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HISTÓRIA, ABORDAGENS, MÉTODOS E PERSPECTIVAS DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

HISTORIA, ENFOQUES, MÉTODOS Y PERSPECTIVAS DE LA TEORÍA DE LAS REPRESENTACIONES SOCIALES

SOCIAL REPRESENTATION THEORY: HISTORY, APPROACHES, METHODS AND PERSPECTIVES

Pascal Moliner, P.; Guimelli, C.. 2015. Les représentations sociales. Grenoble: Presses Universitaires Grenoble

A Teoria das Representações Sociais (TRS) muito desenvolveu após os primeiros escritos de Serge Moscovici nos anos 1960. A superação de um modelo dicotômico entre as representações individuais e coletivas foi o início de um campo de pesquisa que busca entender as formas dos sujeitos pensarem, sentirem e agirem considerando que são elementos de uma trama social em que existem constantemente trocas simbólicas e afetivas no intuito de apreender os espaços, os objetos, os discursos, o Outro e a realidade que está materializada na vida dos sujeitos.

No intuito de resgatar a historicidade dessa teoria, delineando consistentemente as abordagens para além de Moscovici e apresentando os métodos mais utilizados em cada uma das abordagens a obra de Moliner e Guimelli (2015) está disposta a fim de refletir sobre a que tem servido esse investimento da Psicologia Social principalmente na região Paris-Provence-Géneve com olhares para o restante do mundo, apontando limitações e possíveis novos investimentos na(s) Teoria(s) da(s) Representações Sociais após mais de 50 anos do início dessa teorização.

Essa obra surgiu no intuito de atualizar uma parte do Traité de Psychologie Sociale originalmente dirigido por Jean-León Beauvois e editado pela Presses Universitaires de Grenoble (PUG) em 1995. Por ter essa intenção, sua escrita e organização tem traços pedagógicos a fim de construir e problematizar no leitor a TRS, ao passo que permite aproximações em temas que já estão consolidados como é o caso do método de Associação Verbal, comumente utilizado pelos adeptos da teoria do núcleo central.

A primeira das incursões feitas pelos autores diz respeito às diferentes faces de uma mesma representação social. Partindo do pressuposto que uma representação não é a partilha ou combinado entre todos os membros de um grupo os autores trazem os elementos para a análise através Casamento Para Todos, fenômeno que dividiu opiniões na França nos últimos anos, algo não tão diferente nos demais países em que também foram vistas tais discussões, passeatas, mobilizações nas redes sociais a favor ou contra ao casamento de pessoas do mesmo sexo. O apontamento feito é que ser a favor ou contra um determinado assunto ou ponto de vista revela a representação social que um determinado sujeito tem sobre determinado objeto, essa incide diretamente na sua atitude diante das outras pessoas e na dinâmica de outras representações sociais (RS).

Em um segundo momento, no primeiro capítulo do livro, o histórico da Teoria das Representações Sociais é refeito. Notadamente foi a evolução teórica de Moscovici que fez nascer o interesse de outros pesquisadores para o assunto. O investimento em estudos que envolviam a difusão dos saberes, a relação entre pensamento e comunicação e a origem do senso comum formaram os elementos de um programa de pesquisa novo que para os atuais pesquisadores da Psicologia Social é comumente conhecido (2015).

A representação social então se mostra como uma ponte entre o mundo individual e o mundo coletivo, porém resguardam que elas não são produzidas pela sociedade em conjunto mas, sim pelos produtos de grupos sociais que constituem essa sociedade. Nesse processo de construção resgatam que Moscovici mantinha o foco na Comunicação a fim de explicar a emergência e a transmissão das representações sociais. A dinâmica representacional acontece através dos processos de influência, de normalização e de conformidade (Moliner, 2001Moliner, P. (2001). La dynamique des representations sociales. Grenoble, FR: Presses Universitaires de Grenoble.). Não só as representações sociais são afetadas por esses elementos, mas tratando que representar é um ato cognitivo e da linguagem humana, o ponto de vista de um indivíduo influencia e se deixa influenciar pelos demais.

Por sua vez a divulgação e a expansão da TRS encontrou dificuldades nos Estados Unidos, fato explicado devido a dificuldade linguística encontrada pelos não falantes do francês, língua original dos primeiros escritos da teoria. Outrossim divergências entre a Teoria da Cognição Social e a Teoria das Representações Sociais também dificultaram o processo de assimilação em terras norte-americanas. Porém esse destino se concretizou diferentemente na América Latina, que com contexto social, histórico e cultural encontrou campo de expansão, principalmente no México, Argentina e Brasil.

No segundo capítulo as abordagens teóricas das representações sociais são expostas e organizadas através de um olhar sobre as formas de apreensão do objeto de estudo. Para eles, ao contrário de alguns pesquisadores brasileiros as abordagens das RS não são rígidas, algo que deve permitir ao pesquisador ao observar o objeto escolha a melhor abordagem para estudar as representações sobre este objeto. Esta escolha deve ser feita a partir de um olhar sobre a dinâmica representacional.

A abordagem sociogenética está vinculada aos trabalhos de Moscovici (2012Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e o seu público. Petrópolis, RJ: Vozes.) e Jodelet (2001Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In As representações sociais (pp. 17-44). Rio de Janeiro: EdUERJ .; 2005Jodelet, D. (2005). Loucuras e representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes.) e se direciona ao alcance do fenômeno no que diz respeito à condições e os processos implicados na emergência das representações, ou seja, tentando entender suas forças geradoras. Nessa abordagem a ancoragem e a objetivação são estudadas à fundo, tendo em vista três ordens de fenômenos: a dispersão da informação, o foco e a pressão à inferência e, por isso, direciona o olhar às três dimensões da RS: a informação, o campo e a atitude.

A abordagem estrutural tem suas referências principais em Abric (1976Abric, J. C. (1976). Jeux, conflicts et représentations sociales. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Estado, Université de Provence, Aix-Marseille, FR.) e Flament (2005)Flament, C. (2001). Estrutura e dinâmica das representações sociais. In D. Jodelet (Org.), As representações sociais (pp. 177-186). Rio de Janeiro: EdUERJ. e se interessa pelo conteúdo das representações, à sua organização e à sua dinâmica, tendo implicitamente desenvolvido maiores contribuições sobre a teoria do núcleo central de uma representação. Para esta abordagem a RS é composta por um núcleo rígido - matriz e abstrata - e um sistema periférico - parte concreta e operacional. Ambos elementos estão numa dinâmica em que significados, crenças e significações são estabilizados ou destituídos sendo fruto de determinismos históricos, simbólicos e sociais particulares àqueles que participam de um grupo social. Esta abordagem se fixa no processo de objetivação.

A abordagem sociodinâmica tem sua vinculação ao estudo das relações sociais - que aqui devem ser entendidas como tomadas de posição, inserção social e dinâmica - e as representações sociais, tendo como autor principal W. Doise. Este autor pinça da TRS o princípio da homologia estrutural em que as questões relacionadas ao poder e da dominação social influenciam diretamente no senso comum. Esta abordagem se vincula ao estudo das ancoragens.

Por fim, diferentemente de Irineu (2014Irineu, L. M. (2014). Abordagem linguístico-discursiva das representações sociais: princípios de um construto teórico. In M. Dieb, L. M. T. R. Baptista, & J. Araújo (Orgs.), Discursos, ideologias e representações sociais (pp. 13-32). Curitiba: Editora CRV.), os autores propõe a abordagem dialógica com inspiração aos trabalhos de Ivana Markova que se desvela no estudo da linguagem e da comunicação e suas relações com as representações sociais.

Já no Capítulo 3 os autores se debruçam sobre as metodologias consagradas e inovadoras no estudo das representações sociais. Como já exposto a proposta neste também foi de vincular o tipo de sujeitos e de objeto de estudo à dadas metodologias. É o caso da abordagem etnográfica em que o estudo de Denise Jodelet é tido como referência e que deve ser aplicada em populações homogêneas. Já a abordagem sociológica deve ser aplicada quando se quer estudar o impacto das variáveis sociodemográficas ou socioeconômicas sobre os conteúdos de uma RS. Outra abordagem metodológica é a intercultural que busca mostrar como as normas e as tradições são suscetíveis de impactar a representação de um dado objeto. A abordagem experimental finaliza esse hall e deve ser utilizada quando se quer estudar o impacto de uma ou mais variáveis sobre o funcionamento, a dinâmica ou a expressão de uma dada representação.

Três métodos de coleta de dados são citados como importantes no estudo das RS. Entrevistas, Associação Verbal e Questionários tem sido utilizados a fim de (re)conhecer as RS independente da abordagem teórica adotada. Os autores chamam a atenção para o uso das entrevistas com qualidade, principalmente utilizando o recurso da reformulação para evidenciar o que o sujeito fala. Neste trecho auxiliam aos futuros pesquisadores a construir uma entrevista, sendo que esta deve conter uma etapa descritiva, uma etapa prescritiva e uma etapa avaliativa. De forma contrária ao que tem sido aplicado comumente, os autores indicam a aplicação dos questionários após o uso e apuração de dados das entrevistas, como forma de reforçar os dados e ter acesso a um número maior de pessoas. Complementa este quadro de referência de métodos o uso de elementos iconográficos (desenhos, fotos, pequenas filmagens etc) os quais os autores tem visto um grande avanço no uso e na adaptabilidade ao reconhecimento de uma RS.

Como métodos de análise de dados sobressai-se o método de análise de conteúdo de inspiração em Bardin (2010Bardin, L. (2010). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.), além dos métodos de análise de organização de conteúdo e de identificação do núcleo. A verificação e a referenciação mais aprofundada desses métodos de análise de dados foi trabalhada na obra de Moliner, Rateau e Cohen-Scali (2002Moliner, P., Rateau, P., & Cohen-Scali, V. (2002). Les représentations sociales: pratique des études de terrain. Rennes, FR: Presses Universiteires de Rennes.).

O Capítulo 4 tenta responder à uma questão presente aos defensores do estudo das RS: para que servem os estudos em representações sociais. Os autores se atém em três grandes motivos da força destes tipos de estudos. Primeiramente por que auxiliam na compreensão das lógicas sociais em que a representação de um dado objeto justifica a lógica social de ação e de posicionamento, identifica também as crenças e as opiniões que as sustentam. O segundo motivo se vale do poder na comunicação em que conhecer uma RS faz com que seja mais fácil construir uma estratégia de comunicação da mesma forma que permite entender as problemáticas comerciais. A terceira força da TRS se vincula ao entendimento das orientações das trocas sociais e as mudanças de comportamento.

O último capítulo do livro se debruça sobre os desenvolvimentos recentes da pesquisa em representações sociais principalmente resgatando as contribuições dessa teoria para o entendimento da cognição social. Nesse ponto os autores retomam temas importantes do estudo das RS, é o caso das especulações acerca de uma "zona muda" das representações, assim como os efeitos da mascaramento e desmascaramento em uma representação. Sobre o devir da teoria os autores indicam o caminho do estudo do núcleo matriz e dos estudos com uso de técnicas como desenho, fotos e figuras, como novas formas de entender e apreender os dados necessários para o entendimento das RS.

O perfil do texto em questão é pedagógico e de formalização a resgatar o que já foi e ainda precisa ser constituído na teoria de Moscovici. A superação de um modelo hegemônico de pesquisa é ponto auto do livro ao propor uma flexibilidade de métodos, abordagens e análises em que o foco dado está sobre o objeto que vai delimitar qual abordagem deve ser utilizada para estudar sua representação social. Outrossim, possibilita entender que o movimento dos sujeitos em uma dada representação social é dado no âmbito da atitude do sujeito que é diretamente influenciado pelo nível de informação e o contexto ambos marcados pelas lutas pela (re)produção da vida.

Referências

  • Abric, J. C. (1976). Jeux, conflicts et représentations sociales. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Estado, Université de Provence, Aix-Marseille, FR.
  • Bardin, L. (2010). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.
  • Flament, C. (2001). Estrutura e dinâmica das representações sociais. In D. Jodelet (Org.), As representações sociais (pp. 177-186). Rio de Janeiro: EdUERJ.
  • Irineu, L. M. (2014). Abordagem linguístico-discursiva das representações sociais: princípios de um construto teórico. In M. Dieb, L. M. T. R. Baptista, & J. Araújo (Orgs.), Discursos, ideologias e representações sociais (pp. 13-32). Curitiba: Editora CRV.
  • Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In As representações sociais (pp. 17-44). Rio de Janeiro: EdUERJ .
  • Jodelet, D. (2005). Loucuras e representações sociais. Petrópolis, RJ: Vozes.
  • Moliner, P. (2001). La dynamique des representations sociales. Grenoble, FR: Presses Universitaires de Grenoble.
  • Moliner, P., Rateau, P., & Cohen-Scali, V. (2002). Les représentations sociales: pratique des études de terrain. Rennes, FR: Presses Universiteires de Rennes.
  • Moscovici, S. (2012). A psicanálise, sua imagem e o seu público. Petrópolis, RJ: Vozes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2015
  • Aceito
    06 Dez 2015
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