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Anos 60/70 do sonho revolucionário ao amargo retorno

The 60s and the 70s: from the revolutionary dream to the bitter return

Resumos

O objetivo deste artigo é mostrar que a imagem de herói revolucionário, construída nos anos 60/70 na luta contra a ditadura no Brasil, tornou-se, para as pessoas que participaram dessa luta, a referência pessoal mais importante. Esta questão foi analisada a partir do retorno do exílio e do não-retorno, ou seja, daqueles que permaneceram no país de acolhimento até os dias de hoje.

herói revolucionário; identidade; exílio; clandestinidade; retorno


The objective of this article is to show that the image of the revolucionary hero which was constructed around 60th/70th years in the struggle against the dictatorship in Brasil became to that people the personal and most important reference. This question have been analised since the exile return and the no-return – meaning people who stayed in the refuge country until nowadays.

revolutionary hero; identity; exile; furtiveness; return


Texto completo disponível em PDF.

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    No sentido utilizado por Ecléa Bosi (1987)BOSI, Ecléa (1987) Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo, T.A Queiróz Editores/Edusp..
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    Esta categoria foi criada para dar conta de três situações paradigmáticas – a clandestinidade, o exílio e as prisões nomeadas – da experiência dos perseguidos políticos pela ditadura militar nos anos 60/70 (cf. Gati Pietrocola, 1995GATI PIETROCOLLA, Luci. (1993) Anos 60/70: A cultura do medo orientando vidas e trajetórias no Brasil. Cadernos CERU, São Paulo, série 2, (4): 92-111.).
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    Depoimentos colhidos pela autora.
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    "A escolha do exílio foi difícil 'porque os exilados estavam tomados por um profundo sentimento de falta e de perda, por uma tristeza pesada semelhantes àquela experimentada por ocasião da morte. Sós, mas também em grupo, deveriam passar pelo que em psicologia se chama trabalho de elaboração da morte. Seria necessário, não somente chorar os seus mortos, mas assumir a falência de seu projeto e aceitar o fato da sua impossibilidade durante um período de tempo cuja duração não se conhecia, de reencontrar o mundo que foram obrigados a deixar. Assim, a dor é ambígua: em meio aos sofrimentos e desesperança, cada exilado já experimentou o fascínio do sonho, da certeza quase sem pudor de estar vivo, de existir. Ele se sente sufocado de ódio, como se tivesse traído seus mortos se permitindo esquecê-los. É esse o sentimento de culpa que marca todo o exílio. O exilado se sente culpado de tudo e de nada... de tudo que tem dito mas sobretudo de tudo que não fez, no fundo dele mesmo, com uma linguagem sem palavras, cada um reconhece seu medo de morrer, em última instância, se o exilado se sente culpado de qualquer coisa é de ter escolhido a vida [...] o exilado se proíbe de viver no presente: o sofrimento de seus companheiros que estão distantes no Chile, no Brasil, está muito mais presente do que o presente na França. Porque não vive psicologicamente aqui e agora, ele concebe o tempo que deverá durar sua estadia fora de seu país como uma etapa, uma espécie de vida provisória, à espera de poder voltar a verdadeira vida, aquela que se registra no país" (Vasquez & Brito, 1993VASQUEZ, Ana & APFELBAUM, Erika (1983) Les réalités changeantes de l'identité. Peuples Mediterraneens/ Mediterranean Peoples. L' Identité Déchirée, Paris, (24): 83-102, juil-sept., p. 54-55).
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    Esta exposição foi inspirada no conceito de política de Chauí (1989)CHAUÍ, Marilena. (1988) Sobre o medo. In: CARDOSO, Sergio & NOVAES, Adauto (coord.). Os sentidos da paixão. São Paulo, Companhia das Letras. p. 36-75.. Para a autora, política não é a ruptura do direito civil e da lei ante o direito natural, mas expressão do fortalecimento do direito natural (potência de agir individual). Este dá origem ao direito civil e o exprime como seu efeito imanente. As declarações dos entrevistados sugerem que a ação política, na situação estudada, aparece muitas vezes como expressão e permanência de sentimentos passionais. A heroificação da ação revolucionária, da figura do revolucionário ou mesmo da experiência do viver entre parênteses responde, neste sentido, aos apelos invocados a partir desses sentimentos. Para os filhos dos revolucionários educados na Europa e lá ungidos pela aura de exilado, tornou-se difícil o enfrentamento do novo estatuto pós-exílio.
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    "eles não conseguem exprimir em português certas experiências vividas na França ou em francês, e quando estabelecem seus primeiros laços sociais na França, eles não podiam dividir com os adultos as lembranças idealizadas de antes do exílio ao mesmo tempo que têm poucos laços afetivos com o Brasil. São bilingües e biculturais" (Vasquez & Apfelbaun, 1982VASQUEZ, Ana & APFELBAUM, Erika (1983) Les réalités changeantes de l'identité. Peuples Mediterraneens/ Mediterranean Peoples. L' Identité Déchirée, Paris, (24): 83-102, juil-sept., p. 91).
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    "Em parte pelo esquecimento, em parte pela imposição da realidade, a identidade anterior começa a se extinguir. É quando as representações mudam e o 'aqui' (a vida na França) vai sendo progressivamente percebida como uma realidade aceitável; cada um é obrigado a reconduzir o seu tempo histórico do exílio à dimensão de sua própria vida e, assim, os problemas colocados pela situação de exílio são explicitamente vividos como problemas individuais. Definir-se em relação ao futuro e avaliar a duração de seu prórprio exílio (e não mais daquela entidade 'exílio'), ser capaz de recomeçar estabelecer projetos mais modestos, mais realistas, é assumir sua vida aqui e reencontrar o seu próprio lugar. É o momento no qual os exilados se perguntam se eles estão perdendo sua identidade nacional" (Vasquez, 1983______. (1983) L'éxil, une analyse psycho-sociologique. L' Information Psychiatrique, Paris, 59 (1): 43-58, jan., p. 90-91).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Dec 1996

Histórico

  • Recebido
    Maio 1996
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