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O círculo hermenêutico: que problema é este?

What kind of problem is the hermeneutical circle?

Resumos

O círculo hermenêutico é utilizado por todos os que defendem a tese da autonomia metodológica das ciências humanas em relação às ciências naturais. Em geral, ele é considerado, pelos hermeneutas, ou como um problema ontológico, ou como um problema lógico. O objetivo do artigo é mostrar que não se trata nem de uma coisa nem de outra. Tudo indica que o círculo hermenêutico é um fenômeno empírico, que pode ser estudado pela psicolinguística e por outras disciplinas empíricas. Assim, ele não poderia ser empregado nem como argumento para legitimar a separação entre as ciências naturais e as ciências humanas, nem para sustentar a tese da autonomia das ciências humanas.

Hermenêutica; Compreensão; Naturalismo; Metodologia das ciências sociais


The hermeneutic circle serves as a standard argument for all those who raise a claim to the autonomy of the human sciences. The proponents of an alternative methodology for the human sciences present the hermeneutic circle either as an ontological problem or as a logical problem. However, it is possible to assert that until now it has not been possible to show that the hermeneutic circle constitutes an ontological or a logical problem. Rather, everything indicates that it describes an empirical phenomenon, which can be studied within the framework of psycholinguistics and other empirical disciplines. It is thus not capable of serving as a legitimating argument for the separation between the natural and the human sciences and therefore cannot lend any support to the claim for autonomy of the social sciences and the humanities.

Hermeneutics; Understanding; Naturalism; Methodology of social sciences


DOSSIÊ - FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA

O círculo hermenêutico: que problema é este?

What kind of problem is the hermeneutical circle?

Chrysostomos Mantzavinos

Professor de filosofia das ciências sociais na Universidade de Atenas. É autor de Wettbewerbstheorie (1994), Individuals, institutions, and markets (2001), Naturalistic hermeneutics (2005) e organizador da coletânea Philosophy of the social sciences (2009). E-mail: cmantzavinos@phs.uoa.gr

RESUMO

O círculo hermenêutico é utilizado por todos os que defendem a tese da autonomia metodológica das ciências humanas em relação às ciências naturais. Em geral, ele é considerado, pelos hermeneutas, ou como um problema ontológico, ou como um problema lógico. O objetivo do artigo é mostrar que não se trata nem de uma coisa nem de outra. Tudo indica que o círculo hermenêutico é um fenômeno empírico, que pode ser estudado pela psicolinguística e por outras disciplinas empíricas. Assim, ele não poderia ser empregado nem como argumento para legitimar a separação entre as ciências naturais e as ciências humanas, nem para sustentar a tese da autonomia das ciências humanas.

Palavras-chave: Hermenêutica; Compreensão; Naturalismo; Metodologia das ciências sociais.

ABSTRACT

The hermeneutic circle serves as a standard argument for all those who raise a claim to the autonomy of the human sciences. The proponents of an alternative methodology for the human sciences present the hermeneutic circle either as an ontological problem or as a logical problem. However, it is possible to assert that until now it has not been possible to show that the hermeneutic circle constitutes an ontological or a logical problem. Rather, everything indicates that it describes an empirical phenomenon, which can be studied within the framework of psycholinguistics and other empirical disciplines. It is thus not capable of serving as a legitimating argument for the separation between the natural and the human sciences and therefore cannot lend any support to the claim for autonomy of the social sciences and the humanities.

Keywords: Hermeneutics; Understanding; Naturalism; Methodology of social sciences.

O círculo hermenêutico serve como um argumento padrão para aqueles que querem sustentar a autonomia das ciências humanas1 1 . Este artigo baseia-se no material apresentado em meu livro Naturalistic Hermeneutics (2005). . Os defensores de uma metodologia alternativa para as ciências humanas o apresentam ou como um problema ontológico ou como um problema metodológico, ambos específicos das ciências sociais e das humanidades. Charles Taylor, um dos mais influentes defensores do método interpretativo, formula assim o chamado "círculo hermenêutico":

O que se tenta estabelecer é uma certa leitura de textos ou de expressões e as bases a que se recorre para essa leitura só podem ser outras leituras. O círculo também pode ser formulado mediante as relações entre a parte e o todo: tentamos estabelecer a leitura do texto como um todo e para isso recorremos a leituras de suas expressões parciais; mas como estamos lidando com significado e com atribuição de sentido, em que as expressões fazem ou não sentido apenas em relação a outras, a leitura das expressões parciais depende da leitura das outras e, em última análise, da leitura do todo (Taylor, 1985, p. 18).

De maneira análoga, supõe-se que nossa compreensão de uma sociedade seja circular: só podemos compreender, por exemplo, uma parte de um processo político se tivermos alguma compreensão do todo, mas só compreendemos o todo se já compreendemos a parte2 2 . "O círculo da compreensão parece ser o núcleo racional que resta após eliminarmos todos os fatores irracionais da tese que sustenta a distinção ou a posição especial das humanidades em relação às ciências naturais" (Stegmüller, 1988, p. 103). . Pretendo examinar aqui a validade desse argumento. Iniciarei esboçando brevemente três variações do problema. Em seguida, discutirei criticamente essas variações e recorrerei a soluções alternativas. Por fim, apresentarei uma breve conclusão.

O problema do círculo hermenêutico

O círculo hermenêutico é um problema ontológico?

O filólogo Friedrich Ast foi provavelmente o primeiro a chamar a atenção para a circularidade da interpretação. Ele assinalou a "lei que fundamenta a compreensão e o conhecimento": "encontrar o espírito do todo por meio dos componentes individuais e por meio do todo captar o individual" (Ast, 1808, p. 178)3 3 . Em uma palestra de 1829, F. D. E. Schleiermacher caracterizou como um princípio hermenêutico o fato de que "da mesma maneira que o todo é compreendido por referência aos indivíduos, o individual só pode ser compreendido por referência ao todo" (Schleiermacher, [1829] 1999, pp. 329 e ss.). . Vários filósofos apresentam o círculo hermenêutico como um problema ontológico. O locus classicus ao qual eles se referem é Heidegger (1962, p. 195): "Este círculo da compreensão não é uma órbita em que qualquer tipo aleatório de conhecimento pode se mover; é a expressão da pré-estrutura existencial do próprio Dasein. Não deve ser reduzido ao nível de um círculo vicioso ou mesmo de um círculo tolerado"4 4 . "A reflexão hermenêutica de Heidegger é pertinente não tanto ao provar a existência de um círculo mas ao mostrar seu significado ontologicamente positivo" (Gadamer, 1988, p. 71). . Cabe perguntar o que isso quer dizer e se o círculo hermenêutico constitui um problema desse tipo. Segundo a visão tradicional, a ontologia diz respeito ao que existe, e os argumentos ontológicos usualmente apresentados sustentam que o mundo deve conter coisas deste ou daquele tipo, por exemplo, seres necessários, coisas não extensas, coisas simples etc.

De maneira alternativa, o princípio de Quine sobre os compromissos ontológicos, segundo o qual ser é ser o valor de uma variável ligada, não diz quais coisas existem, mas como determinar quais coisas uma teoria alega existir5 5 . Cf. Quine (1980). . Seja como for, a ontologia diz respeito ao problema da existência de certas entidades, e a questão é saber se o círculo hermenêutico é um problema ontológico.

O círculo hermenêutico é um problema lógico?

O círculo da compreensão pode ser entendido ainda como um problema lógico6 6 . O locus classicus ao qual a literatura se refere é Gadamer (1988, p. 68): "A regra hermenêutica segundo a qual devemos compreender o todo a partir do individual e o individual a partir do todo se origina na antiga retórica e foi adotada pela hermenêutica moderna, passando da arte de falar para a arte de compreender. Há em ambos os casos uma relação circular". . Pode ser que o fenômeno do círculo hermenêutico tenha alguma relação com um círculo lógico. A relação do todo significativo com os seus elementos e vice-versa poderia ser de natureza lógica. Dois tipos de problemas de caráter lógico seriam relevantes aqui. O círculo hermenêutico poderia ser um caso de argumentação circular em uma dedução, isto é, ele surge porque no processo de provar algo pressupomos afirmações que deveríamos provar. O círculo poderia, ainda, ser uma definição circular, caso em que ele surge pois o conceito, ainda por definir, já foi utilizado no texto de maneira irrefletida. Seria lógica a natureza do problema?

O círculo hermenêutico é um problema empírico?

O círculo hermenêutico é concebido, tipicamente, ou como um problema ontológico ou como um problema lógico, e é analisado em função dessas concepções. Mas cabe indagar se o fenômeno ao qual os hermeneutas se referem e caracterizam como o "círculo da compreensão" não é, afinal, um problema empírico. Com isso quero dizer que o movimento da compreensão do todo para a parte e de volta ao todo seria uma operação mental suscetível de ser analisada com as ferramentas da ciência empírica. Nesse caso, o círculo da compreensão não teria nenhum vínculo com a ontologia ou com a lógica, mas com a representação do conhecimento na mente do intérprete, apresentando o seguinte tipo de problema empírico: como o sistema cognitivo do intérprete percebe, classifica e compreende os sinais escritos? Essa operação mental está automatizada? Que tipo de mecanismo cognitivo é ativado para que o significado da parte de uma expressão escrita só seja acessível ao intérprete em relação ao todo e vice-versa?

A solução do problema

Se o círculo hermenêutico for ou um problema ontológico ou um problema lógico, as consequências serão importantes. Caso seja uma questão ontológica, seremos forçados a pensar a ontologia de outra forma. Como o círculo hermenêutico está disseminado no uso da linguagem e na análise de textos, poderíamos ser obrigados a nos comprometer com posições ontológicas que, de outra forma, não estaríamos dispostos a abraçar. Se o círculo hermenêutico for um problema lógico, os fundamentos das ciências humanas serão abalados e seu caráter científico ameaçado. Nos dois casos, o alcance das consequências é considerável. Na sequência, pretendo mostrar que o círculo hermenêutico não é nem um problema ontológico genuíno nem um problema lógico e que, portanto, nem a ontologia nem a metodologia das ciências humanas estão ameaçadas pelo perigo sugerido por muitos filósofos e cientistas sociais7 7 . Para discussões do interpretativismo, ver Little (1991, cap.4), Kincaid (1996, cap. 6) e Manicas (2006, cap. 3). . Sustentarei que estamos diantede um problema empírico, que já foi estudado com as ferramentas das ciências empíricas.

Por que o círculo hermenêutico não é um problema ontológico

Os filósofos que enfatizam o caráter ontológico do círculo hermenêutico não estão interessados em desenvolver uma ontologia especial ou regional, como uma ontologia do mundo social. Eles não estão investigando o modo de existência dos fatos sociais ou quais são suas propriedades8 8 . Para uma investigação dessetipo, ver, por exemplo, Searle (1995 e 2005). . Também não estão investigando como a realidade social se articula com nossa ontologia global, isto é, como a existência de fatos sociais está ligada à existência de outras coisas. O que eles alegam é que o círculo hermenêutico é uma expressão da estrutura fundamental dos seres humanos. Eles defendem, além disso, que o estudo da estrutura fundamental dos seres humanos deve ser feito por uma disciplina especial, a ontologia fundamental, cujas proposições têm um estatuto especial, ou seja, não são nem lógicas nem empíricas. Em seu texto clássico, Heidegger sublinha, por exemplo, que "o 'círculo' da compreensão pertence à estrutura do significado e este último fenômeno está enraizado na constituição existencial do Dasein, isto é, na compreensão que interpreta. Uma entidade para a qual, como o Ser-no-mundo, seu Ser é ele mesmo uma questão tem, ontologicamente, uma estrutura circular" (Heidegger, 1962, p. 195). Alegações como essa podem funcionar como descrições poéticas da natureza humana, mas não constituem problemas ou mesmo argumentos que poderiam ser abordados de maneira razoável.

Por que o círculo hermenêutico não é um problema lógico

Como quase não há argumentos genuínos sustentando que o círculo hermenêutico é um problema ontológico, resta saber qual sua relação com a lógica. Como observou Stegmüller (1988, pp. 104 e ss.), do ponto de vista lógico, a questão do círculo hermenêutico enfrenta uma série de dificuldades, que afetam toda a literatura hermenêutica: a linguagem pictórica e metafórica, a confusão entre o nível do objeto e o nível da meta, a falta de clareza sobre o estatuto de termos-chave hermenêuticos (sobretudo a ambiguidade do termo "compreensão"), a aparente distância em relação ao psicologismo e, por fim, a ausência de exemplos nas análises.

É claro, porém, que o fenômeno do círculo hermenêutico não é um caso de círculo lógico, apesar das frequentes insinuações contrárias dos hermeneutas. A relação do todo significativo com os seus elementos e viceversa não é de natureza lógica. Não se trata, assim, de argumentação circular em uma dedução, que ocorre quando tentamos provar algo utilizando como premissa aquilo que se quer provar. Não se trata tampouco de uma definição circular, que surge quando o conceito que ainda deve ser definido já foi empregado - e de maneira irrefletida - no texto.

Mas ainda é possível que o círculo hermenêutico, embora não seja um caso de circularidade lógica, apresente um outro tipo de problema lógico. Em seu estudo detalhado do conceito, Stegmüller sustenta que ele estabelece um dilema ou, mais precisamente, uma das seis formas específicas de um dilema, dependendo do significado do termo "círculo hermenêutico" em cada caso9 9 . Para uma análise ainda mais detalhada do conceito, ver Goettner (1973, pp. 132 e ss.). . Porém, não me parece correta essa transformação do fenômeno em diferentes formas de dilemas, isto é, em tipos de dificuldades que obrigam o pesquisador a escolher entre duas alternativas que são igualmente indesejáveis. Em princípio, Stegmüller tenta mostrar que o círculo hermenêutico não é um problema lógico, mas que ainda pode ser considerado um problema metodológico ; problema que, em algumas de suas variações, não afetaria apenas as ciências humanas, mas todas as disciplinas. Ele se aplica, por exemplo, ao chamado dilema da confirmação e, ainda, ao dilema relativo à distinção entre conhecimento implícito e fatos. A elegante análise de Stegmüller, baseada em exemplos tomados da literatura e da astronomia, revela que, ao testarmos hipóteses, surgem dificuldades para distinguir entre o conhecimento implícito e os fatos. O teste das hipóteses exige uma clara separação entre, de um lado, componentes hipotéticos presentes nos dados observacionais e, de outro, o conhecimento teórico implícito. Stegmüller mostra que esse problema não se apresenta apenas nas humanidades. Ele só pode ser resolvido por meio de discussões críticas e do acordo entre os pesquisadores da disciplina em questão sobre o que deve ser considerado fato e o que deve ser considerado elemento teórico implícito no caso da hipótese específica que se trata de testar. Føllesdal, Walloe e Elster (1996) também defendem a posição de que o círculo hermenêutico é um problema metodológico. Eles discutem uma série de problemas metodológicos que surge durante os processos de compreensão e alegam que todos emergem no contexto da justificação de uma interpretação10 10 . Ver F0llesdal et ai. (1996, pp. 116 e ss.). Os autores elaboram quatro variações do problema: o círculo todo-parte, o círculo sujeito-objeto, o círculo do método hipotético dedutivo e o círculo pergunta-resposta. Martin (1994, pp. 265 e ss.) também tenta "mostrar que há um problema análogo ao círculo hermenêutico nas ciências naturais, mas que isto não impediu os cientistas naturais de testar objetivamente suas teorias". .

Não contesto essa análise do problema, mas penso que não se trata de um problema lógico no sentido estreito, mas de um problema metodológico. Além disso, eu tenderia a negar que o problema da relação entre o todo significativo e seus elementos possa ser transformado dessa maneira. Uma ideia central que compartilho com Stegmüller e Føllesdal, Walloe e Elster é a de que, no desenvolvimento do significado dos textos, hipóteses interpretativas devem ser testadas. Ao fazer isso, os problemas metodológicos ou os dilemas que esses autores discutem surgirão com frequência, se não sempre, especialmente o de distinguir entre fatos e conhecimento implícito. Entretanto, o problema da relação entre o todo significativo e seus elementos não surge no momento de testar as hipóteses interpretativas, mas no momento em que elas são formuladas. Trata-se de um fenômeno especial produzido quando se tenta compreender expressões linguísticas (ou outros sinais) de forma imediata, ou seja, mais ou menos automática. Nesses casos, é necessário elaborar hipóteses interpretativas, e é ao fazer isso que surge o problema da relação entre o todo significativo e seus elementos. Na sequência, tratarei de forma mais concreta essa atividade e como ela deva ser explicada.

Podemos afirmar então que o modo pelo qual o círculo hermenêutico é apresentado pelos representantes da hermenêutica filosófica não sugere um dilema metodológico que possa ser resolvido por meio de uma decisão ou de alguma outra maneira. A inevitabilidade da situação hermenêutica é ressaltada e descrita como um círculo apenas para dramatizar a questão. Stegmüller e Føllesdal et al. negam que o problema não tenha saída e, com a ajuda de considerações metodológicas, mostram que há maneiras racionais de enfrentar a questão. Admito o caráter desesperançado do problema, mas, ao mesmo tempo, tentarei reduzir seu impacto mostrando que a situação hermenêutica é um fenômeno empírico.

Por que o círculo hermenêutico é um problema empírico

A pessoa que tenta compreender um texto está sempre projetando. Ela projeta um significado para o texto como um todo tão logo algum significado inicial emerja no texto. O significado inicial só emerge porque a pessoa lê o texto com expectativas particulares em relação a um certo significado. A elaboração dessa projeção, que é constantemente revisada conforme o que emerge ao se penetrar no significado, é a compreensão do texto (Gadamer, 2003, p. 267).

É assim que Gadamer, o mais influente representante da hermenêutica filosófica, esboça o processo de compreender um texto como uma série de "círculos hermenêuticos". O leitor ou o intérprete lê o texto com expectativas preconcebidas (opiniões preconcebidas ou preconceitos) e faz revisões durante o trabalho. A compreensão do texto, entretanto, é "sempre determinada pelo movimento antecipatório da pré-compreensão" (Idem, p. 293). Quando essa atividade ocorre e a compreensão é obtida, o círculo do todo e das partes "não é dissolvido em uma compreensão perfeita, ao contrário, o círculo é plenamente realizado" (Idem, ibidem). Nessa exposição clássica do círculo hermenêutico, parece-me claro - em contraste com a opinião da maioria dos filósofos hermenêuticos - que o fenômeno descrito é empírico11 11 . É característico da confusão atual que Gadamer, em diversas partes, afirme coisas diferentes ou contraditórias sobre o círculo hermenêutico, por exemplo: "Assim, o círculo da compreensão não é um círculo metodológico, mas descreve um elemento da estrutura ontológica da compreensão" (Gadamer, 2003, p. 293, grifo meu). Mas, em nota de rodapé, ele reage à mencionada crítica de Stegmüller da seguinte maneira: "A objeção, formulada do ponto de vista lógico, contra a noção de 'círculo hermenêutico' desconhece que esse conceito não reivindica uma prova científica, mas representa uma metáfora lógica, conhecida na retórica desde Schleiermacher" (Idem, ibidem, grifo meu). Assim, Gadamer parece supor que o círculo hermenêutico é tanto um "elemento da estrutura lógica da compreensão" como uma "metáfora lógica", sendo pouco claro o significado de "metáfora lógica". .

Do que se trata exatamente? Que tipo de atividade cognitiva está envolvida na compreensão linguística? Dado que essa atividade cognitiva é suscetível de aprimoramento com a prática, isto é, dado que podemos nos tornar mais rápidos e mais precisos em desempenhá-la, é claro que se trata de uma habilidade. Em geral, adquirir habilidades é muito diferente de aprender fatos12 12 . Estudos neurológicos com pacientes que sofriam de amnésia mostraram que a diferença entre adquirir habilidades e aprender fatos está ligada ao sistema nervoso. Em estudo clássico, Cohen e Squire (1980) relatam o caso de pacientes que eram capazes de adquirir a habilidade de ler palavras refletidas no espelho, embora não tivessem memória das palavras lidas ou mesmo de ter realizado a tarefa. Sua amnésia em relação a palavras específicas e o fato de lidar com a tarefa em um experimento de laboratório não impediram o aprendizado nem o exercício de uma habilidade, isto é, a leitura de palavras apresentadas em imagens no espelho. . Por exemplo, um violinista aprende a tocar peças musicais praticando, uma criança aprende a escovar os dentes praticando etc. O estudo dos processos de aprendizado que levam à aquisição de habilidades desse tipo é, há muito tempo, um ramo estabelecido da pesquisa psicológica.

Em nosso contexto, é significativo que no processo de aquisição das habilidades não só somos capazes de nos tornar mais rápidos e precisos, mas também o exercício delas se torna mais fácil e, por fim, automatizado13 13 . A esse respeito, ver Baron (1994). . Na vida cotidiana, há um grande número de habilidades exercidas de maneira automática. Isso significa que elas se tornaram rotineiras e que para exercê-las não são necessários recursos cognitivos como a atenção. Essa automatização significa que ela é desempenhada sem esforço consciente. No caso da compreensão da linguagem, que nos interessa aqui, o "efeito Stroop" - cujo nome se deve ao pesquisador que o descobriu, Ridley Stroop (1935) - é característico: se apresentarmos nomes de cores impressos em outras cores - "azul" impresso em vermelho, "verde" impresso em preto etc. - para que os indivíduos nomeiem as cores em que as palavras estão impressas, eles tenderão a ler as palavras, porque ler é uma habilidade automatizada. Tendemos a pronunciar as palavras inconscientemente porque praticamos isso por anos14 14 . Épossível experimentar a mesma dificuldade de uma ma neira similar. Tente identificar o número de símbolos em cada grupo de símbolos na lista seguinte. Por exemplo, ao ver YYY, responda 3, ao ver 5555, responda 4 etc.: YYY YY 5555 444 22 222 3333 44444 3 11 222. .

A automatização de habilidades aprendidas é um fenômeno geral que já foi estudado empiricamente e explicado (embora ainda não exista um consenso a respeito dos processos neurofisiológicos subjacentes). É sabido, por exemplo, que na fase média de um jogo de xadrez um especialista leva de cinco a dez segundos para movimentar bem uma peça e que com frequência esse movimento é objetivamente o melhor (cf. Simon, 1979, p. 386).

A explicação não é mais profunda do que a explicação de nossa capacidade de reconhecer, em segundos, um de nossos amigos quando caminhamos para a aula. A menos que estejamos absorvidos em nossos pensamentos durante a caminhada, o reconhecimento será imediato e confiável. Ora, em qualquer campo em que desenvolvemos uma experiência considerável, adquirimos um grande número de "amigos" - um grande número de estímulos que reconhecemos de forma imediata [...]. Procedemos dessa forma não só com rostos, mas com palavras em nossa língua nativa. Quase qualquer pessoa com educação superior pode identificar o significado - e se lembrar deste - de 50 mil a 100 mil palavras diferentes. De alguma forma, ao longo dos anos, passamos centenas de horas olhando palavras e, assim, fizemos amizades com 50 mil ou 100 mil delas. O entomologista profissional tem uma habilidade similar para discriminar os insetos que vê e o botânico as plantas. Em qualquer campo especializado, a posse de uma capacidade de discriminação elaborada permite o reconhecimento de dezenas de milhares de objetos ou situações diferentes, constituindo uma das ferramentas básicas do especialista e a principal fonte de suas intuições (Simon, 1983, p. 26).

Parece, assim, que os textos não são lidos apenas contra o pano de fundo dos pressupostos e preconceitos do leitor, mas também - e mais geralmente - contra o pano de fundo de sua própria experiência com o material. Como a habilidade correspondente se tornou rotineira, o texto é, normalmente, compreendido de forma automática e não consciente. É preciso sublinhar que, como se trata de uma habilidade complexa, todos os níveis desempenham um papel na compreensão da linguagem: o nível fonológico, o semântico, o sintático e o pragmático. Ao longo do tempo, ganhamos experiência em todos esses níveis, de tal forma que sons, palavras, sentenças e textos inteiros são automaticamente classificados e, assim, o processamento da linguagem ocorre, em condições normais, sem esforço. Quando surge uma dificuldade no processo de compreensão da linguagem, ou quando não se consegue compreender de forma imediata as expressões linguísticas, são ativados os recursos cognitivos para resolver o problema. Quando fazemos um esforço de concentração para interpretar conscientemente uma expressão, uma hipótese interpretativa é gerada de forma consciente. Na psicolinguística, essa compreensão consciente da linguagem é em geral modelada como um processo interativo. Os níveis relevantes do processamento da informação, a saber, o fonológico, o semântico, o sintático e o pragmático, não são ativados sequencialmente, isto é, um após o outro. A informação é processada em todos esses níveis de forma paralela e simultânea. Nosso sistema de compreensão da linguagem mantém toda a informação disponível, de modo que é possível ter acesso a toda a informação sobre as categorias a qualquer momento15 15 . Essa abordagem interativa do sistema de processamento da linguagem foi desenvolvida de forma experimental especialmente por Danks, Bohn e Fears (1983). .

O discurso sobre o círculo hermenêutico é apenas uma maneira imprecisa de retratar o processo de pesquisa ativado quando o intérprete de uma expressão linguística não compreende algo imediatamente. A psicolinguística oferece hoje não só descrições mais precisas do fenômeno, como também explicações dos processos de pesquisa subjacentes e dos mecanismos de compreensão da linguagem. Sabemos, por exemplo, que o reconhecimento da linguagem resulta da classificação de padrões e que uma quantidade considerável de dados é necessária para essa classificação. As explicações fornecidas pela psicolinguística são testáveis e já foram controladas em experimentos de laboratório, e elas não fazem nenhuma referência a círculos hermenêuticos16 16 . Para uma visão global da compreensão linguística, como bibliografia suplementar, ver Anderson (2005, cap. 12). .

Além disso, com respeito à obtenção da compreensão quando o círculo hermenêutico é concluído, gostaria de assinalar o mecanismo cognitivo que está na base de toda experiência "aha"17 17 . Uma experiência "aha", conhecida também como "efeito eureca", é aquela que todos temos da súbita compreensão de um conceito ou de um problema até então não compreendido. . As experiências "aha" de diversas intensidades, que o intérprete tem quando o processo de compreensão é concluído, não são nem irracionais, nem a priori. O principal fato a sustentar o funcionamento de um mecanismo cognitivo no fenômeno em questão é o de que somente pessoas com o conhecimento apropriado têm experiências "aha" (Simon, 1986, p. 244). Sem o reconhecimento baseado em experiência anterior, o processo de compreender novas expressões linguísticas não pode ocorrer. Quando desempenhamos a atividade de compreender, nossa intuição explora o conhecimento obtido em pesquisas passadas.

Por fim, é importante enfatizar o processo perceptivo subjacente ao processo mental global de compreensão de textos. Primeiro, a expressão escrita é codificada; então, a análise sintática e semântica conhecida como parsing é efetuada. O parsing é o processo que transforma as palavras na expressão em uma representação mental com o significado combinado das palavras. Durante esse procedimento, o significado de uma sentença é processado frase a frase e a formulação exata das frases é acessada enquanto seu significado é processado (Anderson, 2005, p. 391). As pistas semânticas e sintáticas são integradas para obter a compreensão de um enunciado ou de um texto. O comentário de S. Pinker é aqui pertinente:

A compreensão exige, assim, a integração de fragmentos obtidos a uma sentença em uma vasta base de dados mental. Para que isso funcione, os falantes não podem simplesmente lançar um fato após o outro na cabeça do ouvinte. O conhecimento não é uma lista de fatos especificados em uma coluna, mas uma organização em uma rede complexa. Quando uma série de fatos são apresentados de maneira sucessiva, como em um diálogo ou texto, a linguagem precisa ser estruturada de tal maneira que o ouvinte possa inserir cada fato no quadro existente (Pinker, 1994, p. 227).

Parece, então, que o chamado "círculo hermenêutico" está presente na compreensão. Assim que uma palavra ocorre, tentamos extrair dela o máximo de significado possível: não esperamos até que a sentença seja completada para decidir como interpretar uma palavra - descoberta feita graças aos experimentos de Just e Carpenter, entre outros18 18 . Ver Just e Carpenter (1980), que estudaram o movimento dos olhos durante a leitura de uma sentença. Como, ao ler uma sentença, os indivíduos fixam seus olhos sobre quase todas as palavras, os pesquisadores descobriram que o tempo de fixação em uma palavra é proporcional à quantidade de informação que a palavra em questão contém. Se uma sentença contém uma palavra relativamente pouco familiar, o movimento dos olhos se fixa nela por mais tempo. Além disso, as pausas são mais longas no fim da frase em que se encontra a palavra pouco familiar. . Se uma sentença contém palavras não familiares, que não podem ser compreendidas de forma imediata, utilizamos mais tempo para, no fim da frase, integrar o seu significado. Assim, o problema da relação entre o todo significativo e seus elementos constitutivos, e vice-versa, não surge quando testamos hipóteses interpretativas, mas quando as geramos; ele se refere a um fenômeno que aparece quando não é possível compreender expressões linguísticas de forma imediata, isto é, mais ou menos automaticamente. Tal problema se apresenta tanto para palavras como para sentenças e textos inteiros. Para resolvê-lo, recursos cognitivos são ativados. Concentramos nossa atenção na interpretação consciente de uma expressão, e hipóteses interpretativas são conscientemente geradas. Isso deveria ser agora evidente, mas eu gostaria de afirmar de maneira explícita: para que meu argumento geral seja válido, não é necessário aceitar que, por exemplo, o mecanismo de parsing explique corretamente o fenômeno ou que os níveis relevantes de processamento da informação sejam ativados de forma simultânea e não sequencial. A única coisa importante é que essas proposições sejam proposições empíricas: mesmo que sejam falsas, elas permanecem empíricas.

Conclusão

Para concluir, podemos afirmar que até agora não foi possível mostrar que o círculo hermenêutico constitui um problema ontológico ou lógico. Tudo indica que ele descreve um fenômeno empírico, passível de ser estudado pela psicolinguística ou por outras disciplinas empíricas. O círculo hermenêutico não pode, portanto, ser utilizado como argumento para legitimar a separação entre as ciências naturais e as ciências humanas nem pode, assim, contribuir para sustentar a tese da autonomia das ciências sociais e das humanidades.

Texto enviado em 30/1/2014 e aprovado em 27/2/2014.

Tradução do inglês de Alexandre Braga Massella

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  • 1
    . Este artigo baseia-se no material apresentado em meu livro
    Naturalistic Hermeneutics (2005).
  • 2
    . "O círculo da compreensão parece ser o núcleo racional que resta após eliminarmos todos os fatores irracionais da tese que sustenta a distinção ou a posição especial das humanidades em relação às ciências naturais" (Stegmüller, 1988, p. 103).
  • 3
    . Em uma palestra de 1829, F. D. E. Schleiermacher caracterizou como um princípio hermenêutico o fato de que "da mesma maneira que o todo é compreendido por referência aos indivíduos, o individual só pode ser compreendido por referência ao todo" (Schleiermacher, [1829] 1999, pp. 329 e ss.).
  • 4
    . "A reflexão hermenêutica de Heidegger é pertinente não tanto ao provar a existência de um círculo mas ao mostrar seu significado ontologicamente positivo" (Gadamer, 1988, p. 71).
  • 5
    . Cf. Quine (1980).
  • 6
    . O
    locus classicus ao qual a literatura se refere é Gadamer (1988, p. 68): "A regra hermenêutica segundo a qual devemos compreender o todo a partir do individual e o individual a partir do todo se origina na antiga retórica e foi adotada pela hermenêutica moderna, passando da arte de falar para a arte de compreender. Há em ambos os casos uma relação circular".
  • 7
    . Para discussões do interpretativismo, ver Little (1991, cap.4), Kincaid (1996, cap. 6) e Manicas (2006, cap. 3).
  • 8
    . Para uma investigação dessetipo, ver, por exemplo, Searle (1995 e 2005).
  • 9
    . Para uma análise ainda mais detalhada do conceito, ver Goettner (1973, pp. 132 e ss.).
  • 10
    . Ver F0llesdal
    et ai. (1996, pp. 116 e ss.). Os autores elaboram quatro variações do problema: o círculo todo-parte, o círculo sujeito-objeto, o círculo do método hipotético dedutivo e o círculo pergunta-resposta. Martin (1994, pp. 265 e ss.) também tenta "mostrar que há um problema análogo ao círculo hermenêutico nas ciências naturais, mas que isto não impediu os cientistas naturais de testar objetivamente suas teorias".
  • 11
    . É característico da confusão atual que Gadamer, em diversas partes, afirme coisas diferentes ou contraditórias sobre o círculo hermenêutico, por exemplo: "Assim, o círculo da compreensão não é um círculo metodológico, mas descreve um elemento da
    estrutura ontológica da compreensão" (Gadamer, 2003, p. 293, grifo meu). Mas, em nota de rodapé, ele reage à mencionada crítica de Stegmüller da seguinte maneira: "A objeção, formulada do ponto de vista lógico, contra a noção de 'círculo hermenêutico' desconhece que esse conceito não reivindica uma prova científica, mas representa uma
    metáfora lógica, conhecida na retórica desde Schleiermacher"
    (Idem, ibidem, grifo meu). Assim, Gadamer parece supor que o círculo hermenêutico é tanto um "elemento da estrutura lógica da compreensão" como uma "metáfora lógica", sendo pouco claro o significado de "metáfora lógica".
  • 12
    . Estudos neurológicos com pacientes que sofriam de amnésia mostraram que a diferença entre adquirir habilidades e aprender fatos está ligada ao sistema nervoso. Em estudo clássico, Cohen e Squire (1980) relatam o caso de pacientes que eram capazes de adquirir a habilidade de ler palavras refletidas no espelho, embora não tivessem memória das palavras lidas ou mesmo de ter realizado a tarefa. Sua amnésia em relação a palavras específicas e o fato de lidar com a tarefa em um experimento de laboratório não impediram o aprendizado nem o exercício de uma habilidade, isto é, a leitura de palavras apresentadas em imagens no espelho.
  • 13
    . A esse respeito, ver Baron (1994).
  • 14
    . Épossível experimentar a mesma dificuldade de uma ma neira similar. Tente identificar o número de símbolos em cada grupo de símbolos na lista seguinte. Por exemplo, ao ver YYY, responda 3, ao ver 5555, responda 4 etc.: YYY YY 5555 444 22 222 3333 44444 3 11 222.
  • 15
    . Essa abordagem interativa do sistema de processamento da linguagem foi desenvolvida de forma experimental especialmente por Danks, Bohn e Fears (1983).
  • 16
    . Para uma visão global da compreensão linguística, como bibliografia suplementar, ver Anderson (2005, cap. 12).
  • 17
    . Uma experiência "aha", conhecida também como "efeito eureca", é aquela que todos temos da súbita compreensão de um conceito ou de um problema até então não compreendido.
  • 18
    . Ver Just e Carpenter (1980), que estudaram o movimento dos olhos durante a leitura de uma sentença. Como, ao ler uma sentença, os indivíduos fixam seus olhos sobre quase todas as palavras, os pesquisadores descobriram que o tempo de fixação em uma palavra é proporcional à quantidade de informação que a palavra em questão contém. Se uma sentença contém uma palavra relativamente pouco familiar, o movimento dos olhos se fixa nela por mais tempo. Além disso, as pausas são mais longas no fim da frase em que se encontra a palavra pouco familiar.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Jan 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Aceito
      27 Fev 2014
    • Recebido
      30 Jan 2014
    Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, 05508-010, São Paulo - SP, Brasil - São Paulo - SP - Brazil
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