional, que abarque o desenvolvimento de um teste específico para o requisito de naturalização a ser implementado de forma integrada a um curso de Português como Língua de Acolhimento. Um teste que não apenas se ampare em aspectos de validade, confiabilidade e praticidade para esse contexto, mas que, apoiado em uma perspectiva de educação linguística ampliada (Cavalcanti, 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ), seja desenhado com base em uma análise de necessidades do público-alvo (Silva, 2019Silva, A. L. B. C. (2019). O inglês necessário aos pilotos da “Esquadrilha da Fumaça”: quão específica pode ser a língua para fins específicos? Estudos Linguísticos, 48(1), 118-139. https://doi.org/10.21165/el.v48i1.2131.
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) e contribua para a politização dos candidatos e a promoção da pluralidade cultural e linguística, ao mesmo tempo em que garanta o direito à aprendizagem da língua oficial brasileira.

O artigo “A educação linguística do futuro: Por/entre as múltiplas linguagens do humano, de Alan Silvio Ribeiro Carneiro, revisita a pesquisa de Marilda Cavalcanti concernente à educação bilíngue (Cavalcanti, 1999Cavalcanti, M.C. (1999). Estudos sobre educação bilíngue e escolarização em contextos de minorias linguísticas no Brasil. DELTA, 15(spe), 385-417. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000300015.
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) e à reflexão metateórica e metametodológica do campo aplicado (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ) de forma a propor uma análise de políticas educacionais bilíngues no país. O autor reconhece que, embora ainda haja no Brasil uma orientação hegemônica da educação bilíngue à “proliferação de escolas bilíngues português-inglês no Brasil”, documentos oficiais como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Plurilíngue indicam uma ampliação do debate, ainda que permeado por “contradições que permeiam as próprias ideias de bilinguismo e educação bilíngue no contexto brasileiro”. Carneiro realiza uma leitura do documento com base no legado de Marilda, almejando, assim, realizar uma avaliação crítica das diretrizes e apontar para o horizonte da “educação linguística ampliada, tanto na formação de professores quanto em outros espaços educacionais escolares formais ou não (Cavalcanti, 2011Cavalcanti, M. C. (2011). Multilinguismo, transculturalismo e o (re)conhecimento de contextos minoritários, minoritarizados e invisibilizados. In M. C. C. Magalhães & S. S. Fidalgo (Eds.) Questões de método e de linguagem na formação docente (pp. 171-185). Mercado de Letras. e 2013Cavalcanti, M.C. (2013). Educação linguística na formação de professores de línguas: intercompreensão e práticas translíngues. In L.P. Moita Lopes (Ed.), Linguística Aplicada na Modernidade Recente: Festschrift para Antonieta Celani (pp. 211- 226). Parábola. ) que possam responder às necessidades educacionais brasileiras contemporâneas”. As lacunas e contradições que o autor identifica no documento, longe de indicarem apenas um entrave para a implementação de políticas críticas de educação bilíngue, são vistas como terreno onde pode se inscrever uma prática da esperança, no sentido de Ernst Bloch e Paulo Freire. Motivado pela esperança como afeto e razão práticos, o autor projeta seu texto para uma “educação linguística do futuro”, um espaço onde a educação linguística ampliada e visões plurais de linguagem e diversidade possam ser cultivadas, numa constante crítica a modalidades coloniais de produção do conhecimento.

“No movimento do caleidoscópio: Escalas sociolinguísticas e o ajuste de foco na pesquisa aplicada em linguagem” é o título do artigo de Daniel do Nascimento e Silva. O autor parte de um aspecto das reflexões teóricas e metodológicas de Marilda Cavalcanti em seu profícuo trabalho em linguística aplicada - sua atenção ao movimento, ao reajuste de foco e à linguagem não como objeto estático, mas como caleidoscópio de recursos - para fazer um exercício semelhante sobre o conjunto de interações, diálogos, tropeços, planos, fracassos e contínuos ajustes naquilo que chamamos de pesquisa de campo. O autor revisita sua trajetória de pesquisa sobre violência na linguagem na mídia corporativa do Sudeste e sobre violência empírica no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e aponta para uma abordagem gradualmente escalar (Blommaert, 2015Blommaert, J. (2015). Chronotopes, scales, and complexity in the study of language in society. Annual Review of Anthropology, 44, 105-116.; Carr & Lempert, 2016Carr, E., & Lempert, M. (2016). Introduction: Pragmatics of Scale. In E. S. Carr & M. Lempert (Eds.), Scale: Discourse and Dimensions of Social Life (pp. 1-18). University of California Press. ; Moita Lopes, neste número) da questão da resistência a essas formas de violência. O artigo aponta para alguns índices dessa construção escalar, como o discurso metapragmático de Raphael Calazans, um ativista do Complexo do Alemão, e o registro ativista papo reto (Silva, 2022bSilva, D. (2022b). Papo Reto: The politics of enregisterment amid the crossfire in Rio de Janeiro. Signs and Society, 10(2), 239-264. https://doi.org/10.1086/718862.
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; Silva & Maia, 2022Silva, D., & Maia, J. (2022). Digital rockets: Resisting necropolitics through defiant languaging and artivism. Discourse, Context & Media, 49, 100630. https://doi.org/10.1016/j.dcm.2022.100630.
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), uma forma de escalar o discurso de modo mais “direto”, valorizando objetos de discursos relacionados à crítica à desigualdade racial e econômica, normalmente opondo construções raciais atreladas à ideia de norma padrão (Nascimento, 2020Nascimento, G. (2020). Racismo linguístico: Os subterrâneos da linguagem e do racismo. Editora Letramento.; Signorini, 2002Signorini, I. (2002). Por uma teoria da desregulamentação linguística. In M. Bagno (Ed.), A linguística da norma (pp. 93-125). Edições Loyola.). Daniel Silva busca, assim, realizar um exercício reflexivo comum nas pesquisas de Marilda Cavalcanti: indagar a posicionalidade, os dados e a trajetória do/a pesquisador/a de forma a criar sentido e nuance sobre a “reflexão em andamento” (Cavalcanti, 2006Cavalcanti, M. C. (2006). Um olhar metateórico e metametodológico em pesquisa em linguística aplicada: implicações éticas e políticas. In L. P. Moita Lopes (Ed.), Por uma linguística aplicada indisciplinar (pp. 232-252). Parábola Editorial. ), isto é, sobre o conhecimento como uma forma flexível e dinâmica de habitar com outros o mundo eticamente.

Em “Como são ouvidos os nossos pretos-velhos? Ideologias linguísticas, racismo e resistência em falas de terreiros”, Adriana Carvalho Lopes, ao revisitar o trabalho transdisciplinar e crítico de Marilda Cavalcanti, analisa as ideologias linguísticas que comparecem em narrativas de dirigentes e frequentadoras de centros de Umbanda sobre os pretos-velhos. A autora interroga a conaturalização histórica de linguagem e raça como uma violenta metafísica racista. Com base em debate com participantes da Umbanda sobre o registro de fala dos pretos-velhos e de uma comparação desse debate com sua observação sobre a hierarquização de registros de fala de entidades negras e brancas em práticas religiosas, Adriana Lopes aproxima o registro dos pretos-velhos ao que Lélia González (1988) chamou de “Pretoguês” e Leda Martins (2003Martins, L. (2003) Performances de Oralitura: corpo, lugar da memória. Letras, 26, 63-81. https://doi.org/10.5902/2176148511881.
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) de “Oralitura” - formas de sobrevivência da diáspora negra no Brasil. Com base em seu projeto colaborativo de estudo da sobrevivência em contextos periféricos (Lopes, Facina & Silva, 2019Lopes, A. C., Facina, A., & Silva, D. N. (Eds.). (2019). Nó em pingo d’água: sobrevivência, cultura e linguagem . Mórula Editorial.), a autora defende que esses “espíritos de luz” transcendem dualidades (oral/escrito; vida/ morte) e inscrevem os saberes da diáspora na cultura nacional, bem como desafiam as ideologias do “branqueamento” e do “padrão monoglota” que definem as imaginações hegemônicas sobre a língua portuguesa no Brasil.

Luiz Paulo Moita-Lopes, no artigo “Quem matou Diego?”: projeções escalares em paisagens semióticas onlineOffline”, aborda centralmente um episódio trágico - o assassinato do estudante Diego Machado, gay e negro, no campus da UFRJ. Em linha com seu engajamento com a questão da escala - isto é, com as dimensões do discurso e da vida social (Carr & Lempert, 2016Carr, E., & Lempert, M. (2016). Introduction: Pragmatics of Scale. In E. S. Carr & M. Lempert (Eds.), Scale: Discourse and Dimensions of Social Life (pp. 1-18). University of California Press. ) - o autor investiga projeções escalares em paisagens semióticas no nexo online-offline (Blommaert, 2019Blommaert, J. (2019). Sociolinguistic restratification in the online-offline nexus: Trump’s viral errors. Tilburg Paper in Culture Studies, 234. https://pure.uvt.nl/ws/portalfiles/portal/48995544/TPCS_234_Blommaert.pdf.
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), entendidas como construções de espaço, tempo e pessoa, em que se disputam sentidos sobre o asssassinato do jovem rapaz gay negro. O autor faz uma abordagem crítica do atual momento do Brasil - ‘o espírito de nossa época socialmente fascista’ -, o qual tem exacerbado concepções necropolíticas (Mbembe, 2003Mbembe, A. (2003). Necropolitics. Public Culture 15(1), 11-40.) de gestão dos espaços, particularmente por meio de “discursos sobre quais corpos podem viver e quais devem morrer”. Além da análise crítica de discursos e paisagens semióticas envolvendo o assassinato de Diego, o autor revisita seu diálogo com Marilda Cavalcanti e aponta para a crescente produção acadêmica envolvendo diversos campos, incluindo a linguística aplicada, sobre a esperança como afeto e razão práticos. Fundamentalmente, o autor conclui que “a emoção da esperança envolve (...) um trabalho de aprendizagem (Bloch, 1986Bloch, E. (1986). The principle of hope. MIT Press.) em relação a como lidar com um cotidiano aniquilador” - em especial pela reorganização do conhecimento, da temporalidade e dos recursos da linguagem.

“Análise linguística do Português Brasileiro por meio de quatro contínuos: encontrando o trabalho de Marilda Cavalcanti” é o artigo de Stella Maris Bortoni-Ricardo neste número especial em homenagem a Marilda. Stella Bortoni-Ricardo revisita décadas de diálogo com Marilda Cavalcanti e aborda um aspecto central do trabalho desta última: “os modos como as ideologias linguísticas nacionais e políticas linguísticas dão forma às trajetórias sociolinguísticas do povo brasileiro” (Cavalcanti & Maher, 2018Cavalcanti, M. C., & Maher, T. (Eds.). (2018). Multilingual Brazil: Language resources, identities and ideologies in a globalized world. Routledge. , p. 2). A autora aborda essa questão particularmente por meio de sua reconhecida análise da diversidade e variação do português em função de continua, a saber: “a) continuum de urbanização, que se estende desde os vernáculos rurais isolados até a variedade urbana de prestígio; b) continuum de letramento, que se ocupa de eventos de oralidade em uma extremidade e eventos de letramento na outra; c) continuum de monitoração estilística, que discute o alinhamento ou footing com o interlocutor e d) continuum de acesso à Internet, que se relaciona ao grau de alfabetização digital e aos recursos de que os falantes dispõem para o uso desse equipamento”. Como evidência empírica, a autora mobiliza dados de décadas de geração de material para análise com falantes do Português brasileiro não alfabetizados ou semialfabetizados. O artigo não só avança em direção à compreensão contextual, gradual e escalar do uso da linguagem, como também à sistematização do trabalho sobre bi- e multidialetalismo e suas implicações para a educação, o que também ocupou a agenda de Marilda.

Henrique Marinho e Inês Signorini, no artigo “Percepção de dificuldades de leitura e escrita por ingressantes universitários que não passaram pelo vestibular”, realizam um estudo empírico sobre comentários metapragmáticos de estudantes atendidos pelo ProFIS, uma política de ação afirmativa da Unicamp por meio da qual estudantes egressos de escola pública passam por um período de formação na universidade e, com base em seu rendimento no programa, podem potencialmente ingressar como estudantes de graduação. O estudo combina um rigoroso estudo empírico com dados gerados em uma década de ProFIS com as evidências e elaborações teóricas do reconhecido trabalho de Inês Signorini com a metapragmática da linguagem (Signorini, 2008Signorini, I. (2008). Metapragmáticas da língua em uso: unidades e níveis de análise. In I. Signorini (Ed.). Situar a lingua[gem] (pp. 117-148). Parábola Editorial.), em particular da linguagem escrita (Signorini, 2018Signorini, I. (2018). Metapragmáticas da ‘redação’ científica de ‘alto impacto’. Revista do GEL, 14(3), 59-85.). Com base em uma análise quali- e quantitativa do corpus, Henrique Marinho e Inês Signorini chegam a duas principais conclusões: “Dentre as dificuldades de escrita assinaladas, há predominância de questões relacionadas ao planejamento e elaboração do texto dissertativo argumentativo, com destaque para o uso da pontuação. Dentre as dificuldades de leitura, há predominância da dificuldade de compreensão, desde o léxico até textos menos familiares, além da falta de atenção na hora de ler”. As evidências deste artigo apontam para o peso de uma ideologia de linguagem escrita típica da tradição grafocêntrica (Lillis & Scott, 2007Lillis, T., & Scott, M. (2007). Defining academic literacies research: issues of epistemology, ideology and strategy. Journal of Applied Linguistics, 4, 5-32.; Signorini, 2018Signorini, I. (2018). Metapragmáticas da ‘redação’ científica de ‘alto impacto’. Revista do GEL, 14(3), 59-85.; Silva & Signorini, 2021Silva, D. N., & Signorini, I. (2021). Ideologies about English as the language of science in Brazil. World Englishes, 40(3), 424-435. https://doi.org/10.1111/weng.12454.
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) - isto é, escrita (e leitura) como ato isolado de operar com o texto como artefato descontextualizado, reificado e autossuficiente. O artigo, que faz parte de um projeto maior de publicações com dados dessa política pública, reforça a fortuna crítica no Brasil sobre comentários reflexivos acerca da linguagem escrita com amplo poder de disseminação - um diagnóstico que, numa outra escala, pode servir de elemento crítico para, em linha com o caminho que Marilda Cavalcanti ajudou a pavimentar, produzir “teorias e metodologias que, de fato, atendam a ‘cenários de vulnerabilidade e de diversidades’ (Guimarães & Szundi, 2020Guimarães, T., & Szundi, P. T. C. (2020). 30 anos da ALAB: desafios, rupturas e possibilidades de pesquisa em Linguística Aplicada­ [Entrevista com Marilda do Couto Cavalcanti] Raído, 14(36), 465-471. ­https://doi.org/10.30612/raido.v14i36.13241.
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, p. 470)”.

Maria Elena Pires Santos, no artigo “Reflexões sobre a formação ampliada do professor de línguas para atuar em contexto multilíngue/multicultural de fronteira”, se engaja com o trabalho de Marilda por meio de uma reflexão sobre “a formação linguística ampliada do professor para atuar no contexto escolar multilíngue e multicultural de fronteira.” A autora parte da premissa de que “a maioria dos cidadãos passa um tempo considerável de suas vidas na escola”, o que a leva a considerar que os professores têm um papel relevante na “educação do entorno” (Maher, 2007Maher, T. M. (2007). A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilinguismo. In Kleiman, A. & Cavalcanti, M. C. (Eds.), Linguística Aplicada: suas faces e interfaces (pp. 255-270). Mercado de Letras.), “no sentido de contribuir para a construção de sociabilidades para uma vida mais humana, mais delicada com o Outro e baseada no afeto”. A autora mobiliza abordagens etnográficas de análise e geração de dados na pesquisa sobre a linguagem. A partir de uma minuciosa análise de práticas translíngues em um contexto de fronteira, a autora salienta a construção de significados locais. dos alunos e dos seus significados culturais. Com base nas práticas comunicativas que hibridizam línguas e recursos semióticos diversos, a autora conclui que “a complexidade dos processos sociais, culturais, políticos, históricos e afetivos nos constitui irrevogavelmente como envolvidos em processos de hibridação, em constante processo de deslocamento e (re)construção”.

Tendo em vista o cenário geral da desigualdade no Brasil - o país que possui a maior população negra no contexto da diáspora africana, que não é monolíngue, que tem uma das maiores desigualdades de renda no mundo e que acumula retrocessos em diversos campos, sobretudo no retorno à mazela da fome e no aumento da violência contra grupos minoritarizados, em especial mulheres e negros - acreditamos que este número especial oferece um conjunto de trabalhos que podem ser úteis como teoria e método para lidar com a constituição semiótica dessas desigualdades. Acreditamos que Marilda Cavalcanti foi coerente em sua postura crítica e pragmática diante dos processos sociolinguísticos que geram sofrimentos para as minorias, em especial ao oferecer caminhos, teorias e metodologias para que ela própria e as pessoas que ela influenciou produzam pedagogias da esperança que façam frente a afetos paralisadores como o desespero e o sofrimento.

Referências

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  • 3
    As traduções dos excertos escritos originalmente em língua estrangeira foram realizadas por nós.
  • 4
    Esta seção retoma a discussão sobre o trabalho de Cavalcanti presente em Silva & Lopes (2019Silva, D. N., & Lopes, A. C. (2019). “Yo hablo un perfeito portuñol”: Indexicalidade, ideologia linguística e desafios da fronteira a políticas linguísticas uniformizadoras. Revista da ABRALIN, 17(2).).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Ago 2022
  • Aceito
    14 Set 2022
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