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OS EMARANHADOS DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL: CENÁRIOS MULTILÍNGUES DE (I)MOBILIDADE E AGENCIAMENTO

THE ENTANGLEMENTS OF PORTUGUESE AS AN ADDITIONAL LANGUAGE: MULTILINGUAL SCENARIOS OF (I)MOBILITY AND AGENCY

INTRODUÇÃO

1. Migrações, mobilidades, fronteiras, falantes em movimento

Os tempos em que vivemos – como a pandemia recente de covid-19, as alterações climáticas, os movimentos de radicalização política e económica e seu impacto nas instituições, a deterioração/erosão constante de direitos humanos, os movimentos e as migrações de crise – são nós complexos que nos colocam o desafio, e ao mesmo tempo a radical possibilidade, de desmontar definições da existência humana/não-humana. Esses tempos nos convocam a nos re-colocarmos – numa lógica de esperança, cuidado e afeto – perante as subtis, mas violentas, pressões de ordem natural, técnica e política com que nos defrontamos na sobrevivência do dia a dia.

Este dossiê almeja reposicionar perspectivas e identidades de pesquisa, assim como criar reflexividade crítica também na Linguística Aplicada, mais especificamente, na área de Português como Língua Adicional (PLA). Para tanto, reúne trabalhos que – pela sua natureza empírica, muitas vezes exploratória e a partir de ângulos de conhecimento distintos – se uniram na procura de línguas de descrição que permitam pensar de outra maneira os modos de produção de saberes em contextos multilíngues de migrações e mobilidade. Tomamos como ponto de partida a experiência de falantes atravessados pelas migrações – passadas ou herdadas, presentes e vividas, ou somente desejadas. Focar em falantes que migram coloca, para os campos da Sociolinguística e da Linguística Aplicada, um desafio profundo de natureza ética, sociocultural, política, epistémica e metodológica, cujo alcance ultrapassa este texto, mas para o qual desejamos contribuir. Pontuados e inspirados pelos trabalhos que aqui se apresentam, algumas vezes extrapolando a partir dos seus espaços de ação, identificamos para já três dos vários ângulos desse desafio: primeiro, o do movimento, da mobilidade, da migração e da fronteira; segundo, o da heteroglossia, do multilinguismo e dos emaranhados com o PLA; e finalmente, o da co-habitação de ontologias e modos de produção de saberes.

O foco em falantes que migram exige de nós orientações teóricas que partem das experiências vividas das migrações e dos espaços de fronteira. É de primordial importância a reflexão crítica sobre as condições de transformação social e cultural da modernidade tardia face à intensificação dos movimentos globais (APPADURAI, 1996APPADURAI, A. (1996). Modernity at large: Cultural dimensions of globalization. Minneapolis: University of Minnesota Press., BRAH, 1996BRAH, A. (1996). Cartographies of diaspora: Contesting identities. London: Routledge., FORTIER, 2000FORTIER, A. M. (2000). Migrant belongings: memory, space, identity. Oxford: Berg., VERSTRAETE; CRESSWELL, 2002VERSTRAETE, G.; CRESSWELL, T. (eds.). (2002). Mobilizing place, placing mobility. Amsterdam: Rodopi., AHMED et al, 2003AHMED, S.; CASTANEDA, C.; FORTIER, A.M.; SHELLER, M. (eds.). (2003). Uprootings/ regroundings: Questions of home and migration. Oxford: Berg., ADEY, 2006ADEY, P. (2006). If mobility is everything then it is nothing: towards a relational politics of (im)mobilities. Mobilities, v. 1, n. 1, p. 75-94., 2010ADEY, P. (2010). Mobility. London: Routledge., SHELLER; URRY, 2006SHELLER, M.; URRY, J. (2006). The new mobilities paradigm. Environment and Planning A: Economy and Space, v. 38, n. 2, p. 207-226., URRY, 2007URRY, J. (2007). Mobilities. Cambridge: Polity Press., CRESSWELL, 2010CRESSWELL, T. (2010). Towards a politics of mobility. Environment and Planning D: Society and Space, v. 28, n. 1, p. 17-31., MERRIMAN, 2012MERRIMAN, P. (2012). Mobility, space and culture. London: Routledge., MERRIMAN, 2019MERRIMAN, P. (2019). Molar and molecular mobilities: The politics of perceptible and imperceptible movements. Environment and Planning D: Society and Space, v. 37, n. 1, p. 65–82., entre outros). Também são fundamentais as mudanças paradigmáticas que desenvolvem um olhar a partir das mobilidades, dos movimentos, da circulação – aquilo que os sociólogos Sheller e Urry (2006)SHELLER, M.; URRY, J. (2006). The new mobilities paradigm. Environment and Planning A: Economy and Space, v. 38, n. 2, p. 207-226. denominaram um “novo paradigma das mobilidades”.

De inspiração sociológica e antropológica, mas também da Geografia Cultural, uma orientação teórica que se funda em princípios de mobilidade, nos movimentos de pessoas e bens, assim como nas migrações forçadas da conjuntura atual em várias partes do globo, obriga a ultrapassar lógicas dominantes fundadas num entendimento estático do que conta como espaço e território (local, regional, nacional, transnacional, global, entre outros), sejam eles materiais ou simbólicos.

O ângulo da mobilidade torna visíveis os fluxos de pessoas, bens, recursos, assim como a liquidez das dinâmicas e dos processos sociais que jogam nesses fluxos e agem em escalas que se sobrepõem – o que permite assumir a complexidade dos elementos que co-habitam nos lugares híbridos de sobrevivência, forjados no embate do encontro e da descoberta da diferença. Seguir as trajetórias, as circulações e as moções também permite reconhecer aqueles padrões de conexão, os nós de afinidade e solidariedade entre falantes – individuais ou sociais – face às necessidades concretas da sua sobrevivência e cidadania, bem como aqueles padrões densos de desconexão, de repetidas invisibilidades, repetidas ausências de escuta (SHELLER; URRY, 2006SHELLER, M.; URRY, J. (2006). The new mobilities paradigm. Environment and Planning A: Economy and Space, v. 38, n. 2, p. 207-226.). Daí que não basta pensar o movimento a partir de um ângulo meramente celebratório ou libertador. Nas palavras da antropóloga Anna Tsing:

De facto, o movimento não funciona de todo desta maneira. O modo como corremos depende dos sapatos que temos para fazer a corrida. Fundos insuficientes, autocarros atrasados, buscas e investigação securitária, e linhas informais de segregação bloqueiam a nossa viagem; os carris de caminho-de-ferro facilitam-na mas guiam o seu percurso. Algumas vezes nem queremos sair, deixando a cidade só mesmo quando bombardearam as nossas casas. São estes tipos de “fricção” que inflectem o movimento, dando-lhe muitos e diferentes sentidos. Coerção e frustração juntam-se à liberdade na demarcação social do movimento (TSING, 2005, p. 4-5TSING, A. Friction: an ethnography of global connection. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2005., nossa tradução).

A ideia de Tsing de que culturas se co-produzem em ‘fricção’ é particularmente útil para pensar a experiência vivida de falantes em contextos migratórios. Na “dinâmica entre movimento e a fricção do encontro com a diferença”, surgem aquelas “qualidades inábeis, desiguais, instáveis e criativas da interconexão através da diferença” (TSING, 2005, p. 4-6TSING, A. Friction: an ethnography of global connection. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2005.), cujos contornos de complexidade histórica e simbólica entram nos mecanismos que jogam no momento em que viajantes, na aflição do seu caminho, seguem por uma ou outra estrada. Aí se despoletam constrangimentos, incómodos e desassossegos, emperrando engrenagens supostamente oleadas do progresso ou desenvolvimento. Na metáfora da autora, como se de uma mosca se tratasse, criando mal estar na tromba de um elefante (TSING, 2005TSING, A. Friction: an ethnography of global connection. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2005.).

Seguir experiências de migração força o olhar não apenas para a desterritorialização, deslocalização e circulação, mas também para a fricção que surge ao longo do caminho pisado da reterritorialização – as rotas encontradas e as paragens (forçadas, voluntárias ou desejadas), as barreiras e os embates (e as formas de os contornar), as ancoragens, acostagens e amarrações (AHMED et al., 2003AHMED, S.; CASTANEDA, C.; FORTIER, A.M.; SHELLER, M. (eds.). (2003). Uprootings/ regroundings: Questions of home and migration. Oxford: Berg.; CABRAL; MARTIN-JONES, neste volume). Assumir o impacto material e simbólico do movimento, do bloqueio, da paragem de falantes, saberes e práticas ajuda-nos a identificar no concreto as engrenagens da estrutura, assim como analisar o agenciamento, a criatividade e as dinâmicas de transformação – para o bem e para o mal – que operam nos espaços de fronteira.

Como dizem Sandro Mezzadra e Brett Neilson (2013)MEZZADRA, S.; NEILSON, B. (2013). Border as method, or, the multiplication of labor. Durham, NC: Duke University Press., não se trata de estudar a fronteira como um objeto de estudo, mas antes de assumi-la como um princípio epistémico que opera a todos os níveis de constituição simbólica e material, tecnológica, social, histórica e política da atividade que constitui e forja fronteiras. Usá-la como método permite, então, entender as dinâmicas de poder, ideologia, cidadania e agência que agem na proliferação de barreiras económicas, laborais, diferenciais, de subjetividades políticas, legais, de governação do mundo contemporâneo, em profunda transformação e turbulência. Visto deste prisma, torna-se muito difícil pensar a experiência vivida de falantes migrantes sem olhar para as trajetórias dos elementos – humanos e não humanos, materiais e imateriais – que configuram a economia política dos lugares onde os encontramos, como participantes, como colaboradores ou como co-construtores de saberes nos nossos estudos.

Um foco em falantes nas migrações exige, ainda, uma orientação que parta da condição heteroglóssica, plurilíngue, translíngue, refratada e difratada da atividade e da negociação de repertórios de quem está em trânsito, suas experiências vividas de linguagem (PURKARTHOFER; FLUBACHER, 2022PURKARTHOFER, J.; FLUBACHER, M. (2022). Speaking subjects in multilingualism research. Bristol: Multilingual Matters). É a partir desta condição de caos, se quisermos, que nos propomos a considerar os dispositivos que, em espelhos múltiplos e fortes constrangimentos, inflectem e ordenam a significação e a cidadania possível destes falantes. Nesse emaranhado de outros recursos interacionais, multissemióticos, materiais e sociais que atravessam os espaços das migrações, opera também o português, assim como os seus contornos tensos, contraditórios, em constante fricção.

Tais contornos não podem, evidentemente, ser dissociados das múltiplas realidades em que se inserem, nem das economias políticas que se manifestam conforme os contextos institucionais e geopolíticos envolvidos (governamentais e não governamentais de língua oficial portuguesa, diaspóricos de língua de herança, comunitários e informais, de fronteira e sobrevivência). Nessas linhas de reflexão, a língua portuguesa surge não apenas como um recurso, no meio de outros recursos linguísticos e interacionais; surge antes como um constructo ideológico que ganha diferentes significações cujas condições necessitam ser identificadas de modo radicalmente local. São essas, entre outras ideias inspiradas pelo pensamento a partir das mobilidades e fronteiras, que têm circulado pelos estudos da linguagem, com particular impacto nos estudos sociolinguísticos e na Antropologia Linguística. Em décadas recentes, assistimos a uma proliferação de propostas de reflexão crítica da articulação entre linguagem, multilinguismo e migrações em contextos de globalização e face aos desafios dos contextos atravessados pela modernidade tardia (COLLINS; SLEMBROUCK; BAYNHAM, 2009COLLINS, J.; SLEMBROUCK, S.; BAYNHAM, M. (eds.). (2009). Globalization and languages in contact: Scale, migration, and communicative practice. London: Continuum., CREESE; BLACKLEDGE, 2010CREESE, A.; BLACKLEDGE, A. (2010). Towards a sociolinguistics of superdiversity. Z Erziehungswiss, n. 13, v. 4, p. 549-572., DUCHÊNE; HELLER, 2012DUCHÊNE, A.; HELLER, M. (eds.). (2012). Language in late capitalism: pride and profit. New York: Routledge., BLOMMAERT; RAMPTON, 2011BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B. (2011). Language and superdiversity. Diversities, v. 13, n. 2, p. 1-21., DUCHÊNE, MOYER, ROBERTS, 2013DUCHÊNE, A.; MOYER, M.; ROBERTS, C. (eds.). (2013). Language, migration and social inequalities. Bristol: Multilingual Matters., ARNAUT et al, 2016ARNAUT, K.; BLOMMAERT, J.; RAMPTON, B.; SPOTTI, M. (eds.) (2016). Language and superdiversity. New York: Routledge., CREESE; BLACKLEDGE, 2018CREESE, A; BLACKLEDGE, A. (eds.) (2018). The Routledge Handbook of Language and Superdiversity. New York: Routledge., CANAGARAJAH, 2018CANAGARAJAH, S. (ed.) (2018). The Routledge Handbook of Migration and Language. New York: Routledge., entre outros).

Finalmente, seguir falantes em movimento agindo em espaços de fronteira obriga a problematizar os princípios teóricos e metodológicos de partida para os articular face a outras axiologias, epistemologias e ontologias que agem no terreno, nas condições e nas materialidades da fala e dos corpos dos falantes com quem trabalhamos, em um exercício de de(s)colonizar saberes. Isso demanda explorar tanto as dinâmicas centrífugas e centrípetas que agem entre regimes monolíngues, quanto as forças multilíngues e multissemióticas que operam na contingência do aqui e agora das práticas discursivas com trajetórias – sociohistórica, sociocultural e sociolinguística – que se justapõem, criando dissonâncias. Um exemplo disso passa por identificar – quem sabe preparar para subverter – as ontologias que operam em conceitos como “língua materna”, “língua estrangeira”, “língua adicional”, “língua de acolhimento”, “língua de herança”, “competência”, “repertório”, “aquisição de segunda língua”, entre tantos outros que utilizamos para nomear e descrever recortes das complexas experiências vividas por falantes em movimento.

2. OS EMARANHADOS DO PORTUGUÊS

Pelas diferenças abissais a várias dimensões, os trabalhos apresentados ilustram a altíssima complexidade dos espaços multilíngues de migrações e um esforço comum para encontrar línguas de descrição que contemplem esta radical heterogeneidade. Do cruzamento dos trabalhos surgiram articulações que apontam para quatro dimensões da semelhança dessas buscas. A primeira delas, uma preocupação constante em afirmar a natureza pluriversa e emaranhada dos cenários multilíngues de (i)mobilidade e agenciamento, assim como dos recursos – incluindo o PLA – que operam na constituição desses lugares. A segunda, a necessidade de identificar o caráter heterárquico (GROSFOGUEL, 2008GROSFOGUEL, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, p. 115-147.; KONTOPOULOS, 1993KONTOPOULOS, K. (1993). The logic of social structures. Cambridge: Cambridge University Press.) da economia política das mobilidades e a economia política da língua(gem) dos contextos analisados, atravessados por migrações. A terceira, a contribuição dada por princípios transcontextuais, multilíngues e multissemióticos de análise que permitem: a) seguir as dinâmicas de circulação e navegação, de traços de inscrição e uso verbal e não verbal em contextos formais e informais (KELL, 2015KELL, C. (2015). “Making people happen”: materiality and movement in meaning-making trajectories. Social Semiotics, v. 25, n. 4, 423-445.); b) identificar os processos de ancoragem de modos de dizer, fazer e ser, agarrando-se ao que se reconhece como recurso e está à disposição no meio; e c) explorar os elementos e a matéria que se forjam na atividade comunicativa e semiótica mediada por atores, discursos, objetos e corpos vários (SCOLLON; SCOLLON, 2004SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2004). Nexus analysis: Discourse and the emerging internet. London: Routledge., 2007SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2007). Nexus analysis: Refocusing ethnography on action. Journal of Sociolinguistics, v. 11, n. 5, p. 608-625.). Por último, construir caminhos com vista ao reconhecimento de mundos ontoepistemológicos diversos propiciados pelo encontro difratado da diferença, cujos contornos é urgente valorizar. Detemo-nos de seguida em cada uma destas dimensões.

2.1 Cenários emaranhados multilingues e multissemióticos: a constituição de pluriversos

As experiências narradas neste volume apresentam cenários multilíngues atravessados por uma sobreposição de trajetórias de natureza de tal modo complexa, que tentar criar uma versão única dos contextos – ou uma síntese de perfis sociolinguísticos – seria exercício estéril. A multiplicidade de recursos interacionais, multissemióticos, materiais e sociais emaranhados nestes cenários demanda uma reflexão sobre a constituição das múltiplas partições do material, entendido não com uma substância inerte, mas como um processo de estabilização e desestabilização iterativo por meio de “intra-ações”. Ao contrário da interação, que pressupõe a existência de entes pré-determinados, a “intra-ação” é o meio pelo qual quem observa define os contornos e as propriedades dos fenômenos que são ontológica e semanticamente indeterminados – neste caso, o/a investigador/a que produz esses “cortes agenciais” (BARAD, 2007, p. 139-140BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.).

Assistimos à circulação de falantes e seus corpos posicionados por movimentos diaspóricos que operam com o português nos seus repertórios, tendo em conta o papel diferenciado que esse desempenha na construção de relações e identidades de herança, afinidade nacional, comunitária, educativa, linguística, de lazer, desporto e cultura – para retomar exemplos analisados neste volume, a capoeira do Brasil em Leeds (BAYNHAM; HANUSOVA), futebol e Timor-Leste na Irlanda do Norte (CABRAL; MARTIN-JONES), escolas comunitárias portuguesa, açoriana e italiana em Nova Inglaterra (CORDEIRO; FORMATO), espaços de alfabetização de adultos de origem africana em Portugal (SIGNORELLO; MATIAS). Mas a correlação entre a circulação dos corpos, a nomeação de recursos comunicativos e a construção de relações é produto do olhar do investigador, que, nessa constante dinâmica de tornar material a realidade analisada, vai tornando inteligíveis os modos de constituição de mundos específicos. Essa materialidade emerge no processo iterativo e intra-accional por meio de agenciamentos humanos e não humanos no qual o mundo se torna inteligível (BARAD, 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.)1 1 No fundo, esta intuição remete e contribui para uma ainda bem mais antiga e clássica de Labov, a do paradoxo do observador (CUKORAVILA, 2000). DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA A disponibilidade de dados não se aplica; não foram utilizados novos dados neste artigo. .

Do outro lado do espelho, seguimos testemunhos das negociações e das dinâmicas institucionais de interação multilíngue, sobrevivência e transformação cultural face às exigências dos dispositivos que operam nessas travessias e espaços fronteiriços. Observam-se a institucionalização dos serviços de mediação linguística no contexto da atuação da Defensoria Pública da União no Brasil (GOROVITZ; SÁ, neste volume), as dinâmicas dos serviços de apoio social por meio da língua adicional e dos letramentos normativos necessários para a obtenção de estatutos de cidadania, sejam estes articulados com o reclamar de uma identidade académica para estudantes migrantes ou internacionais nas universidades brasileiras (CARVALHO; SCHLATTER, FRAZATTO; BIZON, também neste volume), sejam estes orientados para migrantes vulneráveis com vista a facilitar o acesso às instituições (GOROVITZ; SÁ, SIGNORELLO; MATIAS). As dinâmicas que operam nesses dispositivos legais e educativos apresentam traços implícitos e internalizados de racialização, estigmatização e manutenção de estereótipos sobre a legitimidade de pessoas falantes, ideologias linguísticas ligadas à proficiência e ao conhecimento legítimo de línguas, entre outros aspetos. Estes reproduzem-se, assimilam-se, a eles se resistem ou se transformam por todos os atores envolvidos, inclusive os participantes (FRAZATTO; BIZON). Esses agenciamentos só podem ser compreendidos de modo situado, a partir do olhar que (etno)grafa essas multiplicidades.

Esse foco em falantes que migram ou nos espaços institucionais por eles atravessados parece, porém, não fazer jus ao que os trabalhos revelam sobre a fricção deste embate que é, antes de tudo o mais, de natureza material e física, tornado corpo no limiar do afeto e das emoções. Não lhe são alheias as condições sociohistóricas e económicas, como aquelas dos falantes de origem africana nos bairros sociais de Lisboa (SIGNORELLO; MATIAS), ou as vulnerabilidades do público migrante de origem latino-americana a quem se destinam os serviços de mediação da Defensoria Pública da União em Brasília (GOROVITZ; SÁ). Partindo dessa vulnerabilidade, olham-se os corpos, os movimentos, a construção performativa de espaços como os de capoeira (BAYNHAM; HANUSOVA), as dinâmicas de amarração reificadas em objetos como os troféus ou os logotipos das equipas de futebol por jovens rapazes timorenses na Irlanda (CABRAL; MARTIN-JONES), as distintas percepções da oralidade forjadas em deriva no exercício da autoria académica por estudantes indígenas (CARVALHO; SCHLATTER), as micro-negociações de sotaque e diferença linguística – seja ela projetada no aqui e agora da interação (FRAZATTO; BIZON), seja na memória individual ou coletiva (até mesmo de quem a estuda), seja geolocalizada em paisagens e territórios urbanos (CORDEIRO; FORMATO). Ao tornar visível o papel crucial de ação e agenciamento de outras materialidades que não a linguística ou mesmo discursiva, esses aspetos desafiam o pendor certamente logocêntrico – e logo, intrinsecamente colonial (VERONELLI, 2015VERONELLI, G. A. (2015). The coloniality of language: race, expressivity, power and the darker side of the modernity. Wagadu: A Journal of Transnational Women’s and Gender Studies, v. 13, 108-134.) e raciolinguístico (ROSA; FLORES, 2017ROSA, J.;FLORES, N. (2017). Unsettling race and language: Toward a raciolinguistic perspective. Language in Society, v. 46, n. 5, p. 621-647.) – que domina os debates do PLA.

Marcados pela heterogeneidade, os contextos apresentados implodem entendimentos pré-determinados do que conta como formal-informal, material-imaterial, local-global-glocal entre outros eixos de diferenciação linguística/semiótica, sociocultural ou sociohistórica. E, porém, as diferenças materializam-se – tornam-se diferença – nos lugares de ação e circulação por meio da constante difracção (BARAD, 2003BARAD, K. (2003). Posthuman performativity: Toward an understanding of how matter comes to matter. Journal of Women in Culture and Society, v. 28, n. 8, p. 801-831., 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.). Questionando-nos sobre os fins institucionais, éticos e políticos da identificação de perfis e conhecimentos – sobre para quem serve e com que fins se assume esta prática de etiquetagem, reconhecimento e regulação de falantes e seus conhecimentos linguísticos –, são as migrações que de facto nos obrigam a assumir a heterogeneidade radical, até mesmo nas nossas línguas de descrição, e nos leva a assumir aquele olhar pluriverso que nos obriga a desafiar “a ontologia moderna do universalismo em prol da multiplicidade de universos possíveis” (KOTHARI et al., 2021, p. 29KOTHARI, A.; SALLEH, A.; ESCOBAR, A.; DEMARIA, F.; ACOSTA, A. (eds.) (2021). Pluriverso: dicionário do pósdesenvolvimento. São Paulo: Editora Elefante.).

A fricção provocada por conceitos como multiverso e pluriverso (MATURANA, 2002MATURANA, H. R. (2002). La objectividad: un argumento para obligar. 2ª edición. Santiago: Dolmen Ediciones., ESCOBAR, 2017ESCOBAR, A. (2017). Designs for the pluriverse: Radical interdependence, autonomy, and the making of worlds. Durham, NC: Duke University Press., DORRICO, 2018DORRICO, J. (2018). A queda do céu e o pluriverso yanomami: ancestralidade, território e educação. Revista Opinião Filosófica, v. 9, n. 2, p. 62–86., SANTOS, 2018SANTOS, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: the coming of age of epistemologies of the south. Durham, NC: Duke University Press., SANTOS; MARTINS, 2019SANTOS; B. S.; MARTINS, B. S. M. (orgs.). (2019). O pluriverso dos direitos humanos: A diversidade das lutas pela dignidade. Belo Horizonte: Autêntica.) é ponto de partida relevante nesta nossa procura de línguas de descrição, principalmente quando esta se situa no campo disciplinar das “Ciências da Linguagem” em lugares – institucionais e geopolíticos (Portugal/Europa – Brasil/América Latina) – de conhecimento e de ação distintos, operando em distintos regimes e a distintas velocidades. Trata-se, no fundo, dos lugares que levaram a nos encontrarmos aqui, como autores desta introdução e responsáveis pela coordenação deste dossiê. No sentido de uma ecologia de saberes, não interessam tanto os termos em si, mas antes a fricção, o incómodo e, consequentemente, as possibilidades de ação e transformação que estes causam no lugar em que são usados, em exercício de tradução intercultural (SANTOS, 2018SANTOS, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: the coming of age of epistemologies of the south. Durham, NC: Duke University Press., SANTOS; MARTINS 2019SANTOS; B. S.; MARTINS, B. S. M. (orgs.). (2019). O pluriverso dos direitos humanos: A diversidade das lutas pela dignidade. Belo Horizonte: Autêntica.). Se o termo multiverso opera a partir do pensamento de Humberto Maturana (MATURANA; VARELA, 1992MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. (1992) The tree of knowledge: the roots of human understanding. Revised Edition. Boston, Mass. USA: Shambhala., MATURANA, 2002MATURANA, H. R. (2002). La objectividad: un argumento para obligar. 2ª edición. Santiago: Dolmen Ediciones.) sobre o reconhecimento biológico da diversidade – transportando consigo traços representacionais dessas múltiplas ‘versões’ em espaços complexos –, o termo pluriverso aponta para ontologias, cosmologias e cosmovisões possíveis para além de uma racionalidade ocidental e científica, cujas articulações (do humano, do não-humano, do que conta como materialidade, por exemplo) se reconhecem pelas dinâmicas pragmáticas, performativas, não-representacionais e em movimento. Necessitamos aprofundar esse ângulo nos nossos trabalhos, profundamente marcados pela colonialidade dos saberes académicos e dos modos da sua produção, dirigindo o olhar para a possibilidade das multiplicidades que conformam o todo em relação a diversas perspectivas, visualizamos os recortes possíveis de realidades em constante mutação2 2 Operamos, assim, no limiar dos nossos próprios limites conceptuais, abrindo-nos à pragmática da ignorância e assumindo esta cegueira epistémica que envolve conhecimentos ditos académicos (SANTOS, 2018). Ela permite-nos compreender a existência de saberes outros que, em suas parcialidades, constituem visões íntegras da nossa realidade compartilhada como na perspectiva de anekantavada (ver SANTOS, 2018, BAGGA-GUPTA; CARNEIRO, 2021, mas também SOUZA; DUBOC, 2021). .

Do cruzamento de contextos acima mencionado se depreende que o exercício de situar, avaliar e explicar as experiências descritas nestes trabalhos ultrapassa, de longe, o cariz representacional usual em vertentes da linguística aplicada ao português como língua adicional. Assumindo o caráter imanente da heterogeneidade do seu próprio contexto, cada trabalho aponta para a performatividade única e intransmissível de recursos nomeados “como se fossem” português, como fenómenos que se forjam e operam sempre na articulação com outros atores humanos e não humanos – falantes e seus interlocutores, espaços físicos e institucionais, discursos e regimes normativos, objetos e corpos, recursos verbais e multimodais, géneros e textualidades.

Mais ainda, este forjar faz-se em íntima articulação com a posicionalidade de quem observa, estuda e escreve essa experiência. Cada trabalho apresenta um modo situado de produção de saber, cujo corte agencial (nas palavras de BARAD, 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.) define os contornos de um todo ético-onto-epistemológico, que aponta para a íntima relação entre o que se conhece e o que se é. Por outras palavras, o português adicional é à medida que as práticas de conhecimento – os modos de observar, olhar, estudar, descrever e explicar – o forjam num contínuo processo de se «tornar português adicional»3 3 Como observa Karen Barad (2007, p. 185): “Practices of knowing and being are not isolable; they are mutually implicated. We don’t obtain knowledge by standing outside the world; we know because we are of the world. We are part of the world in its differential becoming. The separation of epistemology from ontology is a reverberation of a metaphysics that assumes an inherent difference between human and nonhuman, subject and object, mind and body, matter and discourse.” . Este olhar agencial e pós-humano ajuda-nos a passar de um entendimento representacional da língua para a situar como elemento que age, entre outros, nos próprios dispositivos que impactam, configuram e/ou bloqueiam a experiência vivida, não só dos falantes como dos próprios espaços de fronteira, em dinâmicas microfísicas de poder e ideologia.

2.2. Das materialidades de fronteira: a economia política das migrações e da língua(gem)

Assumir métodos de fronteira significa identificar, por um lado, a economia política das próprias mobilidades e deslocações vividas pelos falantes que estudamos (seus contextos demográficos, suas trajetórias migratórias e correspondentes condições sociohistóricas, económicas, políticas, entre outras) e, por outro, a economia política da língua(gem) que joga nos espaços experienciados e representados (o poder simbólico de determinados recursos linguísticos e a sua distribuição desigual em múltiplas escalas de ação). Neste dossiê, torna-se clara, por exemplo, a existência de um diálogo inócuo entre instituições e falantes, dada a fricção entre ideologias dominantes de português como língua pluricêntrica emanadas pelas instituições face à experiência refratada (ou seja, re-contextualizada e muitas vezes remediada) e difratada (ou seja, sujeita a derivas e linhas de fuga) dos repertórios de participantes e pesquisadore/ as (CORDEIRO; FORMATO, neste volume). Apesar do foco no português como “língua adicional”, os trabalhos deslocam, com frequência, o escopo dessa referência implícita para outros recursos que não apenas o linguístico-verbal (BAYNHAM; HANUSOVA, CABRAL; MARTIN-JONES, neste volume). Finalmente, são mencionadas posições de sujeito marcadas por assimetrias de várias ordens, descrevendo estratégias, mesmo que implícitas, que desmontam a colonialidade intrínseca das práticas verbais, escritas e orais, jogando com outras ontologias e ideologias, até mesmo em português (CARVALHO; SCHLATTER; SIGNORELLO; MATIAS, neste volume). Só destes exemplos se infere como o que conta como língua portuguesa circula por entre forças diversas – ideologias linguísticas, recursos multissemióticos e colonialidade, entre outros eixos de poder – cuja economia é necessário destrinçar.

A interrelação entre a economia política das mobilidades e a economia política da língua(gem) pode ser melhor compreendida pela noção de heterarquia (ver, GROSFOGUEL, 2008GROSFOGUEL, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, p. 115-147., KONTOPOULOS, 1993KONTOPOULOS, K. (1993). The logic of social structures. Cambridge: Cambridge University Press.) – ou seja, um ordenamento estruturado, mas heterogêneo, no qual múltiplas temporalidades, espacialidades, interseccionalidades, materialidades e recursos linguísticos e multissemióticos se engendram e sobrepõem, produzindo dinâmicas situadas de atribuição de valor que podem, ou não, ser vividas por falantes nos seus processos de desterritorialização e reterritorialização. Relações horizontais e verticais, não lineares e lineares, de sobreposição e justaposição entre diferentes escalas de espaço e tempo ordenam essa configurações heterárquicas. Elas operam tanto no enredamento do que é representado e dito, quanto no que é materialmente vivido e encarnado mas ainda não dito – ou seja, constitutivo das realidades migratórias, mas não tendo ainda sofrido um corte agencial (BARAD, 2003BARAD, K. (2003). Posthuman performativity: Toward an understanding of how matter comes to matter. Journal of Women in Culture and Society, v. 28, n. 8, p. 801-831., 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.).

É nessas dinâmicas que se estabelecem as direções dos fluxos de mobilidade destacados nos artigos deste volume entre a África (Guinê-Bissau, São Tomé e Princípe, Cabo-Verde, Gâmbia) e Portugal (SIGNORELLO; MATIAS), entre Timor-Leste, Portugal e a Irlanda do Norte, no Reino Unido (CABRAL; MARTIN-JONES), entre o Sul da Itália, o Brasil, Portugal e Açores e os Estados Unidos (CORDEIRO; FORMATO), o Brasil e o Reino Unido (BAYNHAM; HANUSOVA), entre o Leste da Ásia (Coréia do Sul e Japão) (FRAZATTO; BIZON) e o Brasil, na tríplice fronteira Brasil-Paraguai-Argentina (CARVALHO; SCHLATTER) e na América Latina como um todo (Venezuela, Haiti, entre outros e Brasil) (GOROVITZ; SOUZA). Esses fluxos migratórios são estruturados de formas não lineares por histórias de relações coloniais, políticas e econômicas que estabelecem percursos possíveis de partidas, paragens, chegadas e retornos, em que cruzar territórios pode transformar-se – ou não – em mobilidade social, seja por meio do trabalho e do estudo, seja considerando a precarização das condições de vida em função da hegemonia do neoliberalismo que atinge particularmente as populações em condições de vulnerabilidade.

Dinâmicas turbulentas, compreendidas como ordenamentos transitórios (STROUD, 2015STROUD, C. (2015). Afterword: turbulent deflections. In: Stroud, C.;. Prinsloo, M. (Eds.). Language, literacy and diversity: Moving words. New York: Routledge, p. 206-216.), explicam melhor a complexa teia de enredamentos entre as formas de colonialidade pretéritas e presentes que marcam esses processos de mobilidade e que caracterizam o funcionamento articulado das formas de organização do capitalismo globalizado contemporâneo. Essa organização foi estruturada por meio da constituição de territórios e fronteiras e da construção de hierarquias de subordinação marcadas por processos de racialização, construção de diferenças de gênero, expressão de gênero, orientação sexual, nacionalidade, religião, geração, dentre outras, que regulam o acesso de sujeitos subalternizados a determinados recursos comunicativos, educacionais, profissionais, econômicos, culturais e sociais.

Recursos comunicativos importantes mudam de valor nessas dinâmicas de mobilidade como, por exemplo, variedades linguísticas minorizadas, tais quais o irpino, do sul da Itália, e o mariense, dos Açores (CORDEIRO; FORMATO), o mandjako e o mandinka (da Guiné-Bissau), os crioulos de Cabo Verde e o forro de São Tomé (SIGNORELLO; MATIAS), o makasai, de Timor-Leste (CABRAL; MARTIN-JONES), entre outras, mas também línguas nacionais como os registros do português padrão de Portugal e do Brasil, o tétum, de Timor-Leste, a bahasa indonésia, da nação Indonésia, entre outras, que são realocadas as hierarquias de valor e realocadas em dinâmicas heterárquicas de valorização situadas próprias. É assim, por exemplo, que um recurso como o português afro-brasileiro da capoeira ganha um novo valor com a globalização dessa expressão cultural (BAYNHAM; HANUSOVA); ou ainda o guarani e o kaingang com os usos feitos por universitários indígenas dessas línguas em suas dissertações de mestrado (CARVALHO; SCHLATTER); ou o tétum e o português nos nomes de de times de futebol, na Irlanda do Norte, Reino Unido; ou ainda um registo como o paulistano que, em regiões diversas de São Paulo, funciona como um índice de domínio do português padrão (FRAZATTO; BIZON).

Mas não somente os recursos comunicativos são colocados em lógicas heterárquicas específicas. Também o são os recursos educativos e sociais que se deslocam através de diferentes fronteiras e pluriversos. Trajetórias de estudos, qualificação e experiências de trabalho não têm o mesmo valor, que depende dos contextos de inserção dos sujeitos (CABRAL; MARTIN-JONES, SIGNORELLO; MATIAS, CORDEIRO; FORMATO, GOROVITZ; SÁ). Ao mesmo tempo, as mobilidades fazem parte de estratégias de ressignificação de recursos educativos e profissionais, da construção de novos recursos culturais e sociais e da ampliação de recursos econômicos com consequências variadas em distintos espaços globais. Isso ocorre, por exemplo, quando se considera o papel das remessas financeiras na manutenção de tradições locais em Timor-Leste (CABRAL; MARTIN-JONES) ou das viagens que permitem a construção de identidades transnacionais, como mostra o relato autoetnográfico de Formato neste volume (CORDEIRO; FORMATO), ou a construção de redes transnacionais de apoio, como aparece em vários artigos do volume.

Ao invés de uma lógica linear e hierárquica operando na intersecção da economia política das mobilidades com as economias políticas da língua(gem), surge uma complexa rede com múltiplos nós. Nessa rede, diferentes fatores intervêm e determinam as direções dos fluxos de capital e a configuração das relações de trabalho, as trajetórias dos sujeitos e os recursos mobilizados nos percursos migratórios, bem como o valor que adquirem de forma situada. Como explica Brenner (2004, p. 66)BRENNER, N. (2004). New state space: urban governance and the rescaling of statehood. Oxford e New York: Oxford University Press, 2004., é preciso pensar em geografias polimórficas, policêntricas e multiescalares que possam descrever as novas realidades socioespaciais configuradas como complexos mosaicos de nós interpenetrados e sobrepostos em múltiplos níveis, escalas e morfologias. A interação entre elementos econômicos, sociais, políticos com as dimensões comunicativas permite diferentes cortes no emaranhado discursivo-material em constante processo de (des)estabilização.

Por isso, é preciso também repensar os modelos ideológicos de relações entre línguas baseados nos processos de configuração dos Estados modernos e suas imaginações de homogeneidade, sejam estas monolíngues, nos modelos clássicos de construção das nações europeias, sejam multilíngues, como os modelos atuais da União Europeia, sejam de projetos de línguas pluricêntricas, considerando que esses são sempre cortes possíveis de uma realidade que se constitui a partir do tornar-se molecular e tornar-se molar (MERRIMAN, 2019MERRIMAN, P. (2019). Molar and molecular mobilities: The politics of perceptible and imperceptible movements. Environment and Planning D: Society and Space, v. 37, n. 1, p. 65–82.)4 4 Merriman explicita essa distinção da seguinte forma: “Drawing upon the writings of Gilles Deleuze and Félix Guattari (1988) I distinguish between ‘molar’ and ‘molecular’ movements in order to examine the processes through which movements emerge and are rendered perceptible and imperceptible, with perceptions of movement and stasis emerging amidst the unfolding of the world and the becoming of events” (MERRIMAN, 2019, p. 66). . Se os processos de reconfiguração de territórios são múltiplos e polimórficos, assim também o são as práticas discursivas e materiais que mobilizam diferentes recursos interacionais, linguísticos e multissemióticos, materiais e sociais envolvidos nos projetos migratórios nos seus diferentes momentos de instanciação. As lógicas pregressas de uma Linguística moderna ou de uma Antropologia Cultural clássicas – que construíram as línguas e as culturas como objetos com fronteiras definidas, posteriormente as subdividindo em variedades – são as que subjazem a projetos como o do português como língua pluricêntrica, que não abarca a complexidade do funcionamento dos múltiplos recursos que jogam em dinâmicas de mobilidade (ver, por exemplo, KEATING, 2022KEATING, C. (2022). Polycentric or pluricentric? Epistemic traps in sociolinguistic approaches to multilingual Portuguese. In: Makoni, S.; Severo C.; Abdelhay, A.; Kaiper-Marquez, A. (Orgs.), The languaging of higher education in the Global South: Decolonizing the language of scholarship and pedagogy. New York: Routledge, p. 42-60.). Trata-se, de facto, de projeções de imaginações científicas que parecem operar na lógica da separação entre sujeitos e objetos, ignorando o lugar constitutivo de observadores na produção de incisões nas complexas e enredadas discursividades e materialidades que particionam o real, definindo seus limites, propriedades e significados (BARAD, 2003BARAD, K. (2003). Posthuman performativity: Toward an understanding of how matter comes to matter. Journal of Women in Culture and Society, v. 28, n. 8, p. 801-831., 2007BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.).

2.3. Das dinâmicas multilingues e multissemióticas: ação, intra-ação, pluriversos

Nos múltiplos espaços e tempos nos quais o PLA está presente, as lógicas coloniais e nacionais têm sobredeterminado as ideologias em torno dessa língua, constituindo uma visão hegemônica deste recurso que acaba por direcionar as suas práticas de ensino. Essa visão exclui o seu funcionamento por meio de múltiplos enredamentos, recortando os registos a serem ensinados, especificando temas e formas, e, com isso, regulando os corpos dos sujeitos em relação aos seus modos de dizer, de ser e estar no mundo em português. Ficam invisibilizados os múltiplos recursos mobilizados para a construção de identidades diaspóricas e transnacionais, híbridas desde suas origens. Os movimentos dos corpos históricos (SCOLLON; SCOLLON, 2004SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2004). Nexus analysis: Discourse and the emerging internet. London: Routledge.) dos sujeitos representados na coletânea de artigos deste volume demonstram essa necessidade de descentrar o olhar, reconhecendo como múltiplos contextos se articulam em nexos e neles se enredam nacionalidades, trajetórias migratórias e práticas culturais a partir da combinação de recursos de diversas ordens, em um movimento constante.

Neste sentido, as abordagens de análise de nexos e do discurso mediado (SCOLLON; SCOLLON, 2004SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2004). Nexus analysis: Discourse and the emerging internet. London: Routledge., NORRIS; JONES, 2005NORRIS, S.; JONES, R. H. (2005). Discourse in action: Introducing mediated discourse Analysis. London: Routledge., LANE, 2014LANE, P. (2014). Nexus Analysis. In: VERSCHUEREN, J.; ÖSTMAN, J-O., Handbook of Pragmatics, 1–23. London: John Benjamins. doi:10.1075/hop.18.nex1.
https://doi.org/10.1075/hop.18.nex1...
) ajudam-nos a ir para além de um entendimento da linguagem como relações entre “texto” e “contexto” para nos focarmos na “ação”. Scollon e Scollon (2004)SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2004). Nexus analysis: Discourse and the emerging internet. London: Routledge. entendem a ideia de ação a partir do conceito de nexo de prática. Para os autores,

um nexo de prática é aquele ponto em que as trajetórias históricas de pessoas, lugares, discursos, ideias e objetos se juntam para propiciar alguma ação que, em si mesma e de alguma maneira, altera essas trajetórias, que, de algum modo, surgem desse momento da ação social (SCOLLON; SCOLLON, 2004, p. 159SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2004). Nexus analysis: Discourse and the emerging internet. London: Routledge., tradução nossa)5 5 “A nexus of practice is the point at which the historical trajectories of people, places, discourses, ideas, and objects come together to enable some action which in itself alters those historical trajectories in some way as those trajectories emanate from this moment of social action” (SCOLLON; SCOLLON, 2004, p. 159).

Este entendimento de ação historicamente situada, da agregação e interrelação de pessoas, lugares, objetos, ideias e discursos em nexos, ou seja, em ações iteradas num aqui e agora que se constitui por ciclos semióticos passados e projetando futuros, é fundamental para compreender as diferentes escalas cronotópicas em jogo. E ajudanos também a entender como estas formas de encaixe em uma dada situação são recortadas por quem as investiga.

Nesta última linha, a perspetiva do realismo agencial tal como proposta por Barad (2007, p. 137)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press., nomeadamente o seu entendimento de materialidade como constante processo de diferenciação6 6 Na sua perspectiva, “Matter is neither fixed and given nor the mere end result of different processes. Matter is produced and productive, generated and generative. Matter is agentive, not a fixed essence or property of things. Mattering is differentiating, and which differences come to matter, matter in the iterative production of different differences. Changing patterns of difference are neither pure cause nor pure effect; indeed, they are that which effects, or rather enacts, a causal structure, differentiating cause and effect. Difference patterns do not merely change in time and space; spacetime is an enactment of differentness, a way of making/marking here and now” (BARAD, 2007, p. 137). , ajuda também nesta reflexão. Ainda que não assuma uma perspetiva histórica, nem aponte para o um horizonte descritivo detalhado como o que nos foi legado pelas múltiplas tradições de pensamento das humanidades, Barad destaca como os próprios modos de compreender tempo e espaço são parte intrínseca desse processo, constituindo-se a partir de processos de difração e múltiplos agenciamentos. O modo pelo qual a autora constrói sua ontologia do realismo agencial permite-nos reinterpretar a relação entre o representacional e o não representacional, o discursivo e o material que são, neste nosso limitado posicionamento sociolinguístico e da Linguística Aplicada, um desafio para a reconceptualização dos nossos entendimentos das relações entre axiologias, epistemologias e ontologias. Para Barad (2007, p. 140)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.:

O mundo é um processo dinâmico de intra-actividade e materialização, pondo em prática determinadas estruturas causais com determinados limites, propriedades, significados e padrões de marcação em corpos. Este fluxo contínuo de agenciamento, através do qual uma parte do mundo se faz diferencialmente inteligível para outra parte do mundo, e através da qual estruturas causais são estabilizadas e desestabilizadas, não acontece no espaço e no tempo, mas antes acontece no forjar do próprio espaço-tempo7 7 “The world is a dynamic process of intra-activity and materialization in the enactment of determinate causal structures with determinate boundaries, properties, meanings, and patterns of marks on bodies. This ongoing flow of agency through which part of the world makes itself differentially intelligible to another part of the world and through which causal structures are stabilized and destabilized does not take place in space and time but happens in the making of spacetime itself” (BARAD, 2007, p. 140). .

O desafio analítico para Barad é o de compreender, de um modo situado, esses processos de materialização, por meio de múltiplos agenciamentos que jogam tanto na constituição de tempos e espaços determinados, quanto na diferenciação do que conta como humano e não-humano, sujeito e objeto, cultura e natureza, mente e corpo, discurso e matéria. Porque nos interessam as dinâmicas multilingues e multissemióticas, cabe-nos entender os agenciamentos que jogam na materialização de – ou seja, naquilo que conta e vale como – um recurso linguístico, um recurso semiótico ou comunicativo, um objeto ou ainda aquilo que se transforma em algo imaterial ou simbólico. São esses agenciamentos – e os cortes agenciais por si produzidos – que tornam inteligível um dado mundo, tal como o “conhecemos”. É desse modo que o fazer científico é, para Barad (2007)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press., um gesto ético-onto-epistemológico, pois é por essas intra-ações que surgem múltiplas potências de devires de mundos. Nesse sentido, conhecimento ou epistemologia são movimentos de natureza intrinsecamente ontológica e ética. No nosso caso, ao partirem da reflexão sobre o PLA, os autores do presente volume produzem cortes agenciais na interpretação dos recursos em jogo, e apontam para essa configuração heteroglóssica, refratada e difratada dos repertórios comunicativos, aqueles que, por si só, propiciam a existência de determinadas materialidades e pluriversos8 8 Vale destacar também que, embora apenas um artigo assuma uma perspectiva autoetnográfica, todos os autores do volume estão enredados nas pesquisas que produziram, de diferentes formas, o que as transformam em elos de agenciamento na conformação das realidades reentextualizadas nas suas reflexões. .

As reflexões de Baynham e Hanusova, por exemplo, destacam os modos como uma prática cultural complexa como a capoeira, uma cultura afro-diaspórica, originária do Brasil, viaja ao redor do globo e estabelece, em localidades específicas, nós de redes que se entrecruzam, pelas quais circulam corpos, instrumentos, ritmos, movimentos e processos de aprendizagem informal, e nas quais o aprendizado do português afro-brasileiro está presente. Os mestres, contramestres e instrutores de capoeira brasileiros e de outras nacionalidades circulam globalmente, mas também se estabelecem em determinados lugares como migrantes. Com os diferentes recursos que carregam consigo, transformam paisagens locais, inserindo rotinas de encontros em determinados espaço-tempos que frequentemente reúnem interessados locais e também outros migrantes, como no caso do grupo de capoeira de Leeds, onde Baynham e Hanusova realizaram as suas pesquisas.

O grupo Guardiões Brasileiros, do contramestre Sandro, é um exemplo de como a sua trajetória de migração é motivada pela capoeira e se constitui também a partir dela, considerando os recursos linguísticos, multissemióticos e culturais que ele carrega no seu próprio corpo, como o seu repertório comunicativo e cultural, nos objetos que leva consigo (pandeiros, tambores, berimbau, caxixi etc.) e outros que são reproduzidos/produzidos localmente seguindo outras ordens normativas (vestimentas, cordões de grau, pedras para tocas berimbau, entre outros), incluindo formas de sociabilidade (encontros, festas e cozinhar comidas brasileiras) e outras práticas culturais associadas ao Brasil. As ações do mestre Sandro em Leeds, mas também em York, reconfiguram esses espaço-tempos, reorganizando-os materialmente, produzindo relações específicas situadas ao reunir imigrantes europeus, africanos de países lusófonos e não lusófonos que aprendem um agregado de práticas (português afro-brasileiro, histórias, danças, música, ritmo e movimento) de forma integrada, que indexicalizam histórias imperiais e coloniais pretéritas, assim como uma cultura afro-diaspórica amefricana – para utilizar o termo de Gonzalez (1983) –, que é transformada em uma cultura híbrida com matizes globais e locais.

As trajetórias de timorenses em Dungannon e Cookstown, Irlanda do Norte, Reino Unido, relatadas por Cabral e Martin-Jones, neste volume articulam as histórias de diferentes projetos coloniais e elementos dos processos de globalização que atravessam suas trajetórias. O não reconhecimento pela nação portuguesa da dominação colonial indonésia, por exemplo, permitiu a timorenses nascidos antes de 2002 a obtenção do passaporte português, um objeto material e simbólico, o que acabou por abrir uma rota migratória. Mas são as mobilidades e os processos de ancoragem e amarração que acabam por modelar suas identidades nos contextos diaspóricos. O estudo de Cabral e Martin-Jones demonstra que, apesar da precariedade da inserção laboral inicial e dos processos de restabelecimento no contexto norte-irlandês, e da perda do valor de recursos preciosos de outros tempos e espaços, novas formas de organização da vida com a inserção e a construção de relações em comunidades de prática diversas como o futebol promovem formas de solidariedade e convivialidade. Estas, por sua vez, renovam os significados dos elementos que os migrantes levam consigo nos seus percursos de mobilidade. O futebol e as práticas no seu entorno, como os torneios, os uniformes, os troféus, por exemplo, centrais nas sociabilidades masculinas e familiares em Timor-Leste, emergem como um mundo da vida importante na Irlanda do Norte, no qual as identidades transnacionais e transculturais dos timorenses são reconstituídas, mobilizando recursos linguísticos e multissemióticos que são parte dos fundos de conhecimento desses sujeitos. Como bem apontam os autores do artigo, “as diásporas não são grupos sociais fechados, mas o resultado de práticas comunicativas intensas e de processos de identificação com uma orientação para o lugar de origem”. Por serem abertas e porosas é que as comunidades diaspóricas, em suas múltiplas dinâmicas de configuração, precisam ser compreendidas a partir de um olhar etnográfico que observe, momento a momento, suas mudanças, considerando a complexa interação entre discursividades e materialidades e os ordenamentos heterárquicos emergentes que as circunstanciam.

É nesse sentido também que o texto de Signorello e Matias, ao trazerem as trajetórias de sujeitos de diferentes partes da África que convivem entre si em um bairro de habitação precária de Lisboa, indicam os recursos ausentes e presentes que são determinantes na inserção desses sujeitos neste espaço migratório. Falantes de múltiplas línguas e herdeiros de culturas africanas com histórias milenares, esses migrantes, em função de trajetórias de escolarização irregulares e pela falta de conhecimento do registo do português considerado padrão, principalmente no caso das mulheres, acabam por se inserir nas margens do mundo do trabalho em Portugal. Frequentemente, as políticas delineadas pelo governo português não consideram as necessidades dessa parcela de imigrantes; a política de alfabetização não leva em consideração os falantes de português como língua não materna; os professores que atuam nos programas oficiais de ensino de português não têm formação na área de alfabetização. É nesse espaço de abstenção entre as políticas de Estado e a necessidade das populações imigrantes que o projeto de educação não formal, Chão, descrito pelas autoras, se desenrola como uma iniciativa que surge para o desenvolvimento da alfabetização e da literacia e se torna um lugar que promove o encontro entre migrantes de diferentes origens nacionais, de classe, de gênero, de idade e trajetórias migratórias, tornando-se uma espaço de construção de solidariedades que partem da diferença. A partir das aulas de alfabetização por uma perspectiva crítica, o Chão cria uma comunidade temporária de compartilhamento, na qual outras escutas como, por exemplo, sobre questões de saúde, de regularização migratória, entre outras, emergem, apontando para as desigualdades socioespaciais que configuram a Lisboa contemporânea. Dessa forma, a própria existência do Chão se configura como um recurso que permite outros agenciamentos, a partir do qual as histórias pregressas dos migrantes e suas potenciais histórias futuras se entrecruzam. É na complexa dinâmica do projeto que emerge uma totalidade espaço-temporal que desafia outras totalidades espaço-temporais, com amplitudes maiores que diferenciam, distinguem e restringem os acessos de sujeitos migrantes e possibilitam outros caminhos de inserção.

Nesse mesmo caminho, o artigo de Gorovitz e Sá debate a problemática da ausência de políticas de tradução e interpretação para migrantes a partir do contexto da Defensoria Pública da União (DPU), no Brasil. O texto coloca em evidência uma série de intra-ações no campo da tradução e da interpretação, que orientam novos rumos para essas políticas, tomando como ponto de partida as demandas, por exemplo, de migrantes, indígenas e surdos. O artigo em questão apresenta um levantamento da situação de assistência linguística no âmbito do órgão jurídico brasileiro que revelou não haver nenhuma orientação ou regulamentação em relação ao atendimento dessas populações. Reproduzindo a ideologia linguística hegemônica que entende o Brasil como um país monoglóssico, as limitações em termos de tradução e interpretação no atendimento da DPU (mas que pode também ser estendida para outros órgãos públicos brasileiros) produz efeitos de ausência de reconhecimento e desumanização de sujeitos já vulneráveis, que se veem ainda mais fragilizados diante da negação de um direito fundamental. Ao mesmo tempo em que fazem a denúncia, as autoras da Universidade de Brasília relatam seus enredamentos com um projeto que produz uma mudança nesta realidade, apontando para outras realidades possíveis no funcionamento dessas políticas linguísticas. A Coordenação de Tradução (CTRAD) da DPU, surgida a partir de um convênio com a Universidade de Brasília, apesar de suas limitações, emerge no relato do artigo como uma intervenção que produz uma refração em uma ordem excludente. Os intérpretes comunitários envolvidos nas práticas da DPU atuam como mediadores de universos culturais diferentes para sujeitos vulnerabilizados, dessa forma atenuando também o impacto da desigualdade constitutiva do mundo jurídico e os modos pelos quais este regula o acesso a direitos. A interpretação emerge dessa forma como uma prática que agencia e produz agenciamentos por meio da mediação entre os recursos que são parte dos repertórios dos sujeitos acionados nesse espaço de negociação transcultural, onde diferentes emoções e afetos estão em movimento.

Frazzato e Bizon, ao acompanharem as trajetórias de estudantes do Leste da Ásia para o Brasil (Coréia e Japão), apontam como o português configurado como um recurso em instituições universitárias dessa região produz um fluxo de mobilidade no qual se forjam trajetórias migratórias nas quais são performadas diferentes identidades em espaço-tempos diversos. Os diferentes «portugueses» que emergem nesses trânsitos funcionam não somente como recursos interacionais, mas também intra-acionais trans-contextualmente, (re)configurando ecologias específicas entre os recursos mobilizados nas diferentes situações narradas que produzem efeitos (de ausência) de reconhecimento. Eduardo, do Japão, e Alice, da Coreia, participantes da investigação realizada por Frazatto e Bizon, vieram ao Brasil estudar em uma universidade importante do sudeste do país e relatam as tensões que surgem a partir dos metacomentários sobre sua performances em português e o quanto elas impactam suas percepções sobre si mesmos. Os estereótipos metapragmáticos que emergem a partir de comentários sobre suas pronúncias funcionam como marcadores não somente de suas identidades nacionais, mas também como marcadores que indexam formas de racialização e de marcação de um lugar de estrangeiro. Essa produção agencial da diferença é sentida de um modo desconfortável pelos estudantes, na medida em que indicia inferioridade. Frazatto e Bizon questionam por essa razão os modelos de ensino de PLA e as políticas de internacionalização universitárias hegemônicas que reforçam ideologias raciolinguísticas e a colonialidade dos modos de saber. Para as autoras, é preciso pensar em um ensino de PLA e em políticas de internacionalização que construam um olhar inclusivo a partir de uma consciência sobre o funcionamento das ideologias linguísticas e acerca das pautas que conformam os debates em torno da justiça social.

A questão da diferença e dos modos como as instituições universitárias acolhem estudantes com trajetórias migratórias, culturais e sociais distintas é abordada também no artigo de Carvalho e Schlatter, que reflete sobre as práticas de letramento de estudantes indígenas em contextos universitários no sul do Brasil. As histórias de mobilidade territorial de Taiane, do povo Avá-Guarani, e Jurandir, do povo Kaingang, apontam para refrações e difrações nos modos de construção de suas identidades e de seus repertórios multilíngues e multissemióticos. A experiência de Taiane entre o Paraguai e o Brasil, o guarani, o espanhol e o português articulada a vivências em diferentes espaços culturais e educacionais foram determinantes para a construção de sua escrita académica. Do mesmo modo, a trajetória migratória de Jurandir e de construção de suas múltiplas pertenças étnicas, vivências políticas e educacionais são fundamentais para a construção dos seus textos. As práticas de letramento acadêmico desses autores indígenas dessa forma emergem como continuidade de suas experiências corporais, marcadas por histórias de subalternização, mas também de lutas e resistências. Suas escritas são índices de conhecimentos milenares acumulados pelos povos indígenas americanos, transmitidos oralmente, mas, sobretudo, vivenciados como uma complexa teia nas quais todos os elementos têm significados específicos, para usar aqui as palavras de Taiane. As reflexões das autoras do artigo, dessa forma, apontam para os modos como o reconhecimento dessas trajetórias marcadas pela multiplicidade cultural demandam o pleno reconhecimento de outros pluriversos pela academia como parte de processos mais amplos de construção de formas de justiça cognitiva (SANTOS, 2018SANTOS, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: the coming of age of epistemologies of the south. Durham, NC: Duke University Press.).

O reconhecimento da diferença é também uma problemática central no texto de Cordeiro e Formato ao relatar os diferentes contextos enredados nas vivências migratórias de falantes de diferentes «portugueses» que indexam identidades e histórias distintas, na região de Boston, na Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. Os autores mostram como apesar de tentativas de construção de uma identidade comum, os falantes de língua portuguesa dessa região são herdeiros de recursos linguísticos e semióticos singulares forjados em espaços e tempos distintos e atualizados com outros significados na vivência diaspórica. É assim que os falares familiares de Formato, o irpino, de seu pai, e o mariense, de sua mãe, embora desvalorizados no contexto norte-americano como potenciais capitais linguísticos, são valorizados pelas memórias e sentimentos a que se vinculam. É por essa vinculação que Cordeiro e Formato interrogam as políticas de ensino de língua de herança que focam no ensino de línguas padrão produzindo apagamentos das especificidades e das múltiplas dimensões associadas ao que se entende como uma língua. Os «portugueses» falados em Boston estão associados a dimensões materiais e imateriais das existências desses sujeitos que não podem ser subsumidas em projetos que não consideram a sua constituição refratada e difratada ao longo das vivências e dos processos de transformação constante das comunidades diaspóricas.

Uma reflexão sobre as migrações a partir da ideia de fronteiras, tal como pensada por Mezzadra e Neilson (2013)MEZZADRA, S.; NEILSON, B. (2013). Border as method, or, the multiplication of labor. Durham, NC: Duke University Press., obriga-nos, em suma, a indagar sobre o campo de investigação e de ensino da PLA a partir desses espaços materializados. As soluções que celebram a existência de múltiplas normas (como a ideia de línguas pluricêntricas ou mesmo a intuição de espaços policêntricos) admitem, de algum modo, a existência dessa heterogeneidade de princípio por onde iniciámos a nossa reflexão. A abordagem corre o risco, porém, de parcialidade e superficialidade – ou a diversidade surge como um problema para o status quo, para o qual é necessário encontrar soluções, ou, pelo contrário, ela surge em modo de celebração sem assumir a natureza radicalmente política, ideológica e abissal que joga na experiência vivida por falantes.

São esses os sinais que nos fazem indagar sobre a enxertia, em racionalidades monoglóssicas ainda por desmontar, de discursos progressistas sobre multilinguismo, que assim perdem o potencial emancipatório de onde surgiram. Sendo incontornável a presença da diversidade multilíngue e multissemiótica e a complexidade dos espaços atravessados por migrações e multilinguismo, a reflexão sociomaterial, agencial e abissal, aqui esboçada a partir dos trabalhos apresentados, permite-nos abrir espaço para outras formas de caracterizar o ensino e a aprendizagem, reposicionar os debates em torno do formal, não formal e do informal, abrir-nos às dinâmicas complexas dos processos de aquisição (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008FREEMAN, D.; CAMERON, L. (2008). Complex systems and applied linguistics. Oxford: Oxford University Press) e socialização em múltiplos registos e além destes (BAGGA-GUPTA; CARNEIRO, 2021BAGGA-GUPTA, S.; CARNEIRO, A. S. R. (2021). Nodal Frontlines and Multisidedness. Contemporary Multilingualism Scholarship and Beyond. International Journal of Multilingualism, v. 18, n. 2, p. 320–335.), e, principalmente, repensar recursos e repertórios como dinâmicas imanentes de ação e agenciamento.

CONCLUSÃO

Iniciámos este texto por uma reflexão de fronteira e mobilidade. Olhar o PLA a partir das migrações obriga-nos, neste dossiê, a assumir de raiz a heterogeneidade, o multilinguismo e a complexidade (BLOMMAERT, 2013BLOMMAERT, J. (2013). Ethnography, superdiversity and linguistic landscapes: Chronicles of complexity. Bristol: Multilingual Matters.), seja nas dinâmicas de ação, agenciamento e aprendizagem, seja naqueles elementos – materiais e imateriais, humanos e não humanos – que forjam e constituem os espaços de socialização e ação e, assim, inflectem, constrangem e ordenam a significação e as cidadanias possíveis para os falantes em movimento. Foram também os dispositivos de fronteira que, implodindo pressupostos pré-estabelecidos, levaram os autores destes trabalhos a buscar línguas de descrição, cujos contornos emanam das condições intrinsecamente locais – e tantas vezes indizíveis – de construção de conhecimento. Para as ciências da linguagem, a articulação de um foco na atividade e no fazer mediado – entre corpos, objetos, discursos e outros recursos –, assim como para as dinâmicas não representacionais do que constitui, ou não, recursos e repertório e conhecimento, são caminhos possíveis para o reconhecimento de outras ontologias e outras posicionalidades. O olhar material permitiu-nos o exercício de construir caminhos com vista ao reconhecimento de mundos onto-ético-epistemológicos que surgem das dinâmicas de diferença – de fricção – vividos e experienciados por todos aqueles que, de um lado ou de outro, vivem as migrações.

Dados os posicionamentos institucionais do próprio saber académico, corre-se o risco, também nos campos da sociolinguística das mobilidades e do ensino de línguas adicionais, de privilegiar determinadas ontologias que reproduzem as ordens de trabalho e os interesses desses mesmos atores institucionais. O enfoque na estrutura, ainda que importante, frequentemente ofusca as dinâmicas de agenciamento que se podem observar quando se seguem os comportamentos, as estratégias e as formas de participação constitutivos dos espaços atravessados por falantes em mobilidade. Se as configurações territoriais do ensino do PLA são um emaranhado de nós, haverá, em cada lugar, modos de agenciamento específicos, assim como práticas emergentes e políticas de ação e ensino-aprendizagem que necessitam ser deslindadas. Olhar para a ação, para a criatividade, para as forças centrífugas poliglóssicas, multiletradas e informais ou não-formais, que fazem face a regimes monolíngues e formais, pode alimentar novas formas de pensar o português e outras línguas em contextos de (i)mobilidade.

  • 1
    No fundo, esta intuição remete e contribui para uma ainda bem mais antiga e clássica de Labov, a do paradoxo do observador (CUKORAVILA, 2000CUKOR-AVILA, P. (2000). Revisiting the Observer’s Paradox. American Speech, v. 75, n. 3, 253-254. https://www.muse.jhu.edu/article/2736.
    https://www.muse.jhu.edu/article/2736...
    ).
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    Operamos, assim, no limiar dos nossos próprios limites conceptuais, abrindo-nos à pragmática da ignorância e assumindo esta cegueira epistémica que envolve conhecimentos ditos académicos (SANTOS, 2018SANTOS, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: the coming of age of epistemologies of the south. Durham, NC: Duke University Press.). Ela permite-nos compreender a existência de saberes outros que, em suas parcialidades, constituem visões íntegras da nossa realidade compartilhada como na perspectiva de anekantavada (ver SANTOS, 2018SANTOS, B. S. (2018). The end of the cognitive empire: the coming of age of epistemologies of the south. Durham, NC: Duke University Press., BAGGA-GUPTA; CARNEIRO, 2021BAGGA-GUPTA, S.; CARNEIRO, A. S. R. (2021). Nodal Frontlines and Multisidedness. Contemporary Multilingualism Scholarship and Beyond. International Journal of Multilingualism, v. 18, n. 2, p. 320–335., mas também SOUZA; DUBOC, 2021SOUZA, L. M. T. M.; DUBOC, A. P. M. (2021). De-universalizing the decolonial: between parentheses and falling skies. Gragoatá, v. 26, n. 56, p. 876-911.).
  • 3
    Como observa Karen Barad (2007, p. 185)BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.: “Practices of knowing and being are not isolable; they are mutually implicated. We don’t obtain knowledge by standing outside the world; we know because we are of the world. We are part of the world in its differential becoming. The separation of epistemology from ontology is a reverberation of a metaphysics that assumes an inherent difference between human and nonhuman, subject and object, mind and body, matter and discourse.”
  • 4
    Merriman explicita essa distinção da seguinte forma: “Drawing upon the writings of Gilles Deleuze and Félix Guattari (1988) I distinguish between ‘molar’ and ‘molecular’ movements in order to examine the processes through which movements emerge and are rendered perceptible and imperceptible, with perceptions of movement and stasis emerging amidst the unfolding of the world and the becoming of events” (MERRIMAN, 2019, p. 66MERRIMAN, P. (2019). Molar and molecular mobilities: The politics of perceptible and imperceptible movements. Environment and Planning D: Society and Space, v. 37, n. 1, p. 65–82.).
  • 5
    “A nexus of practice is the point at which the historical trajectories of people, places, discourses, ideas, and objects come together to enable some action which in itself alters those historical trajectories in some way as those trajectories emanate from this moment of social action” (SCOLLON; SCOLLON, 2004, p. 159SCOLLON, R.; SCOLLON, S. W. (2004). Nexus analysis: Discourse and the emerging internet. London: Routledge.).
  • 6
    Na sua perspectiva, “Matter is neither fixed and given nor the mere end result of different processes. Matter is produced and productive, generated and generative. Matter is agentive, not a fixed essence or property of things. Mattering is differentiating, and which differences come to matter, matter in the iterative production of different differences. Changing patterns of difference are neither pure cause nor pure effect; indeed, they are that which effects, or rather enacts, a causal structure, differentiating cause and effect. Difference patterns do not merely change in time and space; spacetime is an enactment of differentness, a way of making/marking here and now” (BARAD, 2007, p. 137BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.).
  • 7
    “The world is a dynamic process of intra-activity and materialization in the enactment of determinate causal structures with determinate boundaries, properties, meanings, and patterns of marks on bodies. This ongoing flow of agency through which part of the world makes itself differentially intelligible to another part of the world and through which causal structures are stabilized and destabilized does not take place in space and time but happens in the making of spacetime itself” (BARAD, 2007, p. 140BARAD, K. (2007). Meeting the universe halfway: Quantum physics and the entanglement of matter and meaning. Durham, NC: Duke University Press.).
  • 8
    Vale destacar também que, embora apenas um artigo assuma uma perspectiva autoetnográfica, todos os autores do volume estão enredados nas pesquisas que produziram, de diferentes formas, o que as transformam em elos de agenciamento na conformação das realidades reentextualizadas nas suas reflexões.
  • DECLARAÇÃO DE DISPONIBILIDADE DE DADOS DA PESQUISA

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Disponibilidade de dados

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Out 2022
  • Aceito
    21 Out 2022
  • Publicado
    21 Out 2022
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