Acessibilidade / Reportar erro

Resenha - História da Psicologia: Rumos e Percursos

Resenha – História da Psicologia: Rumos e Percursos

Rosane Azevedo Neves da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

Jacó-Vilela, A. M., Ferreira, A. A. L., & Portugal, F. T. (Eds.). (2005). História da Psicologia: Rumos e Percursos. Rio de Janeiro, RJ: Nau.

São muitas a contribuições do livro "História da Psicologia: Rumos e percursos" às questões que atravessam e constituem esta multiplicidade que caracteriza o campo da psicologia contemporânea. Talvez a principal contribuição seja a de mostrar o quanto a história da psicologia é uma dimensão fundamental na formação dos psicólogos. Se a história é importante na formação não é por que deveríamos simplesmente conhecer um punhado de personagens ilustres e suas respectivas invenções como se estivéssemos diante de um almanaque de efemérides e curiosidades ancorado numa cronologia que, partindo do problema da psichê para os gregos, chegasse inevitavelmente às neurociências. Ao se limitar a uma mera relação de continuidade causal é como se a história ficasse presa a uma unidimensionalidade do tempo que não produz qualquer reverberação na formação. Como então fazer com que a história entre de fato na formação? O ponto de partida seria romper com uma perspectiva estritamente cronológica sem abandonar a potência criativa do tempo. Este aparente paradoxo se deve por que o tempo contempla esta duplicidade em sua trama. A história só é importante na formação na medida em que ela recupera esta dimensão criativa do tempo, dando visibilidade às estratégias de produção de conhecimento que marcam a invenção do indivíduo moderno e o advento da psicologia como campo específico de saberes e práticas. É neste deslocamento no modo de trabalhar o tempo que se situa a proposta do livro. O que incita a sua leitura é o fato de o leitor sentir-se convidado a embarcar neste deslocamento: ao invés de um passeio pelo passado de uma ciência, somos levados a pensar nas condições que tornam esta ciência possível.

Em As palavras e as coisas, Foucault faz a seguinte afirmação que corrobora este modo de pensar a constituição da psicologia no conjunto das ciências humanas:

Não resta dúvida que a emergência histórica de cada uma das ciências humanas se deu por ocasião de um problema, de uma exigência, de um obstáculo de ordem teórica e prática; certamente foram necessárias as novas normas que a sociedade industrial impôs aos indivíduos para que, lentamente, durante o século XIX, a psicologia se constituísse como ciência; não há dúvida também que foram necessárias as ameaças que desde a Revolução pesaram sobre os equilíbrios sociais, e sobre aquele particularmente que havia instaurado a burguesia, para que aparecesse uma reflexão de tipo sociológica (Foucault, 2002, p. 476).

Isto significa que a invenção do psicológico não pode ser desvinculada das condições que possibilitam o seu surgimento em um determinado contexto, pois o nascimento de uma psicologia científica não é fruto da evolução natural de uma tendência da racionalidade moderna ou obra de indivíduos isolados em seus respectivos laboratórios. O efeito deste movimento de indagação suscitado pela leitura dos diferentes percursos que marcam a constituição de um espaço psi é o questionamento dos rumos provocados por esta dispersão dos saberes e práticas ali engendrados. Assim, ao invés de sair em busca de uma origem ou de uma pedra fundamental para marcar o nascimento da psicologia, o leitor apreende que a multiplicidade não é apenas uma característica da psicologia contemporânea, mas é constitutiva da própria formulação do psicológico enquanto tal.

As duas primeiras partes da obra procuram mostrar o modo como as idéias psicológicas vão sendo gestadas em diferentes países, mostrando que a produção de conhecimento é inseparável de uma certa composição de forças do tecido social e que o psicológico enquanto objeto de estudo não é uma substância que se mantém inalterada ao longo do tempo. Também é possível entender o modo como os procedimentos classificatórios e comparativos, imprescindíveis à produção capitalista na nascente sociedade industrial, serão acoplados a este conhecimento psicológico, marcando o caráter normativo e adaptativo intrínseco ao mesmo. Veremos também que a aproximação com o modelo de racionalidade das assim chamadas ciências da natureza torna-se fundamental no processo de institucionalização do saber psicológico, ou seja, no processo de legitimação deste conhecimento no conjunto das ciências modernas. O livro apresenta como este processo de institucionalização do saber psicológico ocorreu no Brasil ao longo do século XIX, mostrando o modo como este conhecimento vai se disseminando como matéria auxiliar a outros campos, tais como a medicina, a pedagogia e o direito, garantindo assim a sua legitimidade.

A terceira parte apresenta as diferentes perspectivas teórico-conceituais resultantes desta multiplicidade inerente à própria invenção do psicológico. Encontraremos ali construções teóricas que se localizam em campos epistemológicos distintos, buscando, cada uma a sua maneira, definir uma verdade acerca deste inquietante e por vezes escorregadio objeto de conhecimento. Como já vimos que a natureza deste objeto é múltipla, não estranharemos a dispersão de saberes e práticas que buscam apreendê-lo, nem as contradições e diferenças que marcam suas respectivas estratégias de produção de conhecimento.

Por fim, o livro conclui esta trajetória pelo campo psi procurando mostrar as formas de aproximação da psicologia com o social e o modo como vai se constituindo este campo que veio a ser denominado de psicologia social. Aqui também encontraremos várias abordagens teóricas que buscam responder à complexa relação do sujeito com o mundo.

Em todo o seu percurso o livro nos instiga a produzir vários deslocamentos em nossas formas habituais de apreender os diferentes rumos da psicologia ao longo do tempo. Entendemos que esta arte dos deslocamentos constitui um importante dispositivo clínico-político nos modos de fazer e pensar a psicologia, redimensionando assim as questões epistemológicas e éticas que marcam a formação dos psicólogos.

Referências

Foucault, M. (2002). As palavras e as coisas. São Paulo, Martins Fontes.

Recebido: 22/05/2007

Aceite final: 31/05/2007

Rosane Azevedo Neves da Silva possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), mestrado em Psicologia Social e da Personalidade pela PUC-RS e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da UFRGS. Endereço para correspondência: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social e Institucional. Rua Ramiro Barcelos, 2600, sala 13, Santana, Porto Alegre, RS, 90035003. Telefone: (051) 3308-5465. Fax: (51) 3308-5405. rosane.neves@ufrgs.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistapsisoc@gmail.com