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A reforma da previdência social na América Latina

RESENHAS

(Des)caminhos e janelas de oportunidades: as reformas previdenciárias na América Latina

Ignacio Godinho Delgado

Vera Schattan COELHO (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro, Editora da FGV, 2003. 255 páginas.

Ao longo dos anos de 1980 e 1990, o desmonte do Estado de Bem-Estar Social nos países capitalistas centrais foi reiteradamente anunciado como resultado inelutável do processo de globalização e da expectativa de acentuação da presença regulatória do mercado na vida social. Entretanto, à medida que o tempo passava, percebia-se que as coisas não eram tão simples. As instituições de autodefesa que as sociedades nacionais criaram diante da operação do mercado se revelavam mais fortes do que inicialmente se supunha. É verdade que algumas políticas sociais sucumbiram, durante a era Tatcher, na Inglaterra e, sob diversos aspectos, transformações pontuais atingiram outras tantas nos demais países do centro do mundo capitalista (cf. Pierson, 1994, e Esping-andersen, 1995). Não obstante, a espinha dorsal dos sistemas de bem-estar foi mantida, inclusive naquela instituição – os sistemas de aposentadoria e pensões – que parecia revelar maior vulnerabilidade, atingida tanto pela pressão crescente de mercantilização da vida social, que alcançava o conjunto da política social, como por dilemas internos à operação da previdência social, associados às dificuldades atuariais decorrentes das mudanças demográficas, do ciclo de vida das pessoas e das alterações na estrutura do mercado de trabalho, que pressionavam para a elevação dos gastos em benefícios e fragilizavam as bases contributivas do sistema. Neste caso, reformas paramétricas, destinadas a adequar contribuições e benefícios às novas condições e a reduzir clientelas privilegiadas, assim como uma certa acentuação da previdência complementar privada, foram introduzidas, sem a erosão das estruturas públicas de aposentadoria e pensões prevalecentes.

Na América Latina, entretanto, o impulso reformador, em direção à redução do Estado e à acentuação da presença do mercado na oferta de serviços vinculados à proteção social, revelou-se próximo da profecia neoliberal, especialmente nos sistemas de aposentadoria e pensões. Se a reforma chilena permanecera isolada ao longo dos anos de 1980, na década seguinte os ventos do moinho privatizante sopraram fortes no continente. Este é o tema tratado pelas análises presentes no volume organizado por Vera Shattan Coelho, A reforma da previdência social na América Latina. Segundo Carmelo Mesa Lago e Katharina Muller, no artigo "Política e reforma da previdência na América Latina", as reformas seguiram três modelos diversos. Assim, México, El Salvador, Bolívia, ao longo dos anos de 1990, e Nicarágua, em 2001, vieram juntar-se ao Chile, realizando reformas que acompanharam o modelo substitutivo, no qual estruturas de aposentadorias e pensões totalmente privatizadas, com sistemas de contas individuais em regime de capitalização, administradas por operadoras privadas, ocupam o espaço deixado por sistemas públicos baseados em regimes de repartição simples. O Peru e a Colômbia instituíram o modelo paralelo, no qual sistemas privados de contas individuais concorrem com o sistema público de repartição, sem a eliminação deste último. Por fim, Argentina, Uruguai e Costa Rica edificaram um modelo misto, com a preservação do sistema público na concessão de um benefício básico e a criação de sistemas complementares em regime de contas individuais capitalizadas.

Por que a América Latina exibe comportamento tão diverso daquele observado na Europa? Embora esta questão não apareça de forma explícita em todos os artigos reunidos por Vera Schattan, eles oferecem um elenco variado de indicações que favorecem o esclarecimento das escolhas efetuadas pelos governos dos países latino-americanos indicados acima. Nesse sentido, salta aos olhos, não obstante as razões apresentadas no contexto das reformas, que estas não respondessem a problemas atuariais insolúveis dos sistemas previdenciários latino-americanos. Em linhas gerais, a evolução demográfica latino-americana projeta para 2050 o alcance das condições demográficas que conduziram os sistemas europeus a diversas reformas paramétricas. Além disso, não exibem saúde financeira pior que a evidenciada pelas previdências européias. Dessa forma, por que reformar ? Mais: por que privatizar?

O presente volume é aberto com um artigo de Esping-Anderson, que avalia os resultados dos demais trabalhos nele presentes e busca oferecer uma perspectiva transatlântica sobre os processos de reforma da previdência na América Latina. Nesse sentido, assinala que o elemento distintivo das reformas latino-americanas em relação às efetuadas na Europa é a desconsideração do objetivo precípuo dos sistemas de aposentadoria e pensões, qual seja, o bem-estar e a segurança da população idosa. Assim, as reformas latino-americanas estariam distantes de qualquer critério de justiça, seja o de cariz rawlsiano – com a atenção aos desfavorecidos –, seja de cariz paretiano – com o impedimento da piora da situação de qualquer grupo numa situação de equilíbrio. Afinal, se as causas das dificuldades dos sistemas previdenciários por estas plagas não decorrem de constrangimentos demográficos, como na Europa, mas do número reduzido de contribuintes e da pequena cobertura, as reformas deveriam buscar corrigir os mercados de trabalho problemáticos, de modo a conter as evasões e ampliar a contribuição, em vez de alcançarem exclusivamente os benefícios. Por seu turno, assinala Anderson, os motivos apregoados para as reformas não se sustentariam. A privatização da previdência não garantiria a contenção da interferência política em sua gestão, nem é a única forma de se garantir este intento. Além disso, a perspectiva de contar com a previdência para a formação de poupança é unilateral, pois não atende sequer à boa regra que sugere não colocar todos os ovos na mesma cesta. Por fim, a idéia de que sistemas de capitalização são invulneráveis às mudanças demográficas é "míope". No limite, assinala Esping Anderson, a expectativa com as reformas é que as gerações vindouras sejam prejudicadas com aposentadorias precárias. Afinal, o que distinguiria os sistemas de repartição simples dos de capitalização é que, no primeiro, o custo adicional representado pelo envelhecimento é totalmente suportado pelo aumento das contribuições dos jovens, ao passo que, no segundo, tal custo é suportado pelos idosos, com ajustes em seus benefícios. Nesse sentido, Esping-Anderson invoca o princípio dos ônus proporcionais de Musgrave para sugerir que um sistema misto, combinando um elemento de repartição com um elemento de capitalização individual em proporções equivalentes, aproximar-se-ia de critérios razoáveis de justiça intergeracional.

Os artigos que servem de base à reflexão de Anderson não têm como preocupação central elucidar os impactos prováveis das reformas sobre o bem-estar das populações idosas latino-americanas. Antes buscam esclarecer os fatores que interferem nas escolhas efetuadas pelos governos dos países que efetuam reformas e a sua dinâmica, considerando os atores relevantes e as instituições políticas.

Diversos artigos enfatizam a vulnerabilidade das economias latino-americanas aos fluxos de capital externo e a influência de agências como o Banco Mundial como decisivas nas escolhas efetuadas. É o que assinala Raul Madrid no artigo "Política e economia nas privatizações da previdência na América Latina". Com base em sugestiva análise estatística, observa que a maior parte dos países que decidiu privatizar seus sistemas de previdência revelava um quadro de escassez de capital no momento da reforma e significativa influência das instituições financeiras internacionais, evidenciada pela presença de empréstimos expressivos do Banco Mundial e de elevada dívida multilateral. Por seu turno, indica o mesmo autor, a conexão entre as dificuldades do sistema previdenciário e a opção pela reforma revelou-se fraca. Países com gastos previdenciários onerosos teriam que arcar com elevados custos de transição, o que afeta a disposição de efetuar reformas radicais, ensejando a escolha de mudanças parciais.

A vulnerabilidade de economias que optaram pela reforma é destacada também no artigo de Sara Brooks, "Proteção social e integração econômica: a política da reforma previdenciária na era da mobilidade do capital", que analisa 57 países, entre os quais 18 privatizaram em graus variados seus sistemas previdenciários. A autora procura explicar a opção pela privatização e sua extensão, medida pelo peso dos benefícios obtidos mediante contas individuais capitalizadas nos rendimentos previdenciários e diversas variáveis econômicas e políticas. Apura que a escassez e a volatilidade dos capitais constituem incentivos à decisão de privatizar, especialmente em economias de renda mais baixa. Por seu turno, os custos do sistema previdenciário induzem à opção pela reforma, mas as dificuldades da transição tendem a inibi-la, de modo que sistemas previdenciários mais extensos conduzem a disposições de reformas mais suaves.

Os dois artigos apontados salientam como a escassez de capitais, agravada pela crise dos anos de 1980, levaram os dirigentes das economias mais débeis a favorecer reformas de seus sistemas previdenciários como forma de sinalizar para a comunidade financeira internacional a disposição de efetuar reformas pró-mercado e para elevação da poupança interna, de modo a diminuir a dependência de capitais externos. Tais iniciativas, por sua vez, acompanhavam recomendações de agências como o Banco Mundial. No entanto, além desses aspectos – e do legado dos sistemas previdenciários nacionais –, a decisão de reformá-los, e sua extensão, associou-se a variáveis políticas que, nos artigos até aqui considerados, dizem respeito à maior ou menor concentração do poder. Assim, naqueles casos em que o Executivo logrou maior controle sobre o processo decisório as reformas tenderam a alcançar maior amplitude. Em contrapartida, a vigência e a operação da ordem democrática favoreceram reformas menos contundentes.

A correlação negativa entre democracia e extensão das reformas é encontrada também por Carmelo Mesa Lago e Katharina Muller em artigo já nomeado, que salienta a presença de elementos autoritários no Chile de Pinochet e no Peru de Fujimori, assim como a hegemonia do PRI no México e a incipiência da democracia em El Salvador, como fatores que favoreceram a realização de reformas mais radicais. No Peru, apesar da criação de um modelo privado paralelo, que compete com o sistema público, não houve esforço para a recuperação deste último, de modo que ao final dos anos de 1990 o sistema privado já abrigava 79% dos inscritos na previdência social peruana, em contraste com a Colômbia, que criou um sistema paralelo num contexto democrático, mas recuperou o sistema público. Este abrigava, no final desta década, 57% dos inscritos na previdência social colombiana. Chile, México e El Salvador, por seu turno, efetuaram reformas substitutivas, eliminando o sistema público. Na Bolívia, a realização de uma reforma substitutiva, apesar da ausência de claros elementos autoritários quando de sua ocorrência, seria facilitada pela baixa extensão do sistema público no país e pela estratégia de "ofuscamento" das autoridades, que associaram a previdência privada à capitalização das empresas bolivianas, além de conceder bonificações aos grupos de baixa renda, ampliando o apoio à reforma.

A simples presença de situações autoritárias não explica, entretanto, a extensão da reforma, conforme o artigo de Rosana Castiglioni, "Pensões e soldados: o papel do poder, dos atores políticos com poder de veto e das ideologias sob o regime militar no Chile e no Uruguai". Castiglioni compara o Chile de Pinochet e o Uruguai de Bordaberry, destacando a importância das concepções dos dirigentes e salientando como as ditaduras podem revelar formas diversas de concentração do poder. Assim, segundo a autora, a reforma chilena foi mais extensa por força das orientações liberalizantes dos chicago boys, sustentados por Pinochet num regime de ditadura unipessoal, ao passo que a orientação para o desenvolvimento da ditadura uruguaia foi menos afinada com as idéias liberais, e o regime, marcado pela presença de esferas diversas de decisão, propícias ao surgimento de atores com poder de veto.

O poder de veto dos atores é salientado também por Stephen Kay, que compara as reformas efetuadas no Uruguai, na Argentina e no Brasil, no artigo "Privatizações inesperadas: política e reforma da previdência social no Cone Sul". Kay observa como as instituições políticas produzem incentivos e oportunidades para os governantes e os grupos de interesse no sentido de aprofundar, mitigar, retardar ou bloquear processos de reforma. Dessa forma, embora o peso dos grupos de interesse seja uma variável relevante para o entendimento dos processos de reforma, sua ação é condicionada pelo ambiente institucional. Assim, na Argentina o governo por decreto e a disciplina partidária criaram mais possibilidades de concentração de poder no Executivo, associada à articulação do empresariado, à dispersão e à fragmentação da oposição ao governo Menem e dos movimentos sindical e de aposentados, o que favoreceu a instituição de um sistema misto que dispunha de um patamar público rebaixado. No Uruguai, por seu turno, a concentração de poder suficiente para a realização das reformas só teria ocorrido quando a ameaça de crescimento eleitoral da Frente Amplio derrogou as dificuldades para a realização de coalizões, decorrentes do sistema eleitoral, levando à aliança entre Blancos e Colorados. O maior peso da previdência e da gestão públicas do sistema misto definido pela reforma uruguaia resultou das alianças entre sindicatos e pensionistas e da oportunidade de veto proporcionada pelo instituto do referendo, reiteradamente utilizado pelos grupos que resistiam à reforma previdenciária. No Brasil, por sua vez, a presença de um sistema eleitoral em listas abertas tornava "dispendioso" o apoio legislativo às propostas de reforma do Executivo, que enfrentariam, ainda, alianças bem-sucedidas de sindicalistas, aposentados e partidos políticos de esquerda, levando a resultados menos contundentes no processo de reforma.

O artigo de Vera Schattan Coelho, "Poder Executivo e reforma da previdência na América Latina", analisa as oportunidades e os obstáculos às reformas no Uruguai, na Argentina e no Brasil, focalizando as condições econômicas e as relações entre diversas esferas do Executivo. Estabelecida, por força de pressões econômicas e das dificuldades do sistema público, a reforma previdenciária como elemento central da agenda política, sua ocorrência foi favorecida pelo bom desempenho da economia e pela disponibilidade de crédito para a sua realização. Seu curso, entretanto, foi definido pelas orientações e pelos recursos de poder da presidência, dos políticos que ocupavam a direção das agências estatais, da burocracia econômica, dos técnicos oriundos do setor privado e da burocracia previdenciária. Na América Latina, a presidência variou de forma significativa sua perspectiva em relação à previdência, ao passo que a burocracia previdenciária se manteve firme na defesa do seguro social, tendendo a apoiar reformas incrementais. A burocracia econômica, dados os elevados custos de transição das reformas radicais, tendeu para o apoio a reformas mistas. Os técnicos oriundos do setor privado favoreceram reformas mais radicais. Por fim, os políticos que ocupavam posições de comando nas agências estatais calcularam os danos eventuais das reformas para seus objetivos eleitorais, desincentivando reformas radicais. Assim, no Brasil, a reforma ocorreu num momento desfavorável do ponto de vista econômico e enfrentou o peso da burocracia previdenciária e dos políticos, o que favoreceu mudanças incrementais, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, que teve, ainda, de valer-se de mecanismos de coordenação diversos para contornar os múltiplos pontos de veto. No Uruguai, sob uma conjuntura econômica favorável e com a reduzida dimensão da burocracia previdenciária, a reforma mista proposta por Sanguinetti ficou aquém da dimensão pretendida por força do peso dos atores políticos. Por fim, na Argentina, Menem realizou a reforma sob a batuta de técnicos recrutados no setor privado, num ambiente de forte concentração do poder na presidência e de circunstâncias econômicas favoráveis, o que esclareceu seu teor mais radical.

O balanço das reformas é efetuado por Carmelo Mesa Lago, no artigo "A reforma estrutural dos benefícios de seguridade social na América Latina: modelos, características, resultados e lições". O autor considera aspectos diversos, como a transferência do sistema público para o setor privado, a concorrência entre as administradoras, o custo de administração, o peso da nova previdência na poupança nacional, o custo fiscal da transição, o rendimento real dos investimentos, a diversificação das carteiras, a cobertura da força de trabalho e o pagamento das contribuições ao sistema previdenciário. A rigor, destacando apenas alguns desses elementos, os resultados estão longe de atender aos objetivos dos formuladores das reformas. Em 2000, o Uruguai era o país que revelava maior índice de cobertura, com 66% da força de trabalho. Por sua vez, entre os filiados ao novo sistema, o México ostentava 87% de contribuintes ativos, ao passo que todos os outros sistemas reformados apresentavam índices inferiores a 60%. A expectativa de que a concorrência possa favorecer o desempenho tem sido ofuscada pela crescente concentração entre as operadoras, que exibem custos de administração elevados, entre 17,8% (Uruguai) e 32,71% (México) do desconto efetuado nos salários (o maior de 15,05% no Uruguai, o menor de 12,63%, no México). O impacto sobre a poupança nacional é, por seu turno, controverso. No Chile, em que o desempenho seria melhor, entre 1981 e 1996 a média anual capitalizada das contas individuais sobre o PIB foi de 2%, mas o custo fiscal foi de 5,7%. Dessa forma, o resultado líquido foi uma perda de poupança. Por fim, a carteira de investimentos dos fundos criados revelou uma forte propensão à compra de títulos dos governos, com pequena incidência em investimentos que pudessem favorecer o desenvolvimento econômico.

As análises consideradas realçam que a decisão de efetuar reformas e sua extensão estão diretamente relacionadas à vulnerabilidade das economias latino-americanas diante de um cenário econômico internacional cada vez mais integrado, mas assimétrico, e ao poder dos atores envolvidos na promoção e na resistência às reformas – modulado por seu peso específico, a relação com outros atores e os incentivos e desincentivos do ambiente institucional. A opção pela privatização não decorre, pois, de uma superioridade "técnica" dos sistemas de capitalização, mas das escolhas e dos interesses de diferentes atores, num cenário em que a abertura de economias periféricas acentua a influência das agências internacionais sobre os governos, aumenta a dependência de capitais externos e a pressão dos setores financeiros, além de elevar a sensibilidade de grupos empresariais em face dos "custos" do financiamento da previdência diante de uma concorrência externa mais acirrada (cf. Delgado, 2001). Em contrapartida, o peso das clientelas e da burocracia previdenciária nem sempre compensa a redução da influência dos trabalhadores, decorrentes das mudanças no mercado de trabalho, ou a sua adesão aos projetos de reforma, por força de vínculos com partidos governantes e de mecanismos de compensação e ocultamento eventualmente utilizados nas estratégias de reforma.

Os diversos artigos presentes neste livro não oferecem uma visão prospectiva sobre o curso da previdência social – e do bem-estar – nos países que passaram por reformas. A julgar pelo balanço inicial de Mesa Lago, os resultados são pouco animadores. Este quadro, entretanto, não contém apenas um horizonte de retração da política social e de desenvolvimento econômico medíocre, se considerado o modesto resultado dos sistemas capitalizados sobre a formação de poupança. Ele permite vislumbrar também uma janela de oportunidade que aparece nas entrelinhas das formulações de Esping-Anderson sobre justiça intergeracional e na ponderação de Carmelo Mesa Lago sobre a maior imunidade dos sistemas mistos aos percalços da transição. Qualquer sistema de aposentadoria e pensões é um sistema de transferência intergeracional, seja por via de contribuições, seja por via de rendimentos obtidos por meio de um estoque crescente de capital. Sistemas de repartição são mais adequados à garantia de renda daquelas parcelas da população com possibilidades reduzidas de continuidade na contribuição e com a pequena "propensão à poupança". Seus objetivos são redistributivos, mas também cumprem função macroeconômica relevante, conferindo estabilidade à demanda. Os sistemas de capitalização, por seu turno, podem servir à formação de poupança, indispensável ao desenvolvimento, desde que sua implantação não seja acompanhada da criação de custos fiscais insuportáveis e sua operação não favoreça a alimentação de um sistema financeiro dissociado das exigências do investimento produtivo. Nesse sentido, sua utilização no sistema previdenciário básico é inadequada, não só por dissolver o princípio de solidariedade em que este se assenta, mas por tender a gerar uma constituency favorável à elevação dos juros e por criar pressões fiscais elevadas. No sistema complementar, entretanto, sob controle ou estrita regulação do poder público, tais sistemas podem ser ferramenta valiosa à retomada da capacidade pública de indução ao desenvolvimento, perdida pela América Latina nas duas últimas décadas do século XX e não substituída por qualquer força nascida no mundo do mercado.

Este volume organizado por Vera Schattan favorece o aprendizado dos limites e das possibilidades da reforma do sistema previdenciário para o desenvolvimento dos países latino-americanos. Nesse sentido, é leitura valiosa para todos que se preocupam em buscar caminhos para nosso continente, em que a eficiência econômica não esteja dissociada do compromisso inarredável com o bem-estar.

BIBLIOGRAFIA

DELGADO, Ignácio. (2001), Previdência social e mercado no Brasil. São Paulo, Ltr.

ESPING-ANDERSEN, Gosta. (1995), "O futuro do Welfare State na nova ordem mundial". Lua Nova, 35, São Paulo, Cedec.

PIERSON, Paul. (1994), Dismantling the Welfare State?. Cambridge, Cambridge University Press.

IGNACIO GODINHO DELGADO é professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora, MG (UFJF).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2005
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