Acessibilidade / Reportar erro

Reflexões sobre o apoio paterno: profissionais e serviços de saúde contribuem para seu desenvolvimento?

EDITORIAL

Reflexões sobre o apoio paterno: profissionais e serviços de saúde contribuem para seu desenvolvimento?

Zeni Carvalho Lamy

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Profa. Dra. Zeni Carvalho Lamy Rua Barão de Itapary, 125 - Centro CEP 65020-040 - São Luís/MA E-mail: zenilamy@gmail.com

As relações familiares e de parentalidade envolvem grande complexidade e estão em constante mudança, mas, historicamente, a mãe vem sendo responsabilizada pelos cuidados das crianças, e o papel do pai é, muitas vezes, esquecido. No entanto, tem-se reconhecido a importância do apoio paterno, como foi demonstrado em relação ao aleitamento materno no estudo de Silva et al, publicado nesta edição. Essa pesquisa nos leva a pensar o que os profissionais e as instituições têm feito no sentido de estimular a participação paterna(1).

Existem aspectos significativos que alijaram o homem do processo da amamentação. No discurso científico construído sobre a amamentação a partir do século XIX, só existiam a mãe e a criança. O papel do pai era o de provedor financeiro(2).

Muitas práticas institucionais ainda hoje excluem o pai dos cenários que envolvem o atendimento à mulher grávida e à criança. Ficam nas salas de espera enquanto suas companheiras entram para o atendimento. Esperam do lado de fora ou porque são formalmente excluídos ou porque não são incentivados a participar. Da mesma forma, muitos pais que vão aos atendimentos pediátricos são barrados na porta. Só um acompanhante pode entrar.

A Lei Federal nº 11.108 há 12 anos garante à mulher um acompanhante de sua livre escolha no pré-parto, parto e puerpério, mas ainda hoje muitas passam sozinhas por esses momentos e, mesmo quando a presença de um acompanhante é permitida, algumas instituições exigem que este acompanhante seja do sexo feminino.

Ao mesmo tempo em que os pais são afastados, são socialmente cobrados em relação à participação e ao provimento de suporte afetivo. Tais práticas são contraditórias. Esse modelo, ainda vigente e injustificável, precisa mudar. Deveriam ser desenvolvidas ações que, além de não excluir, estimulassem a participação paterna.

Em uma revisão de literatura que avaliou 44 publicações no período de 1995 a 2010, dentre todos os familiares e pessoas próximas citadas, a presença do pai foi o suporte de maior relevância para a amamentação na perspectiva materna, influenciando tanto na decisão da mulher em amamentar quanto em dar continuidade ao processo, contribuindo, dessa forma, para o aumento das taxas de aleitamento materno(3).

Esse resultado é corroborado por Silva et al(1), que também relatam que o apoio paterno, referido pelas mães, é influente na prevalência de aleitamento materno nos primeiros meses. Essas autoras demonstraram que menos da metade dos pais acompanhou suas esposas nas consultas pré-natais e que, embora metade tenha acompanhado no trabalho de parto, somente 3% estavam presentes na sala de parto. Tais dados evidenciam a ausência do homem neste cenário(1).

Os homens não nascem prontos para exercer a paternidade e não são sensibilizados para isso. O "tornar-se pai" precisa ser "construído" para além da condição biológica, a partir de práticas institucionais e mudanças culturais(4).

Vem crescendo uma geração de homens que se mostram interessados em aprender a realizar tarefas domésticas, além de cada vez mais estarem afetivamente próximos aos filhos. A participação do pai na gestação possibilita que ele receba de seu filho sinais que o apoiam no desempenho da paternidade muito precocemente, e que são facilitadores de vínculo entre os parceiros(5). O termo engrossment, uma resposta dos pais diante do contato com seus recém-nascidos proporcionando envolvimento, preocupação e interesse, tem sido destacado(6). Esse sentimento é desencadeador de cuidados, mas as práticas hospitalares distanciando pais e bebês não contribuem para o seu fortalecimento. Como referido por Silva et al, a participação e a valorização do pai nas consultas pré-natais e em grupos de gestantes podem contribuir para a formação de um elo entre mãe-pai-bebê desde a gestação(1).

Estatutos, programas e políticas públicas que incorporam a necessidade da inserção do pai no pré-natal, parto, nascimento, puerpério e no acompanhamento da criança têm sido desenvolvidos. Pode-se citar, dentre outros, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Política de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso - Método Canguru, o Programa de Humanização do Parto e Nascimento, a Política Nacional de Humanização, o Plano de Qualificação de Maternidades e a Rede Cegonha. Esse conjunto já representa um enorme avanço, mas ainda é necessário que estas políticas proporcionem mudanças de comportamento que reflitam nas práticas dos serviços de saúde.

Recebido em: 3/7/2012

Conflito de interesse: nada a declarar

Consultora da Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno do Ministério da Saúde; Professora Adjunta do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Doutora em Saúde da Criança e da Mulher pelo Instituto Fernandes Figueira - Fundação Oswaldo Cruz; Médica Neonatologista do Hospital Universitário da UFMA, São Luís, MA, Brasil

  • 1. Silva PP, Silveira RB, Mascarenhas MLW, Kaufmann CC, Albernaz EP. A percepção das mães sobre o apoio paterno: influência na duração do aleitamento materno. Rev Paul Pediatr 2012;31:306-13.
  • 2. Pontes CM, Alexandrino AC, Osório MM. O envolvimento paterno no processo de amamentação: propostas de incentivo. Rev Bras Saúde Matern Infant 2009;9:399-408.
  • 3. Silva BT, Santiago LB, Lamonier JA. Apoio paterno ao aleitamento materno: uma revisão integrativa. Rev Paul Pediatr 2012;30:122-30.
  • 4. Toneli MJ, Medrado B, Trindade ZA, Lyra J. O pai está esperando? Políticas públicas de saúde para a gravidez na adolescência. Florianópolis: Editora Mulheres; 2011.
  • 5. Coutinho HRB, Morsch DS. A paternidade em cuidados intensivos neonatais. Rev SBPH 2006;9:55-69.
  • 6. Klaus MH, Kennell JH, Klaus PH. Vínculo: construindo as bases para um apego seguro e para a independência. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
  • Endereço para correspondência:
    Profa. Dra. Zeni Carvalho Lamy
    Rua Barão de Itapary, 125 - Centro
    CEP 65020-040 - São Luís/MA
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012
    Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: rpp@spsp.org.br