RESUMO
O artigo visou discutir a desigualdade internacional no combate à Covid-19, mostrando a distribuição relativamente tardia de vacinas para os países de renda baixa e a forma com que a persistência da pandemia, exigindo medidas assistenciais, impactou os gastos públicos. A partir de um modelo estatístico de painel, evidenciou-se que o aumento da cobertura vacinal diminuiu a necessidade de imposição de medidas restritivas, que, por sua vez, possibilitou a redução dos gastos públicos. Concluiu-se, então, que a oferta internacional desigual de vacinas está relacionada também com a piora das contas públicas e do cenário econômico, principalmente para os países já financeiramente mais debilitados, provavelmente contribuindo para o aumento das desigualdades socioeconômicas internacionais.
PALAVRAS-CHAVE
Vacinação; Covid-19; Setor público; Despesas públicas
ABSTRACT
The article aims to discuss the international inequality in the fight against COVID-19, showing the relatively late vaccine distribution to low-income countries, and the way the persistence of the pandemic, requiring assistance measures, impacted public expenditure. By means of a panel statistic model, it is evident that the increase in vaccination coverage reduced the necessity of imposing restrictive measures, which, in turn, made reducing public expenditure possible. It is concluded that the unequal international supply of vaccines is also related to the worsening of public accounts and the economic scenario, mainly for countries that are already financially constrained, probably contributing to the increase in international socioeconomic inequalities.
KEYWORDS
Vaccination; COVID-19; Public sector; Public expenses
Introdução
A pandemia da Covid-19, gerando uma crise sanitária e econômica, desafiou os países a desenvolver políticas para mitigar a disseminação descontrolada do vírus e a recessão associada a ela. Entretanto, essa situação tornou evidente as desigualdades econômicas internacionais. Os países não possuem a mesma capacidade financeira de garantir os recursos necessários para o enfrentamento da pandemia e para combater as consequências econômicas da crise, como desemprego, redução da renda familiar, quebra de empresas, entre outros reflexos. Dessa forma, a expansão dos gastos públicos pressionou as contas públicas, principalmente dos países de renda baixa, que recorreram também ao endividamento como forma de mobilizar recursos.
Entretanto, há uma desigualdade na capacidade financeira de arcar com os gastos públicos e o endividamento: os países de renda baixa, muitas vezes com menor credibilidade e estabilidade financeiras, possuem dificuldades maiores de arcar com o aumento do endividamento soberano. Analogamente, as nações mais desenvolvidas, com economias mais dinâmicas e estáveis, possuem capacidade maior de arcar financeiramente com suas dívidas.
A vacinação em larga escala, que teve seu início em 2021, ao proteger a população da Covid-19, possibilitou que as medidas restritivas impostas para conter a disseminação do vírus pudessem ser suavizadas, levando, pois, à retomada da dinâmica social e das atividades econômicas e, então, reduzindo a necessidade de gastos públicos voltados a medidas assistenciais. Por sua vez, essa menor necessidade diminuiu a pressão nas contas públicas e no endividamento soberano. Porém, o acesso às vacinas contra a Covid-19 também foi e continua sendo desigual entre os países, uma vez que aqueles de renda alta tiveram prioridade no acesso aos imunizantes.
Tendo em vista que os países de renda baixa tiveram um acesso mais tardio e limitado à vacinação contra a Covid-19, espera-se que suas contas públicas fiquem pressionadas por mais tempo, o que pode aumentar também os seus níveis de endividamento soberano e risco de default soberano, já que essas nações, como citado anteriormente, possuem menor capacidade financeira de arcar com elevados patamares de dívida. A compreensão da relação entre o aumento da cobertura vacinal e os seus impactos nos gastos públicos é importante não só para as discussões sobre como a dinâmica da pandemia e a vacinação estão interligadas com o cenário econômico nacionalmente, mas também contribui para os debates sobre o aprofundamento da desigualdade entre os países e a necessidade de iniciativas globais para enfrentar essa situação.
Além da dificuldade em conseguir acesso à oferta global de vacinas, alguns países tiveram de lidar com o negacionismo e a negligência de autoridades públicas que se atrasaram na corrida internacional para acesso e compra de vacinas para as suas campanhas nacionais de vacinação. Para exemplificar isso, pode-se utilizar o caso brasileiro: o governo Bolsonaro, inspirando-se na administração Trump dos Estados Unidos da América (EUA), adotou um discurso ideológico e negacionista a fim de inviabilizar ou postergar a vacinação brasileira11 Goldstein AA. A pandemia e a crise dos populismos de extrema direita nos Estados Unidos e no Brasil. In: Narcizo MC. A extrema direita e o poder: histórico, diagnóstico e perspectivas. Rio de Janeiro: Eulim; 2020. p. 254-265.. Utilizando, como argumento, o custo das vacinas, o presidente Bolsonaro disse que as vacinas exigiriam “uma importância bastante absurda”, e esse seria um dos motivos para a não aquisição de doses22 Dias C, Ribeiro Júnior E. ‘Já mandei cancelar’, diz Bolsonaro sobre protocolo de intenções de vacina do Instituto Butantan em parceria com farmacêutica chinesa. G1. 2020 out 21. [acesso em 2022 jun 2]. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sorocaba-jundiai/noticia/2020/10/21/ja-mandei-cancelar-diz-bolsona-ro-sobre-protocolo-de-intencoes-de-vacina-do-ins-tituto-butantan-em-parceria-com-farmaceutica-chi-nesa.ghtml.
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,33 Soares I. “Toda e qualquer vacina está descartada”, diz Bolsonaro. Correio Braziliense. 2020 out 21. [acesso em 2022 jun 2]. Disponível em: https://www.correiobra-ziliense.com.br/politica/2020/10/4883680--toda-e--qualquer-vacina-esta-descartada-diz-bolsonaro.html.
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. Em outro caso, suspendeu a compra de seringas pela elevação dos seus preços no início da campanha de vacinação no Brasil44 Motoryn P. Bolsonaro anuncia suspensão da compra de seringas para vacina contra covid-19. Poder 360. 2021 jan 6. [acesso em 2022 jun 2]. Disponível em: https://www.poder360.com.br/coronavirus/bolso-naro-anuncia-suspensao-da-compra-de-seringas--para-vacina-contra-covid-19/.
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De acordo com os dados provenientes de Our World in Data55 Ritchie H, Mathieu E, Rodés-Guirao L, et al. Coronavirus Pandemic (COVID-19). Our World in Data. 2020. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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, evidencia-se neste artigo que a desigualdade internacional na distribuição de doses levou ao adiamento do início e da velocidade da vacinação em países menos favorecidos economicamente. Dessa forma, esses países ficaram sujeitos a uma retomada econômica mais tardia, o que pode ter levado ao aumento de gastos públicos e a dificuldades financeiras provenientes do crescimento do endividamento soberano.
Por um lado, a vacinação tem um custo direto associado aos recursos públicos empregados para a aquisição de insumos para a vacinação, por outro, traz benefícios indiretos para as contas públicas já que viabiliza a retomada econômica via flexibilização das restrições ao convívio social, reduzindo as necessidades de gastos públicos assistenciais. Neste artigo, é estimado o impacto direto da compra de insumos para a vacinação nos gastos públicos, bem como o impacto indireto da vacinação via redução das restrições ao convívio social e dos gastos assistenciais associados.
A metodologia empregada consiste na estimação de um modelo estatístico de painel, em que a variável dependente são os gastos públicos (% PIB) de cada país como uma função do número de doses compradas (% PIB), proxy do custo associado à aquisição de insumos e medida do impacto direto da vacinação; do índice de restrição às atividades econômicas, medida do impacto indireto da vacinação; a dívida pública como controle da capacidade financeira de cada país; além de variáveis de efeito fixo por país.
No modelo estimado, há evidência de que a aquisição de vacinas não impactou significativamente, de forma direta, os gastos dos governos (% PIB), possivelmente porque esses governos conseguiram reduzir outros gastos da área de saúde ou demais, e direcionar o orçamento público para enfrentar a pandemia. Entretanto, a diminuição do índice de restrição às atividades econômicas, possibilitada pela vacinação, reduziu significativamente os gastos públicos. Dessa forma, as evidências apresentadas neste artigo mostram que o valor monetário destinado à compra de vacinas contra a Covid-19, na verdade, não se trata somente de gasto, mas de investimento público que viabilizou a retomada do funcionamento econômico regular e diminuiu as pressões sobre as contas públicas dos governos. Como os países menos favorecidos economicamente foram caracterizados por uma vacinação mais tardia e lenta, tiveram também uma retomada econômica mais morosa e a necessidade de maiores gastos assistenciais, cuja capacidade de financiamento nesses países, entretanto, é inferior.
Nas primeira e segunda seções deste artigo, serão revisadas, respectivamente, as literaturas que abordam a relação entre a crise sanitário-econômica e a importância da vacinação, e a desigualdade internacional na distribuição das vacinas contra a Covid-19. Na terceira seção, serão apresentadas as diferenças entre os países em suas capacidades de ampliar os gastos públicos e sustentar o endividamento soberano. Na quarta seção, será descrita a metodologia empregada; na quinta seção, serão apresentados os resultados e discussões; e na última, as considerações finais.
A pandemia como crise sanitário-econômica e a importância da vacinação
A Covid-19 se trata de uma doença que atinge, principalmente, o sistema respiratório humano, podendo causar uma síndrome respiratória aguda. Com isso, a proximidade entre as pessoas, possibilitando que gotículas de uma pessoa infectada atinja outras, torna-se o seu principal meio de contágio. Dessa forma, a sociedade e sua dinâmica repleta de contatos sociais são um terreno fértil para a disseminação descontrolada do vírus. Com a alta contagiosidade e sua capacidade letal, a Covid-19 gerou, em muitos casos, uma sobrecarga dos sistemas de saúde para atender a todas as pessoas infectadas que necessitavam de leitos hospitalares. Essa pressão sobre os sistemas de saúde poderia inviabilizar o atendimento de todos os enfermos, fazendo com que indivíduos gravemente infectados possivelmente não tivessem acesso a um tratamento hospitalar.
Então, como forma de desacelerar a contaminação pela Covid-19 e de reduzir a sobrecarga nos sistemas de saúde, autoridades públicas adotaram medidas para restringir a circulação de pessoas. Essas medidas incluíam o fechamento de locais de trabalho, a proibição ou a redução do funcionamento de estabelecimentos comerciais não essenciais, toques de recolher, entre outras ações que pudessem manter a população em suas residências para redução do contato social e, consequentemente, do contágio pelo vírus. As medidas restritivas aplicadas para conter a disseminação da doença e possibilitar que menos mortes ocorressem tinham, porém, consequências econômicas.
O impacto da pandemia nas economias ocorreu tanto pelo lado da demanda quanto da oferta66 Canuto O. Impacto do coronavírus na Economia Global. Rev Bras. Comércio Exterior. 2020 [acesso em 2021 jul 12]; (143):4-17. Disponível em: http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE143_Artigo_Canuto.pdf.
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. As medidas restritivas, ao reduzir o funcionamento de estabelecimentos comerciais e restringir a circulação de pessoas, reduziram o consumo e, ao fechar locais de trabalho interrompendo o sistema produtivo, diminuíram a produção. Esses impactos combinados, dificultando a sobrevivência de diversas empresas, geraram aumento do desemprego que, então, levou à redução da renda familiar. As famílias, com menos renda, passaram a consumir menos. Portanto, percebe-se também que as consequências econômicas, além de surgirem no consumo e na produção simultaneamente, retroalimentam-se. A pandemia, ao afetar significativamente as economias, também provocou a deterioração de indicadores sociais.
Nesse cenário, o setor público se destacou como provedor de recursos para o enfrentamento do cenário de calamidade66 Canuto O. Impacto do coronavírus na Economia Global. Rev Bras. Comércio Exterior. 2020 [acesso em 2021 jul 12]; (143):4-17. Disponível em: http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE143_Artigo_Canuto.pdf.
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,77 Mazzucato M, Kattel R. COVID-19 and public-sector capacity. Oxford Rev Econom. Policy. 2020; 36(S1):S256-S269.. Houve a necessidade de que governos aplicassem medidas para o combate à pandemia e, também, à crise econômica. Em relação à situação sanitária, a pressão sobre os sistemas hospitalares exigiu um maior volume de recursos para a área da saúde, voltados à compra de equipamentos, de insumos e de vacinas e ao fortalecimento geral dos sistemas de saúde. Para a amenização dos efeitos econômicos da pandemia, outras ações foram tomadas: transferência de renda, disponibilização de linhas de crédito especiais para empresas, programas para manutenção de postos de trabalho, entre outras medidas que levaram à ampliação dos gastos públicos, assim como ao aumento do endividamento soberano em meio à recessão econômica66 Canuto O. Impacto do coronavírus na Economia Global. Rev Bras. Comércio Exterior. 2020 [acesso em 2021 jul 12]; (143):4-17. Disponível em: http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE143_Artigo_Canuto.pdf.
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De acordo com Espino et al.88 Espino E, Kozlowski J, Martin FM, et al. Domestic Policies and Sovereign Default. FRB St. Louis Working Paper 2020-17. 2020., após um ano de pandemia, os gastos públicos (% do PIB) poderiam sofrer um aumento de 4 pontos percentuais, e a receita tributária (% do PIB) poderia ser reduzida na mesma intensidade. Isso provocaria outros reflexos econômicos, como a elevação do endividamento público (% do PIB), que seria ampliado em 9 pontos percentuais. Portanto, os resultados evidenciam o impacto da pandemia nas contas públicas e no endividamento soberano.
A persistência da crise sanitária, com a disseminação da Covid-19, o elevado número de mortes diárias e a pressão sobre o sistema de saúde, significou um prolongamento das medidas restritivas e, consequentemente, de seus reflexos econômicos. A principal maneira de romper esse cenário seria vacinar, em larga escala, a população contra o vírus. Com cobertura vacinal considerável, ou seja, alta parcela da população com o ciclo completo de vacinação, as infecções e as mortes por Covid-19 seriam reduzidas99 Cook TM, Roberts JV. Impact of vaccination by priority group on UK deaths, hospital admissions and intensive care admissions from COVID-19. Anaesthesia. 2021; 76(5):608-616.,1010 Moghadas SM, Vilches TN, Zhang K, et al. The Impact of Vaccination on Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreaks in the United States. Clinical Infectious Diseases. 2021; 73(12):2257-2264.. Imunizada, a sociedade poderia retornar à sua dinâmica anterior, suspendendo gradativamente as medidas restritivas, e iniciando o processo de recuperação econômica, com redução de pressões sobre as contas públicas.
Em Valencia et al.1111 Valencia OM, Arellano M, Angarita M. The New Fiscal Normal: Vaccinations, Debt and Fiscal Adjustment in Emerging Economies. Washington, D.C.: Inter-American Development Bank; 2021., é realizada uma distinção na retomada econômica entre países com vacinação lenta (vacinação de 0,5% da população por semana) e com vacinação rápida (5% da população por semana). Os resultados, em países da América Latina e do Caribe, indicam que as economias com maior cobertura de vacinação contra a Covid-19 teriam, em 2021, taxas de crescimento do PIB maiores que aquelas economias sem imunização, já que as vacinas possibilitariam uma retomada do consumo e da produção mais rápida, viabilizando-se, assim, uma recuperação econômica mais forte. Isso também se refletiria, nos anos posteriores a 2020, na redução dos gastos públicos, principalmente nas economias com campanhas de vacinação rápidas. As economias com vacinação em larga escala teriam seus gastos públicos (em % do PIB) reduzidos aos níveis pré-pandemia em 2022, enquanto os países sem vacinação retornariam a esse mesmo patamar apenas em 2026.
A desigualdade internacional na distribuição de vacinas contra a Covid-19
A pandemia, ao demandar grandes quantidades de insumos para tratamento hospitalar, criou uma disputa entre os países pela aquisição de recursos perante uma oferta global limitada. Com isso, as economias com capacidades financeiras maiores tiveram prioridade na compra desses insumos em detrimento das nações menos desenvolvidas, que precisaram aguardar por um longo período para adquirir os recursos1212 Bollyky TJ, Bown CP. The Tragedy of Vaccine Nationalism: Only Cooperation Can End the Pandemic. Foreign Affairs. 2020. [acesso em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-07-27/vaccine-nationalism--pandemic.
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. Essa disputa também se repetiu na aquisição de doses de vacinas contra a Covid-19.
Os países, em um cenário de oferta limitada de doses, competem pelos recursos e utilizam-se de artifícios para adquirir prioritariamente as vacinas. Por exemplo, as economias com setores industriais produtores de vacinas restringem a exportação desses produtos para abastecer primeiramente o mercado interno; outras se valem de sua capacidade financeira para comprar de forma mais rápida grandes quantidades de vacinas das empresas farmacêuticas1212 Bollyky TJ, Bown CP. The Tragedy of Vaccine Nationalism: Only Cooperation Can End the Pandemic. Foreign Affairs. 2020. [acesso em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-07-27/vaccine-nationalism--pandemic.
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,1313 Hunter DJ, Karim SSA, Baden LR, et al. Addressing Vaccine Inequity — Covid-19 Vaccines as a Global Public Good. New Engl. J. Med. 2022; 386(12):1176-1179.,1414 Riaz MMA, Ahmad U, Mohan A, et al. Global impact of vaccine nationalism during COVID-19 pandemic. Trop. Med. Health. 2021 [acesso em 2022 jul 12]; 49(101). Disponível em: https://tropmedhealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41182-021-00394-0#:~:text=Vaccine%20nationalism%20is%20an%20economic,the%20rest%20of%20the%20world.
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. Alguns países, principalmente de renda baixa, compraram e reservaram um elevado número de doses capaz de vacinar suas populações inúmeras vezes1414 Riaz MMA, Ahmad U, Mohan A, et al. Global impact of vaccine nationalism during COVID-19 pandemic. Trop. Med. Health. 2021 [acesso em 2022 jul 12]; 49(101). Disponível em: https://tropmedhealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41182-021-00394-0#:~:text=Vaccine%20nationalism%20is%20an%20economic,the%20rest%20of%20the%20world.
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. Com isso, houve um aumento nos preços das doses restantes no mercado internacional, diminuindo ainda mais a capacidade de países de renda baixa adquiri-las1515 Kretchmer H. Vaccine nationalism - and how it could affect us all. The Davos Agenda. 2021. [acesso em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.weforum.org/agenda/2021/01/what-is-vaccine-nationalism--coronavirus-its-affects-covid-19-pandemic.
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. Um dos fatores causadores dessa situação foi o ‘nacionalismo da vacina’, a necessidade de líderes mundiais satisfazerem os interesses de suas nações, até mesmo por motivos eleitorais, adquirindo grandes quantidades de doses em detrimento da cooperação internacional1212 Bollyky TJ, Bown CP. The Tragedy of Vaccine Nationalism: Only Cooperation Can End the Pandemic. Foreign Affairs. 2020. [acesso em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.foreignaffairs.com/articles/united-states/2020-07-27/vaccine-nationalism--pandemic.
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.
O ‘nacionalismo da vacina’ gerou implicações locais e globais. Localmente, os países de renda baixa, ao possuírem insuficiente cobertura vacinal por mais tempo devido ao acesso reduzido às doses, sofreram com a circulação acelerada do vírus em meio a uma população não imunizada e com uma elevada média móvel de mortes diárias por longo tempo. Essa situação sanitária não foi facilmente controlada pela aplicação de medidas restritivas, dificultada pela falta de infraestrutura adequada e de acesso à informação nesses países, o que reduziu a efetividade das ações aplicadas pelas autoridades públicas para a contenção da circulação do vírus1616 Fakir A, Bharati T. Pandemic catch-22: The role of mobility restrictions and institutional inequalities in halting the spread of COVID-19. PLOS ONE. 2021 [acesso em 2022 jul 19]; 16(16). Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0253348.
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. A disseminação descontrolada da Covid-19 amplia as chances de mutações e, consequentemente, do surgimento de novas variantes capazes de se disseminar globalmente, colocando em risco o progresso já realizado no combate à doença1414 Riaz MMA, Ahmad U, Mohan A, et al. Global impact of vaccine nationalism during COVID-19 pandemic. Trop. Med. Health. 2021 [acesso em 2022 jul 12]; 49(101). Disponível em: https://tropmedhealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s41182-021-00394-0#:~:text=Vaccine%20nationalism%20is%20an%20economic,the%20rest%20of%20the%20world.
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. Essa situação é sintetizada pela expressão “No one is safe until everyone is safe”, que chama a atenção exatamente à desigualdade internacional na distribuição de doses com consequências negativas para a saúde e a economia da população mundial1717 Berkley S. No one is safe until everyone is safe. GAVI. 2021. [acesso em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.gavi.org/vaccineswork/no-one-safe-until-everyone-safe.
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De acordo com Hafner et al.1818 Hafner M, Yerushalmi E, Fays C, et al. COVID-19 and the cost of vaccine nationalism. RAND Europe. 2020. [acesso em 2022 jul 19]. Disponível em: https://www.rand.org/pubs/research_reports/RRA769-1.html#:~:text=Based%20on%20previous%20estimates%2C%20it,countries%20are%20denied%20a%20supply.
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, o “nacionalismo da vacina” e a consequente desigualdade internacional na distribuição de doses têm um custo econômico global. A partir da construção de modelos, os autores estimaram a produção econômica em diferentes cenários da distribuição global de vacinas em comparação com a situação de distribuição equitativa de doses. Por exemplo, se apenas países produtores de vacinas e países de renda alta recebessem quantidades de vacinas adequadas, a economia global, em comparação com o cenário de distribuição equitativa de doses, estaria produzindo 0,3% a menos, o que seria equivalente a uma perda de US$ 292 bilhões1818 Hafner M, Yerushalmi E, Fays C, et al. COVID-19 and the cost of vaccine nationalism. RAND Europe. 2020. [acesso em 2022 jul 19]. Disponível em: https://www.rand.org/pubs/research_reports/RRA769-1.html#:~:text=Based%20on%20previous%20estimates%2C%20it,countries%20are%20denied%20a%20supply.
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. Desse valor, aproximadamente US$ 189 bilhões estão associados com as perdas de produção econômica nos EUA, na União Europeia, no Reino Unido, entre outros países de renda alta. Portanto, observa-se que o nacionalismo da vacina impacta não apenas as nações prejudicadas diretamente pela distribuição de vacinas, mas também os países de renda alta.
Para mitigar essa desigualdade, a cooperação e as iniciativas internacionais possuem papel importante, como o Covax Facility, consórcio internacional para distribuição de doses de vacina contra a Covid-19 para países de renda baixa1717 Berkley S. No one is safe until everyone is safe. GAVI. 2021. [acesso em 2022 jul 12]. Disponível em: https://www.gavi.org/vaccineswork/no-one-safe-until-everyone-safe.
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. O Covax, com vacinas e recursos financeiros oriundos de doações de países de renda alta, conseguiu distribuir para aquelas nações menos privilegiadas certa quantidade de doses capaz de iniciar as campanhas de vacinação. Entretanto, a iniciativa não supriu suficientemente os países de renda baixa, que continuam a sofrer com a escassez de vacinas1919 Rouw A, Wexler A, Kates J, et al. Global COVID-19 Vaccine Access: A Snapshot of Inequality. KFF. 2021. [acesso em 2022 mar 8]. Disponível em: https://www.kff.org/policy-watch/global-covid-19-vaccine-access--snapshot-of-inequality/.
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A partir de um levantamento do registro da base de dados Our World in Data5, pode-se observar a grande diferença para iniciar as campanhas de vacinação nos países. Utilizouse a Rússia, primeiro país a iniciar a vacinação em massa, como referência para a contagem relativa de dias2020 Soldatkin V. Moscow rolls out Sputnik V COVID-19 vaccine to most exposed groups. Reuters. 2020. [aces-so em 2022 jun 2]. Disponível em: https://www.reuters.com/article/health-coronavirus-russia-vaccination-idUSKBN28F09G.
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. Os resultados indicaram que, enquanto os países de renda alta levaram aproximadamente 39 dias para iniciar suas campanhas de vacinação após a Rússia, os países de rendas média-alta, média-baixa e baixa levaram cerca de, respectivamente, 69, 96 e 133 dias.
Além da desigualdade para início da campanha de vacinação, percebe-se a persistência da desigualdade internacional na evolução da vacinação ao longo de 2021. Os países de alta renda conseguiram acelerar suas campanhas de vacinação no 2º trimestre, continuando o processo no restante do ano, enquanto os países de rendas média-alta e média-baixa apenas progrediram a partir do 3º trimestre, ainda de forma muito heterogênea. No 4º trimestre de 2021, aproximadamente 90% dos países de baixa renda permaneciam com cobertura vacinal abaixo de 20% da população.
Diferenças no endividamento e default soberanos entre países de acordo com os seus níveis de renda
O impacto econômico da pandemia sobre a cadeia produtiva global e dinâmica social dos países provocou consequências socioeconômicas sérias que precisaram ser enfrentadas pelos governos, como o aumento da desigualdade socioeconômica, do desemprego e da recessão. Muitas das medidas econômicas implementadas, como transferência de renda, concessão de linhas de crédito especiais, entre outras, visavam estimular as economias em recessão. Essas ações se refletem nas contas públicas, uma vez que a maioria implica a ampliação dos gastos públicos e o aumento do endividamento soberano, o que pode levar os países em que o nível de dívida pública se tornar insustentável a uma crise de dívida soberana2121 Stiglitz J. Conquering the Great Divide. International Monetary Fund. 2020. [acesso em 2022 mar 7]. Disponível em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2020/09/COVID19-and-global-inequality--joseph-stiglitz.htm.
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Segundo Reinhart, Rogoff e Savastano2222 Reinhart CM, Rogoff KS, Savastano MA. Debt Intolerance. Brookings Papers on Economic Activity. 2003. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.brookings.edu/bpea-articles/debt-intolerance/.
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, existem diferenças na sustentabilidade das dívidas externas entre os países. De acordo com o conceito de debt intolerance, os países podem ser mais ou menos intolerantes à dívida externa, ou seja, são mais ou menos capazes de sustentar níveis maiores de dívida sem entrar em default. Os autores indicam, por exemplo, que, em mais de 50% dos defaults de países de renda média (classificação do Banco Mundial) ocorridos entre 1970 e 2001, os níveis da dívida externa ainda estavam menores que 60% do PIB. Isso indicaria que os países de menor renda não conseguem sustentar níveis de dívida tão elevados. Além disso, os países de maior renda são também aqueles que recebem melhores classificações para investimento, conseguindo angariar novos empréstimos a custos reduzidos e sendo capazes sustentar níveis maiores de dívida. Em Reinhart e Rogoff2323 Reinhart CM, Rogoff KS. From Financial Crash to Debt Crisis. National Bureau of Economic Research. 2010. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.nber.org/papers/w15795.
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, mostra-se que a intolerância da dívida “manifests itself in the extreme duress many emerging markets experience at debt levels that would seem quite manageable by advanced country standards”2323 Reinhart CM, Rogoff KS. From Financial Crash to Debt Crisis. National Bureau of Economic Research. 2010. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.nber.org/papers/w15795.
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(9).
A capacidade de sustentar as dívidas externas reside nas diferenças de aspectos financeiros entre os países, como o crescimento econômico, a estabilidade de indicadores macroeconômicos – como a taxa de inflação, de câmbio e de juros –, além da associada credibilidade perante investidores2222 Reinhart CM, Rogoff KS, Savastano MA. Debt Intolerance. Brookings Papers on Economic Activity. 2003. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.brookings.edu/bpea-articles/debt-intolerance/.
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,2323 Reinhart CM, Rogoff KS. From Financial Crash to Debt Crisis. National Bureau of Economic Research. 2010. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.nber.org/papers/w15795.
https://www.nber.org/papers/w15795....
. Como os países de renda baixa têm maior instabilidade econômica e recessões mais prolongadas, possuem maior dificuldade em honrar os pagamentos atrelados ao endividamento, enquanto aqueles de renda alta, com maior estabilidade e credibilidade, possuem maior capacidade de sustentar níveis de dívida mais elevados.
Essa desigualdade internacional na capacidade de sustentar dívidas agravou o cenário econômico provocado pela pandemia. Sem poder sustentar dívidas soberanas a partir de determinados níveis, os países de renda baixa, possivelmente, tiveram dificuldades para obter novos empréstimos para financiar gastos assistenciais durante a pandemia e para financiar os pagamentos atrelados ao aumento do endividamento soberano.
Material e métodos
Para esta pesquisa, foram considerados 182 países categorizados segundo a classificação de países 2020-2021 do Banco Mundial. Essa categorização se baseia na renda nacional bruta (em inglês, Gross National Income – GNI) per capita, classificando os países em High Income (para GNI per capita maior que US$ 12.535), Upper-middle Income (para GNI per capita entre US$ 4.046 e US$ 12.535), Lower-middle Income (para GNI per capita entre US$ 1.036 e US$ 4.045) e Low Income (para GNI per capita menor que US$ 1.035). A seleção dos países foi realizada considerando aqueles que possuíam informações disponíveis no Fundo Monetário Internacional sobre Dívida Pública do Governo Geral ou do Governo Central. Depois dessa seleção, foram desconsiderados países que, no começo de 2021, momento em que a base estava sendo construída, não apresentavam dados suficientes no Our World in Data55 Ritchie H, Mathieu E, Rodés-Guirao L, et al. Coronavirus Pandemic (COVID-19). Our World in Data. 2020. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://ourworldindata.org/coronavirus.
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, restando, então, 182 nações.
Para avaliar o impacto direto da vacinação nos gastos públicos, via compra de insumos, e indireto, via redução do índice de restrição e retomada econômica, a metodologia empregada consiste na estimação de um modelo estatístico em painel, em que a variável dependente são os gastos públicos agregados, em porcentagem do PIB, na frequência trimestral, com dados provenientes de International Finance Statistics do Fundo Monetário Internacional2424 International Monetary Fund. International Financial Statistics. 1948. [acesso em 2022 jul 20]. Dispo-nível em: https://data.imf.org/?sk=4c514d48-b6ba--49ed-8ab9-52b0c1a0179b.
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. Nesse modelo, as variáveis explicativas são o número de doses compradas, em razão do PIB (dados de Launch and Scale Speedometer do Centro de Inovação em Saúde Global da Duke com apoio da Fundação Bill & Melinda Gates2525 Launch & Scale Speedometer. Vaccine purchases. 2020. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://launchandscalefaster.org/covid-19/vaccine-purchases.
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), proxy do custo associado à aquisição de insumos e medida do impacto direto da vacinação nos gastos públicos; a dívida pública trimestral em % do PIB (dados da base Quarterly Public Sector Debt do Banco Mundial2626 World Bank. Quarterly Public Sector Debt. 2022. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.worldbank.org/en/programs/debt-statistics/qpsd.
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), como controle da capacidade financeira de cada país; a média trimestral do índice de restrição ou Stringency Index, proveniente de COVID-19 Government Response Tracker da Universidade de Oxford2727 Ritchie H, Mathieu E, Rodés-Guirao L, et al. COVID-19: Stringency Index. Our World in Data. 2020. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://ourworldindata.org/covid-stringency-index.
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, medida do impacto indireto da vacinação via retomada econômica; além de variáveis de efeito fixo por país para controlar por fatores políticos, econômicos, culturais e institucionais, constantes ao longo do tempo, e que também afetam os gastos do governo.
O índice de restrição ou Stringency Index é calculado em uma escala de 0 a 100 e busca mensurar o nível de restrição em determinado local, ou seja, mede a intensidade das medidas restritivas adotadas em cada país. Para a formulação do índice, são considerados: fechamento de escolas e de espaços de trabalho; cancelamento de eventos públicos; limitação de aglomerações; políticas relacionadas com o transporte público e com o isolamento social; restrições de viagens nacionais e internacionais; e realização de campanhas públicas de informação. O cálculo do Índice de Restrição é realizado para cada ente subnacional (estados e províncias, por exemplo).
Porém, para mensurar as medidas restritivas nacionalmente, é adotado o valor do ente subnacional com maior índice de restrição, aspecto que representaria uma limitação da variável independente, uma vez que desconsidera as discrepâncias regionais internas de cada país. A tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas.
No modelo proposto, mesmo que a queda do índice de restrição implique redução de gastos públicos devido à retomada econômica, não se pode assumir, a priori, que a vacinação levou, estatisticamente, a uma queda desse índice de restrição. Por isso, para verificar a existência de relação estatística entre a vacinação e o índice de restrição, foi elaborada uma regressão linear auxiliar. Como variável dependente, utilizou-se o índice de restrição ou Stringency Index, em frequência diária, calculado pelo COVID-19 Government Response Tracker da Universidade de Oxford. Como variável independente principal, foi utilizada a porcentagem de pessoas completamente imunizadas (com duas doses ou dose única de vacina), em frequência diária, de Our World in Data (% of people fully vaccinated), defasada em 15 dias como forma de representar o ciclo completo de imunização, que se dá no décimo quinto dia após a aplicação da segunda dose (ou da dose única). Além dessa variável, foi incluído o número de mortes diárias (por milhão de habitantes), de Our World in Data, visto que o aumento de vacinação pode não implicar redução do índice de restrição se ocorrer em momentos com elevado número de mortes diárias. O modelo abrange dados de 18 de dezembro de 2020 até 31 de dezembro de 2021. Além disso, utilizaram-se duas variáveis dummies, no nível e multiplicadas pelas demais variáveis do modelo, para controlar pelos impactos diferenciados de acordo com a restrição orçamentária de cada país: a primeira, que toma o valor unitário apenas para os países de renda alta e valor zero para os demais; e a segunda, que toma o valor unitário apenas para os países de renda média-alta e valor zero para os demais. Dessa forma, os países de renda média-baixa ou baixa representam o grupo de controle na regressão.
Resultados e discussão
Inicialmente, serão apresentados os coeficientes estimados para o modelo principal de regressão, que trata dos reflexos da vacinação nos gastos públicos e evidenciados na tabela 2. O teste Hausman apontou para a inconsistência do estimador de efeitos aleatórios, por isso os resultados do estimador de efeitos fixos serão apresentados. Entre as variáveis explicativas utilizadas, estão: o índice de restrição, a dívida pública, o número de doses compradas e as variáveis de efeitos fixos; apenas o índice de restrição possui um efeito positivo e estatisticamente significante, evidenciando que, de fato, há um impacto positivo e relevante da imposição de medidas restritivas nos gastos públicos. Esses resultados corroboram a evidência apontada no gráfico 1, uma relação positiva entre aumento de medidas restritivas e de gastos públicos, mesmo após o controle da compra de doses e de padrões de gastos diferenciados por países, mapeados na dívida pública. Esse resultado converge com a literatura, uma vez que a pandemia, ao exigir restrições sanitárias como isolamento social e fechamento temporário de estabelecimentos, levou governos a adotarem medidas assistenciais a fim de manter empregos, sustentar empresas e contrabalancear a redução da renda familiar. Então, a aplicação dessas políticas assistenciais demandou ampliação dos gastos públicos.
A variável da dívida pública em relação ao PIB é estatisticamente insignificante. Como não há uma correlação entre dívida pública e gastos públicos, o nível de endividamento provavelmente não representou uma restrição relevante para aumento de gastos públicos, incluindo-se os gastos assistenciais, durante a pandemia. Além disso, a insignificância estatística da variável número de doses compradas indica que a aquisição de vacinas não impactou de forma direta os gastos públicos, implicando, possivelmente, a realocação de outros gastos para a compra de vacinas.
A relação entre o índice de restrição e os gastos públicos varia conforme o número de trimestres considerados na regressão (tabela 2).
Por exemplo, esse mesmo modelo estatístico de painel, aplicado apenas nos quatro trimestres de 2020, revela uma conexão maior entre as duas variáveis, provavelmente por se tratar dos piores períodos da pandemia. Quando se adicionam períodos posteriores na regressão, abordando desde o primeiro trimestre de 2020 até o terceiro de 2021, os resultados se mostraram ligeiramente menores. Essa redução na relação entre as variáveis pode estar associada à inclusão de trimestres em que os impactos da pandemia já estavam amenizados devido à vacinação. Dessa forma, isso permite concluir que o impacto das medidas restritivas sobre o aumento dos gastos públicos foi ainda mais intenso nos momentos mais críticos da pandemia.
Viu-se que o aumento do índice de restrição levou ao aumento dos gastos públicos. Entretanto, não se pode assumir que a vacinação provocou, estatisticamente, uma queda desse índice de restrição e, por conseguinte, dos gastos públicos. Por isso, apresentam-se os resultados da regressão auxiliar, em que a variável dependente é dada pelo índice de restrição ou Stringency Index, e as variáveis explicativas, determinadas pela porcentagem da população completamente vacinada, além das variáveis de controle, definidas pelo número de mortes diárias, e pelas variáveis dummies High Income e Upper Middle Income, multiplicadas pelas variáveis explicativas do modelo.
Essa regressão não contempla apenas a conexão entre as dinâmicas da pandemia e da sociedade, mas também como essa relação se apresenta de forma desigual entre os níveis de renda (quadro 1). As diferenças nas constantes e nos coeficientes da regressão evidenciam que há uma desigualdade internacional nos fatores analisados do cenário epidemiológico. Observando as equações para cada nível de renda, percebe-se que a constante, associada ao índice de restrição, é mais elevada para níveis de renda maiores, indicando possivelmente que os países de renda alta possuem maior capacidade de aplicar medidas restritivas mais rigorosas e prolongadas. Esse resultado é complementado por Fakir e Bharati1616 Fakir A, Bharati T. Pandemic catch-22: The role of mobility restrictions and institutional inequalities in halting the spread of COVID-19. PLOS ONE. 2021 [acesso em 2022 jul 19]; 16(16). Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0253348.
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, que indicam também a ineficiência das restrições aplicadas pelos países de renda baixa devido à falta de infraestrutura e de informação adequadas para o combate ao vírus.
O impacto da cobertura vacinal também apresenta uma desigualdade que acompanha o nível de renda: de um lado, aqueles países com nível de renda mais elevado, que possuem maior acesso às doses de vacinas contra a Covid-19, apresentam efeitos mais fortes da cobertura vacinal sobre a redução das medidas restritivas; por outro, os países de renda baixa, que têm acesso restrito à vacinação, exibem um efeito reduzido das vacinas sobre as medidas restritivas.
Esse modelo de regressão possibilita concluir que a variação das medidas restritivas está associada ao nível de cobertura da vacinação contra o vírus. Dessa forma, a retomada da economia e da normalidade, viabilizada pela redução das restrições sanitárias, é dependente do progresso de campanhas de vacinação, já que uma cobertura vacinal mais elevada garante menores impactos da doença que torna possível, então, a flexibilização das medidas restritivas.
Dessa forma, considerando os resultados dos modelos de regressão elaborados, a desigualdade na distribuição dos insumos para a vacinação levou ao aumento das desigualdades nos gastos públicos e no crescimento do endividamento soberano, evidenciado no gráfico 2. Como os países de renda alta possuem uma capacidade política e financeira mais elevada, conseguiram acesso mais rápido às vacinas e, consequentemente, retornaram mais rapidamente à normalidade econômica, o que diminuiu as pressões sobre as suas contas públicas. De maneira oposta, os países de renda baixa, por sua baixa capacidade política e financeira, tiveram seu acesso às vacinas restringido e, justamente por isso, sofreram por mais tempo os reflexos financeiros da pandemia sobre as contas do governo. Esses países tiveram, pois, um aumento do endividamento soberano, o qual, mesmo que inferior aos patamares daqueles de países de renda alta, pode eventualmente se tornar insustentável e levar ao default, como apontado por Reinhart e Rogoff2222 Reinhart CM, Rogoff KS, Savastano MA. Debt Intolerance. Brookings Papers on Economic Activity. 2003. [acesso em 2022 jul 20]. Disponível em: https://www.brookings.edu/bpea-articles/debt-intolerance/.
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ao mencionarem a desigualdade internacional na intolerância ao endividamento.
Considerações finais
A mobilização de recursos financeiros para a compra de vacinas contra a Covid-19 não se trata somente de gasto, mas de investimento público que viabilizou a retomada econômica. Como explicitado anteriormente, o aumento da cobertura vacinal viabilizou a redução da imposição de medidas restritivas, o que, por sua vez, levou à redução da necessidade de políticas assistenciais devido à retomada econômica. Portanto, conclui-se que a vacinação contra a Covid-19 possibilitou a redução dos gastos públicos, diminuindo as pressões sobre as contas públicas dos governos.
Enquanto o aparecimento da Covid-19 e a disseminação descontrolada da doença foram pontos centrais do ano de 2020, a disponibilização de vacina como resposta sanitária à situação foi o evento principal de 2021. Porém, este artigo conclui que o desenvolvimento de vacinas e as campanhas de vacinação são respostas também econômicas à pandemia, já que foram uma solução para a retomada econômica e para a amenização dos impactos fiscais associados à adoção de necessárias medidas assistenciais. Mesmo após um ano sofrendo os reflexos financeiros da pandemia, as economias ganharam, em 2021, uma saída para a normalidade. Entretanto, como apresentado e evidenciado em seções anteriores, o acesso às vacinas foi desigual entre os países.
Inicialmente, alguns países, como o Brasil, tiveram de lidar com a oposição de autoridades políticas ao processo de vacinação, visto por elas como financeiramente muito dispendioso ou desnecessário. Tendo em consideração o resultado alcançado por este artigo, esses argumentos financeiros que levaram ao adiamento da vacinação não possuem fundamentos, porque, quanto maior foi a rapidez na imunização da população, mais rapidamente foi possível retomar as atividades econômicas, recuperando o nível de arrecadação do governo e reduzindo os gastos públicos.
Dessa forma, a desigualdade internacional na distribuição de doses de vacinas contra a Covid-19 gerou impactos econômicos também desiguais entre os países. Quem arcou com os maiores custos foram os países de renda baixa, justamente esses que têm maior dificuldade em arcar com elevados gastos públicos e níveis de dívida pública. A desigualdade na distribuição de vacinas deveria ser objeto de preocupação de todos, já que, além de ter colocado em risco muitas vidas, pode ter elevado o risco de default ou não pagamento dos custos da dívida soberana a todos os países, incluindo aqueles de renda alta, com possíveis impactos nos mercados financeiros globais.
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Suporte financeiro: não houve
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
28 Abr 2023 -
Data do Fascículo
Dez 2022
Histórico
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Recebido
28 Jul 2022 -
Aceito
27 Out 2022