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VENTILADORES PULMONARES, RESPIRADORES E MÁSCARAS: A VARIAÇÃO DENOMINATIVA E CONCEITUAL NA SUBÁREA DE PRODUTOS PARA SAÚDE EM ÉPOCA DE COVID-19

LUNG VENTILATORS, RESPIRATORS, AND FACE MASKS: THE DENOMINATIVE AND CONCEPTUAL VARIATION IN THE MEDICAL DEVICES SUB-AREA DURING COVID-19

RESUMO

Este trabalho aborda a variação denominativa e conceitual na terminologia de produtos para saúde. A análise concentra-se em três produtos que estão diretamente envolvidos na prevenção e na terapêutica da COVID-19: máscara, respirador e ventilador pulmonar. O objetivo é investigar os usos dos termos selecionados em publicações técnicas da área, tais como normas da ABNT e manuais de fabricantes desses produtos (discurso especializado), e em publicações destinadas ao público geral. A fundamentação teórica é baseada em trabalhos que versam sobre a variação terminológica denominativa e conceitual (como os de CABRÉ, 1999CABRÉ, M.T. (1999). La terminología: representación y comunicación; elementos para una teoría de base comunicativa y otros artículos. Barcelona: IULA/Universitat Pompeu Fabra.; KOSTINA, 2000; FAULSTICH, 2001; FREIXA, 2002, 2006 e 2013) e sobre acessibilidade textual e linguagem simples (FINATTO, 2020FINATTO, M. J. B. (2020) Acessibilidade textual e terminológica: promovendo a tradução intralinguística. Estudos linguísticos. v. 49, n. 1. Disponível em: https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/2775
https://revistas.gel.org.br/estudos-ling...
; FISCHER, 2020FISCHER, H. (2020). Só é acessível se der para entender. In: SALASAR, D. N.; MICHELON, F. F. (orgs.) Acessibilidade cultural: atravessando fronteiras. Pelotas: Editora da UFPel.). Para a realização da pesquisa, constituíram-se dois corpora: o primeiro, formado por manuais de uso e normas da ABNT dos respectivos produtos para saúde; o segundo, formado por textos veiculados em formato digital por empresas da mídia jornalística brasileira, no período de março de 2020 até outubro de 2021. Na análise das ocorrências de variação denominativa e conceitual nos diferentes corpora, verificou-se que há uma falta de homogeneidade na denominação desses produtos. Mesmo em uma área restrita e sujeita a processos de normatização, é comum a presença de variação, tanto denominativa quanto conceitual, e ela se intensifica no processo de divulgação da ciência.

Palavras-chave:
terminologia; produtos para saúde; variação terminológica

ABSTRACT

This paper addresses the denominative and conceptual variation in the terminology of medical devices. The analysis focuses on three devices directly involved in COVID-19 prevention and therapy: face masks, respirators, and lung ventilators. The aim is to investigate the uses of selected terms in technical publications in the area, such as ABNT standards and manuals from manufacturers of these products (specialized speech) and in publications aimed at the general public. The theoretical foundation is based on denominative and conceptual terminological variation research (such as those by CABRÉ, 1999CABRÉ, M.T. (1999). La terminología: representación y comunicación; elementos para una teoría de base comunicativa y otros artículos. Barcelona: IULA/Universitat Pompeu Fabra.; KOSTINA, 2000; FAULSTICH, 2001; FREIXA, 2002, 2006, 2013) and textual accessibility and plain language (FINATTO, 2020FINATTO, M. J. B. (2020) Acessibilidade textual e terminológica: promovendo a tradução intralinguística. Estudos linguísticos. v. 49, n. 1. Disponível em: https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/2775
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; FISCHER, 2020FISCHER, H. (2020). Só é acessível se der para entender. In: SALASAR, D. N.; MICHELON, F. F. (orgs.) Acessibilidade cultural: atravessando fronteiras. Pelotas: Editora da UFPel.). We created two corpora to conduct the research: the first consists of user manuals and ABNT standards; the second consists of digital texts broadcasted by Brazilian journalistic media companies from March 2020 to June 2021. The analysis of the occurrences of denominative and conceptual variation in the different corpora proved a lack of homogeneity in the denomination of these medical devices. Although medical devices are a restricted area that is strictly regulated and found to be in the process of standardization, the occurrence of variation is usual, both denominative and conceptual, and this aspect is intensified by the process of disseminating science.

Keywords:
terminology; medical devices; terminological variation

INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 trouxe ao mundo todo uma nova realidade, repleta de mudanças, desafios e adequações. A doença assolou diversos países e as respostas dos diversos grupos sociais precisaram ser rápidas - por vezes até açodadas -, de forma a atender às novas demandas. A agilidade nas respostas era inevitável, uma vez que vidas estavam em risco e tudo deveria ser feito para que se pudesse preservá-las. Assim, o trabalho remoto foi implementado e as vendas on-line foram incrementadas, ao mesmo tempo em que dentro dos hospitais e das instituições de pesquisa decisões foram tomadas e projetos foram rapidamente desenvolvidos para que mortes fossem evitadas e pacientes fossem curados de uma doença ainda pouco conhecida. Quase dois anos se passaram e, embora ainda se esteja vivenciando a pandemia, já é possível ter um pouco mais de tranquilidade considerando o desenvolvimento das vacinas e vislumbrar alguma esperança pela erradicação da doença.

Nesse contexto, insere-se esta pesquisa, que teve como objetivo examinar alguns termos utilizados durante a pandemia da COVID-19 no Brasil, um dos países que mais sofreu com as consequências da doença. Mais especificamente, decidiu-se por analisar termos que podem implicar certa ambiguidade da subárea denominada produtos para saúde1 1 Cabe aqui salientar que produto para saúde é uma classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que engloba “equipamentos, aparelhos, materiais, artigos ou sistemas de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinados à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação de pacientes. Nota: Os produtos para saúde não utilizam meio farmacológico, imunológico ou metabólico para realizar sua principal função em seres humanos, podendo, entretanto, ser auxiliados em suas funções por tais meios”. (ANVISA, 2001) , dado o seu uso em diferentes contextos e relacionados a diferentes conceitos. Os termos selecionados para análise foram: ventilador pulmonar, respirador e máscara.

A escolha, como já explicitado, não foi aleatória e também teve como base pesquisas anteriores (RIBEIRO 2015RIBEIRO, P. T. (2015). A terminologia dos equipamentos médicos utilizados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs): uma proposta de estudo. Dissertação (Mestrado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/D.8.2016.tde-16032016-150010.
https://doi.org/10.11606/D.8.2016.tde-16...
, 2018RIBEIRO, P. T. (2018). Sobre a terminologia dos equipamentos médicos utilizados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs): o caso dos nebulizadores e dos ventiladores pulmonares. In: ALVES, I. M.; GANANÇA, J. H. L. (Org.). Os estudos lexicais em diferentes perspectivas. Volume VII. 1ed. São Paulo: FFLCH/USP, 2018, v. VII, p. 128-142. doi: 10.11606/978857506326-2
https://doi.org/10.11606/978857506326-2...
e 2020RIBEIRO, P. T. (2020). Análise da variação terminológica entre o Português Europeu e o Português Brasileiro: o caso dos Produtos para saúde. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020. doi:10.11606/T.8.2020.tde-08012021-234524.
https://doi.org/10.11606/T.8.2020.tde-08...
; LUZ-FREITAS, 2019LUZ-FREITAS, M. S. (2019) A neologia no entrecruzar das ciências médicas e biológicas e da engenharia: estudo terminológico do léxico pertinente à engenharia biomédica. 2019. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. doi:10.11606/T.8.2020.tde-03032020-160852.
https://doi.org/10.11606/T.8.2020.tde-03...
), que já demonstravam a variação denominativa existente entre os termos ventilador (pulmonar) e respirador em textos especializados, destinados a profissionais da vigilância sanitária, engenheiros biomédicos e profissionais da saúde.

Nesta pesquisa, além dos textos especializados (manuais de fabricante e documentos normativos), decidiu-se averiguar como esses termos chegaram à população, por meio dos textos jornalísticos. A análise partiu das hipóteses de que a ambiguidade no uso dos termos persiste tanto em discursos especializados como em discursos leigos e de que ela pode ter consequências na vida e no cotidiano dos cidadãos. No sentido de se verificar a consistência das hipóteses, realiza-se uma análise conceitual/semântica dos termos em seus contextos de uso.

O corpus especializado é composto por normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e manuais de uso desenvolvidos pelos fabricantes dos produtos selecionados para análise. O corpus jornalístico foi constituído com artigos publicados de março de 2020 a outubro de 2021, nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo e em blogs a eles associados, em que estavam presentes os termos selecionados para este estudo.

1. O CONTEXTO DA PANDEMIA NO BRASIL

Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia. Naquela data, já havia confirmação de casos da doença no Brasil (SÁ, 2020SÁ, D. M. (2020) Especial Covid-19: o olhar dos historiadores da Fiocruz. Disponível em: http://coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1768-especial-covid-19-o-olhar-dos-historiadores-das-fiocruz.html#:~:text=Para%20o%20enfrentamento%20da%20grave,transdisciplinar%20a%20ensaios%20cl%C3%ADnicos%20transnacionais
http://coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas...
). A população do país começou a conviver com recomendações como lavar as mãos, higienizar as mãos com álcool em gel, usar máscara e evitar aglomerações. Expressões como isolamento social, distanciamento social, quarentena e lockdown passaram a ser rotineiras.

Um pouco mais tarde, quando se começou a falar do aumento das internações e do iminente colapso do sistema de saúde, o discurso que, até então, parecia ser mais direcionado aos cuidados individuais e coletivos, ganhou uma nova dimensão: as questões de teor técnico e científico relacionadas à prevenção e à terapêutica da COVID-19. No caso das internações, os termos UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e intubação tornaram-se frequentes. Duas situações despertaram o interesse no âmbito deste estudo: as várias ações de grupos de pesquisas que procuravam alternativas para a rápida produção de equipamentos emergenciais e a necessidade de conformidade com as normas da ABNT que orientam o registro e legitimam novos produtos para saúde.

Desse modo, pode-se afirmar que a pandemia trouxe para o debate popular temas até então restritos aos especialistas de uma subárea da saúde. Para enfrentar os desafios impostos pela pandemia, foram necessários vários produtos para saúde. Inicialmente, o ventilador pulmonar foi o primeiro recurso a ser empregado em larga escala e as Unidades de Terapia Intensiva passaram a fazer parte dos noticiários nacionais e internacionais. Com a falta de ventiladores pulmonares, vários grupos passaram a criar dispositivos alternativos destinados à ventilação pulmonar em uma verdadeira corrida contra o tempo. Na sequência, o debate passou para a falta de máscaras de proteção, tanto para os profissionais de saúde quanto para o público em geral. Esse problema foi o resultado de um colapso na cadeia logística global, que não foi capaz de fazer frente ao enorme consumo desse material, que tem sua produção concentrada na China.

Também entraram para o debate os testes diagnósticos para a COVID-19. Termos como IgM, IgG, antígeno, anticorpos, teste rápido, PCR, dentre outros, passaram a ser amplamente utilizados no discurso da população leiga, apesar da complexidade tecnológica envolvida nessa temática. Outros produtos, não classificados como produtos para saúde, também foram amplamente divulgados durante a pandemia como os medicamentos, o oxigênio e, por último, as vacinas.

Esse cenário demandou também que a ISO (International Organization for Standardization) publicasse a norma ISO-19223:2019 (Lung ventilators and related equipment — Vocabulary and semantics), em que se estabeleceu um vocabulário referente aos cuidados respiratórios que envolvem a ventilação pulmonar. Por sua vez, o comitê CB-26 da ABNT internalizou esse documento com a publicação da norma ABNT NBR ISO 19223:2020 (Ventiladores pulmonares e equipamento relacionado — Vocabulário e semântica). Até a publicação dessa norma, não existia uma definição clara em normas técnicas para o termo ventilador pulmonar.

Considerando esse panorama e o fato de que este grupo já estava realizando pesquisas sobre a terminologia dos produtos para saúde desde 2015, elaborou-se este estudo com o objetivo de aprofundar as reflexões, verificar como o público geral tem recebido essa terminologia e continuar contribuindo com as discussões na área.

2. A VARIAÇÃO DENOMINATIVA E A VARIAÇÃO CONCEITUAL

Tendo em vista os resultados encontrados em pesquisas anteriores já citadas e esta que agora se desenvolve, observa-se que a questão da variação terminológica - denominativa e conceitual - se impõe, de forma que só se pode entender adequadamente o que ocorre com os termos estudados sob essa perspectiva.

A variação denominativa e conceitual tem sido objeto de várias pesquisas em Terminologia, uma vez que, mesmo em trabalhos numa perspectiva normativista, o fenômeno era observado e, por isso, também registrado. Sobre isso, Alves (1994)ALVES, I. M. (1994). La synonymie en intelligence artificielle. Méta. Vol.39, 4. Montréal. já escrevia, tendo como base um estudo de Felber:

Malgré l’idéal de univocité entre dénomination et notion, la synonymie en langues de spécialité est reconnue par la plupart des banques de termes: dans onze grandes banques de donnés étudiées par Felber (Normaterm, France; Din/Term, RFA; BTQ, Canada; Termium II, Canada; Eurodicautom, Communautés Européennes; ASITO, Russie; Team, RFA; Lexis, RFA; EWF, RDA; Termdok, Suède et ONU), le champ synonymie n’est absent que d’ une banque (l’ASITO), dont les terminologues n’acceptant pas le rapport de synonymie en terminologie [...]. (ALVES, 1994ALVES, I. M. (1994). La synonymie en intelligence artificielle. Méta. Vol.39, 4. Montréal., p. 644)

Assim, a partir da escola socioterminológica, passou-se a dar especial atenção ao fenômeno da variação terminológica, com base em estudos já desenvolvidos pela Sociolinguística. Tem especial relevância nesse contexto, a publicação dos Cahiers de Linguistique Sociale n.o 18. Terminologie et Sociolinguistique, cuja apresentação, elaborada por Boulanger, afirma: La variation terminologique est aussi nécessaire et évidente que la variation lexicale ou linguistique observée pour toute langue fragmentée dans le temps, dans l’espace et dans la société. Ces variations diachroniques, diatopiques et diastratiques forment l’essence même de la socioterminologie (BOULANGER, 1991BOULANGER, J.-C. (1991). Une lecture socioculturelle de la terminologie. In: Gaudin, F.; Assal, A. Cahiers de linguistique sociale no 18. Terminologie et sociolinguistique. Université de Rouen., p.19).

Dessa mesma escola, surgem os trabalhos de Faulstich, dentre eles o de 1999, em que a autora classifica as variantes terminológicas em dois grandes grupos: as variantes de registro e as variantes linguísticas. A autora subdivide esses grupos conforme se observa no seguinte quadro.

Quadro 1

No que diz respeito às análises que serão aqui apresentadas, cumpre destacar que é interessante refletir a respeito das variantes de registro, no que se refere às variantes terminológicas de discurso, uma vez que serão abordados termos coletados em dois corpora, um especializado e outro de divulgação (destinado ao público em geral), em publicações recentes brasileiras. Cabe destacar que será possível verificar, como já afirmado, que a variação denominativa ocorre também por parte dos elaboradores do discurso especializado, o que leva à necessidade de aprofundar essas discussões. Segundo Faulstich, nesse caso, haveria sinonímia, uma vez que os termos poderiam ocorrer em um mesmo contexto.

A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), acompanhando as reflexões da escola socioterminológica, afirma que:

Todo proceso de comunicación comporta inherentemente variación, explicitada en formas alternativas de denominación del mismo concepto (sinonimia) o en apertura significativa de una misma forma (polisemia). Este principio es universal para las unidades terminológicas, si bien admite diferentes grados según las condiciones de cada tipo de situación comunicativa. [...] (CABRÉ, 1999CABRÉ, M.T. (1999). La terminología: representación y comunicación; elementos para una teoría de base comunicativa y otros artículos. Barcelona: IULA/Universitat Pompeu Fabra., p. 85)

Nesse sentido, vários trabalhos foram desenvolvidos com base nesse princípio, dentre os quais se destacam os de Freixa (2003FREIXA, J. (2003) La variació terminologica: anàlise de la variació denominativa en textos de diferent grau d’especialització de l’àrea de medi ambien. Barcelona: IULA, 2003. CD-ROM., 2006FREIXA, J. (2006) Causes of denominative variation in terminology: A typology proposal. Terminology, 12 (1), 51-77. e 2013), sobre a variação denominativa, e o de Kostina (2000), sobre a variação conceitual.

Iniciando pela variação denominativa, Freixa, em artigo publicado em 2013, retoma seus estudos sobre a variação, iniciados em sua tese de doutorado, e discorre sobre suas causas. Nesse artigo, a autora faz uma profunda reflexão a respeito de tudo o que já escreveu sobre o tema e chega a algumas conclusões. Afirma, então, que há causas prévias para a variação denominativa (o que denomina “premissas de partida”) e elas são as próprias características das línguas, que são inerentemente variáveis, redundantes e arbitrárias, e os fatores cognitivos, que sempre atuam no momento em que se necessita denominar um conceito, com toda sua complexidade e com todas as suas nuances. Depois das premissas, a autora destaca quatro outras causas para a variação denominativa: 1) as causas dialetais, em que se tem a variação denominativa utilizada por diferentes autores, em diferentes textos; 2) as causas funcionais, em que o mesmo autor utiliza denominações diferentes em virtude de estar em face de textos diferentes; 3) as causas discursivas, em que se tem a variação denominativa sendo utilizada pelo mesmo autor em um mesmo texto; e 4) as variações interlinguísticas, em que a variação ocorre devido à concorrência entre uma forma vernácula e uma forma estrangeira, podendo ser usada por um mesmo autor ou por autores diferentes).

Tendo em vista que, como afirma Freixa (2013)FREIXA, J. (2013). Otra vez sobre las causas de la variación denominativa. Debate terminológico. no. 9. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/riterm/article/view/37170/24032
https://seer.ufrgs.br/riterm/article/vie...
, a variação denominativa tem como causa prévia a questão cognitiva, Araújo (2010)ARAÚJO (2010). Terminologia e sinonímia: são os sinônimos indesejáveis nos discursos especializados? In: ISQUERDO, A. N.; FINATTO, M. J. B. (orgs.). As Ciências do Léxico: Lexicologia, Lexicografia e Terminologia. v. IV. Campo Grande, MS: Editora UFMS; Porto Alegre: Editora da UFRGS. já afirmava que “as diferentes denominações, se não implicam em diferentes posturas teóricas sobre o conceito abordado, implicam, ao menos, em pontos de vista diferentes sob os quais se observa o conceito tratado.” (ARAÚJO, 2010ARAÚJO (2010). Terminologia e sinonímia: são os sinônimos indesejáveis nos discursos especializados? In: ISQUERDO, A. N.; FINATTO, M. J. B. (orgs.). As Ciências do Léxico: Lexicologia, Lexicografia e Terminologia. v. IV. Campo Grande, MS: Editora UFMS; Porto Alegre: Editora da UFRGS., p. 535)

Dessa forma, torna-se necessário relacionar a variação denominativa com a variação conceitual, definida por Kostina (2011)KOSTINA, I. (2011). Clasificación de la variación conceptual de los términos basada en la modulación semántica discursiva. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura, 16(27), 35-73. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0123-34322011000100003&lng=en&tlng=
http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
como:

[...] el proceso cognitivo que conduce a cambios graduales en un concepto, y se manifiesta formal y semánticamente en grados diferentes de equivalencia entre los sentidos de una unidad léxica o entre los sentidos de sus variantes léxico-semánticas. (KOSTINA, 2011KOSTINA, I. (2011). Clasificación de la variación conceptual de los términos basada en la modulación semántica discursiva. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura, 16(27), 35-73. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0123-34322011000100003&lng=en&tlng=
http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
, p. 36)

Dessa forma, neste artigo, assume-se, como Kostina, que:

[...] no existe equivalencia conceptual (EC) absoluta entre los sentidos de una unidad léxica o de sus variantes semánticas y léxicosemánticas que describen un mismo concepto y, siguiendo a Freixa (2002: 297- 298), entendemos por equivalencia un continuum proyectado sobre un eje que, a su vez, comprende diversos segmentos correspondientes a diferentes grados que van de un grado de EC máxima al grado de EC mínima [...} (KOSTINA, 2011KOSTINA, I. (2011). Clasificación de la variación conceptual de los términos basada en la modulación semántica discursiva. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura, 16(27), 35-73. Disponível em: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0123-34322011000100003&lng=en&tlng=
http://www.scielo.org.co/scielo.php?scri...
, p. 39)

Verifica-se, desse modo, que as unidades a serem analisadas neste artigo (ventilador pulmonar, respirador e máscara) apresentam-se não só como variantes denominativas, como se poderá verificar na análise, mas que suas denominações comportam traços semânticos que não permitem uma equivalência conceitual. Essas escolhas podem ainda evidenciar as causas pelas quais os diferentes enunciadores optam por uma ou outra forma e como tais escolhas podem ter implicações na compreensão do conceito.

A decisão por comparar um corpus especializado com um corpus de textos destinados ao público geral visa também a dar visibilidade ao processo de simplificação textual, de modo a fazer com que não-especialistas possam compreender conceitos especializados. Em estudos recentes, Finatto (2020)FINATTO, M. J. B. (2020) Acessibilidade textual e terminológica: promovendo a tradução intralinguística. Estudos linguísticos. v. 49, n. 1. Disponível em: https://revistas.gel.org.br/estudos-linguisticos/article/view/2775
https://revistas.gel.org.br/estudos-ling...
tem se preocupado com o que denomina de acessibilidade textual, tendo em vista a dificuldade que um leitor comum pode ter ao se deparar com um texto que aborda questões técnicas ou científicas.

Tal preocupação conduz também a recomendações de que informações relevantes ao público geral, como aquelas relacionadas à pandemia, possam utilizar uma linguagem que atinja esse público, de forma a garantir que as precauções em relação ao vírus e ao tratamento dos que adoecem devido ao contato com ele sejam conhecidas e tenham o efeito esperado no comportamento da população.

Os debates sobre inclusão e exercício da cidadania têm motivado o surgimento de políticas de linguagem simples (do equivalente inglês, plain language) ou linguagem cidadã, termo menos utilizado (FISCHER, 2020FISCHER, H. (2020). Só é acessível se der para entender. In: SALASAR, D. N.; MICHELON, F. F. (orgs.) Acessibilidade cultural: atravessando fronteiras. Pelotas: Editora da UFPel.). Fischer (2020)FISCHER, H. (2020). Só é acessível se der para entender. In: SALASAR, D. N.; MICHELON, F. F. (orgs.) Acessibilidade cultural: atravessando fronteiras. Pelotas: Editora da UFPel. explica que essa busca por uma linguagem acessível se fundamenta em causas sociais defendidas a partir da década de 1940, com o argumento de que ser informado de modo claro é um direito civil. Assim, a linguagem simples, como técnica de comunicação, tem como premissa a rápida localização e a fácil compreensão de informações necessárias ao exercício da cidadania. Nesse sentido, Fischer (2020FISCHER, H. (2020). Só é acessível se der para entender. In: SALASAR, D. N.; MICHELON, F. F. (orgs.) Acessibilidade cultural: atravessando fronteiras. Pelotas: Editora da UFPel., p. 249) postula que “a técnica compreende mais do que a redação do texto, incluindo estrutura da informação, design e usabilidade”.

Como se verificará adiante, por meio das análises, tal processo de simplificação também traz consigo implicações tanto na existência de variantes denominativas como nas relações semânticas entre elas e na própria compreensão dos conceitos envolvidos.

3. CONSTITUIÇÃO DOS CORPORA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Na constituição do corpus especializado, foram recolhidos 91 manuais de uso registrados pelos fabricantes na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e 25 normas da ABNT que regulam os produtos para saúde do recorte. Todos os arquivos foram convertidos para .txt e processados eletronicamente por meio do software AntConc, a partir do qual se geraram listas de palavras (ferramenta Word List) e listas de sequências lexicais (ferramenta Clusters/N-grams). Ao todo, o corpus especializado conta com 2.002.182 palavras. As ocorrências dos termos pesquisados estão no quadro 2.

Quadro 2

Quanto aos clusters, os critérios utilizados para as análises foram: extensão de 2 a 5 n-grams, tendo o nome do produto, no singular ou no plural, como primeiro componente da sequência, como se pode observar na figura 1.

Figura 1
Obtenção de clusters com o componente máscara no corpus especializado

Para a obtenção do corpus jornalístico, utilizou-se o programa BootCat, uma interface que serve como guia na criação de corpora simples a partir de capturas de endereços eletrônicos na web. Foram utilizadas três categorias de palavras-chave para a busca: i) produto: máscara, respirador, ventilador; ii) vírus/doença: coronavírus, covid-19, pandemia, SARSCoV-2; iii) veículo: Folha de S. Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo. Desse modo, os cruzamentos deveriam considerar um elemento de cada categoria: [produto], [vírus/doença], [veículo]. Esclarece-se que a escolha dos elementos da primeira e da segunda categorias está diretamente relacionada aos propósitos deste estudo. Já a escolha dos elementos da terceira categoria levou em conta o alcance desses jornais no Brasil, bem como o acesso on-line aos textos. Todos os três veículos têm páginas eletrônicas e estas estabelecem ligação com blogs de seus colunistas. Desse modo, alguns endereços de blogs também foram coletados pelo programa. Os textos selecionados foram publicados de março de 2020 até outubro de 2021.

Os 36 cruzamentos possíveis resultaram na captura de 882 endereços eletrônicos que, após limpeza, foram reduzidos a 207. Essa redução envolveu a eliminação de textos em duplicidade, uma vez que muito material coletado era uma reprodução em outras páginas de matérias jornalísticas dos veículos selecionados. Eliminaram-se também endereços eletrônicos das redes sociais Facebook, Instagram, Twitter e Youtube, pois apenas replicavam ou referenciavam esses materiais. Na construção do corpus, esses endereços geraram 199 arquivos válidos, em versão .txt.

Para o processamento textual desses arquivos, foi utilizado o mesmo software AntConc, com a geração de listas de palavras (ferramenta Word List) e de sequências lexicais (ferramenta Clusters/N-grams). Ao final de todo o processamento dos textos, o corpus jornalístico apresentou 133.086 palavras. As ocorrências dos termos pesquisados estão no quadro 3.

Quadro 3

Tal qual no corpus especializado, os critérios utilizados para a pesquisa dos clusters foram extensão de 2 a 5 n-grams, tendo o nome do produto, no singular ou no plural, como primeiro componente da sequência, como se pode observar na figura 2.

Figura 2
Obtenção de clusters com o componente máscara no corpus jornalístico

Sobre a constituição dos corpora, é necessário mencionar que a grande diferença entre o número de palavras existente entre eles se deve a dois fatores fundamentais: a) não houve uma restrição temporal quanto à seleção dos textos referentes ao corpus especializado, uma vez que muitos dos produtos analisados já estavam em uso e, por isso, registrados antes da pandemia; b) os textos especializados tratam apenas dos produtos para saúde, enquanto os textos jornalísticos tratam de temas variados, o que torna difícil compilar um corpus com o mesmo número de palavras abordando um único assunto.

4. A VARIAÇÃO DENOMINATIVA E CONCEITUAL NOS CORPORA

Iniciando as reflexões sobre a variação no corpus especializado, é necessário afirmar que, como se pode verificar no quadro 2, apresentado anteriormente, o termo ventilador é de frequência muito superior (10.987 ocorrências) à dos termos respirador (153 ocorrências) e máscara (799 ocorrências). Tal superioridade pode ser explicada por vários fatores.

Primeiramente, pode-se citar que, entre os especialistas, o termo ventilador pulmonar é o recomendado quando o produto em questão tem como finalidade a ventilação mecânica de um paciente, de forma invasiva (por meio de intubação) ou não (por meio de máscaras ou similares). Devido à complexidade do procedimento e aos riscos aos quais o paciente é submetido, há grande preocupação dos especialistas com os equipamentos envolvidos na ventilação pulmonar, o que motiva a criação de um grande número de normas a esse respeito, além da diversidade de produtos que atendem a essa necessidade, sobretudo durante a pandemia. Assim, o termo preferencial acaba por repetir-se nos textos.

Entretanto, quando se observa o uso efetivo dos termos nos textos especializados, o apagamento dos adjetivos ou dos sintagmas preposicionados é perceptível, como se pode verificar no quadro 4 a seguir.

Quadro 4

Como afirmado, as frequências absolutas do quadro permitem a confirmação de que o termo ventilador é mais utilizado do que qualquer uma de suas variantes denominativas (ventilador pulmonar, ventilador mecânico ou ventilador de tratamento intensivo). Assim, ainda que ventilador pulmonar seja mais preciso do ponto de vista conceitual, a necessidade de economia linguística nos textos conduz ao uso do termo simples, mesmo que este não seja o recomendado.

Por outro lado, observa-se também por meio da análise desse corpus que outro termo concorrente de ventilador pulmonar, o respirador, não é encontrado com frequência, o que demonstra certa efetividade e homogeneidade das recomendações feitas pelos especialistas. O termo respirador, segundo eles, não é adequado para esse tipo de produto, uma vez que o equipamento não respira pelo paciente, apenas auxilia nesse processo, ventilando, ou seja, fazendo chegar o oxigênio aos pulmões. É possível inferir que o uso do termo respirador esteja relacionado à simplificação existente no uso cotidiano do verbo “respirar”, em que o rigor científico não é exigido. Nessa situação, o movimento físico do ar entre o ambiente externo e os pulmões já é suficiente para destacar a importância do processo fisiológico para a sobrevivência, não sendo necessário conhecer a complexidade desse processo no corpo humano. Dessa forma, em um universo de 2.002.182 palavras, o termo respirador apresentou apenas 153 ocorrências, frente as 10.619 de ventilador, ou seja, nem 1,5% das ocorrências do termo com o qual concorre.

No que diz respeito ao termo máscara, pode-se verificar que, nesse corpus, sua frequência (799 ocorrências) está entre os dois termos analisados anteriormente: não é tão baixa quanto a de respirador, mas de forma alguma alcança a relevância de ventilador.

Assim como o termo respirador, o termo máscara, no corpus especializado, é ambíguo. Sua frequência deve-se, de alguma maneira, à sua relação com o termo ventilador, uma vez que alguns equipamentos de ventilação não-invasiva utilizam-se de máscaras para fornecer o oxigênio necessário ao paciente, como se pode averiguar no excerto a seguir.

Ventilação com <máscara> (ventilação não-invasiva)

NIV (ventilação com <máscara>).

ADVERTÊNCIA

A meia máscara, que cobre todo o nariz e a boca, ou a máscara inteira, que cobre todo o rosto, não devem ser usadas em pacientes não cooperativos, fracos, que não respondem ou não conseguem remover a <máscara>. Existe o risco de reinalação de CO2 caso haja uma falha do equipamento. Risco para o paciente.

Junto com o VentStar Carina LeakV (MP 00 312) e a meia máscara ou a máscara inteira, o usuário deve usar um conector não ventilado (válvula antiasfixia) na <máscara>. (DRAGER29)

Denominando esse conceito, o termo simples máscara concorre com os termos sintagmáticos máscara de ventilação, mais transparente do ponto de vista conceitual, e com máscara de VNI, cuja formação se utiliza da sigla referente à ventilação não-invasiva.

Todavia, o termo máscara pode também referir-se aos produtos utilizados como equipamentos de proteção individual. Nesse caso, o termo simples concorre com os termos sintagmáticos máscara cirúrgica, máscara de uso odontomédico-hospitalar, máscara de procedimentos, entre outros. Em relação aos termos sintagmáticos, embora possam ser bastante variados, verifica-se que há uma tentativa de demonstrar na denominação a aplicação do produto. Ainda como equipamento de proteção individual, o termo máscara pode estabelecer uma relação de sinonímia com o termo respirador. Embora com baixa frequência nesse recorte (3 ocorrências), este foi usado como sinônimo de máscara, o que mais uma vez demonstra sua ambiguidade no âmbito do corpus especializado.

Observando o corpus jornalístico, pode-se verificar, como demonstrado anteriormente, que, em relação à frequência, o termo que mais aparece nos textos é máscara (707 ocorrências). seguido de respirador (407 ocorrências). O termo ventilador é o menos utilizado nos textos, com apenas 192 ocorrências - menos da metade das ocorrências do termo com o qual concorre nesse corpus, respirador.

A frequência do termo máscara em quantidade muito maior que as outras duas deve-se ao fato de que essa unidade lexical é elemento-base de um grande número de formações sintagmáticas presentes em enunciados que abordam a adoção de medidas preventivas contra a COVID-19. Convém lembrar que, no Brasil, o Ministério da Saúde recomenda à população, como medidas não farmacológicas, “distanciamento social, etiqueta respiratória e de higienização das mãos, uso de máscaras, limpeza e desinfeção de ambientes e isolamento domiciliar de casos suspeitos e confirmados” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2020) Gabinete do Ministro. Portaria n° 1.565, de 18 de junho de 2020. Brasília: Diário Oficial da União. Publicado em: 19/06/2020 | Edição: 116 | Seção: 1. Página: 64. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.565-de-18-de-junho-de-2020-262408151
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/porta...
, p. 1). Ainda a esse respeito, cabe mencionar que, dentre os produtos para saúde aqui analisados, a máscara é o que está disponível para aquisição direta pela população em geral, tendo em vista que os demais só podem ser adquiridos e utilizados em ambiente hospitalar. Assim, é possível dizer que, nos textos voltados para o público em geral, é esperado que este seja o produto mais citado e sobre o qual mais sejam dadas instruções de uso.

No que diz respeito à variação denominativa, pôde-se verificar que o uso do termo simples máscara concorre com termos sintagmáticos máscara de proteção (14 ocorrências), máscara facial (8 ocorrências), máscara protetora (3 ocorrências) e máscara de proteção individual (3 ocorrências).

Verifica-se claramente a preferência pelo termo simples, mais econômico, em relação aos demais, ainda que, do ponto de vista conceitual, outros termos possam ser mais claros e descrever mais adequadamente a finalidade do produto, que se distingue das demais máscaras da língua geral pelo seu caráter protetivo. Quando são observados apenas os termos sintagmáticos, constata-se ainda uma preferência pelo uso do sintagma preposicionado máscara de proteção ao uso do sintagma formado pelo adjetivo, máscara protetora. Nesse sentido, do ponto de vista da variação conceitual, o uso do substantivo talvez dê mais ênfase ao que se quer denominar: a máscara é proteção.

No que se refere às demais formações sintagmáticas a partir do substantivo máscara, têm-se aquelas que especificam o material utilizado e o nível de proteção conferido por ele. Assim, observam-se os termos máscara cirúrgica, máscara de tecido, máscara de pano, máscara PFF, máscara PFF2, máscara N95, dentre outras. Ainda que o termo máscara cirúrgica faça referência ao tipo de uso, esta se opõe, sobretudo, à máscara de tecido, indicada no início da pandemia para que os produtos para saúde fossem reservados ao uso por profissionais, dada sua escassez no mercado. As máscaras PFF2 e as máscaras N95, cujas denominações são pouco transparentes para grande parte da população, ganharam popularidade devido ao nível de proteção que conferem e sua indicação por divulgadores da Ciência, por meio de entrevistas em canais de televisão e vídeos disponibilizados em redes sociais. Suas denominações são motivadas pela classificação das normas criadas pelos órgãos de padronização internacional e que orientam sua fabricação.

No que diz respeito aos produtos para saúde utilizados em ambiente hospitalar aqui analisados, foi possível averiguar a concorrência entre dois termos: respirador e ventilador. É interessante averiguar que, nos dois casos, como ocorreu também com máscara, a preferência se dá pelo uso dos termos simples, mais econômicos do ponto de vista linguístico; estes têm uma frequência muito mais alta do que os termos sintagmáticos.

De forma mais clara, pode-se dizer que, para atender de maneira mais adequada ao público geral, que já conhece um produto de uso doméstico denominado ventilador, utilizado para outros fins (refrescar ou arejar um ambiente), seria necessário um especificador, um adjetivo que pudesse dar especificidade ao uso do equipamento (pulmonar). Por outro lado, isso não seria necessário no caso de respirador, uma vez que não há, no português do Brasil, um equipamento popular que receba essa denominação. Assim, o termo respirador acabou por tornar-se, no uso comum, menos ambíguo do que o termo ventilador e, por isso, passou a ser utilizado inclusive por profissionais da saúde que se comunicam com a população em coletivas de imprensa e entrevistas em telejornais.

Tal justificativa é corroborada quando se observam as formações sintagmáticas usadas em concorrência com os termos simples. No corpus jornalístico, as formações sintagmáticas construídas a partir do substantivo ventilador são mais frequentes do que as formadas com o substantivo respirador, como se pode averiguar nos quadros a seguir.

Quadro 5

Quadro 6

Como afirmado, nota-se que, para ventilador, há 84 ocorrências de formações sintagmáticas, enquanto para respirador, cujas ocorrências do termo simples são evidentemente muito mais frequentes que a dos termos sintagmáticos, há apenas 22 ocorrências de formações sintagmáticas.

Ainda sobre o termo respirador, vale ressaltar que, em apenas um contexto do corpus jornalístico, este foi usado como sinônimo de máscara:

Procurada, a Anvisa não divulgou o documento citado pela reportagem da Folha de S. Paulo, mas disse que, “em um cenário de emergência em saúde pública, a Anvisa entende que é cabível o uso desses produtos em atividades que não exijam <respiradores> N95, PFF2 e equivalente” desde que eles sejam “rotulados com o novo uso e atendidos os critérios mínimos de qualidade exigido”. (TLA032)

No entanto, deve-se atentar para o fato de que o texto jornalístico cita um texto redigido pela Anvisa, a agência regulatória brasileira. Assim, não se pode considerar que seja um termo efetivamente utilizado na comunicação com o público geral, mas uma comunicação da agência destinada aos jornalistas que solicitam informações e esclarecimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar a terminologia dos produtos para saúde e sua migração para os discursos direcionados ao público em geral mostra-se de muita relevância, uma vez que as diferentes instâncias discursivas demandam adaptações conceituais e, consequentemente, adaptações denominativas.

Verificou-se, por meio deste estudo, que, embora haja intersecções no uso da terminologia entre os diferentes corpora, cada um deles revela características e opções próprias por algumas denominações, de modo a tentar garantir a qualidade da comunicação e o diálogo entre os interlocutores. Assim, só uma descrição como a aqui realizada pode revelar como as possibilidades de usos são diversificadas, mesmo se tratando de um número reduzido de termos.

A complexidade inegável das relações semânticas estabelecidas, que revelam características próprias de cada um dos discursos (especializado e jornalístico), apesar de trazer dificuldades para a descrição, demonstra que, quando em contexto, no geral, a ambiguidade se desfaz. Isso se observa, por exemplo, no uso do termo sintagmático ventilador pulmonar, que é retomado ou substituído pelo termo simples ventilador no corpus especializado sem que haja equívocos na atribuição de significados. Assim, à necessidade de se manter um discurso inequívoco, cujas denominações demonstrem as características do conceito, entrelaçam-se a necessidade de economia linguística e as particularidades de cada texto produzido, que, em si, constrói relações de sentido com o uso de palavras e termos já conhecidos e com o uso dos recursos linguísticos de que dispõe.

Sem as adaptações aqui levantadas, a compreensão entre os interlocutores não se faria possível. Entretanto, há de se ter especial atenção para o fato de que essas adaptações, realizadas no âmbito da comunicação com o público geral, nem sempre carregam os conceitos científicos da área de produtos para saúde. Embora na língua geral haja mais aceitação para diferentes denominações e certa flexibilização semântica para os termos especializados da área da saúde, a interferência de algumas variantes no discurso especializado pode induzir a erros conceituais e, eventualmente, técnicos, numa área em que o rigor científico reflete diretamente no risco ao paciente, haja vista o que foi analisado a respeito do termo respirador: se seu uso pela população não é tão crítico, pois trata-se de um equipamento que só é utilizado com prescrição médica e sob supervisão de profissionais, sua utilização pelos profissionais da saúde pode não ser aceitável, uma vez que estes devem ter um entendimento técnico-científico adequado nas suas áreas de atuação.

Para concluir, diante das análises aqui expostas, pôde-se verificar que cada um dos termos em questão, ventilador pulmonar, respirador, máscara e os demais termos que a partir deles se formaram, cumpre sua função nos discursos estudados, denominando, especificando conceitos, evitando ambiguidades e atendendo ao princípio de economia linguística e de acessibilidade textual. Dessa forma, mais uma vez, evidencia-se que a variação terminológica, desde que respeitada a adequação dos termos aos diferentes discursos, não representa um risco à precisão e à concisão exigidas pelas áreas do saber, mas representa a possibilidade de o conhecimento ser veiculado a diferentes públicos que dele necessitam.

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    Cabe aqui salientar que produto para saúde é uma classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que engloba “equipamentos, aparelhos, materiais, artigos ou sistemas de uso ou aplicação médica, odontológica ou laboratorial, destinados à prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação de pacientes. Nota: Os produtos para saúde não utilizam meio farmacológico, imunológico ou metabólico para realizar sua principal função em seres humanos, podendo, entretanto, ser auxiliados em suas funções por tais meios”. (ANVISA, 2001ANVISA (2001). Resolução RDC no 185, de 22 de outubro de 2001. Aprovar o Regulamento Técnico que consta no anexo desta Resolução, que trata do registro, alteração, revalidação e cancelamento do registro de productos médicos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Disponível em: < https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2001/rdc0185_22_10_2001.pdf>.
    https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegi...
    )
  • 2
    Os exemplos da tabela são de Faulstich (1999)FAULSTICH, E. (1999). A função social da Terminologia. In: I Seminário de Filologia e Língua Portuguesa. São Paulo: Humanitas..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2021
  • Aceito
    08 Fev 2022
  • Publicado
    05 Abr 2022
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