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Reforma agrária

E AGORA, BRASIL?

Reforma agrária

José Graziano da Silva

Professor do Departamento de Economia da UNICAMP e membro da diretoria da Associação Brasileira de Reforma Agrária

Uma reforma agrária propriamente dita: essa é a ambição dos trabalhadores brasileiros, não só os rurais, como também os urbanos! O que é isso? Como fazer essa reforma agrária propriamente dita? Não é preciso inovar muito, não. Nem inventar fórmulas e métodos sofisticados. É só tomar, por exemplo, as recomendações da I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora — a I CONCLAT que foi unitária, de todos os trabalhadores rurais e urbanos do país. Aí temos um verdadeiro programa popular para implementar uma reforma agrária propriamente dita no Brasil, que deve ser:

— ampla: quer dizer, que seja implantada em todo o território nacional e não nesta ou naquela região como medida paliativa para amenizar os conflitos pela terra;

— massiva: ou seja, que dê acesso à terra a milhões de famílias sem terra ou com pouca terra e não apenas a uns poucos eleitos;

— imediata: quer dizer, que se inicie já e que estabeleça um programa de metas anuais a serem atingidas e com um prazo definido para terminar (o menor possível);

— com o controle dos trabalhadores rurais em todas as fases de elaboração e execução do programa, ou seja, que não seja algo concebido de cima para baixo pelos burocratas e tecnocratas do poder.

Os trabalhadores devem decidir

Resumindo de maneira simples e clara: a reforma agrária deve ser um processo de redistribuição dos direitos de propriedade e da posse da terra do país a fim de assegurar aos que nela trabalham, emprego estável, moradia e renda compatível com a sua condição de cidadãos brasileiros. A reforma agrária é hoje a conquista da cidadania para o trabalhador rural!

Não é dar um pedacinho de terra pra cada um, não. É dar o direito aos benefícios dos frutos da terra a quem nela trabalha, a quem a cultiva, a quem, enfim, vive do seu trabalho aplicado na terra. Na minha opinião, criar pequenos produtores num mundo dominado por grandes monopólios é do interesse apenas das classes dominantes, é uma nova forma de manter a exploração dos bancos, das agroindústrias, dos comerciantes.

Mas essa não é uma decisão técnica e sim política; e que deve ser tomada pelos interessados — os próprios trabalhadores. Nesse sentido, a resolução da I Conferência Nacional Unitária dos trabalhadores brasileiros dá "como formas ideais de assentamento (...) as propriedades de tipo familiar, cooperativo e coletivo", devendo-se decidir em cada situação específica qual a melhor opção. Creio que seria recomendável no caso brasileiro (como regra sujeita às exceções específicas) que não se dividissem as terras, mas que se estimulasse o seu uso comunitário.

O essencial do processo de reforma agrária é isso: uma mudança dos donos da terra, a passagem do direito de usufruir dos frutos colhidos do latifundiário para os trabalhadores. Em poucas palavras, as questões que cercam um processo de reforma agrária são de cunho eminentemente político. E enquanto tais só podem ser resolvidas num amplo debate público e democrático, com especial participação dos seus beneficiários potenciais, os trabalhadores brasileiros. Para isso, é condição essencial haver liberdade, tanto de expressão política, como de organização sindical. Sem esses dois ingredientes fundamentais não é possível fazer uma reforma agrária propriamente dita!

As condições necessárias

Hoje, existem as condições técnicas e materiais necessárias para se iniciar de imediato um verdadeiro programa de reforma agrária no Brasil. E sem tumultuar a produção, sem comprometer as exportações e sem exigir vultosos recursos governamentais. O que eu não tenho certeza é se os trabalhadores brasileiros terão força para se fazerem ouvir neste "processo de transição democrática". Temo que a reforma agrária, prometida pelos candidatos indiretos, seja apenas uma retórica do período eleitoral; e que os interesses dos grupos que os apóiam se sobreponham mais uma vez aos da grande maioria da população brasileira.

Os conflitos no campo

21 pessoas morreram em conflitos de terras nos seis primeiros meses de 1984. Somente no Maranhão, onde a violência do conflito é maior, 10 dirigentes sindicais perderam a vida. Na terra do saudoso Teotônio Vilela, nas Alagoas, mais dois sindicalistas perderam a vida e outro encontra-se internado num hospital, vítima de um atentado a bala, correndo sério risco de contribuir para esta lastimável estatística. São números da CONTAG — Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura — que revelam a extensão desta violência. No Brasil, ocorre um conflito de terra a cada 3 dias.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Mar 1985
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