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DO FRÁGIL CONSENSO AO RADICAL DISSENSO: RUPTURAS NAS DISPUTAS POR DIREITOS E FISSURA NO PROCESSO DEMOCRÁTICO (1990-2020)

FROM FRAGILE CONSENSUS TO RADICAL DISSENSUS: RUPTURES IN THE DISPUTES FOR RIGHTS AND FISSURE IN THE DEMOCRATIC PROCESS (1990-2020)

Resumo

Na redemocratização, houve continuidades e rupturas em relação às disputas envolvendo discursos, vocabulário e práticas de direitos humanos. Presentes desde o início, as tensões se agravaram após 2010, com a formação de uma grande aliança contra os governos do PT e a “maré rosa” no continente. Atingiram, por fim, as bases do regime democrático. Em um cenário internacional de campanhas antiestablisment, com a expansão do uso de mídias e redes sociais digitais e crise econômica, a estratégia exitosa dessa aliança de centro-direita elegeu políticas de participação social e programas nacionais de direitos humanos como alvos preferenciais. Tal abordagem favoreceu contrapúblicos da extrema direita. Conjugando aportes teóricos sobre direitos humanos, participação social e esfera pública, esses fenômenos são analisados no período entre 1990 e 2020, a partir de banco de dados de reportagens, discursos, entrevistas e publicações em redes sociais.

Palavras-chave:
Democracia; Direitos Humanos; Ideologia Política; Participação social; Esfera Pública

Abstract

In the redemocratization, there have been continuities and ruptures in relation to disputes involving human rights discourses, vocabulary, and practices. Present from the beginning, tensions worsened after 2010, with the formation of a large alliance against the PT governments and the “pink tide” on the continent. They finally reached the foundations of the democratic regime. In an international scenario of anti-establishment campaigns, expanding use of digital media and social networks, and economic crisis, the successful strategy of this center-right alliance elected social participation policies and national human rights programs as preferred targets. Such an approach has favored far-right counterpublics. Conjugating theoretical contributions on human rights, social participation and public sphere, these phenomena are analyzed in the period between 1990 and 2020, based on a database of reports, speeches, interviews, and publications on social networks.

Keywords:
Human rights; Democracy; Political ideology; Social participation; Public sphere

Introdução

Desde o início da redemocratização, ao longo dos governos civis implantados no Brasil, houve continuidades e rupturas em relação às disputas envolvendo discursos, vocabulário e práticas de direitos humanos. Este trabalho analisa esses fenômenos entre 1990 e 2020, além de sublinhar e sistematizar mudanças significativas nas disputas, auxiliando no esforço analítico maior de compreensão de processos que nos conduziram até a conjuntura que elegeu Jair Bolsonaro à Presidência da República.

Aqui, propõe-se a leitura de momentos ocorridos no decorrer de três décadas, considerando rupturas no contexto de disputas na esfera pública, numa tendência gradativa de aprofundamento do conflito. Depois de um frágil consenso inicial, o processo crescente de radicalização na disputa eleitoral coloca em risco a ordem contemporânea dos direitos humanos, a construção democrática e os avanços em matéria de participação social. A análise abrange esses processos e os correlaciona.

O recorte metodológico trabalha a partir do conceito de “esfera pública” na tradição habermasiana, admitindo fluxos dinâmicos de deliberação e circulação de discursos como processos de “circulação de poder” (Melo, 2016MELO, Rúrion. 2016. O “paradoxo” da democracia radical: crise, protestos e perda de legitimação. Dois pontos, v. 13, n. 2, pp. 71-82.). Observa-se especialmente a esfera pública “central”, que abrange os debates públicos nos parlamentos e na imprensa, e os públicos “alternativos” e os “novos”, que vão se desenvolvendo e ocupando espaços paralelos de trânsito de comunicação (Cohen e Arato, 1994COHEN, Jean; ARATO, Andrew. 1994. Civil society and political theory. Massachusetts: MIT Press.). Há também os contrapúblicos, que inventam e fazem circular discursos de oposição e resistência ao establishment da esfera pública formal. Uma espécie de contrapúblico situado mais na periferia do sistema é a dos “contrapúblicos subalternos”, que funcionam como arenas discursivas de grupos mais distantes do poder central (Fraser, 1990FRASER, Nancy. 1990. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. Social Text, 25/26, 56-80.).

Adicionalmente, a imagem de eclusas, dentro de um sistema de comportas, é salutar para representar o processo segundo o qual determinadas narrativas e públicos “da periferia” logram galgar progressivamente relevância na esfera pública, até o atingir o patamar mais elevado (Peters, 1992 apudMelo, 2015MELO, Rúrion. 2015. Repensando a esfera pública: esboço de uma teoria crítica da democracia. Lua Nova, n. 94, pp. 11-39.).

Na história moderna, Cohen e Arato (1994COHEN, Jean; ARATO, Andrew. 1994. Civil society and political theory. Massachusetts: MIT Press.) identificaram dois movimentos paralelos: um dominante, de colonização da cultura por dinheiro e poder; e outro, mais inclusivo e pluralista, de democratização e modernização de elementos como a cultura, a sociedade e a personalidade. Ambos os movimentos aparecem ao longo desse período estudado.

A investigação utiliza um amplo banco de dados construído no software Nvivo Pro, versão 12, composto por reportagens de jornais, artigos de opinião1 1 O banco de dados foi construído a partir da ampliação do banco de dados de recortes de jornais sobre direitos humanos do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP). Em anos mais remotos, a principal fonte complementar utilizada foram os arquivos da Folha de S.Paulo. , discursos de autoridades, artigos acadêmicos e impressões de páginas da internet, complementado por entrevistas com atores importantes nas disputas envolvendo direitos humanos no país nas últimas décadas, da direita à esquerda do espectro político ideológico, realizadas pelo autor.

Além desta introdução e de um breve fechamento, o artigo conta com quatro sessões descrevendo cronologicamente o processo, sistematizando os diferentes momentos ocorridos, considerando as rupturas e conflitos nas narrativas e práticas políticas relacionadas aos direitos humanos. Destacam-se as disputas em torno da concepção e esgarçamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), ressignificando essa construção política enquanto marco histórico significativo na compreensão do processo de erosão da democracia no Brasil. Os conflitos se aprofundaram na esfera pública, com o fortalecimento de determinados públicos e discursos, com destaque para pautas antidemocráticas, contra as políticas de participação social e de repúdio às edificações históricas de direitos humanos.

Do suposto consenso inicial

Esse primeiro momento histórico abordado compreende quase toda a década de 1990, no período subsequente à queda do muro de Berlim e do alardeado “fim da história” (Fukuyama, 1992FUKUYAMA, Francis. 1992. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco.), quando se comemorava o consenso inédito na agenda dos direitos humanos conquistado na Convenção de Viena. Negando a ideia difusa de que nos anos 1990 se teria logrado a superação das ideologias do século XX, Traverso (2018TRAVERSO, Enzo. 2018. Las nuevas caras de la derecha. Buenos Aires: Siglo Ventiuno Editores Argentina. p. 132) prefere definir tal momento histórico como de consagração de uma ideologia única de “idolatria do mercado”.

A década de 1990 foi, em grande parte da América Latina, marcada por reformas liberalizantes, quando o ideário de um certo modelo contemporâneo de liberalismo econômico ganhava considerável apelo, mitigando-se o papel interventor do Estado na economia e as políticas comerciais protecionistas2 2 Embora haja variações envolvendo a definição de neoliberalismo, que varia conforme contextos políticos específicos e a escolas teóricas com a de Chicago e a Austríaca, vamos tratar de forma genérica do receituário liberal adotado por países latino-americanos na insurgência contra correntes desenvolvimentistas, populistas, comunistas e mesmo nacionalistas, preconizando uma receita de salvação que consistiria em: “forte ação governamental contra os sindicatos e prioridade para uma política anti-inflacionária monetarista (doa a quem doer) - reformas orientadas para e pelo mercado ‘libertando’ o capital dos controles estatais [...]” (Moraes, 2001, p. 28). .

As narrativas de direitos humanos nesse primeiro momento sintonizaram-se com orientações formadas a partir dos esforços internacionais de “reconstrução” (Lafer, 1997LAFER, Celso. 1997. “A reconstrução dos direitos humanos: a contribuição de Hanna Arendt”. Estudos Avançados, v. 11, n. 30, pp. 55-65.) ou de “afirmação” “universal e positiva” (Bobbio, 1992BOBBIO, Norberto. 1992. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus., p. 30) dos direitos humanos no pós-Segunda Guerra Mundial. As práticas dominantes, entretanto, seguiram a tradição mais liberal em torno de direitos humanos, primando pelas liberdades civis e políticas.

Depois de 21 anos de Ditadura Civil-Militar e sistemáticas violações de direitos humanos, o Brasil teve, em 1985, o retorno de um civil para a Presidência da República. As campanhas pela Anistia e Diretas Já, além das mobilizações de vários setores da sociedade civil organizada e de movimentos sociais e o relatório Brasil Nunca Mais, somaram-se enquanto esforços para superar práticas e instituições do regime autoritário, em um cenário que conduziu o vocabulário dos direitos humanos para a centralidade da esfera pública, sendo articulado por atores da direita à esquerda no espectro político ideológico. Em 1988, a Constituição Federal proclamou um Estado Democrático de Direito.

Quando o primeiro presidente civil foi eleito pelo voto direto da população, em 1989, parecia consagrado o consenso nas elites políticas e em parcelas da população sobre a importância dos direitos humanos e da democracia. Foi assim que o presidente Fernando Collor de Mello assumiu o governo em 1990, e, no curto período no poder, ratificou a Convenção Sobre os Direitos da Criança, os Pactos de 1966 e o Pacto de San José da Costa Rica, este que inseriu definitivamente - embora de forma tardia, se comparado aos vizinhos do continente - o país no Sistema Interamericano de Direitos Humanos (Piovesan, 2001PIOVESAN, F. 2001. A Constituição Brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. In: ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA. Direitos Humanos: visões contemporâneas. São Paulo: Associação Juízes para a Democracia.). Na gestão de seu vice, Itamar Franco, destaca-se o protagonismo da representação diplomática brasileira na Convenção de Viena, em 19933 3 Sobre o papel do Brasil na Convenção de Viena, ver: Alves (1994). . Ambos os mandatários declararam apreço pelos direitos humanos, pelas liberdades e pela democracia (Brasil, [2020]BRASIL. [2020]. Ex-Presidentes. Biblioteca da Presidência da República. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3zIeYlx . Acesso em: 3 set. 2020.
https://bit.ly/3zIeYlx...
).

O repúdio à extrema violência provocada no episódio de assassinato de 111 detentos na Casa de Detenção de São Paulo, amplamente divulgado na imprensa, causou comoção na esfera pública nacional e internacional. As campanhas eleitorais vitoriosas nos anos seguintes para o Governo de São Paulo (Mário Covas) e da União Federal (Fernando Henrique Cardoso) mobilizaram a defesa dos direitos humanos nos debates (Adorno, 1999ADORNO, Sérgio. 1999. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. Tempo Social, São Paulo, v. 11, n. 2, pp. 129-153.; Teixeira, 2009TEIXEIRA, Alessandra. 2009. Prisões de exceção: política penal e penitenciária no Brasil Contemporâneo. Curitiba: Juruá.).

Em 1993, realizou-se a Convenção de Viena, evento que contou com a representação de 171 Estados, resultando em conquistas importantes para o sistema internacional dos direitos humanos, consagrando-se, então, a indivisibilidade e a interdependência desses direitos basilares. Celebrada após a queda do Muro de Berlim, teria marcado o período de “ápice dos direitos humanos” (Alves, 2012ALVES, José Augusto Lindgren. 2012. É preciso salvar os direitos humanos! Lua Nova, n. 86, pp. 51-88., p. 62), muito em razão da amplitude do inédito consenso internacional em torno dos direitos humanos.

No discurso de lançamento de projetos de lei na área de direitos humanos, assim se manifestou o novo presidente da República Fernando Henrique Cardoso:

Desde que assumi o governo, temos tentado mostrar, na Semana da Pátria, que direitos humanos são parte constitutiva da democracia. E direito humano significa ampliação de participação, limitação da exclusão social. Exclusão social se faz em vários níveis. Um deles são os portadores de deficiência. Mas não é o único. Há muitos outros níveis em que se deve colocar a questão da necessidade de incluir aqueles que estão fora dos direitos assegurados, muitas vezes pela lei, mas em que não há, ainda, condições sociais e econômicas para que eles tenham plena vigência. (Cardoso, 1997CARDOSO, Fernando Henrique. 1997. Discurso na cerimónia de assinatura de mensagens de projetos de lei na área de direitos humanos. Biblioteca da Presidência da República.)

Fernando Henrique Cardoso mobilizou reiteradamente os vocabulários de direitos humanos. Sua gestão promoveu avanços significativos na institucionalização dos direitos humanos no país e, no primeiro ano de governo, o então presidente criou o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, que seria, por vezes, entregue pessoalmente por ele, simbolizando o prestígio institucional dedicado à temática (FH..., 1996FH diz que país cansou de ser insensível. 1996. O Estado de S. Paulo.). Em 1997, foi criada a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (Gielow, 1997GIELOW, Igor. 1997. FHC confirma Gregori e constrange Covas. Folha de S. Paulo. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/4/07/cotidiano/27.html . Acesso em: 7 abr. 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/4...
).

Ao longo de seus dois governos, ratificou-se a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, Erradicar a Violência contra a Mulher, o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte e o Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador). Nesse período, também foi reconhecida, no Brasil, a competência da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Piovesan, 2001PIOVESAN, F. 2001. A Constituição Brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. In: ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA. Direitos Humanos: visões contemporâneas. São Paulo: Associação Juízes para a Democracia.). Construiu-se, mediante processo amplo de consultas públicas, os primeiros dois Programas Nacionais de Direitos Humanos, em 1996 e 2002. A Comissão de Mortos e Desaparecidos, em 1995, e a Comissão de Anistia, em 2001, foram concebidas. A Lei Contra a Tortura foi sancionada em 1997, e, em 2001, foi realizada a Campanha Nacional contra Tortura. Ligada ao Ministério da Justiça foi desenhada a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, em 1997, para dois anos depois transformá-la em Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, quando se elevou o secretário da pasta ao status de ministro de Estado4 4 Sobre as realizações desse período, recomenda-se a leitura do artigo de Ballestrin (2008). .

Algumas de suas práticas políticas, porém, especialmente no campo de política econômica e dos direitos sociais, não passaram imunes a críticas, vozes ainda com reduzida reverberação na esfera pública central que foram gradativamente ocupando espaços a partir de públicos alternativos da esquerda no espectro político ideológico e se aproximaram da esfera pública central, mostrando que o suposto consenso de práticas e narrativas não era fundado em bases tão sólidas.

Conflitos entre progressistas

Apesar do multipartidarismo consagrado da Nova República, formou-se, em 1994, tendo durado até 2014, a disputa reiterada nas eleições para a Presidência entre dois partidos políticos: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Partido dos Trabalhadores (PT).

Parte significativa da elite política desses dois partidos políticos hegemônicos nesse período tinha se aliado alguns anos antes contra a Ditadura Militar em lutas como a da Anistia e das Diretas Já. Muitos dos fundadores das siglas haviam sido perseguidos pelo regime anterior, sofreram violações terríveis de direitos humanos e aprenderam a valorizar e a mobilizar o vocabulário de direitos humanos, compartilhando visões que podemos chamar de progressistas. Quando no poder, ambos trouxeram contribuições significativas para a defesa e promoção dos direitos humanos.

Derrotado reiteradamente nas primeiras disputas e liderando a oposição até o final de 2002, o PT seguiu construindo retóricas críticas ao adversário, algumas convertidas em políticas públicas em outras esferas da federação, adequando e modificando suas estratégias ao longo do tempo.

Mesmo depois de chegar ao poder, certas narrativas continuaram a ser alimentadas em uma lógica que logrou repaginar disputas tradicionais em torno dos direitos humanos da época da Guerra Fria e que colocava, do lado do bloco estadunidense, a primazia dos direitos civis e políticos sobre os sociais, econômicos e culturais, e, do lado soviético, a maior importância dos últimos em relação aos primeiros5 5 Tal disputa política foi importante na segunda metade do século XX, inviabilizou a concretização de um tratado único sobre direitos humanos no fim dos anos 1940 e conduziu à elaboração de dois tratados, em 1966: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, encabeçado pelos Estados Unidos, e o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, sob a batuta da União Soviética. . Além de enfatizar os direitos sociais, essa lógica incluiu na agenda a valorização da participação social e mirou os direitos civis e políticos de minorias e alguns direitos difusos e coletivos, como o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável, mesmo que mais no âmbito do discurso e das narrativas do que em políticas públicas efetivas.

Entre os feitos dos governos do PT no campo de direitos humanos, costumam ser destacadas principalmente as conquistas em políticas sociais, que beneficiaram populações pobres - como políticas de transferência de renda, de melhoria no acesso a energia, água e educação, incidindo positivamente sobre índices de escolaridade, emprego e renda e negativamente sobre a mortalidade infantil (Arretche, 2015ARRETCHE, Marta (org.). 2015. Trajetórias das Desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp, CEM.; Guerra et al., 2015GUERRA, Alexandre; POCHMAN, Marcio; SILVA, Ronnie Alves. 2015. Atlas da exclusão social no Brasil: Dinâmica da exclusão social na primeira década do século XXI. São Paulo: Cortez.). Merecem registro outras realizações como a elaboração do Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos, em 2007, e do PNDH-3, em 2009, a criação da Comissão Interministerial Araguaia, em 2003, e da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, além do aprofundamento de arranjos democráticos, que atraíram muitos atores da sociedade civil para perto do Estado, influenciando positivamente na concepção e no aperfeiçoamento de políticas públicas para determinados grupos. Em 2010, a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos foi elevada à condição de Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

As diferenças em visões de política econômica em relação aos direitos sociais foram muito mobilizadas nas disputas entre os dois partidos, especialmente a partir da esquerda, desde quando se situava na oposição. No campo econômico, as duas gestões de Fernando Henrique Cardoso registraram algumas continuidades em relação aos dois governos civis anteriores no avanço de ajustes liberais, incluindo a reforma do Estado. Na política austera de combate à inflação, um dos alvos foi o fim da vinculação de receitas para políticas sociais consagradas no capítulo da Ordem Social da Constituição de 1988 (Fagnani, 2017FAGNANI, Eduardo. 2017. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015). Campinas: Instituto de Economia Unicamp.). Depois do sucesso da campanha pela reeleição e uma vitória no primeiro turno, não se logrou a desejada transição da passagem de estabilização para o crescimento.

O contexto internacional não colaborou, tendo em vista os tempos de crises internacionais do México (1994) e da Rússia (1998). O real se desvalorizou bastante, o Produto Interno Bruto (PIB) não crescia e vários protestos começaram a se difundir no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. A gota d’água para sepultar a popularidade do presidente foi a crise de energia conhecida como o “apagão” (Lamounier, 2005LAMOUNIER, Bolívar. 2005. Da independência a Lula: dois séculos de política brasileira. São Paulo: Augurium.). Mesmo que a experiência brasileira de controle da inflação tenha sido uma conquista econômica relevante almejada há muitos anos por economistas do continente, com impactos sociais significativos, não foi suficiente para reduzir desigualdades sociais e a miséria estrutural, que se aprofundaram durante a estagnação econômica dos anos 1990 (Fagnani, 2017FAGNANI, Eduardo. 2017. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015). Campinas: Instituto de Economia Unicamp., p. 5).

Esse ideário de ajustes liberalizantes foi reproduzido com diferentes intensidades em vizinhos da América Latina nos anos 1990. Em face dele, a oposição à esquerda no espectro político ideológico explorou narrativas salientando os custos sociais significativos de tais políticas, reivindicando, em seu lugar, a necessidade imperiosa de políticas redistributivas. Ao lado de atores sociais diversos, como movimentos sociais e numerosas organizações da sociedade civil, enfatizou-se a importância dos direitos sociais da população, ameaçados pelo viés liberalizante de suas políticas econômicas.

É fundamental destacar que o primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos, de 1996, praticamente silenciou em relação aos direitos sociais, econômicos e políticos, o que foi incorporado apenas no segundo programa, em 2002, em razão das críticas recebidas e da mudança do ambiente político (Ballestrin, 2008BALLESTRIN, Luciana M. 2008. Direitos humanos, Estado e sociedade civil nos Governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Teoria e Sociedade, v. 2, n. 16, pp. 10-33.).

No início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, no final de 1998, evidenciou-se o aprofundamento da crise econômica. O Real se desvalorizou, aniquilando expectativas sobre uma prometida guinada. A popularidade do então Presidente declinou.

Esta alteração brusca dos rumos traçados resultou num crescimento econômico próximo de zero, logo no primeiro ano do segundo mandato, que estava programado para ser o “ano da virada”. Isso fez com que rapidamente se desintegrasse a imagem positiva do governo do presidente Fernando Henrique - percebido à época da fácil reeleição como o único capaz de conduzir o país a um porto seguro. Os índices de impopularidade elevaram-se significativamente e o quadro não foi revertido até o fim do segundo mandato. (Couto e Abrucio, 2003COUTO, Cláudio G.; ABRUCIO, Fernando. 2003. O segundo Governo FHC: coalizões, agendas e instituições. Tempo Social , v. 15, n. 2, pp. 269-301., p. 284)

Nos dois governos de FHC houve esforços no sentido de implementar acordos e convenções internacionais de direitos humanos. O 2º PNDH foi umas das prioridades da segunda gestão de FHC. Concluído em 2002, teve a pretensão de superar pontos objeto de críticas. Incluiu direitos econômicos, sociais e culturais e abrangeu demandas de grupos sociais sub-representados como a população LGBTQIA+, indígenas, idosos e portadores de necessidades especiais. Em ambos, os primeiros programas as linhas de ações estimularam programas de atendimento a vítimas de discriminação e a criação de conselhos de políticas públicas (Adorno, 2003ADORNO, Sérgio. 2003. “Lei e ordem no segundo governo FHC”. Tempo Social , v. 15, n. 2, pp. 103-140.)6 6 Registra-se que em 2007 foi lançado o Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, a partir de esforços de consultas públicas e conferências promovidas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o Conselho de Defesa da Pessoa Humana e a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania. O deputado estadual Renato Simões (PT), uma das lideranças na Alesp, elogiou os avanços daquele programa em relação ao federal e o compromisso assumido pelo então governador Mário Covas (PSDB) com aqueles conteúdos (Ferreira, 2019b). .

Embora já houvesse críticas de natureza similar desde o Governo Collor, a força nacional e internacional da esquerda pautando discursos e narrativas foi relativamente pequena até o aprofundamento da recessão econômica. A linha narrativa utilizando o vocabulário dos direitos humanos vinha sendo desenvolvida ao longo de anos e teria alguma centralidade nas disputas eleitorais seguintes. A esquerda conquistava crescente destaque na esfera pública dentro do país e do continente.

Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela, em 1998, representantes situados à esquerda no espectro político ideológico começaram a lograr sucesso em várias eleições presidenciais no continente, como na Argentina, Equador, Uruguai, Chile, Bolívia, Nicarágua, Honduras, Paraguai e El Salvador, no fenômeno que veio a ser conhecido como Virada à Esquerda (Levitsky e Roberts, 2011LEVITSKY, Steven; ROBERTS, Kenneth M. 2011. The resurgence of the Latin America left. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), ou Maré Rosa (Lievesley e Gudlam, 2011LIEVESLEY, Geraldina; LUDLAM, Steve. 2011. Introduction: reaction and revolt. In: DOMINGUEZ, Francisco; Lievesley; LIEVESLEY, Geraldina; LUDLAM, Steve. Right-Wing Politics in the New Latin America: reaction and revolt. Londres, Nova Iorque: Zed Books.), na América Latina. De mais moderados a mais radicais, essas lideranças tinham em comum alguns elementos como uma alternativa ao viés neoliberal predominante na década anterior e como resistência à tradicional influência estadunidense no continente. A própria cor rosa, em vez da vermelha, visa dar conta da heterogeneidade das lideranças e das políticas adotadas.

Era a época também dos movimentos antiglobalização ou altermundistas, registrando protestos em todo o mundo contra a ordem econômica liberal e as injustiças que ela produziria, enfatizando pautas de viés contracultural, denunciando a opressão contra minorias, tendo na liderança, geralmente, uma série de coletivos, fóruns e redes de atores da sociedade civil (Gerbaudo, 2017GERBAUDO, Paolo. 2017. The mask and the flag: populism, citizenism and global protest. New York: Oxford University Press.). O Fórum Social Mundial, realizado inicialmente na cidade de Porto Alegre, reunia multidões a cada ano, com o slogan “Um Novo Mundo é Possível”.

Associa-se o início da Maré Rosa no Brasil com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003. Sua campanha inicial, de um lado, adotou postura defensiva, afirmando a importância de uma economia sólida e da conciliação naquela sociedade dividida, flertando com os desejos - e atenuando os medos - do mercado desaquecido no cenário de estagnação, inclusive nomeando para vice-presidente uma figura do Partido Liberal, simpática ao olhar dos empresários; e, de outro, foi ofensiva e propositiva, atacando duramente o abandono da área social por parte dos governos anteriores, prometendo a valorização do trabalho, com a produção de empregos e geração de renda (Freitas, 2019FREITAS, Felipe Corral de. 2019. Antagonismo e propaganda eleitoral: os discursos de PSDB e PT na eleição de 2002. Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 1, pp. 475-524.). Aqueles públicos, antes alternativos, foram alçados à esfera pública central.

Apesar de uma estratégia exitosa mais alinhada aos interesses do capital, é notória, na gênese da história política de Lula, sua defesa dos direitos de operários da indústria automobilística em São Bernardo e sua ligação com os direitos sociais. Não foi por acaso que, em 2003, o presidente recém-empossado fez questão de discursar na cerimônia de instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, quando advogou o acesso de todos: “[...] às coisas elementares que todo ser humano deve ter: o direito de trabalhar, o direito de morar, o direito de estudar, o direito de ter acesso à saúde e o direito de tomar café, almoçar e jantar todo santo dia” (Pronunciamento..., 2003PRONUNCIAMENTO à nação do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva na Cerimônia de Posse. 2007. Biblioteca da Presidência da República, [s.l.]. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Gpz5Zu . Acesso em: 7 abr. 2023.
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). Depois dos primeiros anos de “continuísmo” em políticas macroeconômicas ortodoxas de ajustes fiscais em relação ao período anterior, a partir de 2007, ano em que o Programa de Aceleração do Crescimento foi lançado, o governo federal passou a adotar uma postura inovadora e mais agressiva em investimentos em infraestrutura e em políticas redistributivas (Fagnani, 2017FAGNANI, Eduardo. 2017. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015). Campinas: Instituto de Economia Unicamp.). O Brasil conhecia ali um período de crescimento econômico significativo, com redistribuição, que se manteve mesmo após a eclosão da crise econômica estadunidense, de 2008.

Sem abandonar o discurso em defesa da estabilidade macroeconômica, foi a partir da segunda eleição, em 2006, e daí em diante nas eleições seguintes, que a agenda de políticas redistributivas e de combate às desigualdades e à miséria foi explorada com maior destaque. Foi quando se configurou um realinhamento do eleitorado do PT. Substituiu-se parcela dos eleitores das classes médias da primeira eleição por eleitores das camadas mais pobres da sociedade, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, mas sem perder a relevância no Sul e Sudeste (Singer, 2009SINGER, André. 2009. Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos Estudos Cebrap, n. 85, pp. 83-102.).

A celebração de conquistas em direitos sociais está registrada no discurso de posse de Lula em seu segundo mandato:

Eu tenho noção do que significa as coisas que nós fizemos, tenho noção que já fizemos muito. Mas, ao mesmo tempo, tenho noção que diante das necessidades do povo e diante da quantidade de décadas e décadas de dívida social com o povo brasileiro, mesmo fazendo muito, nós fizemos muito menos do que aquilo que precisa ser feito para que a gente possa tornar o Brasil um país mais justo, mais equânime, onde todas as pessoas possam conquistar a cidadania plena, com o direito de trabalhar, de estudar, de ter acesso à cultura, ao lazer, a tomar café de manhã, almoçar, jantar, tirar férias e cuidar da sua família. (Silva, 2007)

Tal disputa de narrativas e práticas envolveu outro elemento que remete aos direitos civis e políticos de minorias e à defesa e promoção de interesses coletivos e difusos, a partir da relevância dedicada ao valor da participação e inclusão de grupos sociais na política. Os processos e arranjos de participação popular foram estimulados nos governos do PT, e as experiências de participação foram consideravelmente ampliadas em relação aos governos anteriores (Mateos, 2011MATEOS, Simone Biehler. 2011. Participação popular: a construção da democracia participativa. Desafios do Desenvolvimento, v. 8, n. 65, pp. 1-8.). Estudos mostram que a participação se constituiu como diretriz fundamental para esse partido político, desde sua fundação e experiências mais locais até o âmbito da União, inspirando numerosas experiências de políticas públicas, passando por orçamento participativo, ouvidorias, consultas públicas, conselhos de políticas públicas, conferências locais, regionais e nacionais (Baiocchi, 2017BAIOCCHI, Gianpaolo. 2017. A century of councils: Participatory Budgeting and the long history of participation in Brazil. In: ALVAREZ, Sonia E. et al. (org.). Beyond Civil Society: Actvism, Participation and Protest in Latin America. Durham: Duke University Press. pp. 27-44.; Bezerra, 2019BEZERRA, Carla de Paiva. 2019. Os sentidos da participação para o Partido dos Trabalhadores (1980-2016). Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 34, n. 100, e3410016.).

[...] há uma dinâmica relacional, em que a adoção de diferentes instituições participativas para a concretização da diretriz da participação simultaneamente molda e reflete as preferências ideológicas partidárias. Se, por um lado, a diretriz da participação vem do processo fundacional do partido e de sua origem movimentista, o modo de colocar em prática essa diretriz é feito de forma experimentalista e difusa, sendo as experiências bem-sucedidas posteriormente incorporadas pelo partido e difundidas enquanto tal. (Bezerra, 2019BEZERRA, Carla de Paiva. 2019. Os sentidos da participação para o Partido dos Trabalhadores (1980-2016). Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 34, n. 100, e3410016., p. 2)

Levando essa constatação para o campo dos direitos humanos, os governos do PT ampliaram significativamente práticas de participação institucionalizada, garantindo maior porosidade do Estado para o ingresso na esfera pública central de demandas de atores sociais distintos representantes de minorias e de interesses difusos e coletivos e para o próprio funcionamento dos controles democráticos (Peruzzotti, 2006PERUZZOTTI, Enrique. 2006. La política de accountability social en America Latina. In: VERA, Ernesto Insunza; OLVERA, Alberto J. (org.). Democratización, rendición de cuentas y sociedad civil. Ciudad de México: Ciesas.)7 7 Elevar as demandas desses atores para o centro da esfera pública nem sempre significa concretização de políticas públicas. Quando efetivamente concretizadas, a participação social na concepção dessas políticas tende a produzir impacto positivo sobre os seus desenhos. . O processo participativo amplo de construção do PNDH-3 e os princípios consagrados no documento - como a transversalidade das políticas públicas, a centralidade do desenvolvimento de forma sustentável como direito humano e o combate às desigualdades estruturais - são constatações dessa tendência. Importa ressaltar que a indivisibilidade e interdependência dos direitos foi afirmada de modo peremptório no programa.

Se a elaboração dos referidos dois Programas Nacionais de Direitos Humanos anteriores foi precedida de consultas públicas amplas, contando com seis grandes Conferências Nacionais de Direitos Humanos, a construção do PNDH-3 foi antecedida por outras 74 conferências posteriores focadas em temáticas plurais (Moutinho, Aguião e Neves, 2018MOUTINHO, Laura; AGUIÃO, Silvia; NEVES, Paulo S. C. 2018. A construção política das interfaces entre (homos)sexualidade, raça e aids nos programas nacionais de direitos humanos. Ponto Urbe, v. 23, pp. 1-21.).

Resultado de processos participativos envolvendo amplos setores populares, as mais diversas minorias, o PNDH-3 sagrou-se como uma agenda política transversal do governo, envolvendo compromissos ambiciosos e nomeando as responsabilidades dos gestores das pastas mais diversas. Os direitos em todas as suas categorias ganharam espaço, afirmando a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, superando a própria dicotomia anterior que enfatizava os direitos sociais. Em determinados assuntos, assumiu posições ousadas, como tocar na questão do direito à verdade e à memória, ou em relação ao aborto, à regulação da imprensa ou ao direito à propriedade, superando em audácia os programas anteriores, construídos durante os Governos FHC. Afastando-se do padrão moderado e conciliador dos governos petistas até então8 8 Esse padrão conciliador é bem descrito por Singer (2012) como uma das características do fenômeno que chama de Lulismo. , o PNDH-3 adquiriu contornos de maior radicalidade à esquerda.

Essa “origem movimentista” e a valorização das práticas da participação social, encontram similaridades em outros governos da Virada à Esquerda na América Latina. A participação como ideário e diretriz povoou as narrativas de tais governos, exaltando a participação como uma marca política, na diferenciação de opositores, considerados menos inclusivos e menos democráticos. Toda a construção democrática do PNDH-3 representou o ápice de processos de aprofundamento da democracia e de edificação de um aparato de defesa e promoção de direitos humanos no país, que foram ganhando corpo desde o início dos governos do PSDB no estado de São Paulo e no Brasil.

Coalizão conservadora

A permanência longa da esquerda no poder em vários países no continente latino-americano incomodou muitos atores sociais no Brasil e no exterior.

Estudo sobre a repercussão do PNDH-3 em três dos principais jornais da imprensa escrita do país (O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo) constatou o ataque duro e sistemático, mostrando-o como “[...] antidemocrático e com intenções eleitorais, induzindo o leitor a encarar o Programa Nacional de Direitos Humanos como uma ferramenta de doutrinação ideológica e revanchista” (D’Addio, 2016D’ADDIO, Thomas Ferrari. 2016. Um novo amanhã: o Programa Nacional de Direitos Humanos 3. Dissertação de Mestrado em Análise de Políticas Públicas. São Paulo: Universidade de São Paulo., p. 120).

Mais avermelhado que rosa, para servir-se da metáfora de cores, o PNDH-3 se constituiu como alvo preferencial da aliança ampla orquestrada inicialmente em quatro frentes: proprietários rurais e urbanos, religiosos conservadores de diversos credos, dos grupos “pró-vida” (Luna, 2014LUNA, Naara. 2014. A polêmica do aborto e o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Dados, v. 57, n. 1, pp. 237-275.) -, civis e militares apoiadores dos governos militares e imprensa corporativa (Adorno, 2010ADORNO, Sérgio. 2010. História e desventura: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Novos Estudos, n. 86, pp. 5-20.; Ferreira, 2019FERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019a. Ataque aos conselhos é revés para democracia. Entendendo Bolsonaro. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/31Qf6g7 . Acesso em: 7 abr. 2023.
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; Mehl, 2019MEHL, Gustavo. 2019. Movimentos lançam campanha pela integralidade e implementação do PNDH-3. Justiça Global. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/408Ax9T . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

Um momento emblemático de ataques deu-se em março de 2010, no âmbito do 3º Encontro pela Democracia, quando o PNDH-3 foi apresentado reiteradamente como uma grande ameaça à democracia (Grupo Inconfidência, s.d.GRUPO INCONFIDÊNCIA. 2020. III Encontro Pela Democracia. Disponível em: Disponível em: http://grupoinconfidencia.org.br/sistema/index.php?option=com_content&view=article&id=134%3Aiii-encontro-pela-democracia&catid=72%3Areaje-brasil&Itemid=113 . Acesso em: 5 set. 2020. [Link não está mais disponível]
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). Na ocasião, se reuniram vários grupos da sociedade civil da direita e lideranças políticas, como o presidente do Clube Militar do Rio de Janeiro, general Gilberto Barbosa Figueiredo, o general Marco Antonio Felício da Silva, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Waldemar Zveiter, o jornalista do Estadão Antonio Carlos Pereira, e o advogado Ives Gandra Martins.

Em outras oportunidades, o repúdio ao PNDH-3 atingiu outros públicos. No campo conservador, o banco de dados reuniu declarações de Ives Gandra Martins Filho, do deputado Jair Bolsonaro, do herdeiro da família imperial dom Bertrand de Orleans e Bragança, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) do Rio de Janeiro, do bispo de Guarulhos e da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB. No campo da direita liberal, apareceu em escritos de Rodrigo Constantino, Henrique Sartori Giovana Stefani, publicados nas páginas de think tanks liberais, e do jornalista Reinaldo Azevedo, na revista Veja. Entidades diversas protestaram publicamente contra o PNDH-3, como: a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o Sindicato de Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Associação Nacional dos Jornais, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV, a Associação Nacional dos Editores de Revistas, a Associação do Voto Democrático Distrital, o Foro da Democracia Representativa, o Foro do Brasil, o Grupo Atitude Nacional, o Grupo Guararapes, o Grupo Inconfidência, o Movimento Endireita Brasil, o Movimento Verde Amarelo/RS, o Grupo Terrorismo Nunca Mais e a União Nacionalista Democrática. A maioria dessas manifestações miraram não apenas os conteúdos do documento, mas questionaram sua forma, deslegitimando especialmente os mecanismos de participação social que lhe deram origem (Ferreira, 2019FERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019a. Ataque aos conselhos é revés para democracia. Entendendo Bolsonaro. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/31Qf6g7 . Acesso em: 7 abr. 2023.
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). Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar de biografia associada à defesa dos direitos humanos, aderiu à onda de ataques ao PNDH-3, em palestra na 23ª edição do Fórum da Liberdade. Considerou o modelo de consultas públicas adotado como não democrático e tendente ao autoritarismo e alertou para uma suposta tendência histórica de os perigos contra as liberdades surgirem justamente “de baixo, e não de quem está no topo”. Concluiu apostando que “[...] este modelo não vai passar. Quem acha que tem a chave para tudo acaba impondo. Não se pode ser a favor dos Direitos Humanos aqui e se ser contrário em Cuba” (Vigna, 2010VIGNA, R. 2010. Fernando Henrique Cardoso e Jorge Gerdau encerram o Fórum da Liberdade. Jornal do Comercio.).

Essa ofensiva operou também a partir de um instrumental novo de difusão na sociedade: o uso de redes sociais e mídias digitais. Exatamente naquele momento, o acesso à internet se ampliava significativamente no Brasil9 9 Em 2011 o Brasil chegava a 73,9 milhões de pessoas com acesso à internet, sendo 43,2 milhões usuários ativos. Ano a ano, os registros de acesso expandiam-se consideravelmente (Brasil..., 2011). . Sabe-se que contrapúblicos da direita tiveram pioneirismo no domínio e utilização das novas mídias e das redes para fins políticos no exterior (Moore, 2018MOORE, Martin. 2018. Democracy Hacked: political turmoil and information Warfare in the Digital Age. London: One World Publications.; Mounk, 2019MOUNK, Yascha. 2019. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Companhia das Letras.) e no Brasil (Messemberg, 2017MESSEMBERG, Débora. 2017. A direita que saiu do armário: a cosmovisão dos formadores de opinião dos manifestantes de direita brasileiros. Estado e Sociedade, v. 32, n. 3, pp. 621-648.; Fucs, 2017FUCS, J. 2017. “A máquina barulhenta da direita na internet”. O Estado de S. Paulo.).

Em fevereiro de 2010, o governo sofreu um revés na Comissão de Constituição e Justiça, quando a maioria no colegiado (9x7) decidiu em favor do pleito da oposição no sentido de convocar a ministra da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff, para prestar esclarecimentos sobre o PNDH-3 (Chagas, 2010CHAGAS, Marcos. 2010. CCJ do Senado aprova convocação de Dilma para falar sobre Programa de Direitos Humanos. Agência Brasil. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3MpjtsV . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

Em face dos ataques, o governo não bancou a manutenção do programa em sua integralidade por muito tempo. Em maio de 2010, houve recuos significativos em alguns pontos do PNDH-3 que causaram polêmicas na esfera pública. O Decreto nº 7.177, de 12 de maio de 2010, alterou a redação de sete itens e revogou duas ações programáticas.

Acrescenta-se que, algum tempo depois, a então candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff, cederia novamente em matéria do PNDH-3, admitindo publicamente a revogação completa da discussão sobre o aborto do programa (Lima, 2010LIMA, Maria. 2010. Após polêmica, aborto foi retirado do Plano Nacional de Direitos Humanos. O Globo. Disponível em: Disponível em: http://glo.bo/419FDU2 . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

Diante do momento político e econômico plenamente favorável, surpreendem as derrotas. Esses recuos deslegitimaram e desmotivaram parte de suas bases de apoio popular que se envolveram nos processos participativos e encorajaram uma oposição que parecia enfraquecida e desacreditada.

A importância do PNDH-3 como catalizador e aglutinador da direita contra a esquerda conduziu o tema dos direitos humanos para uma disputa que ganhou fôlego com a Comissão Nacional da Verdade, o grande fruto do programa que saiu do papel. Desde o decreto de sua fundação, em 2011, e durante todo o tempo em que esteve em funcionamento, entre 2012 e 2014, foi alvo constante de ataques dos diversos grupos que se aliaram conta o PNDH-3, com algum protagonismo de atores individuais e coletivos simpáticos ao Regime Militar e de certas narrativas por eles defendidas na esfera pública.

Alguns exemplos reunidos no banco de dados são declarações do influenciador Olavo de Carvalho, dos jornalistas Boris Casoy e Alexandre Garcia, vídeos do “Brasil Paralelo”, artigo de opinião e entrevistas do deputado Jair Bolsonaro, do jurista Ives Gandra e de generais e simpatizantes de militares no Jornal Inconfidência e em think tanks liberais como o Instituto Liberal e o Instituto Millenium, inclusive com a publicação de nova edição do livro Orvil, além de memes diversos difundidos nas redes sociais digitais. O Clube Naval anunciou a criação de uma comissão da verdade paralela à oficial (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).

Embora constituído o colegiado da Comissão Nacional da Verdade em meio a evento pomposo, contando com a presença de todos os ex-presidentes civis vivos, gradativamente foi perdendo respaldo político das autoridades e sem conquistar prestígio com parcelas significativas da opinião pública, a ponto de o Relatório Final ter sido entregue em cerimônia modesta e de suas recomendações terem sido ignoradas. Na imprensa corporativa foi identificada uma postura ambígua, como em editoriais que relativizaram a importância da iniciativa (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).

Várias reações nos depoimentos prestados para essa pesquisa sobre a Comissão Nacional da Verdade foram negativas. Para Conte Lopes, as autoridades deveriam mirar no futuro, não num passado tão distante. Ribas Paiva asseverou que abusos foram cometidos pelos dois lados. “Uma piada”, foi como o coronel Telhada tratou da iniciativa, por ter supostamente investigado “um lado só”. Carla Zambelli lamentou que os atos terroristas da esquerda não tenham sido investigados. Marcello Reis classificou o trabalho da Comissão como uma “inverdade”. Tais atores compartilham entre si algum saudosismo em relação ao período da ditadura (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).

Em sentido diverso, Paulo Sérgio Pinheiro, um dos integrantes do colegiado, elogiou os esforços dos três presidentes para a viabilização do colegiado: FHC, Dilma e Lula. Adriano Diogo considerou tão importante a iniciativa que reproduziu uma comissão similar na Alesp (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).

A partir dos ataques ao PNDH-3 e à Comissão Nacional da Verdade, alguns contrapúblicos, agindo em comunidades em redes sociais digitais, passaram a produzir e a difundir discursos em diversos influxos comunicativos na esfera pública. Suas teses ganharam maior reverberação, especialmente com as perspectivas negacionistas em relação à história do período da Ditadura Militar e às acusações de violências criminosas por parte dos agentes do Estado (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.). Paralelamente, os direitos humanos estiveram sob ataque também por parte de discursos de religiosos, importando correntes de orientação moralista identificados com a expressão provida10 10 Na pauta do aborto, entre os entrevistados pelo autor situados à direita no espectro político ideológico, apenas o bispo Oliveira, da Igreja Mundial do Reino de Deus, posicionou-se contra a intervenção na gravidez em qualquer hipótese. Prevaleceu a concordância com as exceções legais previstas no ordenamento brasileiro (Ferreira, 2019b). Sobre as tendências ideológicas de evangélicos brasileiros, recomenda-se a leitura de Almeida (2019). . Por seu turno, a ideia de direitos sociais e econômicos foi repudiada nos discursos de liberais11 11 Nas entrevistas colhidas, tal posição foi abraçada pelo influenciador autodefinido como “ultraliberal” Geanluca Lorenzon (Ferreira, 2019b). . No âmbito dessa aliança, por vezes esses discursos apresentaram formas combinadas e sincréticas em fóruns e manifestações dos atores políticos na esfera pública12 12 Exemplos de conteúdos dessa natureza apareceram em edições do Fórum da Liberdade, no 3º Encontro pela Democracia, no Jornal Inconfidência e em páginas da internet de think tanks, como o Instituto Liberal e o Instituto Millenium. .

Elementos marcantes nos discursos sobre direitos humanos difundidos contra a esquerda no poder foram: a acusação de flerte com o autoritarismo, com o comunismo e de desprezo pela democracia e pelas liberdades, o ataque às reivindicações dos atores sociais envolvidos na concepção do PNDH-3 e a acusação de ilegitimidade desses mesmos atores sociais e dos processos de consulta pública promovidos por meio dos novos arranjos democráticos vigentes.

Contrapúblicos da direita política passaram a conduzir essa disputa na esfera pública central, ocupando espaços nos parlamentos tradicionalmente dominados pela esquerda como as Comissões Permanentes de Direitos Humanos. Há evidências desse movimento em diferentes entes federativos. Houve a reforma das comissões da Alesp, em 2011, que reduziu as atribuições da antiga Comissão de Direitos Humanos. Na Câmara Municipal de São Paulo, em 2013, o suposto interesse do então vereador Coronel Telhada pela Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de São Paulo, gerou enorme celeuma na esfera pública. Em 2015, a polêmica foi repaginada quando da eleição do Coronel Telhada para a Assembleia Legislativa. Na Câmara dos Deputados, em 2013, a eleição do deputado Pastor Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos marcou novo episódio dessa tendência (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).

Disputas intensas

O último momento constitui o contemporâneo. Essa aliança de oposição e de todo um longo esforço comunicativo provocado por públicos alternativos, contrapúblicos, e inclusive contrapúblicos subalternos, atuando desde a imprensa corporativa tradicional até as redes sociais digitais, conquistou numerosos simpatizantes de diversos perfis etários e socioeconômicos. As tensões se acentuaram.

A partir da onda de protestos no Brasil de junho de 2013, registrou-se enfraquecimento do respaldo popular aos governantes no poder em face das críticas e demandas conduzidas nas ruas e do apelo por novas narrativas antiestablishment e atores identificados com elas. Não foi um fenômeno exclusivamente brasileiro, tendo sido registrada uma onda de protestos com certas similaridades em vários lugares do mundo. Na análise de Gerbaudo (2017GERBAUDO, Paolo. 2017. The mask and the flag: populism, citizenism and global protest. New York: Oxford University Press.), tais movimentos seriam significativamente distintos daqueles altermundistas da década anterior, tendo um caráter mais nacional, em vez de global, tendo uma identidade mais voltada às maiorias e a um populismo democrático, em vez de minorias, além de serem fortemente difundidos a partir da popularização de novas tecnologias de comunicação e sua lógica de redes sociais digitais. No Brasil e em boa parte do continente, isso significou o reforço das retóricas difundidas pela oposição, contra as autoridades e as políticas vigentes de orientação à esquerda no espectro político ideológico.

Outro fenômeno a ressaltar, dessa vez particular do Brasil, especialmente a partir de 2014, deu-se com as investidas sistemáticas da chamada Operação Lava-Jato, abalando frontalmente a imagem e as pretensões políticas das principais lideranças do PT e de sua coalizão no governo e solapando os negócios, os atores e os setores do mercado nacional que tiveram protagonismo na promoção do recente crescimento econômico do país. Foi viabilizada por uma autodenominada Força-Tarefa que aliou significativamente os esforços de autoridades das Polícias Federais e do Ministério Público com determinadas autoridades do judiciário e que se utilizou estrategicamente dos holofotes da imprensa corporativa brasileira.

Depois do crescimento elevado da economia brasileira desde 2004, com alguma desaceleração a partir de 2010, em 2014 ela ingressou em período de estagnação. A conjuntura econômica internacional não era favorável, salientando que a imensa Crise de 2008 não teve um impacto imediato severo no Brasil devido ao aquecimento do mercado de commodities até 2010. O processo de desindustrialização de muitas economias, fenômeno contemporâneo global, não foi revertido no Brasil, e a conjuntura internacional favoreceu, em parte, a reprimarização de pautas de exportação. O país registrou perda significativa de arrecadação e as estratégias de ajustes adotadas almejando o controle da recessão não obtiveram sucesso (Guerra et al., 2017GUERRA, Alexandre et al. (org.). 2017. Brasil 2016: recessão e golpe. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.).

O processo complexo de desgaste político que se desenhou desde a vitória de Dilma nas eleições de 2014, sem a aceitação dos resultados pelo adversário, seguida pela conturbada eleição do algoz Eduardo Cunha para a Presidência da Câmara dos Deputados e pelas investidas reiteradas da Operação Lava-Jato, desaguou no processo de Impeachment que retirou Dilma Rousseff, em 2016, encerrando o período da Maré Rosa no Brasil13 13 Recomenda-se, para entender tal processo em pormenores, a leitura de: Singer (2018). .

O vice-presidente, Michel Temer, assumiu o poder costurando coalizão com a oposição, contando com grande base de apoio da maioria do Congresso e do próprio PSDB. Iniciou-se ali um processo de desmantelamento de determinadas políticas sociais, inclusive dos arranjos de participação social.

Em matéria de direitos humanos, ressalta-se ataques ao financiamento de políticas sociais e aos direitos sociais trabalhistas e previdenciários. Aprovou-se a Emenda Constitucional nº 95, que congelou por 20 os gastos públicos sociais, afetando frontalmente a promoção de direitos sociais, abalando as políticas nas áreas de saúde, educação e assistência social. Mudou-se ainda a regulação dos gastos do Pré-Sal brasileiro, desvinculando os recursos do financiamento de políticas de saúde e educação. Outra realização foi a reforma trabalhista, amplamente criticada por sindicatos de trabalhadores e movimentos sociais, que flexibilizou direitos diversos (Souza e Soares, 2019SOUZA, Giselle; SOARES, Morena Gomes Marques. 2019. Contrarreformas e recuo civilizatório: um breve balanço do governo Temer. Ser Social, v. 21, n. 44, pp. 11-28.).

Apesar de retrocessos nas práticas e da introdução de militares e atores da direita mais radical em cargos elevados da máquina pública e da reorientação ideológica na diplomacia, com José Serra como chanceler, o Governo Temer manteve as narrativas segundo diretrizes históricas sobre direitos humanos. O então presidente transformou a Secretaria de Direitos Humanos em Ministério dos Direitos Humanos e até nomeou uma professora com trajetória reconhecida ligada à defesa dos direitos humanos, Flávia Piovesan, para o comando da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e, depois, para a Secretaria da Cidadania, no novo Ministério dos Direitos Humanos (Garcia, 2017GARCIA, Ronald Vizzoni. 2017. Direitos humanos nos primeiros meses do governo Temer. Congresso em foco. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/40dyUYp . Acesso em: 16 abr. 2023.
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). A radicalização da disputa, sem precedentes, seria constatada, de fato, com a eleição de seu sucessor (de quem, registre-se, Temer se revelaria um aliado, anos depois).

Nas disputas eleitorais de 2018, ao contrário das previsões da maioria dos analistas, quem se sagrou vitorioso foi Jair Messias Bolsonaro, antigo deputado de história política pouco expressiva do chamado “baixo clero” do Congresso Nacional, conhecido por posições radicais na esfera pública, em uma campanha que enfatizou sua posição de outsider da política e que articulou com destreza o apoio de grupos como ruralistas, religiosos, membros do Ministério Público, do Judiciário, das forças de Segurança Pública, das Forças Armadas e de milícias, influenciadores com o discurso da ordem e do combate à corrupção, sendo decisiva a aliança com liberais do mercado financeiro e a ação estratégica nas redes sociais digitais (Avelar, 2020AVELAR, Idelber. 2020. A rebelião do eles: morfologia e sintaxe do fascismo bolsonarista. O Estado de S. Paulo, 3 jul. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KK4GaU . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

No que tange à Democracia e aos direitos humanos, são conhecidas declarações incisivas da trajetória de Jair Bolsonaro, como a que assumiu ser favorável à tortura, em 1999, que pode ser complementada pela que afirmou que o erro da Ditadura Militar tinha sido apenas “torturar e não matar”, em 2008 e 2016, e pela que lamentou que o regime militar brasileiro não tivesse matado umas 30 mil pessoas, a começar pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1999. Reafirmou, em mais de um momento, sua idolatria pelo famoso torturador e comandante da repressão na Ditadura, Carlos Brilhante Ustra, tendo elegido sua biografia como livro de cabeceira. No campo das minorias e dos costumes, já afirmou que preferiria um filho morto a um filho gay, em 2011, e que uma parlamentar merecia ser estuprada, em 2003 e 2014. Já como candidato a presidente, em 2018, vale acrescentar ao seu currículo a adoção da simulação de armas de fogo com os dedos da mão como símbolo de sua campanha eleitoral, manifestações no sentido de estimular - e premiar - o aumento da letalidade policial e um discurso proferido no Acre que tentou instigar o público a “fuzilar a petralhada”, referindo-se pejorativamente aos simpatizantes do partido de oposição (Kokay, 2018KOKAY, Érika. 2018. Bolsonaro em 25 frases polêmicas. Deutsche Welle. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2QNmJ5z . Acesso em: 7 abr. 2023.
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; The Danger..., 2018THE DANGER posed by Jair Bolsonaro. 2018. The Economist. Disponível em: Disponível em: https://econ.st/2vxMFWu . Acesso em: 7 ar. 2023.
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).

Em um governo eleito democraticamente, liderado por dois militares, o capitão e o general (sendo o segundo o general Hamilton Mourão, candidato à Vice-Presidência), militares da ativa ocupam milhares de cargos nos mais elevados escalões dos três poderes, desde ministérios a empresas públicas, em dimensão tal qual não registrada nem na Ditadura Militar (Cavalcanti, 2020CAVALCANTI, Leonardo. 2020. Militares da ativa ocupam 2.930 cargos nos 3 poderes. Poder 360. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3UjPdBw . Acesso em 7 abr. 2023.
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). Crenças antigas difundidas em setores das Forças Armadas ganharam, nos últimos anos, maior difusão na esfera pública14 14 Ver mais sobre esses discursos sintetizados na obra Orvil, em Pedretti (2021). . O culto ao Movimento de 1964 encontra ecos reiterados na comunicação do governo. A ideia de guerra cultural ideológica contra a esquerda e os comunistas, a ser travada em diferentes arenas (que tem versão similar na direita estadunidense), encontrou ressonância na retórica de influenciadores como Olavo de Carvalho. Justifica toda série de ataques virulentos a opositores e por vezes é reproduzida por autoridades públicas como “marxismo cultural” ou na acepção de “politicamente correto” (Pedretti, 2021PEDRETTI, Lucas. 2021. Os ecos do Orvil em 2021, o livro secreto da ditadura. A Pública. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KTZKk1 . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

Estruturas de arranjos democráticos foram sistematicamente atacadas em pouco tempo, eliminando centenas de espaços de participação social e de representação de grupos diversos da sociedade civil construídos ao longo das últimas décadas no Brasil, pela edição de normas monocráticas como a Medida Provisória no 870, o Decreto nº 9.784, o Decreto nº 9.806, o Decreto nº 9.926, e o Decreto nº 9.759, todos de 2019. Quando não foram eliminados completamente, foram aparelhados politicamente com aliados, por vezes com pessoas cuja trajetória é contrária aos próprios fins institucionais do conselho. Colegiados ligados aos direitos humanos foram alvos preferenciais (Ferreira, 2019aFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019a. Ataque aos conselhos é revés para democracia. Entendendo Bolsonaro. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/31Qf6g7 . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

Jair Bolsonaro acabou, nos primeiros dias de governo, com o Ministério de Direitos Humanos, e, em seu lugar, concebeu a Secretaria da Mulher, Família e Direitos Humanos. Nomeou para o comando da pasta a advogada e pastora evangélica (da Igreja do Evangelho Quadrangular e da Igreja Batista da Lagoinha) Damares Alves, assumidamente de orientação ideológica de direita conservadora evangélica, com experiência na assessoria legislativa do senador Magno Malta e na chefia de gabinete do deputado João Campos, ambos cristãos, e militância contra o aborto.

Com a presença constante e ativa nas redes sociais digitais, inegáveis habilidades na retórica e oratória, com facilidade para se comunicar com as pessoas simples, com frequentes recursos emotivos para tratar de pautas de apelo popular, a ministra angariou a simpatia de grandes parcelas da população, sobretudo entre camadas mais pobres (Betim, 2020BETIM, Felipe. 2020. Damares demonstra força entre os mais pobres e acende alerta na esquerda. El País Brasil, 27 jan. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KKxcJC . Acesso em: 20 nov. 2020.
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).

Entre campanhas polêmicas que liderou no governo, Damares defendeu a associação da cor azul para os meninos e da rosa, para as meninas, enfatizando a normatividade heterossexual, e preconizou a abstinência sexual dos jovens, no intuito de combater a gravidez juvenil e doenças sexualmente transmissíveis. Além da negação do aborto mesmo em casos permitidos na legislação, a agenda política prioriza pautas voltadas ao combate de crimes comuns (como estupro, pedofilia e abuso sexual) e contra tragédias de ordem familiar (como automutilação e suicídio), todos de grande impacto emotivo e que tocam na esfera privada do indivíduo e da família e em valores morais e religiosos.

O governo e seus apoiadores têm protagonizado medidas sistemáticas contra vários dos direitos humanos e contra instituições, entidades e ativistas que zelam por sua defesa, como se constata em vários episódios. Registrou-se numerosas ofensas e embates com jornalistas, sobretudo contra mulheres; as tensões com o Supremo Tribunal Federal; conflitos tensos contra etnias indígenas; a exclusão os casos de violência policial de relatório sobre violações de direitos humanos (Pagnan, 2020PAGNAN, Rogério. 2020. Governo Bolsonaro exclui violência policial de relatório sobre violações de direitos humanos. Folha de S.Paulo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/43gHhVE . Acesso em: 7 abr. 2023.
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); a anulação de declarações de anistia política de centenas de vítimas da Ditadura Militar (Vasconcellos, 2020VASCONCELLOS, Jorge. 2020. Damares Alves anula mais de 300 declarações de anistia. Correio Braziliense, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KJQezy . Acesso em: 7 abr. 2023.
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); a interferência reiterada no Conselho Nacional de Direitos Humanos (Amado, 2020AMADO, Guilherme. 2020. Damares volta a interferir no Conselho de Direitos Humanos. Época, 30 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: http://glo.bo/3KplMcP . Acesso em: 7 abr. 2023.
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); e a determinação, no sentido de monitorar organizações internacionais e não governamentais no território nacional15 15 Tal disposição consta do artigo 5º, da Medida Provisória nº 870, de 2019. .

Na linha internacional, sob o comando pelo chanceler Ernesto Araújo, discípulo de Olavo de Carvalho, a diplomacia também registrou reorientação radical contra tradições do Itamaraty, com apelo ideológico conservador marcando discursos e práticas. O país se alinhou a um grupo reduzido de países autoritários, como Hungria, de Victor Orbán, e Polônia, de Andrzej Duda, além de organizações internacionais conservadoras Pró-Vida e Pró-Família, sob a liderança dos Estados Unidos, de Donald Trump. Depois de comandarem, desde o fim de 2019, a “Parceria pelas Famílias”, que organizaria evento em 15 de fevereiro de 2020 sobre políticas de apoio às famílias na Comissão para o Desenvolvimento Social da Organização das Nações Unidas, o quarteto lançou em, Washington, a “Aliança Internacional pela Liberdade Religiosa”, em 5 de fevereiro 2020 (Desideri, 2020DESIDERI, Leonardo. 2020. Brasil, Hungria, Polônia e EUA se unem por agenda conservadora internacional. Gazeta do Povo. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3MuDPkq . Acesso em: 7 abr. 2023.
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). Priorizam agendas morais e de costumes e o conflito ideológico contra narrativas e práticas tradicionais de direitos humanos nas relações internacionais, resultando em um isolamento crescente em relação à comunidade democrática internacional. Nessa lógica também se situam investidas recentes contra a autonomia da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Bernardi et al., 2020BERNARDI, Bruno B. et al. 2020. Ataque contra direitos humanos sitia Comissão da OEA. O Estado de S. Paulo, 28 ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3ZXcA50 . Acesso em: 7 abr. 2023.
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). Chade (2020CHADE, J. [entrev.]. 2020. “Jamil Chade, Itamaraty e Direitos Humanos”. In: Podcast Chutando a Escada. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3MLasdZ . Acesso em: 10.09.2020.
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) sustenta que a estratégia consiste na destruição dos arranjos institucionais multilaterais e vocabulários de direitos humanos construídos desde o final da Segunda Guerra Mundial, para depois propor uma agenda própria, posição que parece ter respaldo na própria intenção declarada do governo estadunidense de “redefinir os direitos humanos”, promovendo uma releitura dos documentos sobre o tema segundo sua própria agenda política (Leão, 2020LEÃO, Hannah de Gregório. 2020. EUA e a redefinição dos direitos humanos. Observatório Político dos Estados Unidos. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3GtQCzF . Acesso em: 7 abr. 2023.
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).

Os patriotas de Bolsonaro vociferam reiteradamente a antiga tríade do Integralismo “Deus, família e pátria” (Veiga, 2022VEIGA, E. 2022. Como “Deus, Pátria e Família” entrou na política no Brasil. Deutsche Welle.), conjugada com a palavra liberdade, numa apropriação peculiar e instrumental do vocábulo que remete ora ao repúdio ao Estado interventor nas áreas sociais, própria da tradição do liberalismo econômico, e ora a uma liberdade de expressão radical, sem qualquer controle, que - no limite - autoriza a difusão de ideias autoritárias de extermínio e crimes contra a honra de opositores, com a manipulação e dissimulação de fatos.

Na edição de 2019, do encontro da Conservative Political Action no Brasil, promovida pelo think tank American Conservative Union Foundation, que teve Eduardo Bolsonaro como anfitrião, os alvos de ataques seguiram os mesmos. A ministra Damares Alves (2019 apudBolsonaro, 2019bBOLSONARO, Eduardo. 2019b. Min. Damares no CPAC Brasil 2019. Youtube. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/43yAGq1 . Acesso em: 17 abr. 2023.
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) prometeu que o presidente Bolsonaro seria aquele que mais criticou o PNDH-3 e que entregaria em sua gestão o quarto PNDH. Na mesa de alunos de Olavo de Carvalho, em homenagem ao mestre, o jurista influenciador Taiguara Fernandez (2019 apudCPAC, 2019CPAC Brasil 2019 - Mercedez, Filipe G. Martins, Rafael Nogueira, Flávio Morgenstein e Taiguara F. 2019. [S. l.: s. n]. 1 vídeo (122 min). Publicado pelo canal Odair Júnior. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/3oiqOR0 . Acesso em: 1 abr. 2019.
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) lembrou que a edição do PNDH-3 provocou uma luta imensa na época. “O PNDH-3 foi um horror, um horror! Eles pretendiam fazer ali a venezuelização do Brasil, ali, naquele momento mesmo”. Argumentou que a criação de conselhos de políticas era uma estratégia para impor políticas públicas sem passar pela burocracia, sem passar pelo Legislativo. O Deputado Federal Fernando Francisquini (2019 apudBolsonaro, 2019aBOLSONARO, Eduardo. 2019a. CPAC Brasil 2019 (ao vivo). Youtube. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/3KL0W7V . Acesso em: 01 abr. 2023.
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) afirmou que “a esquerda se apropriou dos direitos humanos com o discurso de defender as minorias” com fins eleitorais. Vídeo da produtora “Brasil Paralelo” transmitido no evento questionam a legitimidade da Nova República e a da Constituição de 1988, colocando-as como espécie de farsa orquestrada pela esquerda (CPAC, 2019CPAC Brasil 2019 - Mercedez, Filipe G. Martins, Rafael Nogueira, Flávio Morgenstein e Taiguara F. 2019. [S. l.: s. n]. 1 vídeo (122 min). Publicado pelo canal Odair Júnior. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/3oiqOR0 . Acesso em: 1 abr. 2019.
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). Onix Lorenzoni (2019 apudBolsonaro, 2019aBOLSONARO, Eduardo. 2019a. CPAC Brasil 2019 (ao vivo). Youtube. Disponível em: Disponível em: http://bit.ly/3KL0W7V . Acesso em: 01 abr. 2023.
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) arrematou, asseverando que Lula e FHC seriam “a mesma coisa”.

O governo Bolsonaro esforçou-se para reproduzir discursos dos contrapúblicos da grande aliança constituída a partir da edição do PNDH-3 e tentou, até certo ponto, representar esses grupos diversos, insistindo de forma recorrente nos ataques aos principais avanços dos governos anteriores ligados aos direitos humanos e ao aprofundamento da democracia.

Considerações finais

Registraram-se, ao longo dessas décadas, notáveis avanços na área dos direitos humanos e na participação social no Brasil. O país se integrou na comunidade internacional e no sistema interamericano, construiu e fortaleceu instituições de controle democrático e colegiados fomentadores de novas formas de representação de grupos - muitos deles tradicionalmente excluídos -, e criou espaços para o exercício de deliberação pública, que tiveram impacto na formulação de políticas públicas inovadoras. Difundiu o próprio vocabulário de direitos. Foram conquistas decorrentes de esforços de atores progressistas do centro e da esquerda no espectro político ideológico. Parte dos esforços, entretanto, foi destruída ou encontra-se ameaçada e sob processo de esgarçamento.

Aproveitando-se de condições favoráveis e fazendo uso de novas ferramentas da tecnologia, determinados contrapúblicos revelaram-se habilidosos para galgar novos espaços na esfera pública. Seus discursos conquistaram mais e mais respaldo na sociedade, difundindo certas narrativas, empunhando bandeiras antigas; e, a partir da identificação de alvos em comum, forjaram amplas alianças com outros públicos alternativos e com a mídia corporativa. Ergueram-se gradativamente nas eclusas da esfera pública até o ponto mais elevado: a esfera pública central.

Essa trajetória mostrada no trabalho resta coerente com aquele duplo movimento observado ao longo da história moderna por Cohen e Arato (1994COHEN, Jean; ARATO, Andrew. 1994. Civil society and political theory. Massachusetts: MIT Press.), de coexistência da penetração da cultura pelo poder e pelo dinheiro com o outro, mais inclusivo e pluralista, de democratização e modernização dos espaços onde os atores comunicativos se movimentam e interagem - no âmbito da cultura, da personalidade e da sociedade; registrando a proeminência do primeiro movimento sobre o primeiro. A grande aliança da direita uniu o poder financeiro, o capital internacional e nacional associado, as grandes corporações de imprensa, além de outros atores como instituições religiosas e militares. Enfrentou o esforço de atores coletivos da sociedade civil e movimentos sociais e forças políticas da esquerda no sentido de expandir direitos e de aperfeiçoar os mecanismos democráticos no país.

A análise das disputas sobre direitos humanos nos convida a repensar eventuais as estratégias políticas adotadas, o próprio modelo de justiça de transição e eventuais equívocos cometidos pelos atores, bem como a revisitar barreiras estruturais que dificultaram a consolidação dos direitos humanos e da democracia no Brasil. A tese de Pinheiro (1991PINHEIRO, Paulo Sérgio. 1991. Autoritarismo e transição. Revista USP, v. 9, pp. 45-56.) sobre como o legado de violências não se restringe aos períodos autoritários e seu conceito de “autoritarismo socialmente implantado” seguem atuais e merecem ser revisitadas. Apesar de avanços, o país permaneceu convivendo com rotineiras violações de direitos humanos, como tortura, execuções primárias e ataques sistemáticos a minorias. No momento atual, todavia, parecem se agravar.

Ainda que o jovem Marx (2010MARX, Karl. 2010. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo.) tenha feito críticas à ideia de liberdades civis por essa origem burguesa e que tenha havido divisão na Guerra Fria, em que o bloco soviético sustentasse a primazia dos direitos sociais, econômicos e culturais, desde pelo menos os anos 1960, a maioria dos atores individuais e coletivos da esquerda contemporânea mundial passou a valorizar em demasia os direitos civis e políticos, sobretudo em face da consciência sobre as perseguições sofridas por muitos de seus militantes em regimes autoritários de direita ou de esquerda. Considerando que muitos expoentes da direita também foram vítimas de violências por razões políticas, causa estranhamento verificar a aversão aos direitos humanos em pleno século XXI.

Lado a lado com os direitos humanos, as construções institucionais de participação social, como colegiados, conselhos de políticas públicas, formas de orçamento participativo, o sistema de conferências locais, regionais e nacionais, componentes de uma arquitetura visando o aprofundamento da democracia, o aperfeiçoamento de controles democráticos, de processos deliberativos e a concepção de novas formas de representação de grupos na sociedade, incomodaram muitas forças políticas.

O cenário internacional mostrou-se de suma importância para compreender a erosão da democracia brasileira, mas insuficiente. Entre as particularidades da política nacional, o histórico de construção dos Programas Nacionais de Direitos Humanos e das políticas de participação social edificadas ao longo dos governos do PSDB e do PT não podem ser ignorados. Constituem algumas das mais engenhosas e democráticas produções políticas de governos progressistas no planeta. Não por acaso tornaram-se os alvos preferenciais na formação da coalizão que elevou atores da extrema direita ao poder no Brasil.

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  • PEDRETTI, Lucas. 2021. Os ecos do Orvil em 2021, o livro secreto da ditadura. A Pública. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KTZKk1 Acesso em: 7 abr. 2023.
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  • PERUZZOTTI, Enrique. 2006. La política de accountability social en America Latina. In: VERA, Ernesto Insunza; OLVERA, Alberto J. (org.). Democratización, rendición de cuentas y sociedad civil. Ciudad de México: Ciesas.
  • PINHEIRO, Paulo Sérgio. 1991. Autoritarismo e transição. Revista USP, v. 9, pp. 45-56.
  • PIOVESAN, F. 2001. A Constituição Brasileira de 1988 e os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. In: ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA. Direitos Humanos: visões contemporâneas. São Paulo: Associação Juízes para a Democracia.
  • PRONUNCIAMENTO à nação do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva na Cerimônia de Posse. 2007. Biblioteca da Presidência da República, [s.l.]. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3Gpz5Zu Acesso em: 7 abr. 2023.
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  • SINGER, André. 2009. Raízes sociais e ideológicas do lulismo. Novos Estudos Cebrap, n. 85, pp. 83-102.
  • SINGER, André. 2012. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das letras.
  • SINGER, André. 2018. O Lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras.
  • SOUZA, Giselle; SOARES, Morena Gomes Marques. 2019. Contrarreformas e recuo civilizatório: um breve balanço do governo Temer. Ser Social, v. 21, n. 44, pp. 11-28.
  • TEIXEIRA, Alessandra. 2009. Prisões de exceção: política penal e penitenciária no Brasil Contemporâneo. Curitiba: Juruá.
  • THE DANGER posed by Jair Bolsonaro. 2018. The Economist. Disponível em: Disponível em: https://econ.st/2vxMFWu Acesso em: 7 ar. 2023.
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  • TRAVERSO, Enzo. 2018. Las nuevas caras de la derecha. Buenos Aires: Siglo Ventiuno Editores Argentina.
  • VASCONCELLOS, Jorge. 2020. Damares Alves anula mais de 300 declarações de anistia. Correio Braziliense, Brasília, DF. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KJQezy Acesso em: 7 abr. 2023.
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  • VEIGA, E. 2022. Como “Deus, Pátria e Família” entrou na política no Brasil. Deutsche Welle.
  • VIGNA, R. 2010. Fernando Henrique Cardoso e Jorge Gerdau encerram o Fórum da Liberdade. Jornal do Comercio.
  • 1
    O banco de dados foi construído a partir da ampliação do banco de dados de recortes de jornais sobre direitos humanos do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP). Em anos mais remotos, a principal fonte complementar utilizada foram os arquivos da Folha de S.Paulo.
  • 2
    Embora haja variações envolvendo a definição de neoliberalismo, que varia conforme contextos políticos específicos e a escolas teóricas com a de Chicago e a Austríaca, vamos tratar de forma genérica do receituário liberal adotado por países latino-americanos na insurgência contra correntes desenvolvimentistas, populistas, comunistas e mesmo nacionalistas, preconizando uma receita de salvação que consistiria em: “forte ação governamental contra os sindicatos e prioridade para uma política anti-inflacionária monetarista (doa a quem doer) - reformas orientadas para e pelo mercado ‘libertando’ o capital dos controles estatais [...]” (Moraes, 2001MORAES, Reginaldo. 2001. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Editora Senac., p. 28).
  • 3
    Sobre o papel do Brasil na Convenção de Viena, ver: Alves (1994ALVES, José Augusto Lindgren. 1994. Direitos humanos: o significado político da Conferência de Viena. Lua Nova, n. 32, pp. 169-180.).
  • 4
    Sobre as realizações desse período, recomenda-se a leitura do artigo de Ballestrin (2008BALLESTRIN, Luciana M. 2008. Direitos humanos, Estado e sociedade civil nos Governos de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002). Teoria e Sociedade, v. 2, n. 16, pp. 10-33.).
  • 5
    Tal disputa política foi importante na segunda metade do século XX, inviabilizou a concretização de um tratado único sobre direitos humanos no fim dos anos 1940 e conduziu à elaboração de dois tratados, em 1966: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, encabeçado pelos Estados Unidos, e o Pacto Internacional dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, sob a batuta da União Soviética.
  • 6
    Registra-se que em 2007 foi lançado o Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo, a partir de esforços de consultas públicas e conferências promovidas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o Conselho de Defesa da Pessoa Humana e a Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania. O deputado estadual Renato Simões (PT), uma das lideranças na Alesp, elogiou os avanços daquele programa em relação ao federal e o compromisso assumido pelo então governador Mário Covas (PSDB) com aqueles conteúdos (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).
  • 7
    Elevar as demandas desses atores para o centro da esfera pública nem sempre significa concretização de políticas públicas. Quando efetivamente concretizadas, a participação social na concepção dessas políticas tende a produzir impacto positivo sobre os seus desenhos.
  • 8
    Esse padrão conciliador é bem descrito por Singer (2012SINGER, André. 2012. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das letras.) como uma das características do fenômeno que chama de Lulismo.
  • 9
    Em 2011 o Brasil chegava a 73,9 milhões de pessoas com acesso à internet, sendo 43,2 milhões usuários ativos. Ano a ano, os registros de acesso expandiam-se consideravelmente (Brasil..., 2011BRASIL tem 43,2 milhões de usuários ativos de internet, segundo Ibope. 2011. G1.).
  • 10
    Na pauta do aborto, entre os entrevistados pelo autor situados à direita no espectro político ideológico, apenas o bispo Oliveira, da Igreja Mundial do Reino de Deus, posicionou-se contra a intervenção na gravidez em qualquer hipótese. Prevaleceu a concordância com as exceções legais previstas no ordenamento brasileiro (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.). Sobre as tendências ideológicas de evangélicos brasileiros, recomenda-se a leitura de Almeida (2019).
  • 11
    Nas entrevistas colhidas, tal posição foi abraçada pelo influenciador autodefinido como “ultraliberal” Geanluca Lorenzon (Ferreira, 2019bFERREIRA, Otávio Dias de Souza. 2019b. Do Carandiru à Lei Antiterror: democratização e maré cinza sobre direitos humanos no sistema punitivo de São Paulo. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo.).
  • 12
    Exemplos de conteúdos dessa natureza apareceram em edições do Fórum da Liberdade, no 3º Encontro pela Democracia, no Jornal Inconfidência e em páginas da internet de think tanks, como o Instituto Liberal e o Instituto Millenium.
  • 13
    Recomenda-se, para entender tal processo em pormenores, a leitura de: Singer (2018SINGER, André. 2018. O Lulismo em crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras.).
  • 14
    Ver mais sobre esses discursos sintetizados na obra Orvil, em Pedretti (2021PEDRETTI, Lucas. 2021. Os ecos do Orvil em 2021, o livro secreto da ditadura. A Pública. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3KTZKk1 . Acesso em: 7 abr. 2023.
    https://bit.ly/3KTZKk1...
    ).
  • 15
    Tal disposição consta do artigo 5º, da Medida Provisória nº 870, de 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Maio 2022
  • Aceito
    23 Mar 2023
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