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Política e moral nas prisões brasileiras

Resumo

Neste artigo retomo algumas discussões sobre dois conceitos forjados por prisioneiros nas cadeias brasileiras durante as últimas décadas: “comportamento” e “proceder”. Próximos em termos semânticos, esses conceitos projetam linhas de afirmação dos valores, no sentido nietzschiano do termo, a partir da experiência do aprisionamento, o que permite examinar as relações entre moral e política nas prisões brasileiras e a constituição de um fundo valorativo comum que liga as cadeias e as ruas. A referência principal para esta discussão é o livro Quatrocentos contra um: uma história do Comando Vermelho, escrito por William da Silva Lima, recentemente falecido.

Proceder; Moral; Política; Prisões; Rio de Janeiro

Abstract

In this paper I examine two concepts created by prisoners in Brazilian jails during the last decades: “comportamento” and “proceder” (both can be translate as something close to behavior). These concepts generate moral evaluations in the Nietzschean sense of the term and create a common valuation background that connects prisons and streets. The main reference for this discussion is the book “Quatrocentos contra Um: uma história do Comando Vermelho” (“Four Hundred Against One: a history of the Red Command”) by William da Silva Lima, who recently passed away.

Moral; Politics; Prisons; Rio de Janeiro

Introdução

Nossa vida é assim, William. Um foge, outro morre, outro vai embora… Mas cada ato de amizade sincera não se esquece.

Neste artigo busco retomar algumas discussões sobre a noção de “proceder”, uma noção que é continuamente recriada por prisioneiros nas cadeias brasileiras e que nos serve para pensar as ligações entre as cadeias e as ruas no Brasil. Como procurarei destacar nas linhas que se seguem, tal “conceito” pode ser aproximado de um outro, o de “comportamento”, tal qual William da Silva Lima aciona no livro Quatrocentos contra um: uma história do Comando Vermelho (1991)1 1 . Tratar “comportamento” e “proceder” como conceitos remete a uma intenção deliberada em “simetrizar” as posições reflexivas, em colocar as teorias sociais dos prisioneiros em pé de igualdade com as teorias sociológicas ou antropológicas. . Tal aproximação produz efeitos importantes para a discussão do assunto. Todavia, para situar a relevância dessa obra nos escritos sobre as prisões no Brasil, vamos iniciar com uma notícia de jornal e alguns breves comentários sobre quem foi William da Silva Lima (em diante, por economia textual, vou me referir a ele pela sigla WSL).

Um necrológio

Na edição do dia 1º de agosto de 2019, o jornal Extra publicou uma matéria assinada por Carolina Heringer na qual encontramos algumas passagens em que se recupera o formato do “necrológio”, hoje já quase desaparecido dos jornais. Reproduzo-a aqui, para apresentar ao leitor, sucintamente, algo da trajetória de WSL:

William da Silva Lima, conhecido como Professor, um dos fundadores da maior facção criminosa do Rio [Comando Vermelho], morreu na madrugada dessa quarta-feira. Ele tinha 76 anos e sofreu um enfarte na casa onde morava com a família, na Zona Sul do Rio. O corpo de Professor foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, também na Zona Sul, na tarde desta quinta-feira.

Com a saúde frágil nos últimos anos, William contava com o auxílio de um cuidador. Professor ficou preso durante mais de três décadas. Atualmente, cumpria pena em regime aberto e era monitorado por uma tornozeleira eletrônica. De acordo com informações do Tribunal de Justiça do Rio, Professor tinha condenações que somavam 95 anos e seis meses de prisão por crimes como assaltos a banco, extorsão e sequestro.

A maior facção criminosa do Rio surgiu em 1979, no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, com o convívio entre presos comuns e políticos. […] Professor era uma espécie de representante dos presos, redigia petições para os detentos e cartas para autoridades. Ele escreveu o livro Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho, no qual contou o surgimento da facção. Lançada pela editora ANF Produções, um braço da Agência de Notícias das Favelas, a história foi transformada em filme em 2010.

O título Quatrocentos contra um é uma referência ao cerco policial que resultou na morte do assaltante José Jorge Saldanha, o Zé Bigode, na década de 80, na Ilha do Governador. Foram doze horas de tiroteio intenso e cerca de quatro centenas de policiais mobilizados.

Professor foi casado por mais de trinta anos com Simone Barros Correa de Menezes, que o conheceu ainda quando era detento na Ilha Grande. Ele tinha quatro filhos, três deles com a atual companheira.

Na tarde desta quinta-feira, Simone postou em seu Facebook a imagem de uma pomba branca com a legenda “liberdade”.

Em 2017, em entrevista ao jornal O Globo, […] William também relembrou os motivos que levaram à criação da maior facção criminosa do Rio:

– Não havia regras de comportamento naquela época nos presídios. Um preso desrespeitava o outro. Imagina um pai de família sendo violentado, estuprado. Ou um detento que tinha seus pertences roubados, algo que a mãe trazia numa visita para o filho e, quando ela ia embora, outro pegava. A Falange Vermelha veio para criar leis de convivência, um código de conduta, pedir respeito ao preso, isso era necessário – relembra (Heringer, 2019HERINGER, Carolina. (2019), “Morre William ‘Professor’, um dos fundadores da maior facção criminosa do Rio”. Jornal Extra. Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-policia/morre-william-professor-um-dos-fundadores-da-maior-faccao-criminosa-do-rio-23848272.html, consultado em 10/8/2019.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
).

Cabe dizer que a primeira publicação do livro se deu em 1990 (o relato inicial foi editado pela equipe do Instituto de Estudos da Religião (Iser), que o publicou nessa época juntamente com a editora Vozes). Também ressalto que seu apelido de “professor” não diz respeito propriamente ao fato de saber escrever “petições às autoridades”. Na antiga gíria das cadeias, “professor” é alguém que planeja as ações, que tem sangue frio nos momentos agudos, que tem o respeito dos seus pares, que não se promove e não fala mais do que o necessário. Não à toa, se tomarmos a figura de um “ladrão”, hoje, nas cadeias de São Paulo, o “tipo ideal do irmão do PCC”, encontramos uma extensão da figura do “professor”: “o ladrão de bancos, conceituado no crime, que chega a maquinar uma ação durante anos para sair dela rico […] é mente, é inteligência, não corpo” (Feltran, 2018, p. 175).

WSL foi um ladrão de bancos durante a ditadura militar e por isso foi enquadrado na “Lei de Segurança Nacional”, junto com os militantes políticos que assaltavam bancos para financiar a guerrilha contra o regime. Todos eles eram postos na galeria do “fundão” no presídio da Ilha Grande, estabelecimento considerado como a cadeia “fim de linha do sistema” nos anos 1970. Por esse motivo ficaram conhecidos como os “LSN”, os “Leis de Segurança Nacional”. Muito já se falou sobre o surgimento da “Falange Vermelha” (posteriormente chamada de “Comando Vermelho”) e da possível influência dos presos políticos na transmissão de princípios e táticas organizacionais para os “presos comuns”. É uma discussão que o próprio William ajudou a superar no Quatrocentos contra um, como veremos. De qualquer maneira, ele esteve presente neste momento inicial, como também participou do encadeamento de eventos que daí se seguiu, enquanto sucessivamente os “presos comuns” da “LSN”, da “Falange Vermelha”, como então nomeada, se espalhavam pelo Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro por decisão da administração prisional, e assim modificavam as relações de força dentro dos presídios. Às vezes um só valia por quatrocentos para “virar” uma cadeia. Não sem enfrentamentos, derramamento de sangue, rebeliões, tentativas bem ou malsucedidas de fuga. Ele esteve lá, com seu corpo, sua mente, junto com outros. É um pouco dessa história de luta e do pensamento que forjou que vamos acompanhar aqui imbricados na elaboração do argumento.

Afetividade

Inicialmente cabe fazer uma ressalva: a importância de recuperar a memória de WSL não advém do fato de ter sido considerado fundador do Comando Vermelho, a principal facção do crime até hoje no Rio de Janeiro e que, de algum tempo para cá, tem espalhado sua influência em outros estados brasileiros. A importância está na sua figura de intelectual e nos seus escritos, principalmente o livro Quatrocentos contra um, como foi intitulado este relato em que se mistura história de vida e uma reflexão lúcida e extremamente potente sobre a experiência do aprisionamento. É nesse livro, acompanhando o fio das lutas travadas em sucessivas unidades prisionais, que encontramos menção à criação de um novo comportamento que impactou a “massa prisional”, como ele mesmo se refere em seu texto:

O que eles chamam de “comando vermelho” não poderia ser destruído facilmente: não era uma organização, mas, antes de tudo, um comportamento, uma forma de sobreviver na adversidade. O que nos mantinha vivos e unidos não era nem uma hierarquia, nem uma estrutura material, mas sim a afetividade que desenvolvemos uns com os outros nos períodos mais duros de nossas vidas. Como fazer nossos carcereiros (ou mesmo a sociedade) acreditarem nisso? (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., pp. 83-84; grifo meu).

Chamo a atenção aqui para alguns pontos presentes nessa passagem do texto. O primeiro deles é a negação de determinadas características que posteriormente serão atribuídas ao Comando Vermelho e, por extensão, no decorrer do tempo, às demais “facções do crime” no Brasil. “Hierarquia” e “estrutura material” são alguns atributos, entre outros, que permitem compor a imagem do “crime organizado”. Assim como a palavra “comando”, rótulo, segundo o autor, atribuído pela imprensa a partir do relato do diretor do presídio da Ilha Grande, um capitão da Polícia Militar, em fins dos anos 1970:

Estava aberta a temporada de caça contra nós, completamente demonizados. As palavras não são inocentes: éramos um comando, o que em linguagem militar denomina o centro ativo, cuja destruição paralisa o inimigo; como se isso não bastasse, éramos também “vermelho”, adjetivo que desperta velhos e mortais reflexos em policiais e militares (Idem, p. 83).

As palavras não são inocentes. É interesse perceber que parte de alguns esforços intelectuais para conceituar as experimentações políticas trazidas por esses coletivos de prisioneiros, ainda hoje, dizem respeito à busca de uma linguagem descritiva que possa se opor às apropriações discursivas de especialistas e gestores em segurança pública, muitas delas claramente assentadas numa forma-Estado no pensamento (Deleuze e Guattari, 1995-1997DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. (1995-1997), Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro, Editora 34, 5 vols., vol. 3, p. 24) e seus aportes perceptivos-conceituais: “[…] o modelo estatal, o modelo empresarial, o modelo do organismo, o de sociedade, o de cultura […] (Villela, 2010VILLELA, Jorge. (2010), “Apresentação”. In: BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome., p. 18). O que WSL aponta nesse texto é a necessidade de opor uma resposta a outra resposta. A necessidade de levantar perguntas que surgem de uma outra resposta (Deleuze e Guattari, 1995-1997DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. (1995-1997), Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro, Editora 34, 5 vols., vol. 2, p. 58).

Assim, quando do surgimento do que foi então nomeado de “comando vermelho”, não se tratava de uma organização (essa é a resposta estatal e há uma vasta bibliografia em que se pode perceber como se desenvolvem as perguntas dela derivadas), mas de um “comportamento”. E que questões constituem essa resposta dotada de uma força política extraordinária – “um comportamento”? Vamos examinar algumas delas, buscando alguns possíveis desenvolvimentos argumentativos.

Na primeira citação acima, WSL fala de uma afetividade “desenvolvida uns com os outros, no período mais duro de nossas vidas”. Colocar o problema dessa maneira certamente indica uma marca idiossincrática do pensamento do autor. O assunto poderia ser colocado de outra maneira, mas aqui, para o seu pensamento, as afecções experimentadas no “sofrimento” (uma gíria corrente dos prisioneiros para se referir ao tempo/espaço do aprisionamento nos cárceres brasileiros) remetem diretamente a um (com)partilhar de valores como motor do exercício da força, como modo de resistência, como garantia de permanecer vivo. O coletivo formado na cadeia “fim de linha do sistema” constituiu laços de solidariedade e apoio mútuo mesmo quando dispersos em outras unidades. Como ressalta em outra passagem do texto:

O importante era mostrar que os guardas não tinham moral conosco, os Leis de Segurança, mesmo dispersos. Permanecíamos unidos pelo mesmo comportamento, e todos os presos sabiam que não ficariam impunes atos de violência contra um de nós. […] Não demoramos a nos encontrar – na surda. Nélson Nanai, Sérgio Arché, Flávio, Ricardo Duram, Almir do Amaral e eu fomos para a pior masmorra entre quantas o sistema tem ou já teve (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., p. 62).

Quando se fala de afetividade está se trazendo para o primeiro plano o fundo relacional dessa avaliação moral (que se desdobra numa política baseada na aliança entre pares, como veremos) batizada aqui de “comportamento”. Ademais, o ponto é interessante (e a passagem acima é bastante reveladora) porque não se trata da busca de um “mundo comum” por consenso ou convencimento (de guardas e presos). Trata-se de um enfrentamento de forças, de uma imposição da vontade que por fim pudesse atingir a “massa carcerária”2 2 . A noção de “massa carcerária” não será mais abandonada, como exemplificam os atuais “salves” do PCC (Feltran, 2018, p. 242). . O mundo comum não é um ponto de chegada ou de partida, mas o que está no meio, o sofrimento compartilhado, as afecções experimentadas na cadeia.

De todo modo, no exame desse problema tais coisas não podem ser dissociadas: afecção pelo meio (do corpo e da mente); afetividade (como fundamento relacional); valoração (como exercício contínuo de avaliação dos comportamentos pelo prisma do “comportamento”). Vamos explorar alguns desses assuntos de forma mais acurada3 3 . Aqui se trata de assentar uma ficção etnográfica constituída a partir do cruzamento do pensamento de William da Silva Lima e de outros autores. Em especial, ganham relevo na composição da argumentação os conceitos espinosistas de “afecção/afeto” (Espinosa, 2009) e o conceito de “valor” em Nietzsche (1998). .

Afetos

O tema das afecções experimentadas no meio prisional se distribui em várias direções. Mas a pergunta que lhe serve de base é: Como alguém constrói território numa cadeia? Ou, dizendo de outro modo: Quais são os possíveis agenciamentos territoriais numa cadeia? Cada caso, um caso; cada vida, uma vida. Mas como disse, há um mundo comum, o próprio funcionamento da instituição prisional – mesmo a contrapelo dos seus imperativos teleológicos que determinam a individualização da pena – patrocina o emaranhar das linhas de vida sob determinadas condições. Patrocina uma experiência comum no “sofrimento”, como mencionei acima. Mesmo que tais emaranhados sejam desfeitos e refeitos, já que submetidos à contínua partição segmentar própria ao funcionamento da instituição. É um assunto que comumente aparece nos textos sobre prisões, nos escritos que versam sobre uma instituição pensada desde seu nascedouro como em permanente estado de “crise”. A questão que se coloca aqui é qual o ganho político em insistir na explicitação das mazelas do meio prisional na chave da “denúncia”?4 4 . É o que o assinalam Pignarre e Stengers (2011): uma denúncia que funciona como meio de se livrar da culpa e evitar qualquer engajamento, que demanda a intervenção do Estado ou a mudança do “sistema capitalista” como um todo, conduz à paralisia. No caso das prisões, as alternativas para se livrar das “alternativas infernais”, como denominam os autores, apontam para a conjunção dos programas de monitoramento que possibilitem mudanças efetivas na vida dos prisioneiros.

De qualquer maneira, o exame da situação dos cárceres brasileiros não deixa margem para dúvidas: a linha de continuidade que liga as enxovias coloniais aos nossos estabelecimentos hodiernos continua ativa e bem nítida. Como o corpo de um prisioneiro é afetado numa cadeia, considerando os encontros, as situações que esvaziam sua potência de vida e sua resistência? Mordido por ratos; com a pele tomada por picadas de insetos e percevejos; experimentando comida estragada; dormindo ao lado de pilhas de lixo ou em papelão molhado; buscando respirar com a cabeça nas grades de celas superlotadas; sofrendo com o calor insuportável e o racionamento de água; submetido a espancamentos e torturas as mais variadas; com feridas abertas, sem tratamento; sem acesso à medicação ou submetido ao excesso de medicação psiquiátrica, cortando seu corpo para amenizar o sofrimento (Mallart, 2017MALLART, Fábio. (2017), “Gestão neuroquímica: pílulas e injetáveis na prisão”. In: MALLART, Fábio & GODOI, Rafael (orgs.). BR 111: a rota das prisões brasileiras. São Paulo, Veneta, pp. 127-138., 2019MALLART, Fábio. (2019), Findas linhas: circulações e confinamentos pelos subterrâneos de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.); experimentando um regime de isolamento por longo período de tempo… A lista é infindável e sempre se pode adicionar alguma coisa (Godoi, 2017aGODOI, Rafael. (2017a), “Tortura difusa e continuada”. In: MALLART, Fábio & GODOI, Rafael (orgs.). BR 111: a rota das prisões brasileiras. São Paulo, Veneta, pp. 117-120.). O que não quer dizer, obviamente, que vamos encontrar todas essas condições e tratamentos infames reunidos em um mesmo estabelecimento prisional, no Rio de Janeiro ou no Brasil. Mas o simples fato de continuarem a existir, distribuídos, diluídos ou concentrados numa unidade prisional ou outra, e de serem motivo de denúncia continuada, nos dá o entendimento de por que os presos chamam cadeia de “sofrimento”.

Às afecções do corpo se juntam os afetos da alma, abrindo em dobra o sofrimento. Um dos principais motivos de ansiedade experimentada por muitos prisioneiros e prisioneiras diz respeito à opacidade que envolve o desenrolar de seu processo penal. Simplesmente não têm notícia do andamento processual. Hoje, no Brasil, a multidão de presos provisórios cumprindo efetivamente a pena em regime fechado sem terem sido julgados é o caso-limite e exemplar da invisibilidade do preso diante daquilo que enxerga como a cegueira da justiça. E a esse sofrimento da alma podem se juntar outros: a falta de contato com a família ou de visita de familiares (isso é notório nas cadeias femininas); ou o inverso simétrico, o sentimento de que seus familiares e visitantes são afetados diretamente por sua condição, assim como se tornam os alvos dos maus tratos por parte da administração durante a visita, entre outros exemplos.

Evidentemente, não se “tira cadeia” só com afetos tristes, só com as afecções que reduzem a potência e a força de um corpo, que o “quebram”. Seria impossível sustentar a linha da vida unicamente sob essas condições. Voltando à questão – como se constitui território na cadeia? –, é necessário perceber que sem linhas de desterritorialização (Deleuze e Guattari, 1995-1997, vol. 3, pp. 40-41), sem linhas de fuga, não se faz território dentro da instituição prisional (ou em qualquer outra parte). Isso diz respeito aos presos como também à administração prisional. É um assunto que abordei em trabalhos anteriores (Barbosa, 2005BARBOSA, Antonio Rafael. (2005), Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro., 2013BARBOSA, Antonio Rafael. (2013), “Grade de ferro? Corrente de ouro!”: circulação e relações no meio prisional”. Tempo Social, 25 (1): 107-130. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702013000100006&lng=en&nrm=iso.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Por “linhas de fuga” entendam-se “linhas de fluxo”, uma série de atravessamentos sem os quais não se administram os funcionamentos da instituição prisional, sem os quais não se entende a composição dos “territórios existenciais” (Guattari, 1992GUATTARI, Félix. (1992), Caosmose, um novo paradigma estético. São Paulo, Editora 34.): o trabalho cotidiano dos técnicos (principalmente) e agentes em negociar com a esperança de soltura ou progressão de regime que advém dos presos; a comida que chega nos “jumbos” ou “sacolões”; o afeto trazido com a visita dos familiares; a visita íntima; a entrada de drogas; os rádios e aparelhos de TV; os telefones celulares (fundamentais nos dias de hoje, nas cadeias brasileiras, para a circulação de afetos, ordens de comando, decisões etc.); as atividades laborativas ou educativas (quando as há), a leitura de livros; o serviço religioso patrocinado por igrejas de diversas denominações; os advogados “correndo atrás” do processo penal (para quem os pode pagar); o dinheiro circulante em certos estabelecimentos; as cantinas; os jogos, entre outros. E a isso se adiciona a linha de fuga por excelência, o ato primevo que se confunde com a esperança derradeira: fugir. Um corpo que atravessa o muro. Considerando, neste caso, as suas modalidades possíveis: fugir “no peito” ou “na marra” (fazendo uso de força ou de um estratagema); o ato de “comprar” uma fuga (o que aproxima os verbos: “patrocinar” – no caso da fuga de um aliado; “financiar” – no caso de reunir um monte para comprar a saída; “facilitar” – no caso dos carcereiros); o entendimento de que a fuga é um direito do preso (Barbosa, 2005BARBOSA, Antonio Rafael. (2005), Prender e dar fuga: biopolítica, sistema penitenciário e tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, tese de doutorado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 336).

Por fim, o que se deixa ver quando consideramos as afecções e afetos que os prisioneiros experimentam no cotidiano das cadeias é o próprio reconhecimento dos alvos da luta a partir das opressões vividas. Retornemos ao texto de WLS:

Estávamos em 1974, e nossas principais lutas eram contra os espancamentos, pela abertura dos cubículos ao longo dos dias […] e pelo respeito aos nossos visitantes. Conseguimos uma unidade praticamente total, e a disposição de luta era grande. A medida número 1 – que representava uma verdadeira revolução cultural na cadeia – era a proibição de qualquer ato de violência de preso contra preso. As incompatibilidades pessoais deveriam ser deixadas de lado, para serem resolvidas na rua […] assalto, estupro ou qualquer forma de atentado estavam banidos. Uso de armas, só para fugir, se surgisse ocasião. Vivíamos procurando uma saída, tentando escapar de qualquer jeito […]. Em 1974, começaram os choques diretos com a administração […]. (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., pp. 49-50; grifo meu).

Assenta-se, nesse momento, um novo regime de visibilidade “prisioneira”. Alguém que “fecha” com tal modo de “comportamento” é alguém que carrega consigo, no seu olhar, a partição dual dos alvos de luta. Para onde se olha? Com quem se combate? Olhando para um lado, temos o combate direto e incansável com as forças do “sistema”, com a “administração”, com a “polícia”. Do outro lado, assenta-se a verdadeira “revolução cultural na cadeia”, o apaziguamento das relações entre presos, a “paz entre ladrões” (Biondi, 2010BIONDI, Karina (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome., pp. 172-177). Como consta na palavra de ordem do Comando Vermelho “Paz, Justiça, Liberdade”, expandida em anos posteriores pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) com a adição da palavra “igualdade” ao lema. Esse é um assunto que já foi suficientemente destacado em trabalhos sobre o assunto (como exemplos, Biondi, 2010BIONDI, Karina (2010), Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo, Terceiro Nome.; Feltran, 2018). É o que WSL assinala em um trecho do seu livro:

[…] Existia incompatibilidade apenas com as quadrilhas que agiam dentro dos presídios. Entre elas, destacava-se a do Jacaré. Mantivemos o velho pacto de não permitir assaltos e violências que, estimulados pelo sistema, só serviam para desmoralizar e desunir os presos. […] já não havia conciliação possível. No dia marcado, com amplo apoio da coletividade, morreram de uma vez seis conhecidos quadrilheiros, os piores entre aqueles que mantinham o terror. Trinta deles se renderam, prometendo mudar seu comportamento, e vinte pediram seguro de vida, sendo transferidos para Água Santa. […] as regras do antigo Fundão foram sendo adotadas nas cadeias […]. Fora das quadrilhas, não mexemos com o negócio de ninguém, de modo que todos podiam fazer seu próprio comércio. Só não se podia mais assaltar, matar, estuprar. Nem, é claro, alcaguetar. […]. (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., pp. 75-76; grifo meu).

E a guerra nos anos que se seguiram não só foi conduzida contra aqueles presos que exploravam a “massa prisional”, mas igualmente através de ações que buscavam impactar a administração penitenciária, tais como rebeliões e motins. Esta é uma fronteira difícil de demarcar: o que é “revolução cultural”, trazida com a mudança do comportamento, especialmente nas relações entre os presos, e o que é ação política, através do combate direto com as “quadrilhas” ou mesmo indireto com a “administração”. Isso porque a mudança de valores é completamente coetânea, imanente à ação política. É um regime político visto como baseado na imposição da “lei do mais forte”, na exploração de um preso por outro preso, que deve ser combatido e suprimido. É o desejo de subordinação à vontade do mais forte (ou a incapacidade de resistir à imposição da vontade do outro), é a mente “teleguiada” (como menciona em outra passagem do texto) que deve ser suprimida pela revolução dita por WSL como “cultural” – e, podemos adicionar, sem prejuízo algum de seu argumento, política. Esse é o sentido da “paz” como valor, nunca plenamente alcançado e sempre necessitando ser reforçado, como mencionei há pouco sobre a adição do valor igualdade ao lema, feita pelo PCC.

WSL menciona no trecho citado que as regras do fundão foram sendo adotadas nas cadeias. Esse é um ponto que merece alguma reflexão. Aqui apenas posso começar a esboçá-la. É comum tomar na chave da norma, de um código de comportamento impositivo, isso que aqui está sendo nomeado de “comportamento”, seja nas atividades do crime, seja no cotidiano das cadeias. E que também impactou o lado de fora, quando tais ideias passaram a se distribuir nas favelas e comunidades pobres do Rio de Janeiro (Barbosa, 1998BARBOSA, Antonio Rafael. (1998), Um abraço para todos os amigos: algumas considerações sobre o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Niterói, Eduff.). Um sobrecódigo que transformou os códigos locais quanto à orientação dos comportamentos e ao controle dos enunciados – “não se pode alcaguetar…”. Mas chamo a atenção aqui para a mutação que foi experimentada: do valor moral que aparece inicialmente como regra – “nenhum ato de violência de preso contra preso”, como ressalta WSL – para seu desenvolvimento como um exercício contínuo de avaliação dos comportamentos a partir das “situações” vividas (Biondi, 2018BIONDI, Karina (2018), Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São Paulo, Terceiro Nome., p. 347)5 5 . Entre o normativo, o prescritivo e, digamos, o “avaliativo”, não há propriamente uma transformação histórica; essas modalidades retroagem umas sobre as outras de acordo com as situações. . Nesse caso, não há como deixar de recorrer à reflexão nietzschiana sobre a moral para tratar dessa transformação [ver nota 2]. Do que foi estabelecido, como princípio moral de avaliação, de forma impositiva e depois prescritiva – não há norma (disciplinar), não há lei (jurídica), mas cada ação tem suas consequências… –, abre-se a possibilidade de pensar a avaliação contínua dos valores em ato, corporificados – e não poderia ser de outra forma –, referida “aos seus elementos […] maneiras de ser, modos de existência daqueles que julgam e avaliam […]” (Deleuze, 1975DELEUZE, Gilles. (1975), Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Rio., p. 1).

Ainda seguindo Deleuze, mas o que é “o alto e o baixo, o nobre e o vil como elemento diferencial” – aqui, nas relações entre prisioneiros, considerados como exemplos acabados da vilania para um certo senso comum punitivista – “do qual deriva o valor dos próprios valores”? Esta é a pergunta a ser feita. Essa é a pergunta que coloca o “proceder”. Uma pergunta sobre os “pontos de vista de apreciação” (Idem, ibidem).

Genealogias

Adalton Marques, em um trabalho etnográfico que podemos considerar seminal sobre o assunto, intitulado justamente Crime e proceder: um experimento antropológico (2014), busca efetuar o levantamento das “genealogias” realizadas por seus interlocutores sobre o “proceder”. Mas antes de passarmos a essas diferenças entre pontos de vista, as diferenças que cada um carrega consigo quando habita um ponto de vista (diga-se de passagem, um assunto caro à reflexão antropológica), vamos fazer alguns ajustes e retomar algumas argumentações presentes nesse livro que introduzem essa discussão, sem a pretensão de resumir a complexidade de sua argumentação a umas poucas linhas.

Em primeiro lugar, como ressalta Marques (2006)MARQUES, Adalton. (2006), “Proceder”: “o certo pelo certo” no mundo prisional. São Paulo, monografia de graduação, Escola de Sociologia e Política de São Paulo. e também Hirata (2006)HIRATA, Daniel Veloso. (2006), “No meio de campo: o que está em jogo no futebol de várzea?”. In: TELLES, Vera da Silva & CABANES, Robert (orgs.). Nas tramas da cidade: trajetórias urbanas e seus territórios. São Paulo, Humanitas, pp. 243-291., o “proceder” não é uma palavra que só se escuta nas cadeias. Está “[…] nas ruas, nos campos de futebol de várzea, nas arquibancadas dos estágios de futebol, nas escolas, nos salões (danceterias), nas pistas de skate […] nas letras dos rappers […] até a […] Escola de Sociologia e Política de São Paulo” (Marques, 2006MARQUES, Adalton. (2006), “Proceder”: “o certo pelo certo” no mundo prisional. São Paulo, monografia de graduação, Escola de Sociologia e Política de São Paulo., p. 14). Marques procura situar-se, diante desse imenso “diagrama” desenhado pelas recorrências da palavra “proceder”, numa “encruzilhada singular”, como chama “o ‘sistema’ (prisional paulista)” (Marques, 2014, p. 47).

Assim, se o “proceder” não foi inventado dentro das cadeias, se está por toda parte, podemos igualmente dizer que ele é atemporal, já existia dentro das cadeias no Rio de Janeiro antes de que WSL falasse do novo “comportamento” trazido pelo pessoal do “fundão”, pelos “LSN”, lá nos anos 19706 6 . Como ressalta Marques indicando um trecho do livro de Mendes, Memórias de um sobrevivente: “Ali havia [1968], já de modo dominante, o famoso proceder. Conjunto de normas que eram mais fortes que as leis oficiais do Instituto e que nos governavam, implacavelmente” (Mendes apudMarques, 2014, p. 48). . A questão aqui é que a palavra “proceder” tem seus sentidos refeitos nas cadeias de acordo com as forças que dela se apoderam em determinado momento histórico ou campo experiencial. Esse novo “comportamento” de que fala WSL é uma atualização dessa virtualidade, assim como o é a atual noção de “proceder” enunciada nas cadeias paulistas com muita força e ênfase nos dias de hoje e funcionando como um atrator conceitual ou valorativo que permite distribuir as relações entre presos e facultar a estratificação do espaço prisional entre “convívio” e “seguro” (Marques, 2014MARQUES, Adalton. (2014), Crime e proceder: um experimento antropológico. São Paulo, Alameda., pp. 60-61).

De toda maneira, podemos tomar o proceder como agenciamento coletivo de enunciação (Deleuze e Parnet, 1998DELEUZE, Gilles & PARNET, Claire. (1998), Diálogos. São Paulo, Escuta., p. 85), uma vez que está em toda parte, presente nas letras das músicas, nas falas cotidianas, nas pichações nos muros das quebradas; uma vez que é enunciado como um “código de honra” ou “regras de conduta” nas cadeias. Mas ao mesmo tempo, e considerando a outra face de todo agenciamento, a noção aponta para agenciamentos maquínicos de efetuação, os agenciamentos de corpos: como se portar em dias de visita, no convívio dentro das celas, quanto à higiene corporal do ambiente; quanto à religião (há um “proceder para os evangélicos”); como proceder em relação aos carcereiros etc. (Marques, 2014MARQUES, Adalton. (2014), Crime e proceder: um experimento antropológico. São Paulo, Alameda., pp. 49-51). Em suma, o proceder atravessa as falas, corre pelo dito e o não dito, sem que seja necessário ou mesmo possível identificar os sujeitos de enunciação. Atravessa os corpos, colando o ato à avaliação moral. Como assinala Marques:

Pelo que pude constatar, não é usual entre os presos tomar a palavra proceder para indicar uma ação. [Em nota: Quando isso ocorre, quase sempre funciona como sinônimo de um agir a partir de uma recomendação, não simplesmente como um agir]. Utilizam-na, antes, como um atributo de um sujeito [um sujeito “tem proceder”] ou como um substantivo. […] O “proceder” enquanto substantivo, portanto, alcança essa complexa relação entre “respeito”, “conduta” e “atitude” (Idem, pp. 48-51; grifos do autor).

Assim, tomado enquanto agenciamento de enunciação e efetuação (e todo agenciamento aponta para uma composição singular de heterogêneos), restituiu-se a potência do “proceder” em fazer correrem as linhas de fuga que atravessam e ligam as cadeias às ruas, “quebradas” e favelas. Como exemplo dessa potência em conectar heterogêneos: o controle do olhar num dia de visita numa penitenciária e a velocidade e a força das palavras na boca de um rapper numa favela. Por essas linhas que atravessam e conectam olhares e falas corre “a complexa relação entre respeito, conduta e atitude”.

Marques prossegue: “Correlacionada à diferença moral entre ‘ter proceder’ e ‘não ter proceder’ está, portanto, a diferença espacial entre ‘convívio’ e ‘seguro’” (p. 52, grifos do autor). Aqui também cabem alguns comentários. O primeiro deles é que os agenciamentos maquínicos, aquilo que se faz, agora considerando somente aquilo que se faz nas cadeias, se entrelaçam de modo muito específico com aquilo que se diz. Se não é usual entre os presos tomar a palavra “proceder” para indicar uma ação, como ressalta Marques, é porque é necessário silenciar após uma “recomendação” prévia ou transmissão inicial das regras de conduta no “convívio”. Como mencionei anteriormente, o proceder não é regra ou lei, só se vale delas para botar para funcionar a máquina de produção da diferença moral. E, daí em diante, só ganha consistência e se deixa ver através das ações, da “conduta”, da “atitude”. Sendo a fala, aquilo que se diz, tomada igualmente como ação entre corpos7 7 . Sobre as relações intrínsecas sobre a fala e determinadas ações, o “performativo” e o “ilocutório” seguindo as teses de Austin, ver Deleuze e Guattari (1995-1997, vol. 2, pp. 14-25). . Ademais, a fala é também um ato fundador: sempre responsável por iniciar uma nova cadeia de eventos, de participações, mesmo quando se entra pelo meio da conversa, na disputa pela interpretação de ações já ocorridas há tempos.

Um segundo comentário. Seria necessário a partir dessa bifurcação convívio/seguro multiplicar em muito as diferenças espaciais (morais e políticas). Já que o espaço do “seguro” dentro das cadeias se abre para o “seguro do seguro”; o “castigo” se dedobra no “castigo do castigo”, as prisões e as cracolândias (em linha direta) alimentam os manicômios judiciários e seus “subterrâneos” (Mallart, 2019MALLART, Fábio. (2019), Findas linhas: circulações e confinamentos pelos subterrâneos de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.).

Sobre esse assunto, relembremos a passagem de Foucault no prefácio ao livro de Bruce Jackson, Leurs prisons, em que indica a necessidade de considerar a prisão com base em seus atravessamentos: “A força das prisões é a incessante capilaridade que a alimenta e a esvazia; ela funciona graças a todo um sistema de comportas […]. Não se deve ver nela a altiva fortaleza que se fecha sobre os grandes senhores da revolta ou sobre uma sub-humanidade maldita […]” (2003, p. 147). Talvez por “senhores da revolta” Foucault estivesse se referindo aos maoístas presos em 1968 na França. O que certamente permite a aproximação com a condição dos “LSN” no Brasil durante a ditadura militar. Entre eles, como mencionei, WSL. Mas a questão é: o quanto a própria condição de sub-humanidade maldita experienciada nas cadeias não foi fundamental para constituir a revolta que leva o nome aqui de “comportamento”? Refiro-me aos presos ditos comuns, como WSL, e não aos presos políticos que buscavam o tempo todo se distanciar dessa condição. Afinal, em algum momento retornariam aos seus antigos territórios existenciais, de classe e de raça, como relatado no Quatrocentos contra um (p. 48). Pois é nesse momento, quando os “senhores da revolta” são eles mesmos, pois nunca deixaram de ser a própria “sub-humanidade maldita”, quando marcados como sobreviventes, desindividualizados (daí a necessidade de lembrar os nomes, como faz WSL o tempo todo no seu relato)8 8 . Diz William da Silva Lima (1991, p. 36): “Desarticular a personalidade do preso é o primeiro – e talvez, o mais importante – papel do sistema”. , com os corpos desfigurados (pelas diversas modalidades de tortura que experimentaram em suas passagens por muitas cadeias; o corpo vivo de WSL foi um exemplo disso), quando tudo que importa é a sobrevida, é aí que surge o “comportamento”, ao mesmo tempo signo e tática política de recuperação da condição humana. É nesse momento que ganha todo relevo a máxima “biopolítica” que WSL ouviu de um dos seus companheiros de cárcere, Nanai, conforme citado na epígrafe deste texto: “cada ato de amizade sincera não se esquece” (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., p. 107). Não nos esqueçamos de que as cadeias também se abrem em certas situações e locais e abrigam o “campo” (Agamben, 2002AGAMBEN, Giorgio. (2002), Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte, Editora UFMG.) no seu miolo ou estofo disciplinar: operam como máquina social de “mortificação sobrevivencialista”, de “mutilação biopolítica” (Pelbart, 2016PELBART, Peter Pal. (2016), O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo, N-1 Edições., p. 31), de produção de “corpos dilacerados” (Mallart, 2019MALLART, Fábio. (2019), Findas linhas: circulações e confinamentos pelos subterrâneos de São Paulo. São Paulo, tese de doutorado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.). E foi a partir daí que tal experiência de resistência política se espalhou pelas cadeias, chegou a São Paulo com o PCC, coletivo forjado também numa cadeia “fim de linha do sistema”, tal qual o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, e acabou por facultar, como efeito reverso e perverso, a explosão das lutas faccionais do crime no Brasil (inclusive, hoje, entre CV e PCC em diversos estados da federação).

Aqui se assenta o fundamento biopolítico – “somos todos sobreviventes” – de todas as partições criminais (entenda-se estatais; a discussão sobre o “racismo” em Foucault [2002FOUCAULT, Michel. (2002), Em defesa da sociedade. São Paulo, Martins Fontes., p. 304] é exemplar nesse sentido) e criminosas (convívio/seguro// amigo/inimigo). Ainda devemos algum dia extrair disso todas as consequências para nossas análises. De toda maneira, devemos marcar este ponto: o que a reflexão de WSL revela é que fundamentalmente, no seu estrato mais basilar, o “comportamento” é um experimento biopolítico.

Retornemos à argumentação de Marques. Como correlacionar as diferenças? Como correlacionar juízo moral (“ter proceder” e “não ter proceder”) a divisão espacial nas cadeias (convívio/seguro) e distribuição política (com a separação agonística entre amigos/inimigos que marca a política nas cadeias e, hoje mais do que nunca, as guerras faccionais do crime)? É o problema do levantamento genealógico dos pontos de vista sobre o qual se debruça o autor.

Todo ponto de vista já é em si mesmo uma genealogia. Essa é a marca proeminente do “experimento antropológico” que Adalton Marques conduziu, inspirado pelas reflexões de Nietzsche e Foucault. Método e objeto entram numa zona de indistinção: o procedimento genealógico revela o ponto de vista, o ponto de vista só existe (e assim se revela) como procedimento genealógico. E como (temos) proceder em termos genealógicos? Resumindo, são quatro as posições que Adalton Marques aponta no seu livro Crime e proceder sobre as cadeias de São Paulo: (1) Nos “[…] relatos de “ex-presos ‘das antigas’ (antes do surgimento das facções no sistema prisional paulista [nota 46, p. 73]), afirma-se que o ‘proceder’ só vigorou plenamente na ‘época dos ladrões’ […]” (p. 73); (2) “[…] alguns ex-presidiários que viveram experiências em unidades prisionais do ‘PCC’ […] afirmam que o ‘proceder’ só foi restaurado nas cadeias que passaram ao domínio hegemônico desse coletivo […]” (p. 71; grifo do autor); (3) “alguns (ex-)presos que viveram, ou vivem, em cadeias do CBBC (Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade) – consideradas ‘seguros’ pelos presos relacionados ao PCC – afirmam que o ‘proceder’ vigora ali assim como era de praxe nas cadeias antes do surgimento das facções […]” (p. 72; grifo do autor); (4) “alguns presos que, após terem sido ‘mandados para o seguro’ em cadeias do PCC, passaram a viver nas margens de ‘cadeias do CRBC’ […] afirmam que o ‘proceder’ deixou de existir no ‘sistema prisional’ […]” (p. 72).

Temos aqui quatro “genealogias” no sentido comum da palavra, uma vez que recorrem à memória dos acontecimentos, às cadeias de eventos, às “[…] suas próprias experiências e sobre a experiência dos outros […]” (p. 69). Duas delas de caráter nitidamente reativo, em termos nietzschianos – “antes das facções, no tempo dos ladrões” e “após terem sido mandados para o seguro” –, prisioneiras do tempo passado e do tempo futuro; e duas de caráter ativo, enunciadas por ex-presidiários que estiveram no “convívio” ou do PCC (hegemônico nas cadeias de São Paulo) e CRBC, habitando o tempo presente. Nesses dois últimos casos também se contam histórias sobre a “recuperação” ou “manutenção” do proceder. Já a noção de “comportamento” enunciada no Quatrocentos contra um por WSL também ocupa no seu relato uma posição ativa, todavia apresentada na chave da “invenção”, mais do que na da “recuperação”. Ali não há menção à palavra “proceder”. Ele se refere, isto sim, a um “ambiente […] paranoico, dominado pela violência e pelo medo, não apenas da violência dos guardas, mas também das quadrilhas formadas por presos para roubar, estuprar e matar seus companheiros” (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., p. 36). Mas também devemos supor que em certo momento de sua vida WSL tenha avaliado que o “comportamento” que ajudou a fazer prevalecer nas cadeias se desvirtuou com o passar dos anos nas prisões do Rio de Janeiro. Ficou no passado. Digo isso porque as narrativas que ouvi de outros ex-presidiários “das antigas” também apontam para isso. E o próprio WSL vai encerrando seu relato no Quatrocentos contra um com as seguintes palavras: “Tem gente demais pensando no poder. A solidariedade concreta, real, atual, possível, está muito esquecida” (p. 107).

Voltemos à argumentação de Marques. São quatro genealogias também no sentido nietzschiano da palavra. Como afirma em outro trabalho: “a atividade genealógica, portanto, é um combate e não um meio de descrever melhor a realidade” (2018, p. 16). Como mencionado acima, isso serve para a descrição antropológica, uma vez tomada pelo “caráter agonístico do método”: “a genealogia deve travar combate […] contra os efeitos do poder próprios de um discurso científico” (Foucault apudMarques, 2018MARQUES, Adalton. (2018), Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. São Paulo, IBCCRIM., p. 16); assim como para os presidiários e ex-presidiários, para quem a constituição da memória é um ato de assenhorar-se dos acontecimentos e refazer as trajetórias pessoais. É o sentido nietzschiano de “interpretação” (Marques 2018MARQUES, Adalton. (2018), Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. São Paulo, IBCCRIM., p. 26). Assim, segundo o autor, ocupar algum ponto de vista, dentro desse quadro, é ocupar uma posição de combate. Estamos afastados de todo relativismo, moral ou epistêmico. Ocupar o ponto de vista do outro é tornar-se o outro – “alemão”; “coisa”; “verme”; “inimigo”. Cada interpretação – cada maneira de responder a pergunta “o que é o certo?”, que é o que impulsiona o procedimento genealógico (Marques, 2014MARQUES, Adalton. (2014), Crime e proceder: um experimento antropológico. São Paulo, Alameda., p. 69) – é uma maneira de assentar e resguardar a diferença em bases agonísticas, de dizer: nós e somente nós somos pelo certo.

Todavia, permanece o problema: como correlacionar as diferenças políticas e morais? Porque, em certas situações de rearranjo das alianças faccionais do crime, antigos inimigos devem se tornar aliados, e antigos aliados, inimigos. Impossível fazer corresponder termo a termo, “proceder”/não proceder”//“amigos/inimigos”. É necessário que o “proceder” funcione, em certos momentos, como chave de justificativa moral da aliança política. Para além do “nós”, para além dos “irmãos” que correm juntos sob a mesma “bandeira” da facção, os “aliados” de outras facções são aqueles nos quais se podem reconhecer os atributos de sujeito que fazem de “nós” os sujeitos que “têm proceder”. Não se ocupa o ponto de vista do outro, mas se reconhece no outro a possibilidade de que dele se ocupe o nosso ponto de vista. Daí porque é costume ouvir como justificativa da aliança com facções que antes ocupavam a posição de inimizade ou, mesmo, como abertura para abrigar alguém que “pulou” de facção: “eles são bandidos como nós”… “são sujeito-homem”…

Por outro lado, o juízo moral também ganha proeminência: a falta de “proceder” pode ser acionada quando da quebra de uma aliança entre facções ou, como geralmente é mais utilizada, como dispositivo de expurgo intrafaccional, patrocinando o rearranjo das relações de poder internas às facções. Assim como, inversamente, o “ter proceder” é acionado no que se refere a permanência ou deslocamento entre posições políticas, como ressalta Biondi sobre o PCC: “[…] o posicionamento do irmão no interior da torre [posição política] depende da avaliação, por seus companheiros, de suas condutas” (2018, p. 137; grifos da autora para marcar expressões dos seus interlocutores). E aqui temos abertura significativa para essa discussão, pois a diferença moral se assenta no autoexame e no exame da conduta dos outros. Um exercício propriamente ético que toma o comedimento e o descomedimento como matéria para incorporar “[…] o alto e o baixo, o nobre e o vil como elemento diferencial” (Deleuze, 1975DELEUZE, Gilles. (1975), Nietzsche e a filosofia. Rio de Janeiro, Rio., p. 1). A falta de “proceder” é descomedimento: o “noia” (que não controla sua relação com a droga); o estuprador e o “talarico” que corteja a mulher de um “irmão” (não controlam seus apetites sexuais); aquele que não controla sua fala, cujo caso limite é a delação; o “olho grande” (que faz a guerra movido por sua cobiça ou desejo de poder) etc. Todavia, e paradoxalmente, junto ao “proceder” temos puro excesso e descomedimento: como reproduzir aqui as imagens das cabeças cortadas e corpos mutilados dos inimigos nas recentes rebeliões em cadeias brasileiras?

Em resumo, disso podemos extrair que a pergunta “o que é o certo?” funciona ora como afirmação de um ponto de vista situado politicamente, ora como exercício de afirmação dos valores que permite se situar politicamente. Impossível postular uma relação de sobredeterminação entre política e moral. Impossível postular a imobilidade das séries de termos por onde correm metonimicamente, em linha de continuidade, as avaliações morais e as posições políticas. O que é “correlação” assume o aspecto de alinhamentos e ultrapassagens.

Conclusão: o proceder ligando as cadeias às ruas

Como é de conhecimento daqueles que se interessam pelo assunto das prisões, experimentamos nas últimas décadas no Brasil o crescimento exponencial do encarceramento, acompanhado, em alguns estados da federação, da expansão dos seus respectivos “parques carcerários”. É o que Garland (2008)GARLAND, D. (2008), A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro, Revan. designava como “encarceramento em massa” que assume características particulares em cada contexto nacional ou mesmo local e nos coloca diretamente diante do problema da circulação, da aceleração das trocas entre o dentro e o fora da prisão. É o problema político por excelência, o problema da circulação e da velocidade (Virilio, 1996VIRILIO, Paul. (1996), Velocidade e política. São Paulo, Estação Liberdade.). Certamente não é só como resultado dessa pressão “demográfica” que se formam os interesses de pesquisa e os estudos que se desenvolvem nessa zona cinzenta entre o intra e o extramuros (existe todo um conjunto de estudos voltados para o deslocamento dos centros decisórios e serviços técnicos e assistenciais para fora da instituição; para a readequação das intervenções por parte das instituições de monitoramento; para o acompanhamento dos efeitos da “prisionização secundária”, entre outras abordagens)9 9 . Sobre este assunto, ver Cunha (2014) e também o artigo de Rafael Godoi publicado neste Dossiê. . Mas, para nossos interesses aqui, desse continuum carcerário que liga “guetos” e prisões, no dizer de Wacquant (2007)WACQUANT, Louis. (2007), Punir os pobres: nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Revan., ou as favelas e as “quebradas” às cadeias no Brasil, cabe indagar que efeitos a “revolução cultural”, tal como enunciada por WSL, ou o “proceder” produziram e produzem agenciando ruas e cadeias.

Espraiar o “comportamento” por toda a “massa prisional” talvez fosse o sonho de WSL. Sonho universalista que somente foi possível de se realizar de forma parcelar. A ironia, se realmente há alguma, é que aquilo que foi forjado na luta biopolítica, para “sobreviver na adversidade” (Lima, 1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., pp. 83-84), quando encontra seus contornos macropolíticos é já como recurso genealógico, participando da composição das diferenças segmentares entre grupos e “facções”, nas cadeias e no crime. O que o “comportamento” ata, o “proceder”, desde sempre e por toda parte, ata e desata.

Dessa maneira, um grande ruído de fundo permanece. O som de milhares de vozes que reverberam entre si e fazem escorrer das prisões para as ruas os enunciados “verdadeiros” sobre o crime. E é aí que o “proceder” adquire sua potência, pois, quer queira ou não, os valores forjados dentro das cadeias já ganharam as favelas das cidades brasileiras há muito tempo. Ganharam as ruas fazendo uso de “vasos comunicantes” (Godoi, 2017bGODOI, Rafael. (2017b). Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo, Boitempo.): como os corpos (a presença de um irmão que saiu da cadeia modificando o “ritmo” da “quebrada” [Biondi, 2018BIONDI, Karina (2018), Proibido roubar na quebrada: território, hierarquia e lei no PCC. São Paulo, Terceiro Nome., pp. 82-83]); as letras dos rappers e a troca de mensagens nas redes sociais; as relações afetivas; as transações comerciais; as guerras movidas intermitentemente contra o “sistema” e continuamente contra os inimigos etc. E se “o ‘crime do País’ e o ‘crime do Brasil’ […] já é uma instância de poder nacional em busca de união” (Feltran, 2018, p. 244; o autor se refere a um “salve” do PCC após um massacre em 2017 num presídio de Roraima), é justamente porque, para além das relações econômicas e políticas que marcam o desenvolvimento dos mercados criminais ou ilegais, há um fundo valorativo comum que corre pelos agenciamentos coletivos de enunciação e se mistura a outros valores e crenças vindos de toda parte.

Certamente não era a replicação das oposições faccionais que WSL imaginava quando forjou junto com outros seu experimento de resistência biopolítica, aqui chamado de “comportamento”. Quando chamou a atenção no seu livro para a capacidade do Estado de multiplicar seus corpos, quatrocentas vezes ou o quanto mais seja necessário, e a relação direta disso com a solidão que a condição de sobrevivente nas (ou das) cadeias sempre evoca, hoje mais do que nunca transformadas em máquinas de “mutilação biopolítica”. O “contra um” de que fala no título do livro. Justamente por isso, seu relato permanece perfeitamente atual.

Descanse em paz, “senhor da revolta”.

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  • WACQUANT, Louis. (2007), Punir os pobres: nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro, Revan.
  • 1
    . Tratar “comportamento” e “proceder” como conceitos remete a uma intenção deliberada em “simetrizar” as posições reflexivas, em colocar as teorias sociais dos prisioneiros em pé de igualdade com as teorias sociológicas ou antropológicas.
  • 2
    . A noção de “massa carcerária” não será mais abandonada, como exemplificam os atuais “salves” do PCC (Feltran, 2018, p. 242).
  • 3
    . Aqui se trata de assentar uma ficção etnográfica constituída a partir do cruzamento do pensamento de William da Silva Lima e de outros autores. Em especial, ganham relevo na composição da argumentação os conceitos espinosistas de “afecção/afeto” (Espinosa, 2009) e o conceito de “valor” em Nietzsche (1998)NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. (1998), Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo, Companhia das Letras..
  • 4
    . É o que o assinalam Pignarre e Stengers (2011): uma denúncia que funciona como meio de se livrar da culpa e evitar qualquer engajamento, que demanda a intervenção do Estado ou a mudança do “sistema capitalista” como um todo, conduz à paralisia. No caso das prisões, as alternativas para se livrar das “alternativas infernais”, como denominam os autores, apontam para a conjunção dos programas de monitoramento que possibilitem mudanças efetivas na vida dos prisioneiros.
  • 5
    . Entre o normativo, o prescritivo e, digamos, o “avaliativo”, não há propriamente uma transformação histórica; essas modalidades retroagem umas sobre as outras de acordo com as situações.
  • 6
    . Como ressalta Marques indicando um trecho do livro de Mendes, Memórias de um sobrevivente: “Ali havia [1968], já de modo dominante, o famoso proceder. Conjunto de normas que eram mais fortes que as leis oficiais do Instituto e que nos governavam, implacavelmente” (Mendes apudMarques, 2014MARQUES, Adalton. (2014), Crime e proceder: um experimento antropológico. São Paulo, Alameda., p. 48).
  • 7
    . Sobre as relações intrínsecas sobre a fala e determinadas ações, o “performativo” e o “ilocutório” seguindo as teses de Austin, ver Deleuze e Guattari (1995-1997, vol. 2, pp. 14-25).
  • 8
    . Diz William da Silva Lima (1991LIMA, William da Silva. (1991), Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. Rio de Janeiro, Iser; Petrópolis, Vozes., p. 36): “Desarticular a personalidade do preso é o primeiro – e talvez, o mais importante – papel do sistema”.
  • 9
    . Sobre este assunto, ver Cunha (2014)CUNHA, Manuela. (2014), “The ethnography of prisons and penal confinement”. The Anual Review of Anthropology, 43 (1): 217-33. e também o artigo de Rafael Godoi publicado neste Dossiê.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2019
  • Aceito
    3 Out 2019
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