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Pasquim-SP: a burrice que se cuide!

COMUNICAÇÃO

Pasquim-SP: a burrice que se cuide!

Entrevista de Paulo Markun a Edison Nunes e Flora de Oliveira Venâncio

Com uma nova estratégia editorial, o Pasquim veio para São Paulo e prova que sua eterna luta contra a burrice é para valer.

Resultado: um jornal de humor e opinião, democrático e competente. Flora de Oliveira Venâncio e Edison Nunes, de LUA NOVA, entrevistaram Paulo Markun, editor do Pasquim S.P.

EDISON NUNES — O que é o Pasquim São Paulo? Quando vimos o Sig (o rato símbolo do Pasquim) no balcão da ponte aérea pensamos que a redação se mudava para cá.

PAULO MARKUN — O Pasquim "carioca" continua, e é o Pasquim que é lido no Brasil inteiro. Tem uma circulação de 200 mil exemplares. Como é que ele conseguiu isso? Uns 160 mil são encartados em jornais de estados como Acre, Bahia, Rio Grande do Norte. Uns 20 mil circulam no Rio de Janeiro e outros estados independentemente, e uns 30 mil em São Paulo. Agora vão lançar também o Pasquim Porto Alegre, o Pasquim Brasília, o Pasquim Belo Horizonte, com gente de lá. Uma tática de marketing que eu acho interessante. De um lado encarta nos pequenos jornais, que, de repente, ganham um suplemento cultural com a marca que tem o Pasquim. E, nos pólos principais, criam-se núcleos próprios de produção do jornal.

O Pasquim que o Jaguar faz no Rio de Janeiro circula no Brasil inteiro, menos em São Paulo. Depois vai circular no Brasil inteiro, menos em Porto Alegre, assim por diante. Se bem que uma parte do material será comum a todos. Acho a idéia criativa, e ainda não sei se vai dar certo... Nós estamos fazendo o SP-TV do Pasquim.

EDISON — Como você assumiu a edição do Pasquim paulista?

MARKUN — O Jaguar me procurou há uns dois meses atrás, com o plano de fazer o Pasquim São Paulo. Eu trabalhei tempos atrás no Opinião, e o Gasparian, que editava o Opinião na época, indicou meu nome, dizendo que eu tinha experiência com jornal em São Paulo e talvez tivesse a disposição de assumir essa empreitada. Conversei com Dante Matiussi, que é diretor de jornalismo da Record, e meu sócio, numa produtora de TV. A gente estudou a situação do mercado em termos superficiais, evidentemente, e achamos que havia uma brecha para um jornal de humor e opinião em São Paulo. Um semanário voltado basicamente para o público entre 18 e 45 anos, mais ou menos. E resolvemos arriscar...

EDISON — Portanto uma faixa diferente daquela para a qual o Pasquim foi lançado?

MARKUN — É, mas quem tinha trinta e pouco há 18 anos, tem quarenta e poucos e pode voltar a ler e colaborar com o Pasquim. Para colaboradores pegamos gente que de alguma forma era órfã do Pasquim. Gente que, ou leu, ou quis colaborar e na época não podia, porque em São Paulo não tinha nenhum semanário. Você tinha as revistas semanais que eram nacionais, mas não tinha um jornal paulista.

O grande desafio foi justamente tentar inverter o eixo do Pasquim. O slogan do Pasquim sempre foi: "o ponto de vista do carioca". Ao fazer o Pasquim São Paulo, a gente está querendo fazer o ponto de vista paulista, em cima de um jornal carioca. Só que esse jornal tem dentro dele uma parte que vem do Rio de Janeiro, então ele a incorpora. Acho que passa um pouco por cima da questão provinciana da briga entre São Paulo e Rio. A gente brinca um pouco com isso, mas não estimula. Dai até agora se passaram dois meses e a gente resolveu botar na banca.

FLORA — A experiência surgiu sobre que expectativas?

MARKUN — Do ponto de vista editorial acho que a gente está no caminho. A preocupação é fazer um jornal independente, um jornal irreverente e um jornal inteligente, sem compromissos com essa ou aquela corrente política e, ao mesmo tempo, sem assumir uma preocupação formal muito definida. O jornal é muito mais organizado do que o Pasquim carioca, em termos gráficos e formais, mas ao mesmo tempo ele permite uma certa confusão, ou seja, a gente gostaria que ele tivesse uma série de contradições internas mesmo. Por exemplo, em um certo número, o Weffort está atacando o Quércia, mas no número anterior tinha um quercista defendendo o Quércia. No próximo número pode ter um ermirista, defendendo o Antonio Ermírio e atacando os outros dois. É um pouco o espírito que existe na página 3 da Folha de S. Paulo, que é uma inovação na nossa imprensa, mas que aqui, na verdade, se torna a essência do jornal. É diferente da Folha, porque o corpo da Folha é mais ou menos organizado, dirigido, aqui não, é uma coleção de colaboradores, não tem uma linha editorial.

EDISON — Isso difere da proposta do Pasquim do Rio?

MARKUN — É, mais ou menos. O Pasquim, originalmente, não sei se vocês lembram, tinha um pouco disso: Sérgio Cabral e Luiz Carlos Maciel são duas correntes de pensamento completamente diferentes no campo da cultura. Só que naquela época todo mundo era de oposição, hoje a gente acha que tem que ter gente que é contra a Nova República e gente que é a favor. O jornal não é contra, nem a favor, muito pelo contrário. Mas algumas regras tem, por exemplo, a gente não adota a linha Planeta Diário.

FLORA — A total irreverência...

MARKUN — Total irreverência, o delírio, o humor muito veloz, uma coisa que se esgota em si mesma. A gente evita, num certo sentido, o palavrão, uma coisa que vá chocar a moral média das pessoas, a baixaria, mulher pelada... a gente acha que não é por aí. Tem que ter alguma inteligência, pode-se tratar, por exemplo, de homossexualismo, como publicamos numa entrevista com a Míriam Batucada, de uma maneira correta, de uma maneira adulta.

EDISON — Você pode aprofundar a questão da linha editorial em função do que foi o Pasquim nessa época de resistência, onde teve uma importância estratégica, e o papel que deve desempenhar hoje?

MARKUN — A gente dividiu uma página com uma linha. De um lado o que era o Pasquim ontem e, do outro, o Pasquim hoje. Ele era de oposição e hoje é democrático; ele tinha cartum, ele continua tendo cartum; ontem ele tinha opinião, hoje ele continua tendo opinião; ontem ele era ligado às raízes, tinha uma grande preocupação em defender a música popular brasileira convencional, ortodoxa, ou o nacional, e hoje achamos que ele tem que ter a contradição vanguarda x raízes. Quer dizer: ele nem vai ser pós-moderno, nem vai ser samba de breque. Ele pode ter um cara que escreve que o negócio é o samba, como um que diz que o negócio é rock. Ontem ele era o carioca, hoje ele é paulista e nacional.

EDISON — Como pode ser paulista e nacional ao mesmo tempo?

MARKUN — Ele tem um ponto de vista paulista marcado, ele tem colaboradores do Rio, e tudo que no Rio é especificamente local não vem para São Paulo, só vêm os artigos que têm entrada nacional. Outra coisa é que ele vai abrir um espaço para o interior do estado. Vamos lançar o Pasquim nas principais cidades do interior, já temos colaboradores no interior, que é um mercado enorme, é um mundo, um universo que ninguém trata direito.

Mas é muito difícil a gente dar esse balanço. É absolutamente impossível você fazer um jornal totalmente democrático. Quer dizer, quantos artigos do PT eu preciso colocar, para quantos do PMDB? O que que é um artigo do PT, do PMDB, ou do PDT, ou do PC do B, ou do PDS? Há coisas que não dá para identificar.

Uma gozação do Jô Soares não é nada. O Carlito Maia escrevendo sobre o PMDB, é um artigo politicamente alinhado. Mas o Moacir Japiassú falando que a estátua do Borba Gato deveria ser a nossa estátua da Liberdade, não é nada, é uma gozação! Por exemplo: tem dois personagens que entram no Pasquim, seguramente como os alvos prediletos dos colaboradores do jornal, o Jânio Quadros e o Paulo Maluf. Agora, se amanhã tiver um artigo do Geraldo Mello Mourão dizendo que o Maluf é o melhor candidato, uma coisa com qualidade, eu publico. Agora, se tiver dez artigos defendendo o Maluf, eu não vou publicar os dez. Então, esse equilíbrio exige bom senso, o que é a coisa mais difícil do jornal.

O que facilita a tarefa para a gente é a experiência da televisão, ela obriga você a sempre ouvir o outro lado. A repercussão de uma notícia na televisão é tão grande que não adianta você dar a notícia e depois desmentir, porque o prejuízo está feito, não tem como voltar atrás.

EDISON — Quando você fala do Pasquim antigo e do Pasquim novo, feito em São Paulo, surgem duas perguntas: a primeira é que provavelmente o Pasquim teve que mudar porque a situação política mudou, porque a cultura underground foi superada, não é isso? A segunda é por que a mudança do Pasquim não ocorreu no Rio, mantendo uma única redação?

MARKUN — Por dois motivos. Primeiro, porque uma boa parte da equipe do Pasquim já viveu a própria vida, foi ganhar dinheiro em outro lugar. Paulo Francis, Sérgio Augusto, Tarso de Castro começaram no Pasquim. De certo modo também o Ziraldo e Sérgio Cabral. No Pasquim só sobrou o Jaguar. De um lado porque ele é teimoso e insistiu, e de outro porque houve brigas, desavenças internas e ele foi ficando sozinho. Todo esse pessoal foi absorvido pela grande imprensa. Isto é um fenômeno interno ao jornal.

Um fenômeno externo é que o eixo do país mudou do Rio para São Paulo. Hoje tudo que é importante, tanto do ponto de vista econômico como do político, está acontecendo aqui. Vir para São Paulo é uma conseqüência inevitável do crescimento do estado e da importância que tem. O PT é um fenômeno paulista, também o Jânio Quadros, o Antonio Ermírio. Tudo o que acontece de novo na política e na economia, o Dilson Funaro, está em São Paulo. O Rio está entregando a rapadura. Pega a página de shows do Rio e de São Paulo... você vê que São Paulo dá de dez a zero. Morei no Rio de 80 a 84 e ainda era mais importante que São Paulo, a virada se deu nestes últimos seis anos. Hoje tudo estréia primeiro aqui. Os artistas internacionais vêm pra cá, depois vão ao Rio, quando vão.

Um estranho fenômeno é que a melhor imprensa do Brasil está no Rio. Na minha opinião, os dois melhores jornais são o Jornal do Brasil e o Globo. O Globo, enquanto máquina informativa, volume de notícias, estrutura industrial, e o Jornal do Brasil enquanto produto. Dão de dez na Folha, no Estadão, no Jornal da Tarde. Então, os jornais diários estão no Rio, mas as revistas estão aqui. E um outro fenômeno carioca é a Rede Globo na área de comunicação.

EDISON - Por que este dinamismo de São Paulo não está refletido também na imprensa?

MARKUN — Certamente vai haver uma virada. Acho que vai haver. O Pasquim é uma iniciativa modesta. Vem aí o Retrato do Brasil, do Raimundo Pereira, que pretende ser um jornal diário. O Rio não sustenta isso. Nem do ponto de vista industrial tem condições de tirar um jornal com essa qualidade gráfica, a um custo viável. A partir da semana que vem o Pasquim do Rio vai ser diagramado, editado e impresso aqui em São Paulo, porque aqui é mais barato e melhor e porque temos melhores profissionais.

A imprensa paulista é muito provinciana. Ela não se dá a devida importância ou, quando dá, tem uma postura de barão do café. A imprensa carioca tem um comportamento editorial muito diferente da de São Paulo, embora aqui o processo de produção da notícia seja mais organizado.

Em São Paulo, quando você vai fazer um jornal, qualquer que seja, no dia anterior você sabe o que vai acontecer no dia seguinte, sabe por onde o jornal vai se encaminhar e chega lá. No Rio, é muito mais atrás dos fatos, ainda se comporta como se fosse a Capital Federal. Eu diria que o jornal de São Paulo normalmente é mais planejado e pior realizado e os jornais cariocas são pior planejados e melhor realizados.

O que há de novo na imprensa paulista? A Folha de S. Paulo, pelo que vejo, no mínimo não cumpre certas normas básicas da profissão, normas não-escritas. A Folha as infringe todos os dias, como, por exemplo, dar a notícia a qualquer custo, passar por cima dos fatos, criar fatos quando não existem, ampliar demais a dimensão das coisas. De outro lado, você tem um jornal que está usando bermuda por baixo do terno. Sem brincadeira, a tentativa de modernização que o Estado de São Paulo está fazendo me parece falsa, me parece apoiada apenas em uma preocupação formal, não de conteúdo. Estou falando apenas da área cultural, porque não gostaria de entrar na área política, porque aí a discussão é mais complicada. Sou o editor de um jornal de apenas 30 mil exemplares e não vou comprar uma briga.

EDISON — Quer dizer então que o Pasquim vai crescer nesse espaço não resolvido?

MARKUN — Bom... Eu não sei te dizer. Eu diria que hoje esse Pasquim São Paulo faria mais sucesso no Rio do que o Pasquim carioca, porque São Paulo está na moda. No Posto Nove talvez o Pasquim São Paulo venderia mais do que o carioca. O que acho que vai acontecer é o Pasquim do Rio incorporar matérias de São Paulo. Nós vamos fazer mais ou menos o que o Caderno Especial do JB fez no Rio. Um jornal que tem algumas discussões culturais, tem política, tem humor e tem um certo nome, só que especificamente voltado para São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 1986
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