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Correção cirúrgica da comunicação interatrial e revascularização do miocárdio minimamente invasiva videoassistida
Robinson PoffoI; Renato Bastos PopeII; Alisson Parrilha ToschiII
ICoordenador do Programa de Cirurgia Cardíaca Minimamente Invasiva do Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo, SP, Brasil. Coordenador do Serviço de Cirurgia Cardíaca do Hospital Hans Dieter Schmidt - Joinville, SC, Brasil. Mestre em Clínica Cirúrgica pela Universidade Federal do Paraná
IICirurgião Cardiovascular do Hospital Hans Dieter Schmidt e Centro Hospitalar Unimed - Joinville, SC, Brasil
Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Robinson Poffo Av. Albert Einstein, 672/701 - Bloco A-1 - 4º Andar - Sala 416 São Paulo, SP, Brasil - CEP 05652-901 E-mail: drpoffo@einstein.br
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Correção cirúrgica da comunicação interatrial e revascularização do miocárdio minimamente invasiva videoassistida
Minimally invasive video-assisted atrial septal defect correction and myocardial revascularization
Robinson PoffoI; Renato Bastos PopeII; Alisson Parrilha ToschiII
Rev Bras Cir Cardiovasc 2009; 24(4)
CARACTERIZAÇÃO DO PACIENTE
Paciente do sexo masculino, 42 anos, caucasiano e pesando 92 kg. À história clínica referia desconforto retroesternal e fadiga aos médios esforços. Como história mórbida pregressa, havia sido submetido à angioplastia com stent não farmacológico do ramo interventricular anterior (RIA) há um ano, em decorrência de angina estável. Negava qualquer outro problema associado e estava em uso de aspirina e betabloqueador. Ao exame físico apresentava-se corado, eupneico e sem queixas. À ausculta, os campos pleuro-pulmonares encontravam-se livres e à ausculta cardíaca o ritmo era sinusal, com desdobramento fixo de segunda bulha.
A radiografia de tórax mostrava área cardíaca aumentada à custa do ventrículo direito (VD). O ecocardiograma demonstrou dimensão do átrio esquerdo (AE) normal (4,0 cm) e ventrículo esquerdo (VE) com diâmetro cavitário normal (diâmetro sistólico de VE: 2,70 cm - diâmetro diastólico de VE: 5,0 cm) e espessura miocárdica normal. O VD encontrava-se aumentado (diâmetro diastólico de VD: 4,10 cm) e a artéria pulmonar levemente dilatada (2,6 cm). A fração de ejeção foi estimada em 77%. A valva tricúspide apresentava refluxo funcional e a pressão da artéria pulmonar foi estimada em 40 mmHg. Notou-se alteração no septo interatrial devido à presença de comunicação interatrial (CIA) tipo ostium secundum, medindo cerca de 2,5 cm em seu maior eixo e com Qp/Qs estimado em 1,9.
Como preparo pré-operatório solicitou-se cateterismo cardíaco, tomando o cuidado de evitar a punção dos vasos femorais, visto a possibilidade de cirurgia minimamente invasiva videoassistida. Evidenciou-se circulação coronariana com obstrução uniarterial devido à oclusão total do RIA no local do implante do stent. À ventriculografia esquerda evidenciou-se aumento do volume sistólico final devido a uma hipocinesia ânteroapical moderada. Após discussão do caso clínico foi indicada cirurgia para correção da CIA e revascularização da artéria interventricular anterior. Em conversa com o paciente, após explanação dos tipos de técnicas possíveis para abordar concomitantemente estas alterações, o mesmo decidiu pela abordagem minimamente invasiva videoassistida.
A cirurgia consistiu do fechamento da CIA com remendo de pericárdio bovino e revascularização miocárdica (RM) utilizando a artéria torácica interna esquerda (ATIE) anastomosada ao RIA. A abordagem transareolar minimamente invasiva videoassistida [1,2] foi escolhida para correção da CIA e a minitoracotomia anterior esquerda para a RM [3]. O tempo de circulação extracorpórea (CEC) foi de 62 minutos (min) e o de pinçamento aórtico de 38 min.
O paciente apresentou boa evolução pós-operatória, sem intercorrências. Ao ecocardiograma no dia da alta, o septo interatrial encontrava-se íntegro e a função ventricular dentro da normalidade. O período de ventilação mecânica foi de 6,5 horas, o sangramento pós-operatório de 400 ml, tempo de internação em UTI de 25 horas, recebendo alta hospitalar no 4º dia de pós-operatório.
DESCRIÇÃO DATÉCNICA OPERATÓRIA
O paciente foi intubado utilizando-se sonda orotraqueal de Carlens, para ventilação pulmonar seletiva e posicionado com o lado direito do tórax elevado em 20º, permanecendo o braço ao longo do corpo. Pás descartáveis para desfibrilação cardíaca externa foram colocadas na região da escápula direita e região lateral do hemitórax esquerdo. Foi feita a passagem de termômetro nasofaríngeo e transdutor do ecocardiograma transesofágico. Inicialmente, foram feitas com caneta cirúrgica as marcações para o acesso cirúrgico (Figura 1). Foi então aplicado em toda a área exposta campo plástico estéril (Opsite®). Feita punção da veia jugular interna direita com a finalidade de drenagem venosa, a qual foi canulada após a heparinização sistêmica do paciente. O pulmão esquerdo foi seletivado e introduziuse trocarte de 5 mm no 4º espaço intercostal esquerdo (EICE), na linha axilar anterior, para a videotoracoscopia. Inspecionou-se a cavidade torácica, na qual não foi possível visibilizar a ATIE devido à grande quantidade de tecido adiposo aderido à pleura parietal. Procedeu-se à incisão cirúrgica na pele, seguindo a marcação prévia do hemitórax esquerdo (6 cm) no 4º EICE, feita secção do músculo peitoral maior esquerdo e abertura do espaço intercostal. Introduziu-se afastador para minitoracotomia e tomou-se extremo cuidado para visibilizar inicialmente a veia satélite da ATIE, que sinalizou a proximidade com a ATIE, a qual foi dissecada proximalmente até a veia subclávia esquerda e, distalmente até o 6º EICE. O pulmão esquerdo voltou a ser ventilado.
A seguir fez-se a incisão do complexo aréolo-mamilar direito, dividindo-o em duas metades iguais, das 3 às 9 horas. Após a secção da derme, quando atingido o tecido conectivo frouxo, utilizou-se o cautério elétrico para hemostasia, secção do músculo peitoral maior direito e acesso ao 4º espaço intercostal direito (EICD).
O hemitórax direito foi abordado através do 4º EICD [4], entre as linhas axilar anterior (LAA) e hemiclavicular direita (LHD). Para ampliar a área de trabalho, utilizou-se afastador de tecidos moles Alexis® (Applied Medical). O pulmão direito foi seletivado. No mesmo espaço intercostal, anterior à linha axilar média foi introduzido trocáter para óptica de 5 mm de 30º e no 7º EICD na LAA introduziu-se trocáter de 7 mm para insuflação de CO2 e entrada para o aspirador de átrio maleável (DLP® Medtronic, Inc.). O instrumental cirúrgico utilizado era específico para este tipo de procedimento, constando de pinça aórtica transtorácica, pinças, porta-agulhas e tesouras longas, com aproximadamente 35 cm, para videotoracoscopia. Sob visão da óptica, o pericárdio foi aberto dois centímetros anterior ao nervo frênico. Essa incisão estendeu-se da veia cava inferior à superior. O pericárdio foi tracionado através de quatro pontos, os quais foram exteriorizados, através da parede torácica, utilizando-se um puncionador/gancho.
Após heparinização sistêmica, a circulação extracorpórea (CEC) foi estabelecida por meio de canulação dos vasos femorais, sendo incisada a pele no sulco inguinal à direita e os vasos femorais canulados utilizando a técnica de Seldinger sob visão direta. Para canulação arterial utilizou-se cânula Bio-medicus® nº 19 French (Fr.). (Medtronic, Inc.) e para linha venosa cânula femoral Eopa nº 21 Fr. (Medtronic, Inc). Foi canulada concomitantemente a veia jugular interna direita utilizando-se cânula arterial Edwards Lifesciences nº 16 Fr. A drenagem venosa foi assistida a vácuo. O paciente foi mantido a 28º Celsius (ºC). Para perfeito posicionamento das cânulas utilizou-se o ecocardiograma transesofágico.
Através do 2º EICD, na LAA, introduziu-se a pinça aórtica transtorácica (Chitwood clamp - Fehling, Inc.). Utilizando-se a videotoracoscopia, a aorta ascendente foi pinçada e puncionada com uma agulha de metal de 30 cm (Geister, Inc.) para administração de cardioplegia anterógrada hipotérmica (6ºC) com Solução de HTK (Custodiol®). No local da punção foi feito um ponto em bolsa de poliéster trançado 2-0 com teflon, passada por um torniquete para posterior retirada de ar da aorta ascendente. Ambas as veias cavas foram ocluídas utilizando-se pinças de bulldog (Aesculap, Inc.) para procedimentos videolaparoscópicos (Figura 2). A abertura do átrio direito foi entre a veia cava inferior e direcionada para o apêndice atrial direito. O afastamento atrial foi feito com afastador transtorácico específico (Geister, Inc.) passado pelo 4º EICD, lateral à região da artéria torácica interna direita.
Com a introdução da óptica no átrio direito, inspecionou-se a valva tricúspide, o seio coronariano e a presença da CIA. Para seu fechamento, utilizou-se remendo de pericárdio bovino, o qual foi suturado com fio de polipropileno 4-0, de forma contínua (Figura 3). Foram realizadas insuflações pulmonares com o objetivo de deaeração das câmaras esquerdas, momentos antes do término da sutura do remendo de pericárdio bovino. O átrio direito foi fechado com sutura contínua em dois planos de fio de polipropileno 4-0 e as pinças de bulldog retiradas e iniciou-se o aquecimento gradual do paciente.
Procedeu-se, então, à revascularização miocárdica. A ATIE foi seccionada, o saco pericárdico aberto anterior ao nervo frênico e tracionado externamente com o uso de quatro fios de seda 2-0 agulhados. O RIA foi identificado e exposto através de dois pontos de seda 2-0 agulhados. Fez-se a arteriotomia e a anastomose da ATIE com o RIA com sutura contínua de fio de polipropileno 7-0 (Figura 4).
Desde a abertura do saco pericárdico, manteve-se a injeção de CO2 na vazão de 3 litros por minuto com o objetivo de diminuir a possibilidade de embolia aérea. Foram feitas manobras de deaeração de câmaras esquerdas mobilizando-se a mesa cirúrgica em posição de Trendlemburg e anti-Trendlemburg e alternância de lateral esquerdo-direita. O torniquete do ponto da punção para cardioplegia na aorta ascendente foi deixado aberto para que o ar residual da aorta ascendente pudesse ser evacuado. Inspecionaram-se as cavidades esquerdas por meio da ecocardiografia transesofágica, como não havia ar residual, a aorta foi despinçada.
Após saída de CEC, novo ecocardiograma transesofágico foi realizado, demonstrando o perfeito fechamento da CIA, sem shunt residual. Os vasos femorais e a veia jugular interna direita foram descanulados e a heparina revertida. Após revisão de hemostasia, o pericárdio foi fechado por pontos separados de poliéster trançado 2-0. O dreno torácico direito foi exteriorizado pelo orifício do trocarte do aspirador de átrio direito e direcionado para dentro do saco pericárdico. O dreno torácico esquerdo foi exteriorizado pelo orifício do trocarte para toracoscopia. Os mesmos foram mantidos em aspiração negativa de 20cmH2O. Previamente ao fechamento dos acessos transareolar e da minitoracotomia esquerda, foi feito o bloqueio anestésico do 3º, 4º e 5º EIC em ambos os lados com infiltração de 5 ml de solução de Ropivicaína a 0,5% rm cada espaço intercostal.
O acesso transareolar foi fechado por planos, inicialmente aproximamos as costelas com dois pontos de fio de poliéster trançado nº 5. O plano muscular e subcutâneo foram reconstruídos com poliglicaprone 25 (Caprofyl®) 3-0. Foi realizada a sutura do plano subdérmico com fio de ácido poliglicólico PGA (Monocryl®) 4-0 incolor com agulha cortante. Foram utilizadas as porções centrais das bordas do complexo aréolo-mamilar e da pele como ponto referencial inicial e a partir deste, a sutura do plano subdérmico foi finalizada com pontos distribuídos de forma equidistante.
Tendo alcançado uma boa coaptação das bordas da ferida operatória, a síntese da pele foi realizada com pontos simples de fio de mononylon 5-0. O acesso cirúrgico do hemitórax esquerdo foi fechado por planos, similar ao fechamento do acesso transareolar, apenas a sutura da derme foi realizada com sutura intradérmica contínua de fio de ácido poliglicólico PGA (Monocryl ®) 4-0 incolor com agulha cortante (Figura 4). A incisão do sulco inguinal direito foi fechada por planos e a derme fechada por meio de sutura contínua com fio de ácido poliglicólico PGA (Monocryl®) 4-0 incolor com agulha cortante. Os demais orifícios foram fechados por pontos simples de nylon 5-0. Os curativos foram realizados com micropore®.
Artigo recebido em 24 de novembro de 2009
Artigo aprovado em 4 de dezembro de 2009
Declaro não haver qualquer tipo de conflito de interesse.
Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein - São Paulo, SP, Brasil e no Hospital Hans Dieter Schmidt - Centro Hospitalar Unimed - Joinville, SC, Brasil.
- 1. Pitanguy I. Transareolar incision for gynecomastia. Plast Reconstr Surg. 1996;38(5):414-9.
- 2. Poffo R, Selbach RA, Mokross CA, Fukuti F, Pilatti M, Cidral I. Correção cirúrgica da comunicação inter-atrial: uma novaabordagem. In: 10ş Congresso da SICVESP;2007; Águas de São Pedro; SP.Anais: Rev Bras Cir Cardiovasc. 2007;22(4):530.
- 3. Jatene FB, Pêgo-Fernandes PM, Assad RS, Dallan LA, Hueb W, Arbulu HEVD, et al. Cirurgia de revascularização do miocárdio minimamente invasiva: resultados com o uso da videotoracoscopia e do estabilizador de sutura. Rev Bras Cir Cardiovasc. 1997;12(3):233-8.
- 4. Poffo R, Pope RB, Selbach RA, Mokross CA, Fukuti F, Silva Jr I, et al. Cirurgia cardíaca videoassistida: resultados de um projeto pioneiro no Brasil. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(3):318-26.
Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Abr 2010 -
Data do Fascículo
Dez 2009